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A combatividade cavalheiresca
De si, todas as virtudes ditas sociais que dizem respeito ao convívio social, todas as boas regras de educação e de distinção correspondem ao resto de uma época em que era verdadeiro o princípio de que só a virtude gera a perfeição do status.
Isto não quer dizer que a virtude gere sempre a perfeição do status, mas quer dizer que não há perfeição de status sem virtude.
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Tudo o que corresponde a uma regra tradicional de educação é, no fundo, uma pequena virtude. Nisso tudo entra a expressão da virtude católica e o bom odor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
É muito prosaico o que vou dizer, mas não acredito que exista alguém que, ao longo de uma conversa de cinco horas com outrem, de repente, não coce a cabeça.
Quando se está só, faz-se e tem-se razão de fazer. Quando está com uma pessoa muito íntima, ainda temos o direito de fazer. Mas, de fato, é uma coisa feia.
Por isso sustento que seguir os métodos da antiga polidez aristocrática é um holocausto.
E aqui vem o caráter penitencial da condição de nobre, vivida por apostolado e esporeando a si próprio a ponto de sair sangue. É uma ascese lindíssima.
No castelo de Segóvia, havia uma sala em que São Fernando III tomava as refeições. Conta-se que, certo dia, ele estava almoçando e veio a notícia de que alguns cruzados espanhóis tinham, contra toda a expectativa, conseguido galgar os muros de Sevilha, mas eram muito insuficientes em número em relação aos que fariam o contra-ataque. Então pediram a São Fernando que mandasse gente para lá. Ele interrompeu o almoço naquela hora, não acabou de comer o prato, montou a cavalo e foi correndo conquistar Sevilha.
Essas coisas assim a pessoa só faz por amor de Deus quando é educada a ter este domínio sobre si mesmo nas pequenas coisas também352 .
A combatividade cavalheiresca
Quanto mais fino é o discernimento da verdade e do erro, do bem e do mal, do pulchrum e do feio, tanto mais esse discernimento queima a vida de uma pessoa. É como ser posta em combustão numa pira, que a queima em louvor de Deus. Ou como um círio: queimamo-nos como uma vela.
352 MNF 8/9/94
Para nossa vocação, amar a Deus tem como consequência imediata discernir e lutar. E nós não podemos amar a Deus como Ele não nos chamou a ser. Temos de amá-lo como Ele nos chamou para amá-lo. Não podemos ir a Ele por uma via escolhida por nós.
De onde ser verdade que, para nós, é combatendo, impugnando, discernindo, que progredimos em amor. Nosso amor é assim353 .
Entra, portanto, na composição de minha mentalidade, um aspecto do bonum que é a virtude enquanto heroica, enquanto batalhadora, enquanto aguerrida354 .
Essa combatividade é feita da admiração de um altíssimo ideal, da inteira dedicação a esse ideal, e por isto uma combatividade intransigente no que diz respeito ao que possa atrapalhar a causa desse ideal355 . *
A Igreja, ao longo dos dois mil anos de sua existência, e tomando em consideração o tempo que Ela ainda deverá existir – só Deus sabe quanto tempo será, mas irá até o fim do mundo –, Ela tem a missão de, como uma flor que mostra todas as suas pétalas ao desabrochar, mostrar todas as suas qualidades ao longo da História.
Nem todas essas qualidades já foram mostradas. Só o serão quando o mundo tiver acabado. E uma das qualidades que Ela ainda não mostrou por inteiro é a militância.
A militância da Igreja, somos chamados a mostrar. Em tudo devemos ser militantes, como uma etapa no processo de explicitação do ensinamento da Igreja, e como réplica ao erro do confusionismo e do ecumenismo religioso, que acaba sendo o grande erro para o qual vai desembocando todo o progressismo.
Portanto, a grande contraposição ao progressismo é exatamente essa militância da Igreja.
Em todas as ocasiões possíveis, é minha obrigação convocar os senhores para essa militância e auxiliá-los a terem esse espírito militante.
