André A. R. de Meijer
Cartas da Mata Atlântica NATUREZA E PATRIMÔNIO CULTURAL 1.a edição
Curitiba 2017
APRESENTA
PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO
CURADORIA EXECUTIVA Núcleo de Mídia e Conhecimento MIND Estratégias de Resultados AUTOR André August Remi de Meijer EDITORES )£ELR $QGU« &KHGLG 6LOYHVWUH H )HUQDQGD &KHHU 0RUHLUD Núcleo de Mídia e Conhecimento CAPA E PROJETO GRÁFICO Güs Schmoekel Güs Strategic Design FOTOGRAFIA Denis Ferreira Netto (capa, 2-3, 4-5, 10-11, 18-19, 22-23, 30-31, 35, 36-37, 44-45, 50-51, 56-57, 62, 64-65, 72-73, 79, 80-81, 84-85, 89, 90-91, 94-95, 100-101, 104, 106-107, 111, 112-113, 115, 116-117, 121, 122-123, 129) Donald Schause (33, 96-97) André August Remi de Meijer (39, 40, 41, 48, 49, 55, 59, 61, 71, 77, 109) REVISÃO Núcleo de Mídia e Conhecimento Vilma Mialsky MAPA DO LITORAL NORTE DO PARANÁ Eduardo Vedor de Paula
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M512c
Meijer, André August Remi de, 1957-. Cartas da Mata Atlântica: natureza e patrimônio cultural. André August Remi de Meijer. Curitiba, Farol dos Reis, Brasil, 2017. 132 p., il. col. ISBN 978-85-69126-05-8 1. Brasil - Mata Atlântica. 2. Paraná - Meio ambiente. 3. Paisagem cultural - Patrimônio cultural. 4. Patrimônio geobiológico. I. Título. CDD: 574
6
AO LEITOR
8
plano espacial da mata atlÂntica no paraná
10
O Pico Paraná
18
Entre mamíferos
22
Em busca de diamantes
30
Cogumelos que iluminam o caminho
36
Vamos atrair borboletas para o jardim!
44
Excursão botânica na beira da estrada
50
Jardim lindo em Antonina e a sua jardineira
56
O cemitério dos sonhos
62
triste fim de uma árvore centenária
64
Encontros com Saci-Pererê
72
Frederico Lange de Morretes
80
O Locodalata
84
Folhas feltradas para traseiros brasileiros
90
Encontro com um dinossauro
96
Rendeiras
100
A Volta do Guará
106
A pequena princesa: uma analogia
112
Ecoturismo para cegos
116
Entrando na onda
122
Visita ao Parque Municipal de Passaúna
AO LEITOR PAISAGENS CULTURAIS SÃO A NOSSA MAIOR RIQUEZA. É tudo que a visão pode alcançar e a mente mapear, nominar e preservar em memória. Porém, nem tudo é visível aos olhos num primeiro momento, às vezes nem as maiores nem as menores coisas. A dimensão do observador importa muito! Assim, Carl Sauer racionaliza: “a cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o resultado”.1 Importa dizer que a espécie humana está em constante e intenso relacionamento com o meio ambiente, dele e nele, criando-se, apropriando-se. Esta perspectiva consciente é um tanto recente e seu marco é a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, em 1972. A variável ambiental considerada em todas as atividades humanas, por todos os humanos! No Brasil, em 1988, o meio ambiente passa a ser objeto constitucional essencial, o natural e o artificial. Ar, Água, Solo, Florestas, Plantas e Animais, Biomas – Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Pampa, Mata Atlântica... Cultura, Cidade, Metrópole, Região, Urbano e Rural, Sustentabilidade... Como conciliar tudo isto, cada um e todos juntos? É possível? Bem, a dimensão do observador importa muito. Na Mata Atlântica, um dedicado observador tem acompanhado e anotado o movimento natural e artificial deste bioma protegido, construindo um minucioso relato, cientificamente fundamentado. Um tipo de retrato com quinze anos de frames. Um texto, para imagens e estudos futuros. Sua estratégia, caminhar a pé e coletar amostras, analisar e promover conhecimento acerca do objeto. Sua ferramenta de comunicação, as Cartas da Mata Atlântica. O observador, André August Remi de Meijer. Neste livro, vinte cartas selecionadas para compor um mosaico. Crônicas que revelam a natureza e o patrimônio cultural da área mais preservada dos cinco por cento de Mata Atlântica restantes no mundo. Boa parte n o litoral e nos planaltos do Paraná. “Muitos pensam que os seres bizarros, os duendes e os gigantes, vivem em lugares remotos, praticamente do outro lado do mundo. Mas não se deve esquecer que vive na Mata Atlântica um dos mais biodiversos e, por que não, ‘biobizarros’ biomas do planeta. Sim, a nossa Mata Atlântica é habitada por seres incríveis e muitos deles serão tratados nas páginas a seguir.”2 No Paraná, a Mata Atlântica possui uma série de proteções legais, que mantém estabilizada sua dimensão, especialmente as tombadas no conjunto da Serra do Mar: “A área, tombada em 1986, de 386 mil hectares, compreende unidades ambientais diferenciadas pela conformação e pela característica da vegetação, distinguindo-se a serra propriamente dita, os vales intermediários, o planalto e planície costeira.”3
6
Nos maciços da Serra do Mar, o ponto culminante da região Sul do Brasil, o Pico Paraná (1962 m s.n.m.) tem a seus pés o ponto mais profundo onde o Oceano Atlântico adentra nas Américas (mais de 40 km), tudo no Município de Antonina, cujo Centro Histórico é tombado e seu porto comercial já opera há 175 anos. E isto é só um exemplo, Paranaguá e Guaratuba também são marcantes. Guaraqueçaba, Morretes, Matinhos, Pontal do Paraná, especiais. Natureza e patrimônio cultural se unem numa só paisagem. Porém, não é só isto: “Apesar de apresentar um dos menores litorais dentre os estados brasileiros, e de estar próximo a grandes centros urbanos, os ecossistemas dessa zona costeira estão pouco descaracterizados e sustentam, com seus recursos naturais, paisagísticos e históricos, 119 comunidades pesqueiras, sete municípios e várias atividades turísticas, portuárias e industriais, além de atividades produtivas associadas aos recursos marinhos.”4 E mais ainda, na borda superior dos maciços da Serra do Mar, na face voltada para a Região Metropolitana de Curitiba, o mesmo conjunto natural permite a formação de mananciais hídricos concentrados em uma bacia complexa que forma adiante o Rio Iguaçú, o rio paranaense e que, ao seu desfecho, transforma-se nas maiores quedas de água do mundo. Cataratas. Além disto, espraia-se até os contrafortes do Segundo Planalto, na Escarpa Devoniana nas áreas da Microrregião de Ponta Grossa. Para estas dimensões superlativas, encontramos em outro observador a solução de continuidade para os olhos. Um fotógrafo destas paisagens, Denis Ferreira Netto. Sua estratégia, a fotografia aérea, além de visões do humano e do ambiente, com os pés no chão. Bem, uma imagem fala por si. Assim, na abertura de cada uma das Cartas da Mata Atlântica, uma fotografia selecionada, coligada pelo título e por um sentido maior de micro e macrovisão, escrita e imagética unidas para ampliar a paisagem cultural real. A visão do andarilho e a do voador, dois observadores. Agora é com você leitor observador, bom passeio!
Fábio André Chedid Silvestre
1
1 SAUER , Carl Ortwin. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
2
MEIJER , André. Cartas da Mata Atlântica – histórias da natureza do litoral paranaense. Curitiba: edição do autor, 2017.
3
LYRA, Cyro Illídio Corrêa de Oliveira; PARCHEN, Rosina Coeli Alice; LA PASTINA FILHO, José. Espirais do Tempo: bens tombados do Paraná. Paraná: Secretaria de Estado da Cultura, 2006.
4
CASTELLA, Paulo et ali. Subsídios ao Ordenamento das áreas Estuarina e Costeira do Paraná. Curitiba: SEMA, 2006.
7
Cânion Guartelá 22
CASTRO
plano espacial da mata atlântica no paraná
CARAMBEÍ
PONTA GROSSA
CAPA
Pico P
10
80
90
72
PALMEIRA
122
Pico Marumbi 30
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
LAPA
RIO NEGRO
8
A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica - RBMA cuja área foi reconhecida pela UNESCO em seis fases sucessivas entre 1991 e 2008, foi a primeira unidade da Rede Mundial de Reservas da Biosfera declarada no Brasil. É a maior reserva da biosfera em área florestada do planeta, com cerca de 78.000.000 hectares, sendo 62.000.000 em áreas terrestres e 16.000.000 em áreas marinhas, nos 17 estados brasileiros onde ocorre a Mata Atlântica, o que permite sua atuação na escala de todo o Bioma. A RBMA estende-se por mais de 5000 dos 8000 km do litoral nacional, desde o Ceará ao Rio Grande do Sul, avançando mar afora e englobando diversas ilhas oceânicas como Fernando de Noronha, Abrolhos e Trindade, e adentrando no interior de vários estados costeiros, como em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Encontra-se entremeada na área mais urbanizada e populosa do país, tendo em seu entorno cerca de 120 milhões de habitantes e atividades econômicas que respondem por aproximadamente 70% do PIB brasileiro. Abrange áreas de mais de 1000 dos 3400 municípios englobados pelo Domínio Mata Atlântica-DMA. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica inclui todos os tipos de formações florestais e outros ecossistemas terrestres e marinhos que compõem o DMA , bem como os principais remanescentes florestais e a maioria das unidades de conservação da Mata Atlântica, onde está protegida grande parte da megabiodiversidade brasileira. Suas Zonas Núcleo correspondem a mais de 700 Unidades de Conservação de Proteção Integral. Em suas Zonas de Amortecimento vivem alguns milhares de pessoas, em grande parte comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores, etc... ) que representam uma grande riqueza sociocultural e grande diversidade étnica. In http://www.rbma.org.br.
MORRETES
ANTO 62
Perspectiva das fotos aéreas (Denis Ferreira Neto): Os números representam as páginas onde se encontram as respectivas imagens; As setas indicam a direção para onde apontava a câmera do fotógrafo. GOOGLE. Google Earth. Version 7.3.0. 2017. Mata Atlântica Paranaense. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/@-25.4132192,-49.1973092,114436m/ data=!3m1!1e3?hl=pt-BR>. Acesso em: 04 dez. 2017.
Paraná
112
GUARAQUEÇABA
64 50 56
ILHA DE SUPERAGUI 44
NINA
2
ILHA DO MEL PARANAGUÁ
PONTAL DO PARANÁ
116
18 106
MATINHOS GUARATUBA
9
10
O PICO PARANÁ
11
24/02/2011
COMO É BOM CHEGAR À MEIA IDADE! A partir daí a gente passa de um jubileu a outro! Neste mês de fevereiro (2011), celebrei a décima subida do Pico Paraná (PP) e esta carta é dedicada a todas as pessoas que me acompanharam ao pico ao longo dos anos. Os seus nomes são listados na Tabela 1. O cume do PP é o ponto culminante do Sul do Brasil e está situado a 25°15'08"S e 48°48'30"O. Outras duas montanhas da Serra do Mar paranaense, também bastante procuradas pelos montanhistas, são o Pico Marumbi (Olimpo) e o Morro do Anhangava, ambas bem mais baixas: a primeira tem altitude de 1539 m (Krelling 1992) e a segunda tem 1430 m. “Até 1940 pensava-se que o Marumbi era a maior montanha do Paraná, quando então o geógrafo e geólogo alemão Reinhard Maack descobriu várias elevações maiores para o lado norte da cadeia atlântica, (...). Ali se encontra o Pico Paraná, (...), a maior altitude do Estado. Foi conquistado por Rudolfo Stam e Alfredo Mysing, em 13 de julho de 1941, após vários dias de caminhada em meio à floresta atlântica.” (IAP - CPM, sem data).
NA PÁGINA ANTERIOR: Pico Paraná visto do Pico Caratuva.
