5 minute read

PREFÁCIO

PREFÁCIO

À/ao leitor/a um prelúdio necessário: Dedicamos este Prefácio à professora em Serviço Social, pesquisadora dedicada, sensível e comprometida com a produção de pesquisas a partir da, na e pela periferia, Dirce Harue Ueno Koga. Professora Dirce era também coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Cidades e Territórios, e docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUCSP, tendo contribuído de forma ímpar na assessoria e na supervisão técnica para a formulação e o aprimoramento das políticas sociais, – em especial da Política de Assistência Social –, relacionadas à assistência e à vigilância socioassistenciais. Pesquisadora/consultora da pesquisa apresentada neste trabalho e que faria seu prefácio, a professora Dirce nos deixou precocemente em 29/10/2021, vítima de um aneurisma. Para que esta pesquisa ganhasse forma, a Profa. Dirce colaborou em vários momentos, desde 2019 na elaboração do projeto, em diálogo no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes – ênfase no Sistema de Garantia de Direitos (NCA-SGD/PEPGSS-PUCSP), em consultorias sobre a etapa da pesquisa em dados estatísticos, e especialmente em dois momentos: o primeiro deles em setembro de 2020, durante um encontro do Núcleo, no qual generosamente compartilhou com a equipe de pesquisadora/es e estudiosas/os orientações preciosas sobre a coleta e as análises de dados numa pesquisa de campo. E o segundo, em agosto de 2021, dois meses antes de sua partida, quando nos brindou durante o encontro do NCA-SGD: “Territórios de vida, territórios vividos: Indicadores intraurbanos para políticas públicas” com suas reflexões sobre pesquisa, e inspirou muitos/as pesquisadores/as nos lembrando que o ato de pesquisar é feito de processos em que sempre há descobertas, “a pesquisa é uma viagem em busca do objeto”. A Profa. Dirce sempre nos lembrava, delicada e assertivamente, que era preciso uma pesquisa de sangue quente e que escapasse do ordinário. Ela nos convidava a romper com as “caixas” e a ampliar a escuta e o olhar, de modo a valorizar a importância de cada saber. A sua contribuição valorosa no processo desta pesquisa precisa ser exaltada.

Professora Dirce, presente!

O texto que o/a leitor/a tem em mãos é resultado de um processo contínuo de estudos do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes – ênfase no Sistema de Garantia de Direitos, do PEPGSS/PUCSP que, no momento, tem como projeto central o desenvolvimento da pesquisa sobre “INFÂNCIAS, JUVENTUDES, FAMÍLIAS E SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS APÓS 30 ANOS DO ECA: interinstitucionalidades, intersetorialidades, trabalho social/trabalho profissional e dinâmicas socioterritoriais”.

Interinstitucionalidades e intersetorialidades compreendidas como estratégicas dentro do marco da doutrina de proteção integral do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes (SGDCA) e como constitutivas para a efetiva promoção, proteção e defesa de direitos infantojuvenis. Os aspectos discutidos no presente documento, relativos à etapa 2 da pesquisa, que priorizou uma base de dados estatísticos, têm como premissa compreender o nível, ou a ausência, da efetividade do Sistema de Garantia de Direitos e da proteção integral de crianças e adolescentes em diferentes territórios da cidade de São Paulo, abrangendo desigualdades socioeconômicas, diversidades socioculturais e dinâmicas socioterritoriais, colocando foco em realidades de cinco distritos da cidade de São Paulo, que estão entre aqueles com maiores índices de exclusão social e disparidades, e um distrito com maiores índices de inclusão – a título de comparação, assim como apresenta alguns indicadores gerais da cidade. A publicidade desses dados ocorre em um contexto social atravessado por uma crise mundial sanitária desencadeada pela pandemia da Covid-19, escancarando, simultaneamente, as fissuras das organizações sociais e econômicas dos países, tendo em vista a sociabilidade pautada nas relações de produção capitalista, em que o “poder inversor do dinheiro” baliza todas as reações e decisões em níveis de proteção social. Na particularidade da realidade brasileira, a conjuntura é ainda mais abissal, e a título de compreensão das tensões no chamado SGDCA, levantamos a seguir alguns pontos. Desde 2016, a população tem sido atravessada por golpes à democracia e aos direitos arduamente conquistados, vendo-se em escala sempre crescente o golpe parlamentar e de Michel Temer, a aprovação da contrarreforma trabalhista e a lei da terceirização que impacta diretamente nos serviços públicos e na proteção social. O assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes - ela que buscava desvelar o genocídio da juventude preta e periférica do Rio de Janeiro; a ascensão à presidência de um governo ultrarreacionário, ultraneoliberal, de extrema direita, que tem aprovado medidas constantes que desmantelam as políticas públicas e os direitos, trazendo à tona na agenda pública a redução da maioridade penal aliada ao projeto de criminalização e genocídio da infância e da juventude pobre e preta de nosso país, além de, insistentemente. pautar a moralização dos comportamentos, dos corpos e da vida. Construir uma pesquisa que visa compreender a efetividade do Estatuto da Criança e do Adolescente nesses marcos e conjuntura, vinculados diretamente à realidade dos territórios, é um ato de resistência, de manter-se em pé contra um sistema gravitacional de ataques violentos cotidianamente. A presente pesquisa aponta aspectos fundamentais que problematizam os marcos da infância e da juventude evidenciado a desproteção social em contraposição

ao discurso da negligência: o genocídio de adolescentes e jovens pretos/as periféricos/ as, o recrudescimento das políticas públicas quanto à possibilidade de ofertas; o sucateamento das condições de trabalho de profissionais; a contínua individualização das responsabilizações das famílias sobre os cuidados com crianças e adolescentes e, nos anos mais recentes, o crescente apagamento de dados, ou ausência de construção de indicadores, constitutivos do atual governo federal, escancarando que a prioridade do país não é sua infância e juventude, como tampouco o é o restante da população. Pesquisar nesses marcos é pesquisar na contracorrente, é dar visibilidade, circular o debate, provocar questões, e resistir na contínua pesquisa desvinculada da lógica produtivista do capital financeiro. Olhar para a cidade de São Paulo pela luneta dos direitos fundamentais preconizados no ECA é lançar luzes sobre a colcha de retalhos que faz de São Paulo uma cidade desigual, em cortes e costuras das infâncias e juventudes nos territórios, ligadas e profundamente separadas por pontes, trilhos, rios, oportunidades e edifícios cinzentos, com denúncias gravadas pelos grafites da cultura dos sujeitos periféricos. Com a profa. Dirce Koga aprendemos, dentre tantas coisas, que dados são reflexos de vivências, são faíscas de vidas que pulsam nos territórios e se entrelaçam entre histórias contadas por quem as viveu ou experimentadas respeitosamente por quem delas pôde partilhar – histórias e experiências que serão buscadas na continuidade da investigação em foco. E assim se constitui esta pesquisa, cujos desenhos primeiros estão impressos nas próximas páginas, por meio de dados que nos provocam a pensar sobre justiça social e dignidade às crianças e aos adolescentes dos territórios da cidade de São Paulo.

São Paulo, dezembro de 2021.

Luiza Barros

doutoranda em Serviço Social, pesquisadora do NCA-SGD, morada em territórios da Grande São Paulo.

Mayara Souza

doutoranda em Serviço Social, pesquisadora do NCA-SGD, transitando de territórios da Paraíba para territórios de São Paulo.

This article is from: