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Um epílogo para Lamarca
que apontassem para ele. Depois foi favorecido pela circunstância da Organização, pelo processo de extinção”29. Assim, informações circulavam e chegavam à repressão. Por mais que o comando buscasse reafirmar a necessidade de realização de um congresso no Chile, ambígua e perigosa ideia de seguir no Brasil permanecia com alguns militantes. Estava em ação a fase de deliberada intenção de destruir o que restava da VPR no Brasil, mesmo que para isso fosse preciso alimentar sua sobrevida e atrair quem estava fora para a morte no Brasil. O Cabo seguiria colaborando e dando sustentação ao delegado Fleury para tramar o fim da VPR. Mas antes disso, retomemos a fala de Lamarca.
Um epílogo para Lamarca
Mataram o Lamarca lá na Bahia! Foi uma crise tremenda. Na hora, chorei muito. Acho que todo mundo que estava ali chorou comigo. Foi assim também com a morte do Marighella, do Che Guevara. Todos aqueles que caíam a gente chorava sim, porque via neles mais do que um companheiro de luta, via um irmão.30
Quando chegou no MR8 Lamarca, junto com Iara, produziu um documento “à esquerda revolucionária”. Após expressar seu ressentimento, explicitou:
Enquanto a posição da vinculação política com a massa tenta desenvolver a propaganda armada (agitação) isolada, como um foco debraysta urbano, o isolamento se aprofunda ainda mais no desconhecimento dos interesses e expectativas da massa. A isto, soma-se uma errônea análise de classes, em que os marginalizados do processo produtivo são tidos como a camada principal da massa. Essa posição desconhece que o marginalizado marcha à retaguarda da classe operária, reivindica assistência, é facilmente neutralizável pelo materialismo populista e, quando assume posição revolucionária, tende para a destruição, inadequado para um processo de luta prolongada, em que temos de construir, para construir o poder alternativo, fazendo a Revolução cultural.31
29 Entrevista de Zenaide Machado a Carla Luciana Silva, 2/8/2020. 30 Pedro Lobo lembrando a morte de Lamarca, quando estava em Cuba esperando ser chamado de volta pela VPR. LAQUE, 2010. p. 437. 31 À Esquerda revolucionária.
Evidente que essa crítica não encontraria no interior do setor baiano espaço para superar esses problemas. O fato é que Lamarca nunca aceitou sair do país para reconstruir a luta, muitos líderes da VPR em mais de um momento colocaram esse problema e essa possibilidade, à qual ele recusava sistematicamente, da mesma forma que Iara Iavelberg. Inclusive, recusou os chamados de Fidel Castro para que ele fosse para Cuba, para somar forças e reorganizar a luta desde lá, ou em algum lugar na Europa. Luis Mir aponta que “a justificativa de Lamarca era que seu comandante era Onofre Pinto”32 E portanto não poderia falar em nome da organização, mas isso não valia para muitas outras situações. Darcy Rodrigues, considerado grande amigo de Lamarca, que o acompanhou em muitas de suas ações, narra:
Até hoje não consegui chegar a uma conclusão porque o Lamarca preferiu ficar. No dia 26 de julho eu encontrei o Fidel [Castro] – ele cruzou na minha frente na praça da Revolução -, e alguém gritou: “comandante Darcy Rodrigues”’ Ele virou e falou: ‘Lugar-teniente de Lamarca, hay que traerlo, sino si muere’. Eu comecei a fazer contato com os cubanos, tentando montar um esquema para tirar o Lamarca do Brasil. Mas ele nunca concordou.33
Embora houvesse estreito contato com Cuba, Lamarca acreditava que o treinamento e preparação tinha que ser feito aqui no Brasil, como mostrou a experiência no Vale da Ribeira. Em documento do CIEX, de 29/2/1972 cujo tema central era a relação de Fidel Castro com os militantes que se encontravam no Chile, o tema Lamarca reaparece: FIDEL CASTRO manteve encontro com elementos brasileiros da subversão no Chile, com a presença de UBIRATAN DE SOUZA, dirigente da VPR, ANTONIO BENEDITO CARVALHO PEREIRA (o Dr PEREIRA), advogado, GILBERTO FARIA LIMA, ex-sargento NÓBREGA, MARIA DO CARMO BRITO e JOAQUIM CERVEIRA. FIDEL CASTRO teria dialogado com cada um dos presentes, falando da luta armada no Brasil. Teria indagado das causas da expulsão de LAMARCA da VPR e reafirmado ser partidário da luta no campo (Interior). JOAQUIM CERVEIRA e MARIA DO CARMO BRITO teriam