12
Na Tabela 2 são listados alguns dos nossos picos maiores. A minha primeira visita ao PP, em 1988, foi feita por um motivo bem definido. Estava encerrando o relatório do meu levantamento dos macromicetos (cogumelos) da Área de Especial Interesse Turístico (AEIT) do Marumbi, um trabalho encomendado pelo Instituto Ambiental do Paraná. A AEIT do Marumbi englobava 67 mil hectares da Serra do Mar paranaense e se estendia, verticalmente, de 30 m s.n.m. até o cume do PP. Assim, o objetivo da minha primeira subida ao PP foi descobrir qual é a altitude superior da ocorrência das espécies de cogumelos do Paraná, aliás, do sul do Brasil. Como ferramenta de campo foi usada um altímetro. O PP faz parte do atual Parque Estadual Pico Paraná, uma área de 4300 hectares totalmente circundada pelo atual APA da Serra do Mar. A categoria “AEIT do Marumbi” não mais existe. A trilha de acesso ao PP começa a uma altitude de 1060 m, na Fazenda Pico Paraná. Uma descrição da rota até a fazenda é facilmente encontrada na internet. A caminhada de lá até o pico leva umas seis horas para quem só quer chegar lá. Pode levar o dobro deste tempo para quem vai com calma, parando para observar plantas e animais e contemplar as vistas deslumbrantes ao longo da rota. Nas minhas primeiras subidas pela trilha encontrei árvores abatidas e gado pastando até 1500 m s.n.m. Naqueles anos, alguns cachorros da fazenda gostavam de acompanhar os mochileiros que subiam ao PP, e em agosto de 1990, encontrei na trilha um tatu-galinha morto por um destes cães. O proprietário atual da fazenda não cria gado, mas tem alguns cavalos. Ele vive da criação de cabritos e da cobrança de “pedágio” dos mochileiros que sobem o PP. Cobra R$10 para quem chega durante o dia e R$15 para quem chega à noite. A subida noturna com lanterna, para chegar de madrugada ao cume do PP, está se tornando popular entre pessoas que preferem evitar o calor da subida diurna e não querem carregar o peso do material necessário para o pernoitamento (barraca e saco de dormir).
No início da caminhada, a trilha atravessa uma floresta secundária. Logo você entrará numa extensa capoeira, área em recuperação de uma queimada relativamente recente. Do cume do primeiro morro, com 1250 m de altitude e situado no meio desta capoeira, você verá como o Pinus exótico tem conseguido invadir a área. As sementes de Pinus foram trazidas pelo vento, brotaram rapidamente e as árvores estão se desenvolvendo muito bem. A partir do mesmo ponto, você pode ver que aqui o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) é raríssimo. Os poucos indivíduos presentes são adultos, mas com aspecto raquítico. São sinais de que estamos na faixa de interpenetração das floras da Floresta Ombrófila Mista e da Floresta Ombrófila Densa.(a) A influência da Floresta Ombrófila Mista se mostrará mais adiante na trilha, pois numa altitude de 1500 m encontraremos uma planta típica deste tipo de floresta: o xaxim-bugio (Dicksonia sellowiana), num grupo consistindo de vários indivíduos bem grandes, o maior com 54 cm de diâmetro, na altura do peito. A influência da floresta Ombrófila Mista fica evidente também pela ocorrência, nesta capoeira, do cogumelo Hypholoma ericaeum, uma espécie que nunca tenho encontrado na região da Floresta Ombrófila Densa. Continuando a nossa subida pela trilha, a 1400 m de altitude sairemos finalmente da capoeira, entrando no primeiro trecho da floresta de neblina, também chamada de matinha nebular. O que mais chama a atenção neste tipo de vegetação é o aspecto tortuoso das árvores, que são totalmente cobertas de briófitas. Aqui é abundante a gravatá-de-lança (Aechmea ornata), um caraguatá terrestre enorme com inflorescência em dezembro. O seu ‘fruto’ é um abacaxi magro com escapo comprido. O que mais impressiona na mata de neblina é o silêncio paradisíaco: apenas se escuta a voz misteriosa de Carpornis cucullata, o corocochó (um nome onomatopeico) e o murmúrio de um córrego. Após a chuva, quando os musgos estão encharcados, a sensação é de se estar em outro mundo.(b) Restrita a este tipo de floresta é a orquídea epifítica Hadrolaelia (Sophronites) coccinea, famosa pelas flores vermelhas em julho e agosto. Também é comum o ipê Handroanthus catarinensis, reconhecível pelas folhas 5 (-7) folioladas e a florada amarela em agosto, e a casca-d'anta (Drimys brasiliensis), uma pequena árvore cujas folhas caídas, branca num lado e verde-escura na outra, são encontradas no chão em abundância. Continuando pela trilha, de repente chegaremos numa bifurcação com placa indicando que a trilha para esquerda leva ao Pico Caratuva, que é o segundo ponto mais alto do sul do Brasil. Continuando, no entanto, em direção ao PP, pouco tempo depois chegaremos a outra bifurcação: aqui a placa mostra que a trilha para direita leva ao Pico Itapiroca. Esta montanha, com 1805 m de altitude, é o terceiro cume mais alto do Paraná. Nunca subi a Caratuva, nem a Itapiroca, mas os caminhos até os seus cumes são mais curtos do que aquele que leva ao PP. Assim, estes destinos são indicados para pessoas com pouco tempo disponível e que desejam voltar no mesmo dia. Continuando fiel à trilha para o PP, de repente, a 1650 m s.n.m., sairemos da floresta de neblina entrando numa vegetação baixa dominada pelo bambu-anão, também chamado de caratuva (Chusquea pinifolia). Mais adiante, vamos percorrer uma vegetação mais arbustiva, em que ocorrem várias espécies de Ilex. Aqui, os liquens do gênero Cladonia formam tapetes extensos e também o musgo-de-turfeira (Sphagnum spp.) é abundante. Ocorrem algumas orquídeas terrestres, duas delas com florada em dezembro: uma violeta e outra amarela. É abundante também a linda Eryngium koehneanum, com florada em fevereiro. Sem muito esforço, você encontrará aqui a orvalhinha (Drosera montana), uma pequena planta insetívora.
13
Tabela 1. As subidas ao Pico Paraná: os companheiros, o tempo e a proximidade do céu. C (1)
Datas
Companheiros
Tempo
Altitude alcançada
a
1988/03/18+19
Luiz (“Fly”)
sol
1720
b
1988/04/16+17
Ingrid, Karin, Marcos B (“Marcão”), Marcos K
...
1877 m (cume)
c
1989/01/27-30
Ceres, Pedro (“Neto”), Ubirajara (“Bira”)
todos os dias com sol na parte de manhã e chuva no fim da tarde
1877 m
d
1990/08/11+12
Edilson, Ricardo (“Mestre”)
sol
1650 m
-
1991/03/27 (2)
Herman (meu irmão)
chuva
1450 m
e
1991/12/12+13
Alex (meu irmão)
sol
1877 m 1877 m
f
1992/12/05+06
Klaas
sol
g
1993/08/14+15
Geovany, Júlio (“Jayamta”), Zem
sol
h
1996/06/01+02
Daniela, Fabio, Geovany
chuvisco (1 dia e noite); sol (2 dia)
j
2010/12/11+12
Agnes, Frederic, Jamil, Márcia, Marianne
sol, no fim da tarde chuva (1 dia); nublado (2 dia)
1570 m
k
2011/02/12+13
Ademar (“Mago”)
nublado, no fim da tarde chuva (1o dia); sol (2o dia)
1700 m
(1) (2)
1877 m o
1570 m
o
o
o
C = código da subida. A subida de 1991/03/27 foi abortada, pois o meu irmão Herman se desanimou (havia muita chuva) antes de termos alcançado o primeiro campo de altitude.
Tabela 2. Os picos mais altos do Brasil e dos estados sul-brasileiros. (1) Região
Pico
Altitude (m)
Município (Estado)
Brasil
1) Pico de Neblina
2994
Santa Isabel do Rio Negro (AM)
Estado do Paraná
2) Pico 31 de Março
2973
3) Pico da Bandeira
2892
na divisa entre Ibitirama (ES) e Alto Caparão (MG)
1) Pico Paraná
1877
Campina Grande do Sul
(2)
2) Pico Caratuva
1860
Estado de Santa Catarina
Morro da Boa Vista
1827
na divisa entre Bom Retiro e Urubici
Estado de Rio Grande do Sul
Pico do Monte Negro
1410
São José dos Ausentes
(1) (2)
Fonte: Wikipédia. É o ponto culminante na área do bioma Mata Atlântica.
Tabela 3. Espécies de vertebrados registrados ao longo da trilha do Pico Paraná, em altitudes acima de 1200 m, a partir de 1988. Família
Espécie
Nome vulgar
Subida em que foi registrada (número de exemplares) (1)
Altitude máxima;(2) Hábitat
Cricetidae
Oxymycterus nasutus
ratinho-focinhudo
c (1), k (1)
1670; campo de altitude
Dasypodidae
Dasypus novemcinctus
tatu-galinha
d (1, morto por cachorro)
1350; capoerinha
Cebidae
Alouatta guariba clamitans
bugio-ruivo
j (1, vocalizando)
1650; floresta de neblina
Cebus nigritus
macaco-prego, mico
c (grupo de 5)
1570; floresta de neblina
Tinamidae
Crypturellus obsoletus
inambuguaçu
c, d, j, k (1)
1500; floresta
Cathartidae
Coragyps atratus
urubu-de-cabeça-preta
d (par)
1700; em sobrevoo
Odontophoridae
Odontophorus capueira
uru
d (alg)
... ; floresta
Psittacidae
Pyrrhura frontalis
tiriba
a, b, d, j, k (alg)
1450; floresta
Strigidae
Sp.
coruja
b (encontrado egagrópilas grandes, contendo carapaças de besouros e ossos)
1877; campo de altitude
Caprimulgidae
Hydropsalis forcipata
bacurau-tesourão
a (1), j (encontrado um retriz do macho)
1500; campo de altitude
MAMÍFEROS
AVES
14
Apodidae
Streptoprocne sp.
taperuçu-de-coleira
c, d, j (alg)
Trochilidae
Anthracothorax nigricollis
beija-flor-de-veste-preta
d (1 fêmea)
1600; em sobrevoo 1500; floresta
Stephanoxis lalandi
beija-flor-de-topete
k (1 macho)
1500; floresta de neblina
Chlorostilbon lucidus
besourinho-de-bico-vermelho
j (1)
1200; capoerinha
Leucochloris albicollis
beija-flor-de-papo-branco
a (1)
1400; capoerinha
Ramphastidae
Ramphastos dicolorus
tucano-de-bico-verde
j (alg
1200; floresta
Furnariidae
Synallaxis spixi
joão-teneném
a, b, j, k (alg)
1800; capoerinha, campo de altitude
Thamnophilidae
Batara cinerea
matracão
j (1), k (2)
1400; floresta
Mackenziaena leachii
borralhara-assobiadora
k (1)
1400; floresta
Thamnophilus caerulescens
choca-da-mata
k (alg)
1500; floresta
Thamnophilus ruficapillus
choca-de-chapéu-vermelho
c (1)
... ; capoerinha
Cotingidae
Carpornis cucullata
corocochó
a, b, c, d, j, k (abu)
1500; floresta de neblina
Procnias nudicollis
araponga
c, d, j, k (abu)
1500; floresta
Tityridae
Schiffornis virescens
flautim
a (1)
1540; floresta
Tyrannidae
Knipolegus nigerrimus
maria-preta-de-gargantavermelha
c (1)
... ; capoerinha
Attila phoenicurus
capitão-castanha
j (1), k (alg)
1400; floresta
Hirundinea ferruginea
gibão-de-couro
k (1)
1200; capoerinha
Phylloscartes oustaleti
papa-moscas-de-olheiras
a (1)
1400; floresta
Phylloscartes difficilis
estalinho
d (1)
...
Elaenia mesoleuca
tuque
j, k (alg)
1500; floresta
Hirundinidae
Pygochelidon cyanoleuca
andorinha-pequena-de-casa
j (alg)
... ; em sobrevoo
Turdidae
Turdus flavipes
sabiá-una
j (alg)
1500; floresta
Turdus rufiventris
sabiá-laranjeira
j (alg)
1500; floresta
Cyclarhis gujanensis
pitiguari
j, k (1)
1300; floresta
Vireo chivi
juruviara
c, j (alg)
1200; floresta
Passarellidae
Zonotrichia capensis
tico-tico
b, c, d, j, k (alg)
1877; capoerinha, campo de altitude
Parulidae
Basileuterus culicivorus
pula-pula
a (1), e (1)
1450; floresta
Myiothlypus leucoblephara
pula-pula-assobiador
d (1), k (alg)
1500; floresta
Saltator similis
trinca-ferro
j (1)
1300; capoerinha
Vireonidae
Thraupidae RÉPTEIS Tropiduridae
Anisolepis grillii
lagartixa
j (1; pousada em rocha)
1250; capoerinha
Scincidae
Mabuya dorsivittata
lagartixa
c (2+1)
1877; campo de altitude 1200; capoerinha
Viperidae
Bothrops jararaca
jararaca
c (1), k (1)
Colubridae
Chironius sp.
cobra-cipó, voadeira
a (1)
1720
Dipsadidae
Philodryas sp.
cobra-verde
e (1)
1300
Brachycephalidae
Ischnocnema paranaensis
sapinho
a (1; entre Sphagnum)
1650; campo de altitude
Bufonidae
Melanophryniscus sp. nov.
sapinho
b (1), e (1), f (1), j (1)
1700; campo de altitude com Lycopodium
Rhinella icterica
sapo-cururu
c (1), e (1)
1600; campo de altitude
Rhinella sp. (grupo crucifer)
sapo-cururuzinho
a (1)
1390; floresta de neblina
Sp.
rã-de-riacho
c (1 girino muito grande; em córrego)
1500; floresta de neblina
ANFÍBIOS
Hylodidae (1)
(2)
O código da subida é o mesmo que na primeira coluna da Tabela 1. Não foi feito o registro de aves nas subidas “e”, “f”, “g”, “h”. (alg = alguns indiv.; abu = abundante). Altitude máxima (m s.n.m.) em que a espécie foi registrada.
15
Tabela 4. Espécies de sapos recém-descritas de vegetações altimontanas no leste do Paraná. Família
Brachycephalidae
Espécie
Localidade tipo Nome do local, ou localização
Altitude (m s.n.m.)
Nome da Serra
Município
Brachycephalus brunneus Ribeiro, Alves, Haddad & dos Reis, 2005
Pico Caratuva (topo vizinho do Pico Paraná)
entre 1300 e 1600
Capivari
Campina Grande do Sul
Brachycephalus ferruginus Alves, Ribeiro, Haddad & dos Reis, 2006
Pico Marumbi
entre 1000 e 1200
Marumbi
Morretes
Brachycephalus izecksohni Ribeiro, Alves, Haddad & dos Reis, 2005
Pico Torre da Prata
1300
Prata
entre Guaratuba e Paranaguá
em camadas espessas de folhas em decomposião
Tijucas do Sul (Serra do Araçatuba) + Guaratuba (Morro dos Perdidos)
entre folhas em decomposição
Brachycephalus leopardus Ribeiro, Firkowski & Pie, 2015
Bufonidae
Hábitat
1410-1640
Baitaca
em camadas espessas de folhas em decomposição
Brachycephalus pernix Pombal, Wistuba & Bornschein, 1998
Morro do Anhangava
± 1400
Quatro Barras
Brachycephalus pombali Alves, Ribeiro, Haddad & dos Reis, 2006
Morro dos Padres, Pico da Igreja
1300
Brachycephalus tridactylus Garey, Lima, Hartmann & Haddad, 2012
Reserva Natural Salto Morato
900-930
do Morato
Guaraqueçaba
entre folhas em decomposição
Ischnocnema (Eleutherodactylus) paranaensis (Langone & Segalla, 1996)
Pico Paraná, “Abrigo 1” (veja: Bornschein et al. 2015)
1615
dos Órgãos
Antonina
campo de altitude (entre Sphagnum)
Melanophryniscus alipioi Langone, Segalla, Bornschein & de Sá, 2008
± 15 km ao norte do Pico Paraná
1491
Capivari
Campina Grande do Sul
....... (reproduz-se em bromeliáceas)
Guaratuba
Persistindo mais um pouco, você finalmente chegará ao cume do PP, que é dominado pelo bambuanão. Ali ocorre um pequeno campo de poáceas, que no Paraná é o único local de ocorrência conhecida do cogumelo Tephrocybe misera, relatado de campos de altitude e florestas de coníferas na Europa. No cume do PP, vi cogumelos dos gêneros Marasmiellus e Mycena em colmos de bambu e em folhas mortas. Elas não foram coletadas, o que seria necessário para a identificação que exige o exame microscópico. Entre os cogumelos encontrados se destaca Laternea pusilla, pois é estritamente limitada à floresta de neblina, onde não é rara. O seu basidioma, apenas encontrado no verão, assemelha-se a uma lanterna. Consiste de três braços vermelhos erguidos, que se juntam ao ápice num arco, donde é pendurada a 'lâmpada' de cor vermelho-profunda. O corpo frutífero alcança apenas 3 cm de altura, mas chama a atenção através das cores vivas e pelo seu cheiro forte e doce, que serve para atrair as moscas que dispersam os esporos. Recentemente (2013), a espécie foi encontrada também em Santa Catarina, no município de Urubici, no mesmo tipo de hábitat (Trierveiler-Pereira et al. 2014). Deixe-me agora falar um pouco dos animais observados ao longo da trilha. Os registros dos vertebrados são listados na Tabela 3, onde é mostrado que os répteis e mamíferos são raramente vistos aqui. É interessante o fato de no verão as duas espécies de macaco subirem a altitudes bem elevadas. A ocorrência do ratinhofocinhudo no campo de altitude conhecido como “Abrigo II”, deve ter sido percebido por todas as pessoas que ali já acamparam, pois o danadinho é tão confiante que chega a entrar na panela para se aproveitar do que sobrou da nossa janta.
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Em comparação às regiões de baixa altitude no leste do Paraná, a avifauna do PP pode ser considerada pobre. Com a exceção de três espécies de tiranídeos, todas as aves registradas ao longo da trilha são conhecidas também em Curitiba, mas neste município as observações de corocochó e do uru são pouquíssimas (Straube et al. 2014). A maria-preta-de-garganta-vermelha é uma ave típica da área de transição entre a floresta de neblina e o campo de altitude (Sick 1985). Fiquei admirado em encontrar o joão-teneném e o tico-tico nos campos de altitude, o último até alcançando o cume do PP. Também Sick (1985), que já mencionou a ocorrência de ambos neste ambiente, encontrou o tico-tico "nos cumes mais altos (das montanhas do Sudeste), expostos a ventos fortes e frios.”. Dos anfíbios, apenas duas espécies foram vistas repetidas vezes, ambas em campo de altitude: o sapo-cururu, em dezembro e janeiro, e Melanophryniscus sp. (sapinho preto de abdome vermelho), no período de dezembro a abril. A última se trata de uma espécie ainda não descrita pela ciência, apesar dela ser bem conhecida pelos veteranos do PP. É espetacular o fato que nos últimos vinte anos têm sido descritas nada menos que nove espécies novas de sapinhos de matas de neblina e dos campos de altitude do leste do Paraná. Essas espécies são listadas na Tabela 4. No que se refere às borboletas, quem sobe pela trilha ao PP geralmente encontrará várias espécies de Satyrinae. Nesta subfamília, as lagartas se alimentam de poáceas (inclusive bambus) e ciperáceas. Em fevereiro, uma planta herbácea de flor vermelha localmente abundante na floresta de neblina, atrai várias espécies de Hesperiinae e Papilioninae. O meu registro ‘mais elevado’ de uma borboleta foi feito em abril de 1988 no PP, quando vi um indivíduo de Vanessa braziliensis na altitude de 1800 m. Dos outros invertebrados encontrados ao longo da trilha, gostaria de mencionar os seguintes: – aranha caranguejeira (Grammostola sp.), 1300-1600 m s.n.m. (escasso; dezembro a fevereiro); – grande caramujo, na floresta de neblina, 1500-1650 m s.n.m. (escasso; dezembro a fevereiro); – grande lesma, na floresta de neblina, 1500-1600 m s.n.m. (abundante; dezembro a abril); – besourinhos da família Gyrinidae (besouros-d’água-do-nado-circular), no lago represado da Fazenda Pico Paraná, 1060 m s.n.m. (aos milhares; dezembro), girando sobre a superfície da água; – mutuca grande (Fidena sp.), somente na floresta de neblina (abundante; dezembro), não saindo da floresta para o campo nem para a capoeira. Tem aparelho bucal muito comprido e persegue com persistência o mochileiro. Só há uma solução para se livrar dela: parar e esperar a criatura desconfiada finalmente descer nas suas pernas e então eliminá-la através de uma batida ligeira. Como leitura adicional sobre a vegetação da floresta de neblina e dos campos de altitude do Sul do Brasil, eu recomendo, entre outros trabalhos: Alves 2008 (p. 317-335), Falkenberg & Voltolini 1994, Fernandes 2003 (p. 26-28), Hueck 1972 (p. 160-165), Leite & Klein 1990 (p. 120, esquerda), Maack 1968 (p. 208), Mocochinski & Scheer 2008, Portes & Galvão 2002, Rocha 1999, Roderjan 1994 e Scheer & Mocochinski 2009. Visitando a Biblioteca Pública do Paraná (Curitiba), nas pastas “Picos” e “Serra do Mar”, da Seção Recortes de Jornais, da Divisão de Documentação Paranaense, você encontrará interessantes reportagens também. (a)
Fato confirmado pela FUPEF (2004, p. 145).
(b)
Nas palavras de Dean (1996, p. 26): "O efeito – a cintilação das gotículas de orvalho e a imersão em névoa – é totalmente extraterrestre.”.
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ENTRE MAMÍFEROS
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27/08/2009 INICIEI O TERCEIRO ANO DO SEGUNDO GRAU NO MEU DÉCIMO QUARTO ANO DESSA VIDA DE MAMÍFERO. Naquele momento, aconteceu algo que influenciaria meu futuro de forma significativa. O professor de biologia anunciou que tínhamos de produzir uma monografia para ser entregue três anos depois, como parte das exigências do exame final do colégio. De todas as tarefas escolares esta foi a que mais gostei. Tínhamos liberdade de escolher qualquer tema dentro da área de biologia, mas o professor preferiu que fizéssemos o levantamento de algum biótopo regional. Eu vivia numa região de lavouras, principalmente. A 3,2 km da casa de meus pais havia um pequeno bosque – o Jaegersbos – de entrada proibida e também, por esta razão, bastante atraente.(a) Fui conversar com o proprietário e tive sorte: ele me permitiu fazer a pesquisa escolar no seu terreno. Ao longo daqueles três anos, em cada fim de semana ficava algumas horas no bosque de 1,5 hectares. Tratava-se de uma plantação, com aproximadamente meio século de idade, consistindo em quatro coníferas, entre as quais apenas uma era nativa: Pinus sylvestris. Logo na primeira visita ao terreno fiz uma descoberta maravilhosa: no coração do bosque dormia um grupo de mochos (Asio otus)! No chão, abaixo dos seus poleiros, havia uma boa quantidade de egagrópilas,(b) pelotas oriundas do regurgito
NA PÁGINA ANTERIOR: Paranaguá vista GD FRQȵX¬QFLD do Rio da Vila encontrando o 5LR ΖWLEHU¬
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do animal, que juntei para analisar o conteúdo em casa. Nas egagrópilas de corujas, os crânios das presas são encontrados quase intactos, o que possibilita a identificação da presa. Para a última finalidade, existia um excelente manual em holandês (Husson 1962), cujo título se traduz assim: A identificação de restos de crânios de mamíferos em egagrópilas de corujas. Durante os três anos de pesquisa naquele bosque, fiz um censo completo das aves (38 espécies encontradas) e inventários dos seguintes grupos: mamíferos (três espécies vistas e 10 adicionais encontradas nas egagrópilas), borboletas (13), mariposas maiores (13), plantas vasculares (91 herbáceas e 15 arbustivas e arborescentes) e macrofungos (53).(c) Do último grupo, consegui identificar apenas a metade das espécies. Também coletei as briófitas, que foram identificadas pelo próprio professor de biologia (16 espécies), que era especialista neste grupo. Não encontrei anfíbios e répteis no terreno. Publiquei a monografia (Meijer 1978) alguns anos depois de encerrar o segundo grau. Após a aquisição de um microscópio, retomei o levantamento dos macrofungos deste bosque. A lista final daquele terreno resultou em 118 espécies. A partir desse trabalho escolar, peguei gosto pela análise de egagrópilas, que fui coletando em outros locais de Flandres da Zelândia, no extremo sudoeste da Holanda. As egagrópilas da coruja-da-igreja (Tyto alba) são as mais facilmente encontradas e a sua análise é muito gratificante, pois essa espécie consome a maior variedade de mamíferos entre as corujas. A ave se comporta como oportunista, comendo em maior quantidade as espécies localmente mais abundantes. Assim, a composição da sua dieta revela o percentual das diferentes espécies de pequenos mamíferos que habitam o local (Jong 1995). Após a minha chegada ao Brasil, queria continuar com as análises de egagrópilas da coruja-daigreja, aqui se tratando de Tyto furcata. Na década de 80, coletei uma grande quantidade deste material em dois locais: na Igreja de São Grata, em Curitiba (Rua Grá Nicco 52; bairro Mossunguê) em 17/05/1984; e num farol abandonado na Ilha do Mel, em 08/06/1986. Em ambas as ocasiões, separei os crânios por espécie de mamífero e levei o material para um especialista em Curitiba. Ele se esforçou para identificá-los e, posteriormente, eu divulguei num artigo de jornal (Meijer 1986) os nomes que ele tinha me passado referente ao material da Ilha do Mel. Antes disso, Lange 1981 já tinha publicado resultados de análises
de egagrópilas desta coruja encontradas em igrejas de Curitiba e dois municípios vizinhos daquela cidade. Lange identificou as presas em nível de ordem, para mamíferos, e em nível de classe, para os outros grupos. Recentemente, Silva (2003) analisou egagrópilas da coruja-da-igreja num município vizinho de Curitiba, também identificando as presas somente em nível de grupo e, para alguns roedores, ele chegou ao nível de gênero. Até hoje, no Brasil não foram produzidas chaves para a identificação de crânios de mamíferos encontrados em egagrópilas de corujas, nem para regiões geográficas restritas do país. Para conhecer a fauna de pequenos mamíferos terrestres de uma dada região, continua sendo necessário coletar os animais (somente especialistas que possuem licença especial podem fazer isso). Assim, diferente do que ocorre na Europa, no Brasil os amadores são excluídos deste tipo de pesquisa. No período em que residi em Lageado, uma coruja-da-igreja nidificava num prédio a 1 km da ponte da PR-405 sobre o rio Cachoeira, no município de Antonina. A coruja era conhecida por toda minha vizinhança. Informações sobre os mamíferos do litoral norte foram acumuladas por Quadros & Tiepolo (2003) e por outros pesquisadores, e tenho pouco a acrescentar aos dados desses especialistas. Encontrei 30 espécies de mamíferos na região, identificadas sem que houvesse coleta, com a exceção de alguns ratinhos que entraram na minha casa, onde foram mortos, para evitar que estragassem os meus papéis (Tabela 1). Espécies espetaculares adicionais referidas do litoral norte do Paraná por Margarido et al. (1997) e Quadros & Tiepolo (2003), são, por exemplo: cuíca-d’água (Chironectes minimus), veado-bororó (Mazama bororo), paca (Cuniculus paca), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) e o maior gato do Continento Americano, a onça (Panthera onca). Lindas fotos da maioria destas espécies são encontradas em Fernandes (2003). (a)
(b)
(c)
No Google Earth o “Jaegersbos” é facilmente localizável. Está situado 1 km ao sul do povoado holandês de Waterlandkerkje e a 1,3 km da fronteira da Holanda com a Bélgica. As coordenadas são 51°30’63”866244766 N e 3° 54’93”02816390991 L. Ferreira (1999) escreve “egagrópilo”, considerando o termo masculino. Isso é em contraste com outros autores, que escrevem “egagrópila”, tratando a palavra como feminina. Alguns destes números podem parecer baixos, mas, com exceção dos macrofungos, não se compara a biodiversidade da Holanda com a da Mata Atlântica brasileira.
Tabela 1. Dados morfológicos de indivíduos de Cricetidae capturados com ratoeira dentro da residência em Lageado ou encontrados afogados na piscina ao lado; período de 2008 a 2012. Data da morte
Comprimento (mm) Total
Cabeçacorpo
Cor Cauda
Pata posterior com unha
Unha
Orelha interna
Dorso
Causa da morte Ventre
Akodon sp. (cf. A. cursor, A. montensis, A. paranaensis) 2008/10/03
185
100
85
2009/01/07
147
75
72
marrom-acinzentada
2009/06/06
190
105
85
2009/09/06
213
123
90
26
2010/02/11
175
88
83
2012/07/13
130
67
62
capturado em ratoeira
15
marrom-amarelada
amarela pálida
2
15
marrom-acinzentada
24
2
17
marrom-amarelada
amarelada
22
2
13
marrom-acinzentada
esbranquiçado
marrom-acinzentada
afogamento
Oligoryzomys cf. nigripes 2006/02/02
capturado em ratoeira
2008/01/31 2008/06/21 2008/07/02 2011/10/15
210
80
135
22
2
16
marrom
esbranquiçado
afogamento
2012/09/12
194
72
115
20
2
18
marrom-amarelada
esbranquiçado
capturado em ratoeira
21
22
Em busca de
diamantes
10/08/2007 DEDICO ESSA CARTA AO SAUDOSO AMIGO DANTE ROMANÓ JR., UM GRANDE ADMIRADOR DA OBRA DOS NATURALISTAS DO PASSADO PARANAENSE.
COMEÇANDO A LER O RELATO DE SAINT-HILAIRE (1995), CHAMOU A MINHA ATENÇÃO O SEGUINTE TRECHO SOBRE OS CAMPOS GERAIS PARANAENSES: “(...); a maior parte dos rios (...) corre límpida e celeremente por sobre rochas lisas, e sempre que a água se despeja do alto sobre pedras (...) ela cava na rocha buracos arredondados, chamados de caldeirões. Vários destes rios (...) têm diamantes, que vão rolando pelo leito e caem dentro dos caldeirões, onde os contrabandistas vão procurá-los.”.
Como naturalista em decadência, mostrei este fragmento a alguns novos amigos que vivem na clandestinidade. Estes logo se entusiasmaram, um deles exclamando “No Bar do Alemão têm um caldeirão cheio de quentão!”, e a outra acrescentando “Abaixo da Cachoeira do Alemão está o caldeirão em questão!” Dos dois lugares citados conhecia apenas o bar, mas não a cachoeira. Pedi mais informações a respeito da última e ela nos contou que está situada num afluente do rio Tamanduá. Logo estava todo ouvidos, pois tinha acabado de ler que o rio Tamanduá (município de Balsa Nova) deságua no rio dos Papagaios, em cujas “águas e leito já se encontraram, segundo é voz geral, não só palhetas de ouro como diamantes” (Taunay 1886). Assim aconteceu que no último mês de maio (2007) me juntei à turma e num frio madrugado de sábado, alegres pelo quentão da noite anterior, tomávamos rumo pela BR-277, em direção oeste. Um pouco depois de São Luís do Purunã, a líder do bando parou o veículo e nos mandou descer. Com voz de professora da turma de pequenos delinquentes, ela explicou: “Eis aqui um ponto muito especial. Lá, na outra pista da rodovia, começa a estradinha que desce até Tamanduá, em direção sul. Estamos no cume da Serra do Purunã, a mil metros sobre nível do mar. Exatamente aqui nasce o rio Açungui,(a) que corre em direção norte e, através do rio Ribeira, deságua no oceano. A um quilômetro daqui passa a BR-277 por cima do rio Tamanduá, que, através do rio dos Papagaios e o rio Iguaçu, deságua no rio Paraná. Na exata divisa entre o primeiro e o segundo planalto, as águas da chuva escolhem entre correr para o norte ou para o sul. Da mesma forma, aqui vocês têm de fazer sua escolha: continuar comigo no caminho do crime, ou descer imediatamente rio Açungui abaixo, para terminar na barriga de um tubarão do mar.”.
NA PÁGINA ANTERIOR: Cachoeira Ponte de Pedra - Cânion do Guartelá com Rio Iapó ao fundo.
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Como sabem, no submundo, as brincadeirinhas sinistras fazem parte dos bons costumes. De qualquer modo, ninguém tinha coragem de cair fora, e meia hora depois chegávamos à chácara do Alemão, onde pagamos ingresso à esposa dele, que nos considerou como ecoturistas, não desconfiando da nossa verdadeira intenção. Sem perder tempo fomos à cachoeira,(b) abaixo da qual havia o grandioso caldeirão prometido pela líder. Demos logo de cara com um urutu (Bothrops alternatus), um encontro considerado promissor, já que a presença de uma serpente peçonhenta significa que Mãe Natureza esconde algo de valor (lembrem-se da Naja Banca, de Mowgli; Kipling 2004). Infelizmente, a magnificência da cachoeira e da paisagem fez os meus companheiros marginais logo perderem de vista o objetivo da missão; foram pescar e tomar banho de sol, esquivando-se do garimpo. Assim, trabalhei praticamente sozinho nos dois dias seguidos, revirando o caldeirão todo, numa busca frenética de pedras preciosas. Acabei encontrando
um fragmento bastante promissor, tão brilhante que deixou os bandoleiros todos eufóricos. Mas, após de uma cuidadosa perícia, acabou sendo identificada como procedente de um frasco de cachaça. Foi uma decepção tremenda! Mais tarde, em busca de consolo, peguei novamente no livro de Saint-Hilaire e li o restante. Assim, descobri uma obra fascinante e delirante, que merece ser lida por todos vocês. Auguste de Saint-Hilaire viajou de 1816 a 1822 pelo território hoje situado no Sudeste e Sul do Brasil (do Centro-Oeste visitou somente Goiás) e Uruguai (no momento da visita ocupado pelo Brasil). Depois, voltou à França, sua terra natal, donde relatou a viagem detalhadamente numa série de livros. Para compreender melhor a sua obra, no que se refere a ideias e opiniões, projetei o autor contra o fundo da época em que viveu; veja Tabela 1. A obra de Saint-Hilaire foi originalmente publicada em francês, mas os seus livros de viagem pelo Brasil foram todos traduzidos para o português. Li somente o relato da viagem pela 'comarca de Curitiba' (então parte da província de São Paulo), entre 26 de janeiro e 7 de abril de 1820. Ele viajou com três ajudantes: um índio, um negro livre e um branco. Tinha 41 anos, portanto, era homem maduro, mas ele publicou este relato somente quando tinha 72 anos (Saint-Hilaire 1851), portanto, na idade da sabedoria. Antes de publicar os relatos da viagem ele se aprofundou bastante nos assuntos a serem tratados, comparando os seus próprios dados com aqueles de outros pesquisadores, tanto estrangeiros quanto brasileiros. Assim, seus livros contêm muitas notas de rodapé em que são comentadas as obras de outros (o Príncipe von Wied Neuwied é frequentemente referido e respondido). Resultou em um dos mais elaborados relatos de viagem produzidos por estrangeiros atravessando o país, razão pela qual recebeu várias edições em português: da sua passagem pelo Paraná ('comarca de Curitiba') existem nada menos que quatro traduções (Saint-Hilaire 1931, 1964, 1978, 1995). Além de ser um botânico experiente, ele foi um desses clássicos cientistas naturais que se interessavam por tudo o que encontravam no caminho. No seu relato sobre o Paraná, qualquer leitor encontrará informações de interesse, como demonstrado na Tabela 2. Como coletor de plantas ele teve muito azar na passagem pelo Paraná, pois, nas suas próprias palavras: “Do dia 26 de janeiro a 4 de março de 1820 não houve, talvez, dois dias seguidos sem chuva" (p. 16), e “(...) eu temia que a umidade fizesse mofar tudo (...), e lamentei pela centésima vez os dissabores que nos causa viajando pelo Brasil transportando coleções de plantas durante a estação de chuvas" (p. 64), e “essas chuvas ininterruptas me levavam ao desespero; impediam-me de coletar plantas, e o pouco que eu tinha conseguido apanhar não secava” (p. 145).
Muitas dessas coletas podem ter sido perdidas, pois no seu livro, publicado em 1851 (31 anos após a viagem), boa parte delas é indicada apenas pelo número e nome provisório da coleta. Lendo o livro de Saint-Hilaire é fácil acompanhar o percurso feito há quase duzentos anos, pois a maioria das localidades citadas está incluída nos mapas modernos do ITCF 1983/84 e da SETR 1998. São: Itararé, Fazenda Morungava, Jaguriaíva, Caxambu, Fazenda Fortaleza, Tibagi, Quartelá, Igreja Velha, Castro, Carambeí, Pitangui, Tamanduá, Itaqui, Campo Largo, Ferraria, Curitiba, Borda do Campo, Porto (de Cima), Morretes, Paranaguá, Pontal do Sul, Caiobá, Guaratuba e Saí-mirim, onde ele entrou em Santa Catarina. Através desse percurso que, em parte, correspondia com a conhecida “rota dos tropeiros”, Saint-Hilaire conseguiu apreciar todas as macrorregiões geográficas acessíveis na época: até a localidade de Tamanduá ele estava no Segundo Planalto, com exceção dos trechos em Caxambu e Castro, que estão situados no
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Primeiro Planalto. Logo depois de Tamanduá, entrou no Primeiro Planalto. Ele fez todo o trecho pelos planaltos em lombo de burro. A partir de Borda do Campo, ele atravessou a Serra do Mar pelo Caminho do Itupava e, a partir de Porto (de Cima), percorreu o Litoral. Ele não visitou o Terceiro Planalto paranaense, de difícil acesso na época, apesar do governo ter começado a abrir um caminho para Guarapuava. O exato local onde os tropeiros e outros viajantes saíam ou entravam na comarca de Curitiba, indo para ou vindo de Itapeva, no atual estado de São Paulo, é mostrado na aquarela de Jean-Baptiste Debret que ilustra a capa da edição que usei (Saint-Hilaire 1995). Debret (ver Tabela 1) visitou o local sete anos depois de Saint-Hilaire. Creio que o sítio exato da sua aquarela esteja enquadrado na fig. 153 de Maack (1968). Essa paisagem muito impressionante, julgando as descrições de Saint-Hilaire (p. 35-37) e Maack 1968 (p. 260-261), deve existir até hoje. Nessa viagem de seis anos pelo Brasil e Uruguai, Saint-Hilaire também apanhou aves, num total de 2005 coletas (nem sempre etiquetadas; Belton 1984), que foram elaboradas na França por L.J.P. Vieillot (Sick 1985), que é o autor original de inúmeras espécies de aves brasileiras (Piacentini et al. 2015). Saint-Hilaire coletou pouquíssimas aves na sua passagem pela comarca de Curitiba (Straube & SchererNeto 2001), mas ele observou guarás no manguezal da baía de Paranaguá (Saint-Hilaire 1995, p. 145) e acrescentou que, segundo os moradores da região, existia um ninhal da espécie numa ilha da baía de Guaratuba (Saint-Hilaire 1995, p. 171) (veja carta “A volta do guará”). Em 1995, a Fundação Cultural de Curitiba reeditou, na “Coleção Farol do Saber”, um bom número de obras clássicas referente à história do Paraná. Foi uma iniciativa louvável. No entanto, a oportunidade poderia ter sido aproveitada para fornecer mais informações sobre os autores e sua obra, através de prefácios escritos por especialistas. Também poderiam ter sido fornecidas notas de rodapé com informações atualizadas. No que se refere ao livro de Saint-Hilaire, um botânico atual, com bom conhecimento das regiões que ele percorreu na comarca de Curitiba, poderia ter esclarecido algumas dúvidas persistentes até hoje. Por exemplo: “Tremândrea(s)” é dada como um dos arbustos mais abundante da margem da praia (Saint-Hilaire 1995, p. 162, 169), mas o gênero Tremandra e a família Tremandraceae ocorrem somente na Austrália (Heywood 1979). Imagino que a planta a qual Saint-Hilaire se referiu foi, na realidade, Dodonaea viscosa, um arbusto comum nas dunas do litoral e pertencente a Sapindaceae. Vários autores sul-brasileiros têm demonstrado pouco cuidado na citação da obra original de SaintHilaire (1851); ver Tabela 3. A grafia correta apresentada na Tabela 3 é de acordo com um exemplar original do livro encontrado na sala de Obras Raras da Biblioteca Pública do Paraná. De volta à França, Saint-Hilaire leu na Academia de Ciências um relatório em que apresenta toda viagem de forma sumariada. Esse texto, e o parecer da comissão nomeada, foram traduzidos em português (SaintHilaire 1945, p. 310-362) e formam outra leitura muito recomendada. Vejam, por exemplo, a interessante comparação feita no livro entre mineiros e gaúchos (p. 343), e vejam os comentários sobre os locais catarinenses de caça às baleias (na época essa caça já estava em declínio; p. 340-341). Veja também quantas e quais plantas ruderais europeias na época já estavam bem difundidas no Brasil (principalmente no Sul) e no Uruguai (p. 348-349). Interessante é também o seu relato do arruinamento das Missões do Paraguai após a expulsão dos jesuítas (p. 351-352). Ele afirma que nunca foi praticado canibalismo neste país (Saint-Hilaire 1945, p. 338 n. 635), mas existem bons argumentos para levar a sério os relatos dos jesuítas e de Staden (1995), em que se mostra que entre os tupis havia antropofagia até o fim do século XVI (Dean 1996, p. 50, 86).
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Tabela 1. Importantes acontecimentos em torno da vida do naturalista francĂŞs Auguste de Saint-Hilaire.(1) Ano
PaĂs França
1759 1769 1779 1789-1794
1804 1808
1815 1816
Na vida de Saint-Hilaire, tanto na França quanto no Brasil
ExpulsĂŁo dos jesuĂtas do Brasil. Nascimento de NapoleĂŁo Bonaparte. Nasce na França (em OrlĂŠans, cem quilĂ´metros ao sul de Paris). Revolução Francesa: abolição da monarquia. Um vasto nĂşmero de monarquistas ĂŠ levado Ă prisĂŁo ou Ă execução. NapoleĂŁo sagra-se imperador. NapoleĂŁo invade Portugal e a famĂlia real de Portugal foge para o Brasil. Uma semana depois sĂŁo abertos os portos do Brasil para todas as naçþes amigas de Portugal. Assim, o Brasil, antes muito fechado, torna-se acessĂvel aos pesquisadores europeus. NapoleĂŁo ĂŠ definitivamente derrotado (em Waterloo, ao sul de Bruxelas). A monarquia restaurada dos Bourbon designa o duque de Luxemburgo para ser seu embaixador no Brasil.
1817 1815-1818 1816-1822 1821
Brasil e Portugal
Morre NapoleĂŁo.
1822
Chega ao Rio de Janeiro, como Chega ao Rio de Janeiro a â&#x20AC;&#x153;missĂŁo artĂstica francesaâ&#x20AC;?, contratada por Dom integrante da comitiva do duque de JoĂŁo VI, para fundar a Academia Imperial das Belas Artes. O grupo encontra Luxemburgo.(2) dificuldades, entre os quais a animosidade do cĂ´nsul geral francĂŞs, que ĂŠ (3) bourbonista, enquanto a maioria dos artistas ĂŠ bonapartista. Os artistas integrantes do grupo sĂŁo, entre outros: Jean-Baptiste Debret (pintor), Auguste M. Taunay (escultor), e o seu irmĂŁo, Nicolas A.Taunay (pintor). (Posteriormente, a cĂĄtedra de Nicolas serĂĄ ocupada pelo seu filho, FĂŠlix E. Taunay.) (Fonte: Bittencourt 1967.) Revolução Pernambucana (parcialmente inspirada pela Revolução Francesa). Os lĂderes acabaram sendo executados pelas forças opressivas. O naturalista alemĂŁo PrĂncipe Maximilian von Wied Neuwied viaja pelo litoral do Brasil, do Rio de Janeiro Ă Bahia. 1816-1822. Como botânico e naturalista viaja pelo sudeste e sul do O Reino Unido Brasil-Portugal anexa a Banda Oriental (Uruguai), que passa a Brasil, na posse de uma portaria real. denominar-se ProvĂncia Cisplatina. Visita tambĂŠm Uruguai. A comarca de Brasil declarado independente; Dom Pedro I torna-se imperador. Curitiba, mais tarde provĂncia e estado do ParanĂĄ, ĂŠ visitada em 1820.
1827
Jean-Baptiste Debret visita a comarca de Curitiba, produzindo nĂşmero considerĂĄvel de desenhos e aquarelas. (Fonte: SECE 1982.) O tratado de paz entre Brasil e Argentina reconhece a independĂŞncia do Uruguai.
1828 1822-1834
Na França, donde nĂŁo sai mais, publica grande quantidade de artigos cientĂficos sobre as plantas que coletou no Brasil e Uruguai, assim como os relatos de sua viagem.
1834
Dom Pedro I morre de tuberculose, um mĂŞs depois da vitĂłria na guerra civil travada em Portugal contra o seu irmĂŁo (1832-1834).
1848
Uma revolução derruba novamente a monarquia dos Bourbon; LuĂs NapoleĂŁo, o sobrinho de Bonaparte, torna-se presidente.
1852
LuĂs NapoleĂŁo derruba a RepĂşblica e se torna imperador. (Morreu em 1873, na Inglaterra, apĂłs ser feito prisioneiro na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871).
1853 1852 1885-1886
1887 1888
1847-1851. Publica outros relatos detalhados da viagem pelo Brasil. A visita Ă comarca de Curitiba em 1820 ĂŠ descrita em Voyage dans les provinces de Saint-Paul et de SainteCatherine, publicado em 1851.
A provĂncia do ParanĂĄ ĂŠ separada de SĂŁo Paulo. Morre na França. O suĂço William Michaud, que tinha chegado ao Brasil em 1849, instala-se na ilha de Superagui.(4) (Michaud permaneceu em Superagui atĂŠ sua morte em 1902). O militar e beletrista Alfredo d'Escragnolle Taunay (filho do pintor FĂŠlix E. Taunay, ver acima), ĂŠ presidente da provĂncia do ParanĂĄ. Nessa função reorganiza a Biblioteca PĂşblica, e percorre boa parte do territĂłrio paranaense, viagens sobre quais escreve belos relatos (p. ex. Taunay 1995). Torna-se amigo de Michaud. (Fontes: Carneiro 1994, DicionĂĄrio histĂłrico-biogrĂĄfico do ParanĂĄ 1991, Wachowicz 1969). SĂŁo publicadas duas obras pĂłstumas da sua viagem pelo Brasil. No Brasil ĂŠ finalmente abolida a escravidĂŁo.
Fontes referentes Ă França: Almanaque Abril 1985, Winkler Prins Redactie 1976; referentes ao Brasil e Portugal: Almanaque Abril 1985, Sick 1985; referentes Ă vida de Saint-Hilaire: Reitz 1949, Saint-Hilaire 1995. (2) Segundo Maack 1968, Saint-Hilaire tinha apenas 18 anos quando chegou no Brasil. Na realidade, nesta chegada (ano de 1816) tinha 37 anos. (3) 6DLQW +LODLUH DČ´UPRX VXD VLPSDWLD SHOD 5HYROXŠ¼R )UDQFHVD 'HDQ S SRUWDQWR GHYH WHU VLGR ERQDSDUWLVWD WDPEÂŤP (4) Ă&#x2030; muito interessante ler o comentĂĄrio de AvĂŠ-Lallemant (1995, p. 67) acerca da colĂ´nia instalada em 1852 pelo suĂço Charles Perret-Gentil na ilha de Superagui. (1)
27
Tabela 2. TĂłpicos abordados no livro Viagem pela comarca de Curitiba, de Saint-Hilaire (1995). TĂłpico
110
preocupação com os estragos ambientais
27 (derruba e queima das matas), 159-160, 172 (extermĂnio do guarĂĄ)
plantas
Pelo livro todo
fitopatologia
29 (ferrugem do trigo)
fitossociologia
CapĂtulo I
Araucaria angustifolia
12-15, 40-41
erva-mate
133-137 (colheita e fabricação)
pecuĂĄria
21 (laticĂnio), 21-22 (fornecimento de sal ao gado), 23-24 (castração dos touros), 24 (domar cavalos), 25-26 (tratamento dos pastos), 25 ("carcarĂĄs, que, segundo dizem, devoram a lĂngua [dos cordeiros]")
agricultura
28-29, 30 (descrição do cultivo de fumo), 31 + 62 + 117 (cultivo de linho, com bons resultados), 107 nota 16, 177 (aproveitamento dos sambaquis como fonte de cal para adubar)
fruticultura
53 (marmelos), 99 (uvas), 117, 140
alimentos
21 (manteiga "comumente importada da Europa"),(1) 107 ("o sal era o artigo de mais alto custo, devido ao seu grande consumo pelo gado"), 143 nota 13 (rapaduras)
saĂşde e higiene
17 (doenças venÊreas), 67 (baratas e pulgas), 76+83 (prostitutas), 116 (longevidade), 154-155 ("em Paranaguå e em Guaratuba [...] veem-se muitas pessoas que têm o esquisito costume de comer barro"), 176 (Guaratuba)
Ăndios 'Coroados'
42, 46-47, 60-62, 123-127
escravos
20, 56, 158
pobreza e isolamento dos caiçaras
179
convite a agricultores europeus
32, 177 nota 16
tamanho das cidades e composição populacional
77-79 (Castro), 105 (Curitiba "tem uma forma quase circular e se compþe de duzentos e vinte casas"), 110-111, 114-115 (Curitiba), 150 ("não existe uma praça pública em Paranaguå"), 156-157 (Paranaguå), 176 (Guaratuba)
profissĂľes
76 (Castro), 115 (Curitiba)
vestuĂĄrio e ornamentos
19 (fronha de musselina), 46 (saia de uma Ăndia), 62 ("ele cultivava o linho com grande sucesso, e sua mulher tecia com ele panos bastante finos"), 88, 119
garimpo de ouro e diamantes
15-16 ("vĂĄrios desses rios, entre eles o Tibagi e o Caxambu, tĂŞm diamantes"),(2) 65, 66, 118, 146, 177 nota 16
importação e exportação
151-153, 159 (tĂĄbuas)
pagar pedågio e taxas; fiscalização
43, 95-96, 144
crenças populares
100
cantigas populares
81 ("de um modo geral nada ĂŠ mais triste nem mais monĂłtono")
linguĂstica
HĂĄ notas de rodapĂŠ pelo livro todo.
