7 minute read
A graça de Genazzano
com isto por misericórdia, por bondade, e que me levaria a que realmente isso se cumprisse.
Isto é o clou da questão540 .
A graça de Genazzano
No que consistiu o que chamamos de “a graça de Genazzano”?
Na minha entrada no Movimento Católico, li um versículo com esta oração: “Não corteis a minha vida na metade dos meus dias”541 .
Achei muito bonito este pedido. Quer dizer, a pessoa tem um número de dias determinado pela Providência. E a Providência pode cortar a vida do indivíduo, não lhe dando tudo aquilo quanto originariamente lhe destinara, por essas ou aquelas razões. Então o salmista pedia: “Não corteis a minha vida na metade dos meus dias”.
Esta oração se transpunha, no momento daquela doença de 1967, para o seguinte: “Não corteis a minha vida na metade da minha obra, obra que Vós mesma me destes, e para a qual Vós me chamastes”.
Em ocasiões anteriores, tinha muito receio de que uma infidelidade minha pudesse levar a Providência a cortar os meus dias542. Mas naquele momento eu não estava pensando nisto. Foi aí que recebi a chamada “graça de Genazzano”543 .
Quando na Congregação Mariana de Santa Cecília começou a brotar a primeira semente do que veio a ser depois a TFP, via que aquilo era uma primeira renovação das minhas antigas esperanças, as quais renasciam da árvore que eu plantara, mas que o sopro da heresia progressista havia jogado no chão. Algumas frutas caíram, umas tantas sementes entraram na terra e outra coisa nascia. Essa coisa que nascia era a TFP.
Entravam pessoas novas, recomeçava-se tudo com alguns restos do grupo anterior. E a esperança renascia fulgurante, para logo depois ficar de novo apertado contra a parede: a coisa quebrava, caía. E então parecia que Deus tinha pena de mim e me abria mais uma oportunidade. Eu a aproveitava e ela, mais uma vez, me parecia morrer nas mãos: o grupo
540 CSN 16/07/94 541 Sl. 101, 25 542 SD 16/12/88 543 SD 16/12/88
constituído voltava a me dar aborrecimentos, a me dar preocupações de toda ordem e das mais amargas
À vista disso, para mim se punha o problema: que sentido tem tudo isso?
Esses aborrecimentos e essas preocupações produziram a certa altura uma série de efeitos que acabaram por atacar a minha saúde, de maneira que fui acometido de diabetes. Mas eu não percebia que estava diabético544 .
Chegou uma determinada hora em que não pude mais levantar. Tive que chamar os médicos, eles me examinaram e o resultado foi: o grau normal de açúcar no sangue de uma pessoa sem essa doença seria igual a 100, e eu estava com 500, quer dizer, gravissimamente atacado de diabetes545 . Fiquei entre a vida e a morte546 .
Os médicos chegaram à conclusão de que era preciso levar-me logo – e tinham toda a razão – para o Hospital Sírio-Libanês e me fazer uma amputação. Corri o risco de ter que amputar parte da perna até o joelho. Mas felizmente não chegou até lá, e foi apenas uma parte dos dedos do pé que foi amputada547 .
Tudo isto aconteceu em dezembro de 1967, tendo eu 59 anos de idade548 . *
Algum tempo antes desses fatos todos, eu me pusera a ler incidentalmente o livro “La Vierge Mère du Bon Conseil”, de Mons. Georges F. Dillon549. Durante a leitura, experimentei uma sensível consolação.
Antes que eu adoecesse, tendo um amigo meu de Belo Horizonte, Dr. Vicente Ferreira, viajado para a Itália, teve este a gentileza de me trazer de Genazzano uma estampa representando o venerando quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho. Essa estampa me chegou no momento da provação espiritual acima mencionada e que me fazia sofrer muito mais do que a enfermidade física.
Estava certo de que meu falecimento, naquela conjuntura, acarretaria a ruína do esforço que começava a vicejar com vigor. Daí um estado de verdadeira ansiedade a propósito das incertezas de minha situação clínica e cirúrgica.
544 SD 25/4/92 545 SD 25/4/92 546 Palavrinha 29/11/90 547 SD 25/4/92 548 Declaração de Dr. Plinio, 10/5/1985 549 Desclée de Brouwer, Bruges, 1885.
No dia 16 de dezembro, outro amigo, Dr. Martim Afonso Xavier da Silveira, fez-me a entrega da aludida estampa, em nome do Dr. Vicente Ferreira.
