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A luta como lugar de macho
masturbatória para não ‘comprometer a luta’. Não pensem que eu recusava o sexo! Que nada. Eu evitava confrontá-lo publicamente.11
Ademais cabe ressaltar que essa longa matéria no Pasquim era alvissareira, pois vinha em plena campanha das Diretas Já, e esses temas passavam a vir a público e ser debatidos. Um detalhe importante é que o tema da sexualidade quase não aparece nas reflexões das mulheres.
A luta como lugar de macho
Alfredo Syrkis, que partilhou muitos momentos da luta com Herbert tem uma experiência bastante distinta, embora também de classe média. Fala de sua sexualidade na sua lembrança de quando iniciava a atuação no movimento estudantil:
O pior que pode acontecer é eu levar umas porradas – a ideia despertou-me misturadas sensações de medo e gozo antecipado da admiração dos amigos. Afinal, levar porrada da PM é diferente de apanhar numa festa ou numa briga de rua. A fama de macho fica intacta.12
Da mesma época, Syrkis relata parte de sua própria intimidade, o “macho comedor”:
Era uma época de despertares e de busca de outras pessoas. Os problemas eram parecidos: ruptura com a família, primeiros namoros com sexo, a aventura cintilante da militância revolucionária. Até pouco, a minha vida sexual se limitara a santa punheta e a esporádicas aventuras com as empregadinhas domésticas do edifício. Uma delas, negrinha ágil de seios grandes, foi quem me desvirginara.13
Ao ler isso hoje pode soar muito absurdo no meio da esquerda que pode imaginar que seja coisa do passado falar de uma mulher assim, e trata-la como “negrinha ágil”. Infelizmente, racismo e machismo estruturais seguem, por mais que a esquerda tenha passado a levar o tema mais a sério
11 Herbert Daniel. In: Pasquim. Anselmo de cabo a rabo. 25/4/1984. 12 SYRKIS, op cit. p. 17. 13 SYRKIS, op cit. p. 103.
nos últimos anos. Syrkis arremedava dizendo que logo perceberia que “fazer programas com empregadinhas era contrarrevolucionário”, a visão machista prevalece ainda na sua lembrança onde “namorada a gente tem que respeitar, não pode comer assim, sem mais nem menos, como se fosse puta ou breguete”. Somente depois viria alguma problematização crítica, sempre filtrada pela questão: o tópico em análise era ou não pequeno-burguês? Monogamia, fidelidade, etc. tudo entraria nesse critério. Não esqueçamos que estamos falando de militantes na faixa de vinte anos. Darcy Rodrigues foi um dos fundadores da VPR. Sua biografia recebeu o subtítulo “lugar tenente de Lamarca”, título que ostenta com orgulho. Quando foi um dos libertados no sequestro do alemão, mudou-se com sua família para Cuba e lá ajudou a cuidar da família de Lamarca, a pedido seu. Ele é um dos militantes presentes no Vale da Ribeira que criticava a presença de Iara, parece acreditar que desviava o capitão da luta. Quando discutiam a ida ao Vale o “imbróglio surgiu”:
Iara manifestou interesse em incorporar-se aos treinamentos. De imediato, os militares, e em especial Darcy, opuseram-se: frágil, desajeitada, sem o hábito de caminhar, com asmas, encontraria dificuldades no mato cheio de mosquitos e, além do mais, eles reprovavam a ida de casais, já que a situação especial do comandante frustraria os demais militantes. Convinha, pois, excluir as mulheres.14
Lamarca banca, afinal, Iara era psicóloga, e podia ajudar o grupo, segundo Darcy. Ele também está envolvido em uma denúncia de estupro realizada por uma companheira. Em sua defesa, deslegitima uma das testemunhas, Celso Lungaretti, e traz o depoimento de uma outra militante que disse, criticando a mulher que fez a denúncia já que “ela jamais se deixaria estuprar por um homem. As mulheres da luta armada não eram princesinhas indefesas e nossos companheiros não eram tarados ou maníacos sexuais”. E o autor da biografia remenda: “No caso das bravas mulheres militantes que atuaram na luta armada, todas andavam armadas e não era difícil uma defesa firme contra uma forçada relação sexual”. Evidentemente que esse discurso não é aceitável, um estupro não ocorre necessariamente apontando uma arma na cabeça de alguém e mesmo uma
14 Darcy in: Pedroso Jr, op cit. p. 125.