32 MIR, P. 405. 33 RODRIGUES in SOLNIK, P. 249.
dito que, no Brasil, não havia condições, ainda, para a luta armada no campo e que eles optavam pela guerrilha litorânea. Perguntando sobre o porquê de não haver ações relacionadas a grandes propriedades econômicas por parte dos militantes, Cerveira teria dito que “para tal empresa, seria necessário um trabalho de preparação no seio do povo para que a sabotagem fosse compreendida”, ou seja, colocando mais uma vez o problema da relação com as massas para efetivo sucesso. E por fim, FIDEL CASTRO teria indagado o porquê de CARLOS LAMARCA não ter desejado ir a Cuba quando fora chamado com insistência. UBIRATAN DE SOUZA teria dito que sua companheira, IARA IAVELBERG, teria sido a responsável, opondo-se à viagem do mesmo a Cuba.34
Ou seja, mesmo dentro da organização, mesmo diante de alguém tão relevante para a revolução, o motivo seria apresentado como uma questão meramente pessoal. Chama atenção no relatório, o uso do tempo condicional: “teria indagado”, “teria perguntado”. Dá-nos clara noção de que foi feito por um agente que recebeu de outro agente o relato, e nos perguntamos: de quem? Poderia ser de alguém que estava lá presente? Ainda no início de 1970, o sistema alertava para a vinda de Onofre Pinto, “integrante do grupo de 15 subversivos expulso em decorrência do rapto do Embaixador dos EUA”, dizendo que
Este serviço tomou conhecimento do seguinte informe: - O Ex-Sargento brasileiro ONOFRE PINTO, teria a intenção de retornar ao BRASIL, viajando de CUBA, onde atualmente se encontra, para Praga e daí para Montevidéo, onde se deslocaria para o território brasileiro, em princípios de Fev/70. - O marginado teria sido chamado de volta ao BRASIL pela organização terrorista que integrava. Na ROU, o marginado teria cobertura a ser propiciada pelo deputado comunista uruguaio ARIEL COLAZZO.35
A questão é que Lamarca esperava firmemente por essa atitude. A volta de Onofre e dos demais, para enfim dar reforços à luta. Mas as coisas não ocorreriam dessa forma. Seja porque os militantes viam o que estava se
34 Fidel Castro. Atividades no Chile. Banidos Brasileiros. Informe 027. CIEX/CISA, 29/2/1972. Ou seja, Lamarca há estava morto há alguns meses quando esse relato foi recebido. 35 Atividades subversivas no Brasil. ORIGEM: CIE/II EX - B-2. INFORME Nº44/90-4. 18/2/1970
passando no Brasil, seja porque a opção de se reagrupar no exterior parecia mais acertada. E isso abriu o flanco para a infiltração e traição na VPR. Como vemos, Fidel Castro mais de uma vez se manifestou solicitando a presença de Lamarca em Cuba. Em Havana houve reunião de militantes advindos da Argélia (do sequestro do embaixador alemão). O CISA registrou que “entre os dias 10 e 20 de julho de 1970 registrou-se a presença em Havana de Jefferson Cardin Osorio, procedente da Argélia, onde entrou em contato com Joaquim Pires Cerveira 36. La ele contatou também Wladimir Palmeira e esposa; José Dirceu de Oliveira; Victor Papandreu; Cabo Anselmo; Aloisio Palhano; Adelzito Bezerra; James Allen Luz e Tania Rodrigues Fernandes. O militante Vitor Papandreu seria o responsável, a partir de Montevidéu, por enviar mensagem a Cerveira e Apolonio de Carvalho