religiĂŁo catĂłlica
91 (missa), 106 (igreja), 138 ("venerĂĄvel bispo"), 164 (procissĂŁo), 165 ("bonecos enforcados [...] representando Judas")
elogio aos jesuĂtas
68, 132
elogio ao falecido Dom Pedro I
182
virtudes
89 (compaixão materna), 120 (emulação como sentimento nobre). No livro todo Ê elogiada a hospitalidade das pessoas, com a notåvel exceção daqueles do litoral (p. 161) (3)
fraquezas
18 (preguiça), 54 (indolência), 82 (indecência, grosseria, mentir), 82+85 (desvirtude nas mulheres da 'classe baixa'), 86 (serventes contrariadores),118 (bazófia), 119 (zombaria)
crime
22 ("muitos bezerros sĂŁo levados pelos ladrĂľes"), 142 ("tornando menos frequentes os assassinatos")
fase de mau humor
82-86
tristezas
89 (saudade), 91 (solidĂŁo)
encantos
32 ("apelidei os Campos Gerais de paraĂso terrestre do Brasil"), 105 (Curitiba apresentando uma agradĂĄvel alternativa de matas e campos), 154 (ParanaguĂĄ ĂŠ "uma das mais bonitas [vilas] que jĂĄ visitei desde a minha chegada ao Brasil")
Caminho de Itupava (4)
108 (Curitiba "se tornaria uma cidade muito florescente se a estrada que atravessa a serra de ParanaguĂĄ nĂŁo fosse tĂŁo acidentada. Com efeito, [...] poucas estradas sĂŁo tĂŁo horrĂveis como essa Ă ĂŠpoca de minha viagem. [...] Garantiram-me que habitantes do litoral jamais tinham visto uma vaca, e no entanto a poucas lĂŠguas dali havia rebanhos imensos"), 137140, 139 (descrição do mĂŠtodo de treino das mulas para percorrer esse caminho), 160-161 ("conversamos muito sobre o caminho da Serra")
Caminho do Arraial
109 ("havia um outro caminho que partia da parĂłquia de SĂŁo JosĂŠ dos Pinhais")
recrutamento forçado para a guarda nacional e para a construção do caminho de Guarapuava
(as tristes consequĂŞncias para as famĂlias): 71-72, 75, 121
(1)
(2)
(3) (4)
28
PĂĄgina
limites da comarca de Curitiba
Outro viajante, o mĂŠdico AvĂŠ-Lallemant, que visitou Curitiba em 1858, encontrou ali manteiga da Inglaterra e queijo da Holanda (AvĂŠ-Lallemant 1995). A presença de diamantes no rio Tibagi ĂŠ apontada no mapa de MINEROPAR 1986a, que tambĂŠm indica a ocorrĂŞncia dessa SHGUD SDUD XP DČľXHQWH GR ULR GR 3HL[H TXH FRPR R 7LEDJL ÂŤ DČľXHQWH GR ULR 3DUDQDSDQHPD 2 ULR &D[DPEX PHQFLRQDGR SRU Saint-Hilaire, nĂŁo consta na obra de Maack 1968, nem nos meus mapas do ParanĂĄ. Deve se tratar de outro nome para o rio Î&#x2013;DSÂľ TXH SDVVD SHOD ORFDOLGDGH GH &D[DPEX 2 ULR Î&#x2013;DSÂľ ÂŤ XP DČľXHQWH GR ULR 7LEDJL AvĂŠ-Lallemant se sentiu muito infeliz na vila de Antonina em 1858 (AvĂŠ-Lallemant 1995, p. 83-85). Moreira 1975 fornece toda a histĂłria do Caminho de Itupava.
Tabela 3 (UURV JUÂŁČ´FRV HP UHIHUÂŹQFLDV EUDVLOHLUDV GR OLYUR GH 6DLQW +LODLUH Grafia original correta (1)
Erros grĂĄficos na referĂŞncia (com a cidade onde a obra foi publicada) Angely 1964, p. 239 (Curitiba, PR)
Maack 1968, p. 73 (Curitiba)
Reitz 1949, p. 85-87 (ItajaĂ, SC)
Saint-Hilaire 1995, p. 6 (Curitiba)
Saint-Hilaire, A. de
(estĂĄ correta)
Saint'Hilaire, M. A. de
Saint Hilaire, A. de
(estĂĄ correta)
les provinces
les Provinces
(estĂĄ correta)
les Provinces
les Provinces
de Saint-Paul
(estĂĄ correta)
des Saint Paul
de Saint-Paule
de Saint Paul
et de Sainte-Catherine
et Saint-Catherine
et de Saint CathĂŠrine
et de Sainte Catharine
et Saint CathĂŠrine
(1)
Saint-Hilaire, A. de. 1851. Voyage dans les provinces de Saint-Paul et de Sainte-Catherine, 2 Vol. Arthus Bertrand, Paris. Tome premier (pp. i-vi, 1-464), Tome deux (pp. 1-423, Table des matières).
A capa do d livro li resenhado h d nesta t carta carta. t
(a)
Este exato ponto ĂŠ destacado pelo beletrista e entĂŁo presidente do ParanĂĄ, Alfredo Taunay, da seguinte forma: "O edifĂcio (...) mais importante de todo o local, ĂŠ a casa de negĂłcio (...) anexo ao decente hotelzinho, do Sr. Boutin (...). A poucas braças de distância jaz um brejo de ĂĄguas vivas e que se espraia de um lado e de outro da estrada, dominado por uma ponte de sofrĂveis dimensĂľes. Ă&#x2030; o ponto de origem do rio Assungui (...)." (Taunay 1995).
(b)
NĂŁo confundir a â&#x20AC;&#x153;cachoeira do AlemĂŁoâ&#x20AC;? com o Salto AlemĂŁo do rio Tibagi (ver Maack 1968, p. 263).
29
Cogumelos que iluminam 30
o caminho
31
29/04/2010
NOBODY KNOWS WHERE YOU ARE HOW NEAR OR HOW FAR Pink Floyd (1974)
NA PÁGINA ANTERIOR: Represa do Iraí com Pico Paraná ao fundo.
32
O QUE JOSÉ SENTIU NAQUELE MOMENTO FOI UMA MISTURA DE FASCÍNIO E ESPANTO. À distância, parecia que uma fada tivesse tocado a mancha da floresta com sua varinha de condão. Depois de hesitar bastante, a sua curiosidade ganhou o pleito. Lentamente ele se aproximou. Agora, mais de perto, era como se houvesse caído um fragmento da Via Láctea bem aos seus pés. Curvou-se e tocou levemente aquela coisa estranha, com muito cuidado. Foi então que teve a maior surpresa da sua vida. Sentiu-se aliviadíssimo ao constatar que o objeto era apenas um pedaço de pau podre. Acontece que o mesmo estava totalmente coberto de pequenos cogumelos, cujos chapéus emitiam uma luz nítida! Tendo feito essa grandiosa descoberta, José tomou a atitude certa. Colocou o pau no bagageiro do carro e se dirigiu a Curitiba, onde parou no Centro Politécnico da UFPR, esperando encontrar lá algum professor capaz de contar a ele do que se tratava. Mas estava com azar, pois era o período de férias do verão e no Departamento de Botânica não havia professor algum. Felizmente, José não desistiu e empenhou outra longa viagem, dessa vez até a Embrapa Florestas, situada na antiga estrada para São Paulo. Lá, encontrou uma pesquisadora que sugeriu para ele me procurar. Quando José finalmente me descobriu na minha toca abaixo da velha figueira, já haviam passado quatro dias desde a coleta. Os cogumelos não estavam mais em boas condições, apesar de terem emitido luz ainda na noite anterior à entrega. Fiz uma descrição detalhado do material, que se tratava de uma espécie nunca vista por mim antes e possivelmente nova para a ciência. Assim, José Francisco Ramos Neto acabou me fornecendo a primeira prova concreta da ocorrência de cogumelos luminescentes em território paranaense. Ele fez essa coleta em 01/02/1997, em Morretes, na Estrada do Pantanal, perto da ponte sobre o rio Marumbi, onde ele possuía uma chácara. Antes daquela descoberta, várias outras pessoas, principalmente indivíduos que acampam ou pescam a noite, tinham me contado ter visto cogumelos emitindo luz. Mas eles nunca tinham trazido a sua descoberta até mim para análise. O fato de existir cogumelos emitindo luz deve ser bastante conhecido também entre os residentes autóctones dessa região: os guaranis e caingangues. Será que nos seus mitos e lendas há alguma referência a respeito deste fenômeno? Até a virada do milênio, praticamente nada se sabia a respeito dos cogumelos luminescentes da região Neotropical (Meijer 2001). Nos anos seguintes, essa situação mudou bastante, principalmente devido aos esforços de um bioquímico de São Paulo: Cassius Stevani. Em abril de 2001, Stevani encontrou o seu primeiro cogumelo luminescente e foi uma descoberta que iluminou o seu caminho em ambos os sentidos. A partir daí, foi se dedicando exclusivamente ao estudo do mecanismo envolvido na reação quimioluminescente desses cogumelos. Nos anos seguintes, ele e vários colaboradores fizeram frequentes buscas noturnas de cogumelos luminescentes, sempre na mesma área: o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), no estado de São Paulo, próximo à divisa com o Paraná. Devido aos esforços deles hoje são conhecidas do PETAR nada menos que nove espécies de cogumelos luminescentes (Desjardin et al. 2007, 2010), todas pertencentes ao gênero Mycena, exceto a enigmática Gerronema viridilucens, que foi encontrada no PETAR pela primeira vez em dezembro de 2002 e publicada como espécie nova três anos depois (Desjardin et al. 2005). A leitura daquela publicação me deixou bastante satisfeito, pois não havia dúvida de que o cogumelo coletado por José no primeiro parágrafo dessa carta se tratava exatamente dessa espécie: G. viridilucens!
Nunca tinha entrado na floresta a noite em busca de luz produzida por cogumelos. Essa situação mudou em março de 2010, quando recebi a visita do fotógrafo Taylor Lockwood, residente dos Estados Unidos, que veio ao Paraná especialmente para fotografar cogumelos luminescentes in situ. Acabou sendo uma aventura muito agradável, com bons resultados, pois em oito horas de trabalho noturno conjunto, em três localidades paranaenses (uma no litoral e duas no Primeiro Planalto), encontramos seis espécies de cogumelos emitindo luz. Duas dessas, Mycena deusta e Roridomyces aff. albororida, ainda não eram conhecidas como luminescentes. O método de encontrar este tipo de fungo é simples: você entra na floresta escura com lanterna, de vez em quando apagando a luz e olhando à sua volta. Assim você prossegue até ter sorte. A luz emitida pelos cogumelos é verde-amarela, como do vaga-lume e das tomadas fosforescentes. Vocês não devem subestimar a intensidade desta luz, pois Taylor (cujos olhos são bem melhores que os meus) descobriu Mycena deusta (um dos maiores representantes do gênero Mycena no Sul do Brasil) a uma distância de nada menos que quinze metros! Atualmente, são conhecidas 77 espécies de cogumelos bioluminescentes no mundo todo. Desse total, 28 foram registradas na região Neotropical (Capelari et al. 2011; Desjardin et al. (2008, 2010, 2016), incluindo as duas espécies de Mycena acrescentadas por nós. Desses representantes neotropicais, 19 pertencem a Mycena, um gênero grande, com 79 espécies identificadas para o Paraná (Meijer 2006, atualizado). Imagino que num futuro próximo ainda serão acrescentadas muitas outras espécies luminescentes à lista mundial. Tais espécies poderão ser descobertas pelo seguinte método: coletar durante o dia o maior número de espécies de Mycena e gêneros afins (p. ex. Panellus), trazê-las para casa ou laboratório, guardá-las na geladeira até cair à noite e então checar se há bioluminescência. Deve se coletar não somente os corpos frutíferos, mas também um fragmento do substrato, pois a luminescência pode se restringir ao micélio presente no substrato (como observei em M. margarita). Na Tabela 1 são listadas as espécies de cogumelos luminescentes conhecidas do Paraná e de São Paulo. Ao nome de cada espécie foi acrescentado o ano da sua publicação, para mostrar que a maioria das espécies listadas foi descrita apenas recentemente. Talvez vocês se perguntem por que razão estes cogumelos emitem luz. As hipóteses existentes para explicar este fenômeno foram listadas no artigo de Desjardin et al. 2008, cuja leitura recomendo. Mas em vez de resumir aqui o conteúdo deste artigo, prefiro receber de vocês a sua própria hipotética explicação deste fenômeno. Se porventura você encontrar um cogumelo luminescente em território paranaense, adoraria receber o material para identificação. Desejo-lhes boa sorte nas deliciosas e empolgantes buscas noturnas.
