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O receio de ter seguido uma via não desejada por Nossa Senhora
Quer dizer, Ele passou por esta sensação de que Deus lhe voltou as costas. Mas, dentro desta sensação, a fé continua a dizer: “Esta impressão é absurda. Logo, Ele não voltou as costas”.
Nesta matéria, há sobretudo uma coisa que é de dilacerar: é a demora. Quer dizer, é quando vemos as décadas se passarem, e essa esperança fica de pé, mas parecida com um estado de inconsciência. Tem-se vontade de perguntar: “Você não percebe que o tempo está passando, não percebe que sua vida vai se escorrendo como a areia numa ampulheta? E que pouco resta na parte de cima da ampulheta, e você ainda quer esperar até a hora de cair o último grão?”537
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O receio de ter seguido uma via não desejada por Nossa Senhora
Vou improvisar tudo, porque é um tema muito novo, mas do qual vivi a vida inteira.
Por causa de vozes interiores e moções da graça, de que até o ano de 1935 não tinha noção, eu possuía uma certeza interior – que só mais tarde soube explicar – de que tinha uma missão e, se normalmente andasse bem, eu cumpriria essa missão.
Na leitura do livro de Santa Teresinha do Menino Jesus veio-me à cabeça, o seguinte problema.
A sensação dessa minha missão, apesar de todas as dificuldades que ela acarreta, traz uma consolação e, portanto, traz um elemento de ânimo na vida.
Já Santa Teresinha não teve consolação nenhuma, e passou a vida inteira na maior aridez possível. Suportar essa aridez foi uma das cruzes dela.
A outra cruz foi de uma vida extraordinariamente curta: ela morreu com 24 anos, com uma doença própria a fazer sofrer muito.
Isto dava a ela a ideia de que sua vida tinha sido uma quimera, um bluff, que a tal “Pequena Via” era uma vue de l’esprit, era um engano, que não existia isso, não era real. E que, no total, ela morreria com a sensação de ter consumido a vida dela inutilmente, erradamente, morando num convento de freiras tíbias e com superioras cheias de defeitos. A vida dela dentro do Carmelo era isso.
Tendo lido isto da vida de Santa Teresinha, pareceu-me que seria uma coisa muito mais útil para a causa católica se me oferecesse como vítima expiatória como ela se ofereceu. Então morrer num tranco só e oferecer
537 MNF 28/3/91
um sacrifício imediato, de utilidade imediata para a Causa católica. Em poucos anos, pelo efeito deste sacrifício, a Contra-Revolução estaria senhora desse terreno.
Eu estaria enterrado no cemitério da Consolação, pouco mais ou menos desconhecido, e inteiramente ignorado das gerações seguintes, mas sobre a minha tumba talvez teria brotado a árvore grandiosa do Reino de Maria e da civilização cristã. Meu sacrifício teria conseguido isto.
Isto não seria melhor do que fazer todo o esforço de apostolado contra-revolucionário que estava fazendo? Não era melhor – aqui vinha a questão – silenciar essas vozes interiores completamente, não dar atenção a elas em nada e por nada, oferecer-me como vítima expiatória e caminhar para a morte? Isto não seria melhor?
Eu tinha horror a essa via de Santa Teresinha. Não que não admirasse essa via – admirava-a profundamente – mas tinha horror de segui-la. Todo o meu feitio se opunha a ela. Muito mais do que isto, sua via implicava na renúncia a essas vozes interiores. E nessas vozes interiores encontrava o meu gáudio, encontrava meu amparo, minha consolação.
Bastava-me colocar fora da perspectiva das vozes interiores, e de colocar-me nessa perspectiva de vítima expiatória, que tudo secava.
E eu me dizia: “É isto mesmo, é o caminho de Santa Teresinha. Se você tiver coragem, ofereça-se como vítima expiatória e nós vamos ver no que isto dá”.