[…] para fazer Carlos Lamarca ciente de que aqueles dois elementos necessitavam falar a Lamarca; Onofre Pinto seria o elemento ‘credenciado’ para conversar com Lamarca sobre o interesse de Cerveira e Apolônio em entrevistar-se com o mesmo no Chile ou na Bolívia; cogitaria também que Lamarca viajasse a Cuba.37
O mesmo documento informa que Onofre estava no Chile, “para onde viajara em companhia de Papandreu, procedente de Paris”, ele aguardaria a chegada de Cerveira e Apolonio de Carvalho. Junto com Cerveira deveria chegar o ex-sargento Nóbrega. Ou seja, temos um processo de aproximação desses militantes advindos de vários pontos, o que se consolidaria nos próximos meses. Não temos notícia de que Onofre tenha voltado para o Brasil enquanto Lamarca estivesse na VPR. Ele passaria uma temporada vivendo em Viña del Mar, “alojado em um aparelho de Claudio Vidal” e “já estaria indicado para integrar a equipe de subversivos que pretende fazer sondagens na Bolívia”,38 aprofundando contatos feitos por “Chato Peredo”. Mas Onofre tensionaria demorar-se mais algum tempo no Chile, a fim de receber os elementos brasileiros que forem libertados em troca do Embaixador suíço”. Segundo o mesmo informe, a chegada de Cerveira e José Nóbrega a Santiago se deu também no momento do desfecho do
36 CISA. Presença de subversivos brasileiros em CUBA, informe 433/3/12/1970 37CIEX 492, 28/12/70. Refugiados brasileiros no Chile e Uruguai. 38 CIEX, 496, 30/12/1970. Asilados brasileiros no Chile e Uruguai.
sequestro. Ou seja, novas forças se uniriam, mas já tarde demais para atenderem a convocação de Lamarca. Onofre teria ainda informado que o sequestro teria sido motivado pela prisão de “um estudante que sabe tudo acerca da nova escola de guerrilha montada por Carlos Lamarca no Paraná”, e que a polícia estaria já desconfiada. Assim sendo, em Viña del Mar algum informante seguia os passos do ex-sargento, que poderia ter dado um salto de qualidade na reorganização da VPR, mas parece que tinha sérios problemas de segurança, mesmo que aparentasse o contrário. O fato da morte de Lamarca ter ocorrido apenas meses depois de sua saída da VPR, e da dificuldade de comunicação da época, contribuiu para que seu nome permanecesse vinculado à VPR, sobretudo para os militantes que se encontravam no exterior. O CIEX informa que Ubiratan de Souza “organizou e liderou o planejamento de atentados contra funcionários da Representação diplomática do Brasil em Santiago do Chile, como represália à morte do terrorista CARLOS LAMARCA”. Ele teria procurado a Candido Aragão que o teria dissuadido da ideia, “grande besteira”.39 O CIEX acredita que passado o impacto da notícia da morte “e a consequente explosão de ódio contra o Governo brasileiro, os ânimos dos asilados tenham serenado”. Em outra fonte encontramos o texto, provável panfleto, intitulado PORQUE OS GORILAS ESPUMAM AO OUVIR FALAR DE CARLOS LAMARCA. Conclui com a frase em caixa alta, em destaque:
“A REVOLUÇÃO DOS TRABALHADORES DERRUBARÁ A DITADURA E ACABARÁ COM A EXPLORAÇÃO”
39 Tentativa de atentados contra funcionários da representação diplomática do Brasil em Santiago. CIEX, 19/10/1971. Informe n. 402.