7 minute read

A identificação com a Contra-Revolução

Um homem que tenha uma mente dividida em princípios contraditórios, incompletos, e que não os leva até ao fim, não pode dizer que tenha uma mentalidade. Ela terá fragmentos de mentalidade.

A mentalidade é a condição de uma mente que toma os princípios que merecem estar no centro de tudo, e os desdobra de maneira a aplicar adequadamente a todos os pontos.

Todas as convicções, as volições, os sentimentos, os desejos, as fobias, as rejeições, tudo isso, quando governado por princípios sobre matérias muito altas, é mentalidade.

Esta definição de mentalidade não envolve a afirmação de que a pessoa esteja certa ou errada. Envolve a descrição de um estado de coerência ordenada e proporcionada da mente dela.

Pode-se dizer, por exemplo, que existe uma mentalidade protestante. Se um protestante toma como princípio um erro sobre matérias muito altas, e aquilo se difunde por toda a mente dele, influenciando concretamente, ordenadamente, toda a mentalidade dele, então se pode dizer que ele tem uma mentalidade. Tem para desgraça dele, mas tem mentalidade.

Por sua vez, a mentalidade católica forma tão completamente o homem que fez na vida apenas considerações de caráter estritamente teológico, como o que tenha feito considerações preponderantemente, mas não exclusivamente, a propósito da ordem temporal, e que estão ligadas, no nosso caso, ao espírito católico, à doutrina da Igreja. Esse tem também uma mentalidade315 .

A identificação com a Contra-Revolução

O que anima a minha alma, o que a caracteriza, o que modela todo o meu espírito, todo o meu modo de ser, todas as minhas preocupações, toda a minha vida, é o espírito católico apostólico romano enquanto contra-revolucionário.

O que quer dizer “enquanto contra-revolucionário”? É o espírito católico, mas aplicado à conjuntura histórica atual, em que a Revolução atingiu o auge de sua expansão. E em que ela se sente com meios de manifestar, do modo mais claro e mais desavergonhado, toda a sua própria mentalidade, chamando os homens, do modo também mais desinibido, para aceitar essa mentalidade316 .

315 CSN 17/8/85 316 Jantar EANS 15/10/91

Não me defino como um brasileiro filho de uma senhora paulista e de um senhor pernambucano. Eu me defino como um contra-revolucionário.

Graças a Deus, sou verdadeiramente contra-revolucionário. Não faço questão, não me empenho, não me interesso senão em ser contra-revolucionário. Os senhores não notam em mim empenho nem interesse por mais nada317 .

Quando analiso minha vida, vejo bem que o sentido dela é fazer a Contra-Revolução318 .

Tenho a existência só voltada para combater a Revolução e impor a Contra-Revolução. O que não for isto, é uma coisa completamente secundária.

O importante é esmagar o demônio e restaurar o Reino de Nossa Senhora que ele conseguiu como que derrubar por meio da Revolução319 .

Não posso imaginar que eu odeie algo tanto quanto odeio a Revolução. Mais, é impensável320. Não vivo para fazer outra coisa senão combater a Revolução.

Desde a manhã até a noite não faço outra coisa que não seja o bem para os bons ou o mal para os maus. O que é uma forma de bem, porque é combater o mal que há nos maus. Não é para perdê-los. Pelo contrário até, é para salvá-los, combatendo o mal que há dentro deles. “A solis ortu usque ad occasum”, desde a saída do sol até o ocaso, o que faço é isto.

Então, compreende-se que a minha vida não tenha outro sentido senão a Contra-Revolução321 .

É verdade que há, nessas minhas afirmações, um matiz a introduzir.

Tudo do que gosto é contra-revolucionário. Mas não é verdade que tudo do que eu não goste seja revolucionário.

Por exemplo, há pratos franceses de que não gosto, não porque sejam revolucionários, mas porque não vão bem com as papilas da minha língua.

Outro exemplo: dou-me muito bem com veludo. Mas compreendo que outra pessoa, por uma razão puramente individual, goste mais de um

317 Chá SRM 23/2/88 318 Chá PS 29/10/81 319 Chá SB 17/6/92 320 Chá SRM 29/11/93 321 Chá SRM 17/1/91

sofá revestido de seda, que é um tecido tão contra-revolucionário como o veludo. Cada um tem seu modo de ser322 . *

Em vista de tudo isto, compreende-se que, quando conheci a Revolução, desde logo a odiei. Foi olhar e odiar. E uma das razões foi a falta de majestade dela.

