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A paternidade espiritual do fundador
A paternidade espiritual do fundador
Todos juntos nascemos para a mesma luta, para as mesmas vitórias, para as mesmas dores, para os mesmos riscos520 .
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Quando minha irmã Rosée e eu éramos muito moços ainda, e estávamos começando a vida, ela ofereceu vender todas as joias dela e custear-me um curso de dois ou três anos na Sorbonne, para eu voltar com uma formação intelectual que metralhasse o ambiente aqui. Ela, como irmã, estava no direito de fazer-se essa ilusão.
Mas pensei: “Se eu for embora durante dois ou três anos, esse grupinho, que é o último fermento precioso de anos de apostolado e de vitória, se desfaz”.
Era um grupinho ainda débil, e, portanto, havia toda a possibilidade de nunca mais se reconstituir se me ausentasse. Por amor a esse fermento no qual habitava a esperança, eu disse: “Não, rejeito essa oferta segura que me passa pelas mãos e fico na insegurança numa certa ótica, mas na esperança. Vamos para frente”521 .
Se não tivesse a adesão dos senhores, eu me consideraria como uma célula sem protoplasma, ou uma cabeça sem corpo. Os senhores são o meu complemento natural, mas um complemento sem o qual eu seria inexplicável. Eu não teria sentido nem para mim mesmo, nem dentro dos planos da Providência.
Os senhores como que fazem parte de mim mesmo, são elementos integrantes de minha alma, e na alma de cada um vejo um prolongamento harmonioso e admirável da minha própria alma, pelo qual deverei dar um dia contas a Nossa Senhora.
Desde já Ela me ajuda de um modo simplesmente admirável, e conservo a esperança de que, um dia, quando todos nós tenhamos comparecido perante Ela, e aos pés d’Ela, sintamos mais do que nunca quanto comigo, e todos nós, uns com os outros, quanto somos um n’Ela e em Jesus Cristo Nosso Senhor522 .
Eu lhes quero muito. Mas lhes quero muito por amor de Deus, por amor a Nossa Senhora, por amor à Igreja Católica.
520 Chá SB 13/12/94 521 CSN 30/11/91 522 SD 18/4/75
É por causa disto que os quero. Se não fosse isto, não teria razão para querê-los. Os senhores também não teriam razão para me querer. Nosso vínculo é este523 .
Quando vou a uma sede e um membro do Grupo me serve, digamos, um chá, tenho bem noção de que ele está fazendo um serviço que não competiria a ele, e que, se ele o está fazendo, é por força da vocação. Então é bom que ele saiba que tomo isto more paternum, como um pai faz ou deveria fazer em relação ao seu filho. E procurando suavizar isso tanto quanto possível524 .
Não há uma pessoa, não há um rapaz que venha falar comigo, que os senhores não notem que vem na fragilidade dele e procurando certo apoio.
Na idade dele, no tipo de relações que existe entre nós, é natural isto. Mas os senhores notam que dou esse apoio a ele. Quer dizer, trato-o com jeito protetor, pelo qual ele entende que, seguindo o bom caminho, ele tem todo o meu apoio, e que o protejo como se fosse pai dele.
De outro lado, eu o trato com respeito. Nunca faço uma brincadeira nem nada. O que é cabível de respeito para com um rapaz, isso eu dou.
O respeito faz o encanto da vida. Respeitar e ser respeitado é o corolário de admirar e ser admirado. E isto é mais importante do que querer e ser querido525 .
Tenho consciência de que, de um modo ou do outro, quando uma pessoa entra para a TFP, Deus o faz conhecer o espírito que ele deveria ter, e que procuro comunicar, e o modo de ser que a alma dele deveria assumir. Isto cria uma semelhança estreitíssima que, se ambos forem fiéis, dá uma espécie de unidade e de identidade.
Esta semelhança determina uma vinculação, uma responsabilidade, um cuidado, um desvelo muito maior ainda do que se tivesse constituído santamente pela natureza, porque tem uma responsabilidade especial.
Deus pôs aquela alma no meu caminho, devo ir até o fim do caminho com ela, no caminho da paciência, do afeto, do respeito, mesmo que a pessoa depois se torne ruim.
523 Chá PS 8/9/89 524 Chá SRM 2/6/91 525 Chá SRM 27/1/93
Ainda que seja ruim, é preciso reconhecer que, naquela alma, existe um pavio acesso que ainda pode incendiar uma floresta. E, portanto, preciso tomar conta daquele pavio, porque um grande bem, uma grande luz ainda pode luzir por causa dela.
Mas, independentemente disso, e, portanto, independentemente de qualquer cálculo de utilidade em vista do apostolado, a afinidade e a semelhança levam a essa posição de alma.
É essa a razão pela qual meu trato com os membros do Grupo é como é. Tenho certeza de que não se pode ter trato melhor do que tenho.
Mas não é uma coisa que tenho calculada juridicamente: “Eu devo esse trato moralmente àquele, porque afinal há tais e tais razões para isto. Portanto, vou fazer força sobre mim, que sou indiferente a ele, e arrancar de mim uma atitude externa pela qual eu pague minha dívida para com ele”.
