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Os frutos da leitura do livro “A alma de todo apostolado”

Lembro-me do dia em que, prestando atenção no que em latim se cantava no coro da igreja de Santa Cecília, tive uma espécie de entusiasmo por uma súplica que dizia: “Sanctifica me in veritate”, que significa: “Santificai-me por meio da verdade”.

Quer dizer, sendo um homem veraz, que não mente, que não se engana a si mesmo, que não engana os outros, fazei com que, por esta forma, eu me santifique.

Eu era muito moço ainda e não traduzi bem. Entendi assim: “Fazei de mim verdadeiramente um santo”.

Tive uma espécie de sobressalto de entusiasmo em minha alma, e pedi imediatamente a Nosso Senhor, por meio de Nossa Senhora: “Santificai-me”, quer dizer, “fazei de mim verdadeiramente um santo”.

Não estou dizendo que eu tenha conseguido isto. Estou dizendo que desejei isso com todo o ardor. E que explicitei esse desejo quando ouvi essa canção cantada pela Igreja. E isto tinha para mim um valor enorme.

Propriamente, o santo que mais me atrai e para o qual eu mais me sinto chamado é Santo Inácio de Loyola106 .

Não é fácil, e nem sei se é praticável, fazer uma distinção entre o meu espírito e o espírito de Santo Inácio. Porque o que está no meu espírito foi aprendido com Santo Inácio. Um dos elementos componentes do meu espírito é, sem dúvida, o espírito de Santo Inácio107 .

Os frutos da leitura do livro “A alma de todo apostolado”

Minha avó tinha o hábito de ficar deitada até tarde, porque não tinha saúde muito boa. Mas, deitada na cama – uma cama colonial bonita, serviria para peça de museu – , ela ficava governando a casa.

Um dia passa por lá um irmão leigo pobre, esfarrapado, toca a campainha e oferece um livro para minha avó. Ele estava vendendo de porta em porta.

Eu estava no quarto dela quando entrou a governanta da casa e lhe disse: – “Dona Gabriela, aqui está esse livro”.

Ela olhou um pouquinho e mandou lerem o título do livro para ela. Ela não entendeu o que é que queria dizer o título do livro. Mas a governanta

106 Chá PS 3/12/93 107 EVP 3/4/88

da casa, que era muito piedosa, mais até do que minha avó, estava com evidente pena do homem que o vendia. Também não entendia o que é que queria dizer o título do livro, mas queria que minha avó comprasse para entrar dinheiro no bolso do irmão leigo. Então disse: – Não, Dona Gabriela, leia, porque um homem tão bom não pode deixar de difundir livros bons.

Este raciocínio de uma elementaridade primária tocou minha avó. Ela disse: – “Então compre”.

A criada foi depressa, comprou o livro, e eu vi a criada meter o livro numa108 estante muito bem trabalhadinha, muito bonitinha, com livros bem encadernados.

Quando passei para o ambiente católico das Congregações Marianas, Nossa Senhora me ajudou e fiz os progressos de que já falei.

Lembro-me de que um dia pensei o seguinte109: “Depois do que se passou, tenho de ficar muito mais fervoroso do que fui, preciso dar um incremento à minha vida religiosa, muito maior do que tinha dado até aqui. O que devo fazer?”

Lembrei-me: “Olhe, há aquele livro na estante de vovó. Gostei do nome do livro, e me recordo de que era escrito por um francês”. Uma coisa escrita por um francês exerce uma sedução especial sobre minha alma.

O livro se chamava “L’âme de tout apostolat”110, de um padre que nunca ouvira falar em minha vida, chamado Dom Chautard111 .

Fui ao quarto da minha avó, tirei o livro lá de dentro, nem falei com ela nem com ninguém. Comecei a ler112 com uma atenção enorme113 e percebi que era um céu que se abria para mim114. Esse livro teve sobre mim um efeito muito grande.

Por isso posso dizer que lucrei muito com a leitura do livro, porque ele coloca de frente esse problema: “Quem for orgulhoso, faz apostolado para sobressair. Este não faz o apostolado por amor de Deus e Deus não dá graça ao apóstolo que põe orgulho no seu apostolado. Pode desistir, não obterá a graça de Deus. Ele pode ser o homem mais inteligente, mais

108 Palavrinha 11/3/94 109 SD 24/9/83 110 Palavrinha 11/3/94 111 SD 24/9/83 – Dom Jean-Baptiste Chautard (1858-1935) foi um sacerdote e religioso da Abadia de Aiguebelle, da Ordem de Cister, e mais tarde Abade da Trapa de Sept-Fons (França). 112 Palavrinha 11/3/94 113 SD 24/9/83 114 Palavrinha 11/3/94

isso, mais aquilo do mundo, mas a graça não se difundirá por meio dele e o seu apostolado será inútil” 115 .

E então pensei: “Deixei uma enormidade de coisas a que eu era muito afeito, entreguei-me ao apostolado e não vejo muitas condições de ser fecundo. Porque vejo que o Brasil está rolando para baixo e as Congregações Marianas estão andando em nível plano, sem subir. O que mais é preciso fazer para ter o apostolado fecundo?” 116

Dom Chautard mostrava que a substância do apostolado é que o homem possua em si intensa e abundantemente a graça de Deus e a transmita aos outros. De maneira que o apostolado é fecundo quando o apóstolo tem muita participação na graça de Deus. O apostolado é estéril quando o apostolado tem uma pífia proporção de participação na graça de Deus. Não basta viver em estado de graça. A coisa é outra: é preciso tê-la de modo superabundante, para que essa superabundância jorre para outros. Isso é que é preciso e vem demonstrado com uma opulência de argumentos perfeita.

E pus-me diante do problema: “Todas essas razões também valem para o apóstolo leigo; ou procuro santificar-me, ou sou um palhaço, e não conseguirei nada, porque não tenho o grau de fervor necessário. Tenho de aspirar à santidade e não a outra coisa117 . Ou dou tudo, ou meu apostolado não alcançará a vitória da Contra-Revolução!”

Já havia renunciado ao que me podia levar para o mal. Mas não bastava. A alternativa era essa: “Ou dá tudo, ou seu apostolado é um apostolado que não dá nada! E você será um bobo, pior do que um palhaço. Porque você largou tudo para entrar por esse caminho, e nesse caminho você não fez nada! Você quer esse papel de idiota? Se quiser, faça! Arrebente-se! Depois você tem face para carregar diante de Deus, para carregar diante de Nossa Senhora esse labéu: ‘Você poderia ter dado tudo e não deu’. Quem sabe o que o seu ‘dar tudo’ poderia trazer?”

Dom Chautard deixa claro: Para que esse tudo renda muito na ordem da comunhão dos Santos, o homem não precisa ser muito inteligente, nem precisa ser muito capaz. Nem precisa ser grande em nenhum sentido. Ele precisa ter dado de si inteiramente! Essa é que é a questão.

Então continuei a pensar: “Não adianta você estar fazendo discursos (percebia que eu tinha tais ou quais dotes de oratória). Não adianta você estar escrevendo artigos, não adianta nada se a graça não fecundar o que você disser” 118 .

115 Almoço 10/5/93 116 Almoço 10/5/93 117 SD 15/04/89 118 Almoço 10/5/93

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