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Um novo e elevado patamar após a leitura do “Tratado da Verdadeira Devoção” e a consagração a Nossa Senhora como escravo de amor
Mas, se não tivesse dado atenção a D. Chautard, estaria pronto para todas as concessões ao orgulho125 .
Um novo e elevado patamar após a leitura do “Tratado da Verdadeira Devoção” e a consagração a Nossa Senhora como escravo de amor
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Depois daquela graça que recebi de Nossa Senhora Auxiliadora, eu pensava às vezes o seguinte: – É curioso, mas de tal maneira me arranjo bem com Nossa Senhora, que apesar de achar do Divino Filho d’Ela o que eu acho, no Céu quero pertencer à corte d’Ela. Ela deve ser como uma rainha-mãe, que tem corte separada da corte do filho, e que lhe presta honras. Nossa Senhora deve ser Rainha-Mãe no Céu. E embora seja mais glorioso, mais bonito ser da corte do Rei, não sei o que há em mim que, indo para o Céu, quero ser da corte da Rainha-Mãe. E ainda que seja menos, eu quero esse menos. Mas eu me quero junto d’Ela. É como desejo: desejo isto assim”.
Foi lendo o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem” de São Luís Grignion de Montfort que compreendi que essa formulação não era boa. Que o suco, a parte mais gloriosa no Céu é aquela que mais perto está de Nosso Senhor. E essa parte é que tem mais culto a Ela. Ela não é, portanto, um anteparo, mas Ela é uma lente de aumento pelo qual vemos melhor a Deus. E quanto mais perto da lente de aumento eu esteja, tanto mais estou perto do que espero ver. Então, era Ela. Mas isto só entendi depois de ter lido, com 22 anos, o “Tratado” de São Luís Grignion de Montfort. Antes disso não tinha chegado a compreender bem a coisa como ela é126 . *
Uma circunstância muito banal, pequena, esteve na origem da minha leitura do “Tratado”127 .
Era moço ainda128 e muito devoto, como ainda sou, de Santa Teresinha do Menino Jesus. Vendo que todo o mundo obtinha graças por intermédio
125 CSN 33/01/83 126 CSN 3/3/90 127 SD 15/4/89 128 SD 4/4/92
dela, resolvi129 fazer a ela uma novena e uma promessa (não me lembro mais o que prometi)130 pedindo-lhe duas graças de que sentia muita necessidade.
Uma era a de que me fizesse encontrar um bom livro que valesse a pena ler, um desses livros de marcar uma vida.
De outro lado, pedi-lhe ganhar na loteria. Não queria ter preocupações econômicas para poder dedicar-me ao apostolado o tempo inteiro131 .
Santa Teresinha atendeu à primeira parte do meu pedido, mas não atendeu à segunda. Não ganhei na loteria e tive que trabalhar duramente para manter-me, com prejuízo para o meu apostolado132 .
Mas o livro, pouco depois o encontrei, numa ida à livraria dos padres do Coração de Maria. Era de um autor de quem nunca tinha ouvido falar: “Bienheureux L. M. Grignion de Montfort”. – “Um bem-aventurado”, pensei eu, “mas o que dirá esse livro ‘Traité de la Vraie Dévotion à la Sainte Vierge’? Quem sabe se não é o livro suscitado por Santa Teresinha?”133 .
Tinha muita dificuldade em ajustar-me a certo tipo de livros de piedade que havia naquele tempo, muito açucarados: “Ó cândida santinha, dizei-me, oh!”. Coisas assim não iam comigo. Queria um livro sério, substancioso, em que o sentimento tivesse sua parte, mas a parte secundária que o sentimento deve ter nas coisas. A parte primária é a Fé iluminando a razão.
Impliquei um tanto com o nome “Grignion”: “Não tem sentido esse Grignion. O que é esse Grignion? Nome esquisito, eu nunca vi alguém chamar Grignion”134 .
Pus o livro de lado e fui examinar outros, para ver se mais algum me interessava. E apareceu um, de que também não tinha ouvido falar.
Na incerteza da escolha, folheei um pouco o “Tratado” e achei-o muito bem impresso, muito atraente, muito agradável de ler. E o outro livro, um calhamaço feio e indigesto. Por esta simples razão – não percebia que Santa Teresinha estava guiando o meu braço – optei pelo “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem” 135 .
O livro tinha para mim uma pequena atração complementar: era escrito em francês136 .
129 SD 15/4/89 130 SD 4/4/92 131 SD 15/4/89 132 SD 4/4/92 133 SD 15/4/89 134 Almoço EANS 3/6/93 135 MNF 2/9/88 136 SD 15/4/89
Lembro-me de que vim para casa e não o li no dia em que o comprei.
No dia seguinte de manhã abri o livro137, não com muita esperança, porque não estava tão certo de que aquilo fosse obtido por minha oração a Santa Teresinha.
Eu o abri de qualquer lado e comecei a lê-lo.
Depois de ler uma ou duas páginas, pensei: “Não! Isto aqui é outra coisa! Este livro tem que ser lido desde o começo, porque é de alto quilate. É absolutamente o que queria”138 .
E vi no “Tratado” um livro racional e impregnado de sobrenatural, porque todo ele baseado na Fé: “Este é um livro que quero ler”.
Fui lendo o livro cada vez mais maravilhado, mais encantado139, sem perder uma letra. Via que era incomparável e que não havia coisa igual140 e que São Luís Grignion era animado de um desejo de levar o conhecimento, a afirmação e a proclamação de Nossa Senhora até o último ponto que pudesse ser141 .