Mycena margarita, Tagaçaba Porto da Linha; Guaraqueçaba; (2008/03/22) (FOTO: Donald Schause). O micélio desta espécie é luminescente.
33
Tabela 1. Espécies de cogumelos referidas como luminescentes e conhecidas dos estados de Paraná e São Paulo.(1) Espécie
Substrato
Ocorrência Paraná Regiões geográficas naturais L
S
+
+
1
3
Parte luminescente
+
9-4
lamelas, pé e micélio
+
3
corpo frutífero inteiro
3-7
lamelas
3
píleo e lamelas
-
micélio e estilbóides (4)
3; 6
micélio
3-5
lamelas
+
4
pé e lamelas
São Paulo
Gerronema viridilucens Desjardin et al. 2005
madeira viva e morta de espécies de mirtáceas (2)
Mycena aff. abieticola Singer 1973
casca do tronco morto de dicotiledônea
Mycena aspratilis Maas Geest. & de Meijer 1997
folhas mortas de dicotiledôneas
Mycena asterina Desjardin et al. 2007
folhas mortas de dicotiledôneas
+
Mycena citricolor (Berk. & M.A.Curtis 1808) Sacc. 1887
folhas mortas do cafeeiro
+
Mycena deformis Maas Geest. & de Meijer 1997
em folhas mortas de Euterpe edulis
+
Mycena deusta Maas Geest. & de Meijer 1997
madeira morta de dicotiledôneas
+
Mycena discobasis Métrod 1949
madeira morta de dicotiledôneas
Mycena fera Maas Geest. & de Meijer 1997
casca dos troncos de árvores eretas vivas e em madeira morta, sempre de dicotiledôneas
Mycena globulispora Maas Geest. & de Meijer 1997
casca dos troncos de árvores eretas vivas, sempre de dicotiledôneas (p. ex. Tipuana tipu)
+
Mycena lucentipes Desjardin et al. 2007
madeira morta de dicotiledôneas
+
Mycena luxaeterna Desjardin et al. 2010
em madeira e folhas mortas de dicotiledôneas
Mycena luxarboricola Desjardin et al. 2010
casca do tronco de árvore ereta viva
Mycena margarita (Murrill 1916) Murrill 1916
madeira morta de dicotiledôneas
Mycena oculisnymphae Desjardin, B.A. Perry & Stevani 2016
em galhos em decomposição e em casca do tronco de árvore ereta viva, de dicotiledôneas
Mycena pura (Pers.: Fr. 1821) P.Kumm. 1871
em húmus
Mycena singeri Lodge 1988
casca do tronco de árvore ereta viva
Neonothopanus nambi (Speg. 1883) R.H.Petersen & KrisaiGreilhuber 1999
madeira morta de dicotiledôneas
Panellus pusillus (Pers. ex Lév. 1844) Burds. & O.K.Mill. 1975
madeira morta de dicotiledôneas (incl. Eucalyptus) e Cupressus sp. plantada
Resinomycena petarensis Desjardin, B.A. Perry and Stevani 2016
folhas mortas de palmeiras
Roridomyces aff. albororidus (Maas Geest. & de Meijer 1997) de Meijer 2010
folhas mortas de dicotiledôneas
Total de espécies (n=21)
+
0-1000 m
+
+
0-1100 m
300-660 m +
800-900 m
900-950 m
+
12-4
corpo frutífero inteiro
+
270-950 m
+
3-10
pé e lamelas
< 100 m
+
12-4
pé
+
2
pé
± 450 m
12
corpo frutífero inteiro
0-1600 m
1-12
corpo frutífero e micélio; não todas as populações da espécie são luminescentes
2-3
corpo frutífero
6-8
micélio
+
4
pé e lamelas
+ +
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+
0-900 m
+
+
150 m
+
7; 12-1
corpo frutífero
+
0-1400 m
+
1-12
corpo frutífero e micélio; não todas as populações da espécie são luminescentes
+
3
micélio
3
corpo frutífero
+
7
7
(3)
+
7 13
34
2
Altitude s.n.m.
PER
900-950 m
3
3
15
Pico Marumbi.
Nota complementar: No Centro-Oeste e Norte do Brasil ocorre o cogumelo luminescente Neonothopanus gardneri, que frutifica de dezembro a maio, exclusivamente na base dos estipes das palmeiras Attalea funifera (piassava), A. humilis (pindoba) e A. speciosa (sinĂ´n. Orbignya phalerata; babaçu) (Capelari et al. 2011). Destas trĂŞs plantas, as primeiras duas sĂŁo restritas ao bioma Mata Atlântica e a Ăşltima aos biomas Cerrado e AmazĂ´nia. Nenhuma das trĂŞs ĂŠ nativa do ParanĂĄ, mas da Ăşltima espĂŠcie ocorre uma pequena plantação, com exemplares grandes (DAP = 40-55 cm) e bem maduros, no municĂpio de Antonina, no fim da Estrada do Pinheirinho. Fizemos uma tentativa de descobrir a referida espĂŠcie de cogumelo nesta plantação, em 13/03/2013, mas ela nĂŁo foi encontrada. (1)
(2) (3)
(4)
Substrato: segundo observação prĂłpria e/ou a literatura (Desjardin et al. 2007, 1010, 2016). OcorrĂŞncia: + = registrada. 3DUDQÂŁ UHJL¡HV JHRJUÂŁČ´FDV QDWXUDLV VHJXQGR 0DDFN / /LWRUDO 6 6HUUD GR 0DU 3ULPHLUR 3ODQDOWR 6HJXQGR Planalto; 3 = Terceiro Planalto. SĂŁo Paulo: a maioria das espĂŠcies foi registrada no Parque Estadual TurĂstico do Alto Ribeira (municĂpio de Iporanga), em ČľRUHVWD RPEU¾ȴOD GHQVD HQWUH H P V Q P 'HVMDUGLQ et al. 2007, 2010, 2016). Os outros registros sĂŁo de Pegler 1997. 3(5 SHULRGLFLGDGH GH IUXWLČ´FDŠ¼R QR 3DUDQÂŁ REVHUYDŠ¼R SUÂľSULD H HP 6ÂĽR 3DXOR VHJXQGR 'HVMDUGLQ et al. 2007, 2010; Pegler 1997), indicada pelos nĂşmeros correspondentes aos meses. Parte luminescente: segundo observação prĂłpria e/ou a literatura (Desjardin et al. 2007, 2008, 2010, 2016). Campomanesia xanthocarpa (guavirova), no ParanĂĄ; (XJHQLD ČľXPLQHQVLV, em SĂŁo Paulo. Mycena citricolor ĂŠ a causadora de uma doença de cafĂŠ: a mancha-americana. No Brasil a doença ĂŠ conhecida principalmente do Nordeste (Kimati et al. 1997), mas foi relatada tambĂŠm do litoral de SĂŁo Paulo (Bitancourt 1958). EstilbĂłide = corpo frutĂfero estĂŠril com â&#x20AC;&#x2DC;pĂleoâ&#x20AC;&#x2122; separĂĄvel que ĂŠ soprado pelo vento de uma folha Ă outra e assim serve para a propagação vegetativa (Singer 1975). Ă&#x2030; chamado de gemmifer por Desjardin et al. 2008.
35
Vamos atrair
borboletas 36
para o jardim!
37
03/04/2009
NUM TRANQUILO DIA DE SEMANA COSTUMA SER BEM AGRADÁVEL ANDAR PELAS RUAS DAS CIDADEZINHAS LITORÂNEAS DE ANTONINA E MORRETES. No entanto, espiando nos terrenos dos seus residentes, eu tendo a ficar um pouco decepcionado. Acontece que os proprietários dos jardins, na escolha das plantas, não levaram em conta a atratividade para as borboletas. Conversando com algumas destas pessoas, descobri que essa 'negligência' não foi proposital: todos afirmam adorar borboletas, pelo menos, na sua fase adulta. Pois a larvas não são sempre tão populares assim e chegam a ser desprezadas pelos jardineiros aquelas que devoram as folhas da couve (no litoral são Ascia monuste e Glutophrissa drusilla, ambas Pieridae), do maracujá-de-comer, Passiflora edulis (são Agraulis vanillae e Eueides isabella, ambas Heliconiinae) e das laranjeiras (várias espécies de Heraclides, Papilionidae). Mas temos de reconhecer que para chegar à linda borboleta, a fase imatura foi imprescindível. Nos jardins e praças de Antonina e Morretes, seis plantas ornamentais com flores atraentes para borboletas são encontradas regularmente e, pura coincidência, todas elas originam do México! A mais abundante é o malvavisco (Malvaviscus arboreus), frequentemente plantada como cerca viva. As suas flores são encontradas em todos os meses, mas são visitadas pelas borboletas apenas, ou principalmente, no fim do outono, logo após ter acabado a florada da nativa assa-peixe (Vernonanthura beyrichii). Também abundante é o coqueiro-de-vênus (Cordyline terminalis), com florada no outono. As outras quatro espécies, mais escassas nas duas cidades, são: cósmo-amarelo (Bidens sulphurea), com florada do verão ao inverno; girassol-mexicana (Tithonia diversifolia), com florada do outono à primavera; flamboiant-mirim (Caesalpinia pulcherrima), com florada no outono; e poinsétia (Euphorbia pulcherrima), com florada no inverno. Em geral, quem percorre as ruas de Antonina e Morretes na esperança de encontrar jardins subtropicais fervilhantes de borboletas, voltará para casa decepcionado. Se quiser mesmo ver borboletas, a melhor opção nestas duas cidades é seguir a estrada de ferro, pois ali abunda o picão-preto-branco (Bidens alba), cujas flores, encontradas em todos os meses, são muito procuradas por elas. Na Europa, a maioria dos jardins contém alguns pés de Buddleja davidii, um arbusto ornamental, proveniente da China. Ela é plantada, principalmente, pela sua qualidade de, no verão e início de outono, produzir flores muito atraentes para borboletas. Na minha terra natal, a Holanda, o seu nome vernáculo é “Vlinderstruik”, que significa: arbusto das borboletas. Os jardins daquele país costumam ser bastante frequentados pelas borboletas, graças a essa planta e a algumas outras. Acho curioso, aliás, que a florada do seu congênere brasileiro, Buddleja stachyoides, nativo e comum no litoral paranaense, não atrai borboletas. A finalidade dessa carta é promover, entre os proprietários de jardins e quintais no litoral paranaense, a introdução de plantas com flores que atraem borboletas. Já que para as cidades do litoral o turismo é importante, as próprias prefeituras poderiam participar nesta iniciativa, dando o bom exemplo nas suas áreas públicas. As plantas nativas e exóticas mais atraentes para borboletas adultas são listadas na Tabela 1.
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girassol-mexicana (Tithonia diversifolia ČľRULGD UXD $XJXVWR GH /HÂĽR )RQVHFD FLGDGH GH $QWRQLQD
Tenho de admitir que eu mesmo nunca plantei ou semeei nada nos â&#x20AC;&#x2DC;meus jardinsâ&#x20AC;&#x2122;. Ao chegar em Lageado, em 2003, eu simplesmente entreguei a ĂĄrea em volta da residĂŞncia nas mĂŁos da MĂŁe Natureza, confiando que o espaço seria revestido com sabedoria. Graças a grande variedade de plantas que chegaram ali espontaneamente, cheguei a observar um total de 154 espĂŠcies atĂŠ a minha partida em dezembro de 2012.(a) Este nĂşmero corresponde a 60% de todas as borboletas por mim encontradas em todo o litoral norte do ParanĂĄ (256 espĂŠcies). Assim, naquele espaço de apenas 0,08 hectares foram vistas mais do que o dobro das espĂŠcies conhecidas da Holanda inteira (ver Tabela 2), um fato impressionante, jĂĄ que a superfĂcie da Holanda ĂŠ um pouco maior do que o litoral, Serra do Mar e Primeiro Planalto do ParanĂĄ juntos. Os holandeses se contentam com um total de apenas 54 espĂŠcies no paĂs, porĂŠm na maior parte daquele territĂłrio se vĂŞ apenas a metade deste nĂşmero. Mesmo assim, na Holanda a observação de borboletas ĂŠ bastante popular: muitas pessoas aproveitam o verĂŁo para estudar e curtir esses bichinhos encantadores. SĂŁo comuns, na Europa e na AmĂŠrica do Norte, as iniciativas para popularizar a observação de borboletas. Um belo exemplo disso ĂŠ a obra de Mikula (2000), dirigida aos Estados Unidos. Aqui no ParanĂĄ, com uma riqueza de borboletas muito maior do que nos continentes referidos, estĂĄ mais do que na hora para começar o incentivo Ă observação de borboletas entre o pĂşblico geral. E o melhor lugar para vocĂŞ iniciar a observação de borboletas ĂŠ o espaço em volta da sua prĂłpria casa, que ĂŠ mais rico em espĂŠcies do que vocĂŞ pensa!(b)
Sobre a identificação das borboletas Eu identifico as espĂŠcies de borboletas no campo, em plena liberdade, sem coleta. Para a identificação das borboletas do litoral norte do ParanĂĄ, as pranchas na obra de Brown Jr. (1992) tem se mostrada extremamente Ăştil. Uso no campo fotocĂłpias coloridas destas pranchas, pois o livro no qual foram publicadas estĂĄ esgotado. Ă&#x161;til para a identificação de borboletas no ParanĂĄ ĂŠ tambĂŠm o guia de Canals (2003). Em Curitiba residem vĂĄrios grandes especialistas em borboletas, entre os quais Olaf Mielke e Mirna Casagrande, que publicam sobre as borboletas brasileiras desde 1966 e 1979, respectivamente. O filho de Olaf, Carlos, publicou uma utilĂssima listagem das borboletas encontradas em Curitiba e arredores: Mielke (1995).