Não é assim que se passam as coisas. Nosso Senhor, olhando para o moço rico do Evangelho, o viu e o quis bem. Eu também, vendo um membro do Grupo, ainda que ele ande mal, e vendo o fundo do chamado que não está extinto, o quero bem.
Isto não supõe uma reciprocidade. O próprio do amor paterno é ser tal que quase elimina a reciprocidade. De maneira que, mesmo recebendo as piores ingratidões, ainda assim é como se não houvesse nada.
Há evidentemente limites. Se aquela alma rompe com Deus, aí rompeu comigo. Não é romper com Deus apenas no estado de graça, é romper com Deus pela perda da Fé, transformando-se em inimigo de Deus: aí virou a página. Se algum dia se arrepender, eu poderei ter pena526 . *
Comecei a compreender que a hora da bondade havia chegado quando percebi o surgimento da geração nova que entrava no Grupo.
Nos primeiros dessa geração, passei uns pitos, tal como estava acostumado a passar no pessoal da minha idade. Eles, em vez de se revoltarem, choravam.
Diante dessa reação, tive uma surpresa: “Que negócio é este?”
O fato é que, a partir daí, começou outra canção527 . *
526 Chá SRM 4/4/88 527 Almoço EANS 15/9/88
Os senhores terem a certeza de que – que Deus nos livre – andando mal, eu os trataria como os trato, e que eu seria um pai bondoso em qualquer ocasião, não lhes dá muito mais bem-estar de participar da TFP do que soubessem que, andando mal em qualquer coisa, viriam logo raios e tempestades e expulsão?
Quer dizer, a bondade atrai e une. Ela não é bobice nem moleza. Não é deixar dentro da TFP uma pessoa cujo mau exemplo pode contaminar, não é dar a ideia de que somos indiferentes, não é deixar de ter uma profunda censura à atitude que o outro tomou, mas é a bondade.
É o afeto que continua, apesar da má conduta. Ele não permite a má conduta, desconfia desse inimigo não só potencial, mas declarado, de olhos abertos em cima de tudo quanto ele faz, e o impede de fazer o mal. É uma atitude militante. Mas militante com bondade528 . *
Em todas as ocasiões é preciso que o membro do Grupo, tratando comigo, note duas coisas: minha enfática adesão aos nossos princípios; e minha oposição irremediável ao que não é isto.
Mas depois, de outro lado, muita pena e vontade de atender, de ajudar, de reerguer, de apoiar aqueles que não estão seguindo bem os princípios, mas que por uma palavra de afeto, de estímulo, podem reaquecer-se no amor de Deus.
É uma consideração temperada, não é uma consideração que estimule a vaidade. Por quê? Porque são meios de reerguer um filho que está cansado no caminho e que se trata de ajudar.
Mas se as coisas chegam a um determinado ponto, aí não! E se esse membro do Grupo quer de mim qualquer coisa que signifique a menor colaboração dele com o mal, desista, porque não sai. Ele pode matar-me se quiser, mas obter isso de mim, não529 .
Faço continuamente a vontade dos outros, contanto que os outros façam a vontade de Deus. Se notar que eles fazem a vontade de Deus, estou disposto a todas as concessões; se notar que não, não estou disposto a nenhuma530 .
528 Chá SRM 17/4/94 529 Chá SB 1/9/88 530 Jantar EANS 13/11/91
Os senhores não calculam o que é o peso de levar nas costas o Grupo. É uma coisa do outro mundo. Quer dizer, é uma montanha para carregar. Como todos os pesos, pesa tanto mais quanto mais permanece nos ombros. É que esse não é o peso do cansaço, mas é o peso que se multiplica.
Por aí os senhores compreendem qual é a marcha ascendente dos sofrimentos. É natural que os sofrimentos venham em ascensão. Como pode não ser?
Digo isto aos senhores de propósito. Por quê? Como esse peso deve ser visto?
Não deve ser visto como algo que desanima, mas como algo que se carrega. E quando prestamos bem atenção, somos no fundo carregados pelo peso. Quer dizer, ele nos eleva tanto e nos ajuda tanto a subir, que vale a pena suportá-lo531 .
Dois ou três dias antes de ter sofrido, em 1975, aquele desastre de automóvel na estrada de Jundiaí, eu me ofereci a Nossa Senhora para o que Ela quisesse, desde que reerguesse o Grupo de um estado de indolência e frieza em que estava.
Não havia nenhuma crise ameaçando, não havia nenhuma coisa assim, mas esse estado de indolência e de frieza geral era tudo quanto havia de pior. A própria existência do Grupo estava ameaçada.
Esse oferecimento o fiz conversando num sábado à noite com algumas pessoas que estavam em casa. Eu disse que faria esse oferecimento532 .
Da época do desastre para cá houve, na TFP, vários afervoramentos que talvez não tivesse havido sem o desastre.
No total, acho que a situação do Grupo, com a graça de Nossa Senhora, é muito melhor em 1985 do que no tempo do desastre533 .
531 CSN 24/4/82 532 Chá SRM 15/12/91 533 CSN 2/2/85 5ª PARTE – FUNDADOR DE UMA FAMÍLIA DE ALMAS ... 225
226 MEU ITINERÁRIO ESPIRITUAL