Eu não podia compreender que se pudesse ser vulgar, ordinário, sujo, bruto, estúpido de propósito.

Que uma pessoa, por um lapso, fosse assim, tivesse alguma coisa assim, é uma fraqueza, digamos, mas é culpada disso por causa de sua fraqueza. Mas que a pessoa fizesse o programa de ser assim, isto eu não podia compreender. E naturalmente me indignava.

Meu modo de reagir era pôr uma nota contra-revolucionária em tudo quanto fizesse, em tudo quanto dissesse. E tive a preocupação de que no meu vocabulário, por exemplo, não entrasse nunca palavras já não digo imorais, que se usavam em quantidade no meu tempo, mas nem sequer triviais ou porcas. Graças a Nossa Senhora, os senhores nunca me viram empregar uma palavra trivial.

Na própria construção das minhas frases, e na própria ordem inversa que emprego muitas vezes, sobretudo quando escrevo, mas também quando falo, a emprego intencionalmente para ser o contrário da Revolução. Porque a Revolução só gosta das coisas em ordem direta, por ser mais vulgar.

É mais banal falar só em ordem direta. É mais trabalhado, é mais fino usar a ordem inversa.

Assim, procurei ter – não a majestade, que não me convém e nem me é própria – mas a distinção que é própria às condições em que nasci e a quem sou. Daí o empenho em pô-la em realce no meu modo de ser, para a glória de Nossa Senhora, para a glória do Coração de Jesus e para o bem dos outros323 .

Devemos, portanto, ser de tal maneira que, tudo quanto está meio manchado de Revolução, nós saibamos notar e detestar, e tudo o que tem uma nota de Contra-Revolução, saibamos também notar e apreciar.

322 Chá SRM 23/2/88 323 Chá SRM 22/11/89

A nossa observação não deve incidir apenas no sentido exato das palavras que os outros digam, ou nos pensamentos que eles externem, mas também nas coisas que estão implícitas, que estão subconscientes nos revolucionários.

É necessário que olhemos, notemos e digamos: “Tal coisa é revolucionária”. E nisto figura largamente a Revolução tendencial.

A graça da Contra-Revolução nos faz ver com precisão o aspecto revolucionário das coisas tendenciais, coisas que muitas outras pessoas nem sequer têm ideia de que são tendenciais e más324 .

Por exemplo, a maior parte das casas que eu conheci tinham paredes empapeladas.

Como o Brasil ainda estava com uma indústria muito incipiente, mandavam vir da Europa papéis de parede lindíssimos. Aquilo era muito mais bonito do que uma sala sem lambris, estupidamente pintada de branco, como são as nossas casas hoje.

Também os lustres de bronze trabalhados estavam sendo substituídos por umas bolas brancas leitosas, medonhas, que hoje quase desapareceram até.

Observando tudo isto, fiquei percebendo que essas mudanças não eram ninharias e que nelas se incubava o espírito da Revolução.

Então começou a caçada contra o espírito revolucionário para meu único efeito e para meu único gosto, porque ninguém falava disso, ninguém comentava isso, isso ia passando despercebido e aplaudido.

Na primeira fase foi uma luta toda interna, para descobrir tudo aquilo que, contra-revolucionariamente falando, eu deveria repelir, e o pouquinho que restava do que deveria aplaudir.

Depois desse gesto interior de recusa ou aplauso, veio a explicitação das razões polêmicas pelas quais eu não gostava, e porque não gostava.

Depois, não era apenas uma questão de não gostar. Comecei a estabelecer a distinção, no meu próprio interior, desse ponto capital: o mundo não foi feito em função de mim, foi criado por Deus para a glória d’Ele. Não basta dizer que “eu não gosto” para afirmar que uma coisa é ruim. É preciso explicitar o motivo por que ela é revolucionária.

Isto equivale a um trabalho muito vasto que ainda não terminou, e que, se Deus quiser, só terminará quando deitar meu último alento: é a classificação geral das pessoas, das coisas e de tudo o mais em face da Revolução e da Contra-Revolução.

Não se trata só de saber o que é revolucionário e o que é contra-revolucionário, mas saber dizer no que é, por que é, e qual é aquele summum

324 Chá SRM 13/8/89

This article is from: