![](https://static.isu.pub/fe/default-story-images/news.jpg?width=720&quality=85%2C50)
3 minute read
Questões existenciais?
“militaristas x massistas”, o velho conflito da VPR. Esse conflito esteve eivado de um forte preconceito contra os militantes de origem de classe média ou mesmo burguesa. Isso marcou profundamente muitas posições contra militantes, e ficou bastante claro com relação a mulheres, tanto aquelas de origem de classe média, tidas como prenhes de “visão pequeno-burguesa” quanto as de origem operária, muitas vezes usadas para dar “fachada de família” a aparelhos. Já os homens de origem burguesa foram mais bem assimilados no trato interno da organização do que mulheres de classe média. É o caso explícito de Gustavo Schiler que, mesmo sendo de origem burguesa, era tratado com cuidados e consideração pelos companheiros, carinhosamente apelidado de “o bicho”, ou seja, ainda demarcado como um outsider, um “bicho”. Já Dilma Roussef, no período que a VAR-Palmares conviveu com a VPR, ou mesmo Maria do Carmo Brito eram sempre vistas como cheias de vícios de classe média, impróprias para determinadas tarefas. O caso mais marcante ainda é o de Iara, sempre lembrada como “uma bela mulher”, abafando sua inteligência e sensibilidade em resolver conflitos pessoais dos militantes. Muitas vezes as mulheres dizem que “corriam atrás” para poder participar das atividades que queriam. Mas percebemos que esse não era, nem se tornou, um problema para as militantes. Muitas mulheres que militaram, até hoje, não têm essa preocupação com relação às desigualdades de gênero presentes naquele momento.
Questões existenciais?
Não me venha com essa. Todo mundo tem medo. Não existe coragem sem medo. (Liszt Vieira)
As questões “existenciais” não estão restritas a questões de gênero. Perguntar-se sobre seu lugar no mundo e a sua inserção na luta era uma constante nos militantes. Sabemos que as práticas de sociabilidade comunistas são essenciais na experiência comunista. O estudo sobre militantes comunistas da historiadora Claudia Monteiro mostra que
[…] lembranças em comum, heróis consagrados, livros não lidos, jargões repetidos, comemorações, bandeiras, festas.... estes são
elementos muito mais evidentes no universo dos militantes comunistas do que interpretações aprofundadas.2
Existe de certa forma uma expectativa de comportamento e afinidades. O que se coloca aqui é, no caso de uma militância clandestina, no que se apegam as pessoas, longe de todos? No caso da VPR vemos uma expressão importante do aprofundamento dos estudos, como já apontamos em Lamarca. Aqui, Vieira fala de seu amigo, Ulisses:
Nunca comentou que sentia saudades de sua família ou que a mulher da sua vida estava em algum lugar do mundo que ele não sabia onde e não parava de pensar nela. Preferia concentrar-se no marxismo, ler Althusser, então na moda, e às vezes divulgar teorias para participantes. Mas jamais confessar o que realmente pensa [...]3 .
O que então o movia? Ainda segundo o relato:
Prevalecia aquela chama, a chama ideológica que não o deixava entristecer, mas o enchia de entusiasmo. Sentia-se fazendo história, sobretudo quando fazia ação, e mesmo no dia-a-dia, no trabalho de reunião ou nas atividades estratégicas, sentia-se verdadeiramente um revolucionário ele sabia que a única maneira de resistência era a luta armada. Evitam até usar a palavra ‘resistência’, pois tinham consciência de que não era uma mera resistência. Desencadeava-se um processo revolucionário, não apenas para resistir, mas para transformar.4
Podemos aventar, entretanto, que a entrada na luta se dava com uma afinidade de luta, mas com um aventureiro desprendimento teórico, como relatou Paiva sobre seu engajamento:
Desfazendo-se de estéreis teorias, formularíamos a síntese revolucionária: cabia à vanguarda – nós, é claro – tomar imediatamente a iniciativa da ação armada, acendendo o estopim que iria provocar a explosão das massas.5
2 MONTEIRO, Claudia. Política entre razão e sentimentos. A militância dos comunistas no Paraná. Curitiba, SAMP, 2017, op cit. p. 66. 3 LISZT, op cit. p. 46. 4 Idem, op cit. p. 52 5 Paiva, 1986, op cit. p. 13.