Militância enquanto vigilância, enquanto insistência, enquanto jeito para fazer as coisas: militância, militância, militância, até o último ponto da militância. Militância enquanto estudando, enquanto rezando. Tudo o que fazemos é com a preocupação de levar a lógica da militância até o seu
353 CSN 22/8/81 354 CSN 28/2/87 355 CSN 11/11/89
último ponto, tomando em consideração aspectos intrínsecos da Igreja, e não tomando em consideração aspectos secundários da Igreja.
Isto distingue inteiramente a TFP da heresia branca, porque o próprio da heresia branca não é só ser ecumênica. Há formas de heresia branca que não são ecumênicas, mas são retardadas em formas arcaicas de militância, quando a época já pressupõe formas novas e superatualizadas de militância. Seria como alguém que quisesse combater com arcabuzes do século XVI as batalhas do século XX.
Isto quer dizer que a militância constitui um traço especial de minha personalidade?
Sim, mas em termos. Pois, como temperamento, não sou uma pessoa combativa. Sou uma pessoa até sumamente cordata, sumamente propensa ao bom trato, ao relacionamento afetuoso e amistoso com todo o mundo.
Então, essa militância corresponde à minha personalidade em outro sentido: como por temperamento sou cordato até ao exagero, a Providência me escolheu para triturar esse exagero no holocausto à obrigação de ser militante até o fim.
Então, para corrigir esse defeito, a Providência exigiu de mim que formasse uma segunda personalidade – um modo de ser adquirido, conservado e reconquistado a todo o momento – e de levar a militância até onde for preciso.
Ao longo da vida, meu espírito batalhador foi se acentuando.
Acentuando não como se desenvolve uma planta, mas como se desenvolvia em mim a convicção de que eu precisava ser enormemente batalhador. E tinha que fazer, com isto, violência a meu temperamento naturalmente afetivo e amigo de me relacionar bem com os outros, de estar bem com os outros.
Naturalmente falando, meu temperamento é como um rio que flui sem encrencas, sem pedras no leito. Eu achava isto bom.
Mas compreendia bem que as águas que eu podia simbolizar tinham que correr no meio de pedras tremendas, e que estava diante de mim uma luta terrível, que seria mais terrível ainda se eu não fosse lutador.
Quase que se poderia aplicar a mim o provérbio latino: ‘Si vis pacem, para bellum” – “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.
Fui acentuando cada vez mais a combatividade ao meu temperamento. Nesta linha, e intencionalmente, tornei meu modo de ser, vamos dizer, minha educação, um pouco diferente da que Dona Lucilia tinha mandado me dar356 . *
Os senhores poderão perceber, neste meu modo de militância, o modo de ser próprio a várias circunstâncias.
A influência alemã entrou muito nisso. Os senhores podem ver também a admiração, quase como amador, da forma de militância francesa nos ditos e nas coisas que arrebentam uma situação.
Digo isto como amador, porque não tenho essas qualidades. Mas fico encantado de ver que algum filho da Igreja as tenha.
Sou, neste sentido, muito mais afim com a militância espanhola, com a garra: “Não vamos perder tempo; se é para liquidar, pega pelo pescoço e liquida já de uma vez357 .
Tornei-me tão afeito a combater, e tão propenso a combater que, chegando ao Céu e não tendo mais a quem combater, ficarei meio “desempregado”358 .
Sou um homem que atacou a Revolução, e a vive atacando, se Deus quiser, até o meu último hausto de vida. Se, ao morrer, disser ainda uma palavra nociva à Revolução, e depois rezar uma jaculatória a Nossa Senhora, morro contente359 .
Não há um instante em que não esteja combatendo o mal. Não há jeito. E se não combato com o furor que a minha atitude de combate exprime, é porque o melhor modo de combater é velar o meu furor360 .
O combate que faço contra o mal é escolhido, é estudado, é nocivo tanto quanto é possível a mim ser nocivo ao mal. É nocivo de uma nocividade que eu quereria que fosse máxima, que exterminasse o mal. Este sou eu.
356 Chá PS 14/6/95 357 CA 16/12/91 358 Chá PS 9/9/87 359 Chá SB 14/8/89 360 Chá SRM 7/10/91