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Firma-se o ideal de dedicação integral pela opção do celibato – Choque com um veio de mediocridade no seio das Congregações Marianas

Firma-se o ideal de dedicação integral pela opção do celibato – Choque com um veio de mediocridade no seio das Congregações Marianas

Quando cheguei à idade de me casar, Nossa Senhora me deu a vocação para o celibato. Coisa na qual não pensava nem de longe, porque nem me passava pela cabeça que um homem não-padre pudesse não ser casado153 .

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Veio-me a ideia de guardar o celibato a vida inteira, em grande parte porque Dom Chautard mostra que o apostolado do homem que guarda o celibato é muito mais fecundo do que o apostolado do homem casado154 . *

Julgava que daí para diante estava ao alcance de minha mão fundar com os mais fervorosos, e com os melhores daqueles que eu conhecesse, com aqueles que tivessem uma mentalidade mais aberta para essas preocupações, mais abertas para esses ideais, fundar então aquilo que viria a ser a ordem de cavalaria com a qual sonhava!

Realmente comecei a trabalhar nesse sentido, e as desilusões foram aparecendo. Primeira desilusão foi encontrar, dentro do próprio movimento mariano, gente que não queria aquilo, que não queria ver que a consequência lógica de todos os princípios que eles admitiam era essa tomada de posição em relação ao mundo, e a ideia de reforma do mundo!

Pelo contrário, contentavam-se em levar uma vidinha pessoal direitinha, não pecar. Isso é imensamente respeitável, é o pressuposto, é o ponto de partida de tudo o mais. Mas as coisas não podem ficar no seu ponto de partida. Elas têm que tomar um outro rumo, elas têm que se desenvolver. E via que essa gente não queria ir além do ponto de partida155 . *

Segundo a escola que tinha em vista, os mais fervorosos deveriam implantar e dar significado a um movimento Mariano para o qual eles consagrassem a sua vida inteira, não pensando em negócios, nem casamento, nem nada.

153 Almoço EANS 22/11/90 154 Palavrinha 11/3/94 155 Chá EPS 6/2/89

Eles deveriam querer a transformação da atual sociedade, considerada como caminhando para um precipício, mediante a implantação do Reino de Maria, que era a posição de segurança contra esse precipício. Por isto mesmo, eles não deveriam dar nenhuma parte ao prazer na vida. Deviam viver para o dever e mais nada.

Mas encontrei uma escola diferente, muito credenciada, segundo a qual a Congregação Mariana seria feita exclusivamente para que cada congregado salvasse a sua alma. Então, ele deve ser casto, não deve frequentar mulheres perdidas, não pode nem de longe praticar ato solitário. Mas ele deve ser casto com o olhar posto para o casamento, porque como o casamento é o estado comum das pessoas, o normal é que os congregados marianos todos se casem. E que vivam pensando no futuro casamento.

E para encontrarem esposas católicas com que fundar um lar católico, é preciso organizar o baile católico, onde os congregados marianos conhecessem as Filhas de Maria. E pudesse haver uma oportunidade para as Filhas de Maria e os congregados marianos se casarem.

Com o casamento do congregado mariano com a Filha de Maria, terminava a vida mariana. A Filha de Maria casa-se, sai do movimento Mariano porque tem que cuidar de sua família. O congregado vai à Congregação Mariana aos domingos com uma fita azul no pescoço e canta, às vezes levando o filhinho na mão: é muito comovedor. Comunga, é amigo do vigário. Reza o rosário diariamente. Mas, o essencial de sua vida é a família.

Então, o congregado perfeito deve ter como teto formar uma família numerosa, ter muitos filhos e filhas que vão ser, por sua vez, congregados e Filhas de Maria. E então repetem a vida dos pais. Deve ganhar algum dinheiro e ser amigo do vigário. Esse é o grande fim.

É verdade que o mundo está ruindo para o abismo? – Não é. A prova é que há tanto congregado mariano e tanta Filha de Maria. Pelo contrário, o mundo atual pode ficar tal qual é, indefinidamente, sem perigo de crise. E não há nada para salvar. Não há problemas sociais para cogitar. O comunismo é um bicho-papão que existe lá na Rússia, não vamos perder tempo em pensar nele. A Rússia está lá longe – não havia aviação internacional naquele tempo – e isso fica para nunca. Não existe perigo comunista, é uma fantasia. É um estudo, é uma curiosidade. Os que querem estudar, estudam, e está acabado.

E assim o ambiente de heroísmo desaparecia das Congregações Marianas, substituído pelo nhonhozismo. Por causa disso também, fazia furor em algumas Congregações Marianas o congregado que tivesse automóvel – era coisa relativamente rara naquele tempo – e que à noite fizesse correrias loucas de automóvel pelo bairro, para visitar, passar em frente às casas das várias moças com que ele e os companheiros tinham namoro. Iam, então,

com o escapamento aberto, na São Paulo calma e silenciosa daquele tempo. O escapamento era ouvido de longe, e a moça se punha na janela como que por acaso. Eles passavam também como que por acaso, diziam-se adeus, se olhavam e isso dava depois num telefonema. O telefonema dava em encontro – mas encontro na casa dos pais, uma coisa honesta, nunca perda da virgindade, nem nada disso – e depois dava em casamento.

E essa máquina de perpetuação mariana era – ao ver deles – o ideal156 .

Dizia de mim para comigo: “Isto é bom, mas se for para produzir só isso, não me interesso. Os problemas da Igreja pedem muito mais, pedem leigos que se consagrem à Igreja completamente, para, sob a direção da Hierarquia, travarem a batalha do laicato católico. Portanto muitos leigos que adotem o celibato voluntário e que entrem até o pescoço dentro da luta da Contra-Revolução” 157 .

Percebi que contra essa corrente não valia a pena lutar em termos explícitos, porque daria uma guerra de morte. E que a maior parte dos espíritos não estava preparada para as argumentações que eu teria que dar.

Então, era preciso fazer o quê? A graça chamava muitos congregados para esse ideal de doação completa. E era preciso criar um clima de heroísmo, um clima de entusiasmo por essa doação total. E estimular de tal maneira, por esta forma, os melhores, que os que advogavam a posição contrária ficassem contrafeitos e reduzidos ao silêncio. De maneira que eles não atacavam a posição dos mais fervorosos, mas também não eram atacados por estes. O congregado que se quisesse casar, a gente ia à festa de casamento, dava “muito bem!”, era recebido com normalidade. Mas ele se apagava. E o élan do heroísmo completo ia para frente nos outros que queriam se dedicar.

A tendência boa de tal maneira prevaleceu, que a grande maioria dos congregados marianos era solteira. De outro lado, apesar disso, eles se multiplicaram tanto, que nos últimos anos de Congregação Mariana, ficou bonito ser congregado mariano. E havia fábricas que fabricavam o distintivo mariano e vendiam nas lojas para qualquer rapaz que quisesse, por ser bom negócio, para muito rapaz que queria ser visto com simpatia no exercício de sua profissão, aparecer com o distintivo mariano158 .

156 Almoço ESB 5/8/83 157 SD 18/8/73 158 Almoço ESB 5/8/83

76 MEU ITINERÁRIO ESPIRITUAL

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