De outro lado, o apelo das vozes se fazia mais premente e ainda mais atraente, mais acariciante. Mas me parecia que, em matérias espirituais, deveria preferir o mais desagradável: “Pois então, é isto mesmo: é a via das vozes que eu não quero! Quero o caminho pior, mais triste, mais horroroso, mais fecundo. Eu prefiro este” 538 .
Entretanto, não me ofereci como vítima expiatória, porque percebi que havia em mim qualquer coisa que refugava essa ideia da vítima expiatória tal como Santa Teresinha do Menino Jesus. E então não fiz o oferecimento539 .
Resolvi o seguinte: entrar por uma via que também está ensinada por Santa Teresinha, de nunca pedir nada, nunca negar nada a Deus Nosso Senhor. Aceitar tudo que acontecesse sem fazer o pedido divino: “si fieri potest, transeat a me calix iste”. Não, não tem “fieri potest”, não afaste o cálice, beba-o logo que ele se apresentar, e beba-o até o fim. Consuma o seu sacrifício.
Isso me produzia um efeito tão antinatural, tão prodigiosamente antinatural, que era um verdadeiro tormento.
538 CSN 16/07/94 539 Chá SRM 20/9/91
De fato, cessei de pedir a Nosso Senhor e a Nossa Senhora qualquer coisa. Não pedia nada. Tudo quanto acontecia eram catadupas de coisas muitíssimo próprias a causar apreensão e outras muitíssimo próprias a causar apetência, a estimular o desejo. Portanto, coisas que eu queria e coisas que não queria. Mas eu não pedia nada, para vocês verem o rigor com que procurava levar isto avante.
Nisto, indo a uma exposição de livros católicos, deparei-me com o “Livro da Confiança”. E, naquela frase inicial: “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça”, encontrei uma espécie de justificação teórica de uma via que, debaixo de certo ângulo, era simetricamente oposta à via de Santa Teresinha.
Devorei o livro, mas levantei uma objeção contra ele: “Este livro me convém como uma luva para a mão, mas qual é o fundamento teológico de tudo isto? Nunca li de um livro católico que expusesse isto que está exposto aqui. Objeção não me aparece nenhuma, o livro tem imprimatur – naquele tempo era uma coisa séria um imprimatur –, mas afinal de contas, que valor tem isso?”
Na dúvida, disse para mim mesmo: “Não abandonarei minha posição de não pedir nada. Mas fica no horizonte aquela luz, compreendendo que, algum dia, talvez Nossa Senhora me faça compreender que devo sair desse estado penitencial em que estou e adotar o outro caminho”.
Tal era a influência que tinha tomado sobre mim o livro de Santa Teresinha, que eu não pedia. Mas dizia a Nossa Senhora o seguinte: “Para ser fiel àquela via, não vos peço tal coisa, mas Vós vedes que, se pudesse, eu pediria. Tomai isto como se fosse uma oração. Se Vos for grato, fazei isto assim”. E tocava para frente a luta toda que vocês conhecem.
Assim caminhei por vales e montes, coles e colinas, sem nunca ter certeza de que, a via que tinha escolhido por ser a mais dura, era mesmo a via que Nossa Senhora queria para mim.
Até que chegou o momento em que apareceu, em 1967, aquela infecção que se transformou rapidamente em um começo de gangrena. Falarei disso mais detalhadamente a seguir.
O fato é que, de algum modo, eu estava pronto para morrer, e a dois passos de falar em Extrema-Unção.
Para abreviar a história, houve então aquela graça de Genazzano, que foi uma graça para me dizer diretamente: “Siga as vozes!”
Esta graça tinha isto de próprio que me dava a confiança de que, apesar daquela incerteza sobre a via que tinha seguido, cumpriria a minha missão: Nossa Senhora maternalmente me levaria a cumprir a minha missão. E a missão era de, por falta de melhor, Nossa Senhora ter de resignar-se a ter-me como dirigente do esforço contra-revolucionário. E que Ela se contentaria