Quando a fitei, tive a inesperada impressão de que a figura de Nossa Senhora, sem mudar embora em nada, exprimia para comigo inefável e maternal doçura, e de que Ela me confortava e me incutia na alma, não sei como, a convicção de que a Santíssima Virgem me prometia que eu não morreria sem ter realizado a obra desejada. O que me invadiu de suavidade a alma.
Hoje conservo intata essa convicção. E, pelo favor de Nossa Senhora, essa obra tem prosperado admiravelmente, autorizando a esperança de que alcance sua meta.
Quando fui agraciado com o sorriso-promessa de Nossa Senhora de Genazzano, nada disse aos circunstantes. Só muito mais tarde falei disto a amigos. Dois destes que me faziam companhia no hospital quando eu recebera a estampa, ao ouvirem minha narração, disseram que haviam notado que a figura da Mãe do Bom Conselho me fitava com muito comprazimento, o que lhes chamara muito a atenção. Eles não haviam notado, porém, o sorriso-promessa a que aludi.
Graças também à Santíssima Virgem, minha saúde se recompôs então de modo a surpreender o cirurgião. E a segunda operação se tornou desnecessária550 .
No que diz respeito à graça de Genazzano, não tenho dúvida nenhuma de que o fator preponderante foi o sobrenatural. De tal maneira recebi uma graça ali, cuja ocasião era aquela imagem, que não posso imaginar ter sido uma mera ação de um anjo exercida sobre mim a propósito da imagem, mas teria que haver uma graça de caráter sobrenatural, sem a qual um incremento na devoção a Nossa Senhora não seria possível.
Tenho certeza de que foi sobrenatural pelo efeito que produziu. Porque a santificação é uma coisa sobrenatural. E melhorei um pouco ali551 . *
Eu era muito menos sereno antes da graça de Genazzano. Desejaria ter sido mais, mas a graça de Genazzano deu-me uma serenidade maior.
550 Declaração de Dr. Plinio, 10/5/1985 551 CM 11/11/90
Isto porque, tendo-a recebido, eu tinha, no fundo, uma promessa de Nossa Senhora.
Nossa Senhora me aplacou a respeito de uma porção de coisas más que poderiam suceder, e sei que não sucederão apesar de prováveis.
Nas situações difíceis, fico à espera de uma ação de Nossa Senhora, que sempre vem. Ela nunca faltou. Evidentemente, essa promessa não evita que eu sofra muito com os acontecimentos. Esses acontecimentos me fazem sofrer de fato.
Os senhores me dirão: “Mas, doutor Plinio, isto é uma contradição”.
Não é. Pois não sei que coisas podem me suceder pelo meio, nocivas à nossa causa. Nossa Senhora prometeu que minha vocação se realizaria. Mas há amplitudes no realizar essa vocação. E não posso ser indiferente ao modo como ela se realiza. E sinto profunda agonia com o que se dá.
Assim, vivo em um suspense, pronto a tomar qualquer atitude diante daquilo que é o mais provavelmente previsível que se desencadeie contra a nossa causa. Então, tenho hipóteses marcadas, providências estudadas.
Quer dizer, não há um mistério nisso, é uma atitude comum. É o que faço. Não pode ser outra coisa, não adianta ser outra coisa552 . *
Depois daquela graça de Genazzano, sobrepaira em minha alma a convicção de que, apesar do vaivém mais terrível, mais embaralhado e mais complicado que possa haver, prevalecerá o desígnio de Nossa Senhora, que é a vitória da Contra-Revolução.
Dessa maneira, a primeira obrigação é a da tranquilidade absoluta, quer dizer, não me permitir nenhuma dúvida a esse respeito, pois tenho essa promessa, da qual não duvido nem um pouco que tenha sido uma promessa de Nossa Senhora.
Quer dizer, por paus e por pedras, seja lá de que modo for, chegaremos ao nosso destino. Nossa Senhora não nos abandonará. Devemos então, com muita confiança, enfrentar tudo o que aparecer553 .
A estampa de Nossa Senhora de Genazzano, eu a mandei enquadrar e se encontra em cima de um móvel do meu quarto, em frente à minha cama. Osculo-a de manhã e à noite, antes de dormir.
De manhã, quando me levanto, olho-a e rezo a ela detidamente.
À noite, quando vou me deitar, tenho a perspectiva de dormir na presença daquela estampa que uma vez deixou transparecer para mim o
552 CSN 26/8/89 553 CSN 19/1/91