Em certo momento da leitura, começo a ver que o livro tem umas labaredas a respeito de um assunto que nunca tinha ouvido ninguém tratar, e que a mim me interessava no mais alto grau.
Primeiro, falava do Reino de Maria. Percebi logo que esse Reino de Maria era a meta para onde a minha alma voava. Eu inteiro voava para essa meta, de um lado. Depois, o livro falava a respeito de como as almas seriam no Reino de Maria: auge da santidade nesse reino. Fiquei encantadíssimo!
Desenvolvia ainda a necessidade da Sagrada Escravidão a Nossa Senhora, para agradar-lhe e para dar a Ela tudo quanto pode ser dado142 .
Antes de conhecer o “Tratado”, já havia rezado vários atos de consagração a Ela. Encontrando-os ao alcance de minha mão, rezava-os na boa intenção de minha alma, mas tinha a impressão de não estar fazendo coisa muito relevante. Ficava-me um fundo subconsciente de que devia haver alguma coisa muito melhor com a qual não tinha atinado ainda143 .
137 Almoço EANS 3/6/93 138 Conversa ESB 15/5/81 139 SD 15/4/89 140 Conversa ESB 15/5/81 141 MNF 2/9/88 142 SD 15/4/89 143 Conversa ESB 15/5/81
Lembro-me de que a palavra144 “escravo” chocou-me muito. Nunca pensei em minha vida em ser escravo.
Escravo da Virgem Santíssima, é verdade, mas não poderia haver uma palavra mais adoçada, mais macia do que esta terrível palavra, pétrea e angulosa: escravo?
De outro lado, a ideia de uma dependência inteira a Nossa Senhora me parecia a melhor coisa do mundo. Depender inteiramente de Nossa Senhora, não fazer senão o que Ela quer, pertencer a Ela como um objeto pertence a seu dono, não conheço nada de melhor145. Para Nossa Senhora, o que Ela quiser! É uma honra para mim! Sendo com Ela, eu aceito qualquer coisa!
Depois, quem propugnava isso era esse grande santo, essa alma de fogo, esse espírito lógico, esse homem inteligentíssimo! Sobretudo um homem de uma vontade, de uma labareda de energia como não tinha visto em ninguém!
Pensei: “Eu vou sobretudo com Nossa Senhora, mas também com ele. Vou até onde eles forem, está liquidado o caso”.
Terminado o livro, não tive um minuto de vacilação: “Vou me consagrar como escravo de Nossa Senhora”.
Abri então o livro na parte das orações. São 33 dias, ou seja, 12 dias mais três semanas de longa preparação. Nos primeiros 12 dias deve-se rezar o Veni Creator Spiritus e o Ave Maris Stella. No final das três semanas vem o Ato de Consagração.
Teria sido bonito que esse ato de Consagração eu o fizesse depois de ter comungado e, com Nosso Senhor Jesus Cristo no meu peito, ir para junto de uma imagem de Nossa Senhora, recitar a fórmula e consagrar-me.
Se alguém tivesse me proposto isto, certamente o teria feito. Mas não foi o que fiz, sempre por medo de imaginar coisas muito grandiosas feitas por mim. Se imaginasse: “Vou fazer uma grande consagração”, haveria o perigo de, na hora, acabar achando grande a mim e não a consagração.
Por fim, exatamente no dia em que essa preparação foi completada146 , eu simplesmente comunguei, voltei para casa e tomei meu café como todos os dias.
Em seguida li o jornal como era de minha rotina, por julgar uma obrigação manter-me a par da marcha da Revolução e da Contra-Revolução. Depois fui para o meu quarto, fiz meia hora de meditação sobre essa
144 SD 15/4/89 145 Chá EPS 4/11/94 146 SD 15/4/89
consagração147, ajoelhei-me no meu escritório, rezei mais uma vez o Veni Creator e o Ave Maris Stella. Por fim, fiz o Ato de Consagração, tornando-me escravo de Nossa Senhora148 .
Essa consagração foi muito singela, como uma oração quotidiana e sem nenhuma consolação espiritual. Mas até hoje não cesso de agradecer a Nossa Senhora por tê-la feito. Falando aqui, estou agradecendo esse passo que, por chamado d’Ela, eu dei149 .
Daí tomei a deliberação de nunca fazer a Nosso Senhor Jesus Cristo uma oração ou qualquer ato que não fosse por intermédio d’Ela. Permanece até hoje esta resolução. Todas as comunhões que faço, são por meio d’Ela150 .
Também tomei a resolução de fazer o possível para que o maior número daqueles que me seguissem fizessem essa consagração151 . *
O “Tratado” é eruditíssimo, é altíssimo, é um trabalho de teologia de primeiríssima água, lógico, dentro de um pulchrum que não tem palavras.
Mas a verdade é que, se comparo a devoção anterior que tinha a Nossa Senhora com a devoção que veio depois de ler o “Tratado”, posso dizer que o “Tratado” me ensinou um mundo de coisas que me maravilharam, mas não me trouxe nenhuma surpresa, pois estava em evidente consonância com o que já conhecia.
Naquela graça que recebi diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, o que entrevi de Nossa Senhora era tão leve, tão diáfano, tão elevado, tão materno, tão perfeito, tão puro, tão indescritível, que não me espantei que n’Ela houvesse aquilo que era descrito no “Tratado”. Estava lá o que procurava e com uma plenitude inimaginada. Mas não tive surpresa.
Portanto, o “Tratado” foi para mim apenas o desdobramento do que já conhecia152 .
147 SD 25/2/84 148 SD 15/4/89 149 SD 25/2/84 150 SD 15/4/89 151 SD 25/2/84 152 Chá PS 12/3/85