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maracujá-decomer (3DVVLȵRUD edulis): plantação comercial, na região do rio Pequeno, Cachoeira de Cima, Antonina (2015/02/09).
Borboletas costumam ser ariscas, mas quando estão visitando flores permitem uma boa aproximação. Observe o animal atentamente: faça uma estimativa do tamanho, veja o padrão de cores de ambos os lados das asas e seu formato e também o comprimento e formato das antenas. Recorra às pranchas de identificação somente após memorizar perfeitamente todos estes dados, pois pode acontecer que a borboleta voe, não lhe oferecendo uma segunda chance. As borboletas Hesperiidae são facilmente reconhecíveis no campo: têm a cabeça larga, as antenas mais separadas na base do que nas outras borboletas e a parte larga do topo da antena é assimétrica e encurvada em alguma parte, geralmente no ápice (Scott 1986). Os hesperíideos são popularmente chamados de diabinhos, em razão de seu voo rápido e irregular (Buzzi 2009). No campo, a sua identificação (gênero, espécie) é muitas vezes difícil, e na subfamília Hesperiinae chega a ser impossível, pois diversas espécies pousam de asas fechadas ou meio dobradas (assim escondendo o padrão de cores do lado superior das asas) e tendem a ter as asas de cor bastante uniforme, sem marcas salientes. Olaf Mielke, especialista nesses diabinhos, descobriu que em Curitiba se escondem muitos membros dessa família (136 espécies; Mielke 1995), mais ainda no morro deles: o Morro do Diabo, SP (196 espécies; Mielke & Casagrande 1997). Para uma identificação segura neste grupo, a coleta é necessária, como também é o caso nos gêneros Actinote, Adelpha, Emesis, Hamadryas, Protesilaus e Taygetis. Contudo, existe um número muito grande de espécies perfeitamente reconhecíveis no campo e aí nós, amadores, podemos prestar a nossa contribuição.
A riqueza da Mata Atlântica Brown Jr. (1996) apresenta um bom resumo do conhecimento da riqueza de borboletas no bioma Mata Atlântica, na sua Figura 2, mostrando, para uma grande quantidade de localidades distribuídas pela região toda, o número total de espécies registradas nas seguintes subfamílias: Heliconiinae (somente a tribo Heliconiini, assim excluindo Actinote e Euptoieta), Ithomiinae e Papilioninae. Na época eram conhecidas da Mata Atlântica, nesses três grupos juntos, 116 espécies. O referido autor mostra que, das áreas até então estudadas no sul do Brasil, a região de Joinville é a mais rica em espécies no conjunto desses grupos. Na mesma Figura 2, ele indica os lugares na região da Mata Atlântica onde há uma concentração alta de espécies raras e ameaçadas. Essas localidades ele denomina de “paleoambiente”, "já que tantas dessas espécies são morfologicamente primitivas no seu grupo". Joinville, onde foram encontradas 16 espécies de borboletas incluídas na Lista Brasileira de espécies ameaçadas (Brown Jr. & Freitas 1999, Tab. 2), seria o único paleoambiente de Mata Atlântica conhecido no sul do Brasil, todos os outros sendo situado na Região Sudeste e no sul da Bahia. Na Tabela 3 é mostrada a riqueza de borboletas para alguns locais no Paraná e nos estados vizinhos. O outono é a grande estação para ver borboletas adultas. Nesse período elas podem ser observadas com muita facilidade, enquanto visitam as flores de algumas espécies abundantes de arbustos e
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Mylon maimon (Hesperiidae - Pyrginae), YLVLWDQGR ȾRUHV GR PDWD SDVWR (Chromolaena maximilianii); PR-405 km 36,2, Guaraqueçaba (2016/05/05).
Catonephele acontius (Nymphalidae â&#x20AC;&#x201C; Biblidinae), fĂŞmea, pousada em caixa de poliestireno celular rĂgido (â&#x20AC;&#x153;isoporâ&#x20AC;?); PR-405 km 36,2, Guaraqueçaba (2016/05/07).
Melinaea ludovica paraiya (Nymphalidae Î&#x2013;WKRPLLQDH YLVLWDQGR ČľRUHV GR PDWD pasto (Chromolaena maximilianii); PR-405 km 36,2, Guaraqueçaba (2016/05/07).
subarbustos nativos, principalmente asterĂĄceas. Posso ilustrar essa enorme riqueza atravĂŠs do seguinte exemplo: em 2010, nos trĂŞs primeiros dias de abril e nos sete primeiros dias de maio, vi respectivamente 48 e 83 espĂŠcies de borboletas.(b) Os primeiros dias destes meses eram muito ensolarados, o que fez as borboletas aparecerem aos montes. Choveu por alguns dias a partir da tarde de 3 de abril e novamente a partir da tarde de 7 de maio, o que fez as borboletas se recolherem. Assim, naquele mĂŞs de maio vi em apenas uma semana mais espĂŠcies de borboletas do que se vĂŞ na primavera ou verĂŁo num mĂŞs inteiro! Na metade do outono, durante perĂodos contĂnuos de sol, podem-se registrar ao longo de um Ăşnico dia nĂşmeros elevadĂssimos de espĂŠcies, como ĂŠ exemplificado na Tabela 4. Ver num perĂodo de apenas seis horas mais espĂŠcies de borboletas do que ocorrem atualmente no meu paĂs natal inteiro ĂŠ mesmo possĂvel apenas nesse bioma de biodiversidade estonteante: a Mata Atlântica! (a)
O levantamento das borboletas do terreno em Lageado durou de abril de 2007 a dezembro de 2012. As espĂŠcies registradas ao longo destes cinco anos e meio ocorriam nos seguintes lugares ou substratos: 3 espĂŠcies (Antirrhaea archaea, Catonephele acontius e Hamadryas sp.) pousadas na parede da casa; 3 (Adelpha lycorias, Colobura dirce e Historis odius) pousadas no tronco ou nas folhas dos dois exemplares de Cecropia glaziovii (embaĂşba-vermelha); 3 (Brassolis astyra, Catoblepia amphirhoe e Dasyophthalma creusa) pousadas no tronco ou nas folhas de Archontophoenix alexandrae (palmeira-real-da-austrĂĄlia-de-alexandra, plantada pelo proprietĂĄrio anterior); 3 (Yphthimoides sp., Moneuptychia griseldis e Pareuptychia ocirrhoe) pousadas na grama; 4 (Adelpha sp., Atlides sp., Celaenorrhinus eligius e Thereus sp.) pousadas em folhas de outras plantas; 2 (Caligo beltrao e C. illioneus) visitando goiabas maduras caĂdas no chĂŁo; 3 (Battus polydamas, Morpho aega e M. helenor) apenas atravessando o terreno, sem pouso definido; o restante (123 espĂŠcies) em algum momento visitando flores, principalmente de Vernonanthura beyrichii, Acnistus arborescens e Chromolaena maximilianii e, em escala muito menor, Sphagneticola trilobata, Stachytarpheta cayennensis, Impatiens walleriana e Adenostemma brasilianum. A maioria das espĂŠcies vistas naquele local sĂŁo consideradas de ambientes abertos e/ou perturbados. Mas Celaenorrhinus eligius punctiger e Milanion leucaspis, ambas Pyrginae com poucos registros nesse local, sĂŁo consideradas espĂŠcies do interior da floresta (Brown Jr. 1992).
(b)
Pesquisas coordenadas por Keith Brown Jr. no estado de SĂŁo Paulo, tĂŞm mostrado que a fauna de Lepidoptera tem sua â&#x20AC;&#x153;riqueza mĂĄxima - e acima do esperado - em regiĂľes naturais parcialmente perturbadas, (...), onde a vegetação nativa se misturava com pomares, hortas, chĂĄcaras e ĂĄreas regeneradas ou reflorestadas.â&#x20AC;? (FAPESP 2006).
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Tabela 1 3ODQWDV FXMDV ČľRUHV QR OLWRUDO QRUWH GR 3DUDQÂŁ DWUDHP R PDLRU QÂźPHUR GH HVSÂŤFLHV GH ERUEROHWDV (1) Numero de espĂŠcies de borboletas observadas nas flores no litoral norte do ParanĂĄ
Periodicidade da florada
assa-peixe
137
3-6 (2)
mata-pasto
103
3-11 (2)
Bidens alba (Asteraceae)
picĂŁo-preto-branco
94
ano
Acnistus arborescens (Solanaceae)
barrileira, esporĂŁo-de-galo-falso
87
ano
Lantana camara (Verbenaceae)
cambarĂĄ-de-espinho
51
ano
Sphagneticola trilobata (Asteraceae)
margaridĂŁo
35
ano
Chromolaena laevigata (Asteraceae)
cambarĂĄ-falso, eupatĂłrio
33
2-6
Euphorbia pulcherrima (Euphorbiaceae)
poinsĂŠtia, bico-de-papagaio, flor-de-pĂĄscoa
32
5-7
EspĂŠcie (FamĂlia)
Nome vulgar
Vernonanthura beyrichii (Asteraceae) Chromolaena maximilianii (Asteraceae)
Stachytarpheta cayennensis (Verbenaceae)
gervĂŁo
31
ano
Austroeupatorium inuliifolium (Asteraceae)
cambarĂĄ
30
4-5
Campuloclinium purpurascens (Asteraceae)
eupatĂłrio
29
4-5
Emilia fosbergii (Asteraceae)
algodĂŁo-de-preĂĄ
30
ano
Inga nobilis subsp. nobilçis (Fabaceae)
-
30
8-3
Varronia polycephala (Boraginaceae)
balieira, maria-preta
28
7-12
Malvaviscus arboreus (Malvaceae)
malvavisco
27
ano
Mikania micrantha (Asteraceae)
micânia
27
3-9; 12-1
Lantana undulata (Verbenaceae)
lantana-branca
26
3-9
Cyrtocymura scorpioides (Asteraceae)
erva-de-sĂŁo-simĂŁo, enxuga
25
7-5
Mikania lindleyana (Asteraceae)
micânia
24
7
Cordyline terminalis (Asparagaceae)
cordiline
22
4-7(-10)
Rubus rosifolius var. rosifolius (Rosaceae)
framboesa-silvestre, amora-brava
21
11-9
Pseudogynoxys chenopodioides (Asteraceae)
jalisco
18
ano
Impatiens walleriana (Balsaminaceae)
beijo-de-freira, beijo-de-frade
17
ano
Tithonia diversifolia (Asteraceae)
girassol-mexicano
17
4-10
Bidens pilosa (Asteraceae)
amor-seco
15
ano
Asclepias curassavica (Apocynaceae)
oficial-de-sala
13
ano
Bidens sulphurea (Asteraceae)
cĂłsmo-amarelo
13
1-8
Bougainvillea spectabilis (Nyctaginaceae)
primavera
14
ano
Caesalpinia pulcherrima (Fabaceae)
flamboiant-mirim
11
3-6; 11-12
Mikania trinervis (Asteraceae)
micânia
11
6-8
Barrosoa betonicaeformis (Asteraceae)
mentrusto
10
9-5
Adenostemma brasilianum (Asteraceae)
cravinho-do-mato
9
10-4
Lantana camara cv. (Verbenaceae)
cambarĂĄ
8
ano
Sida rhombifolia (Malvaceae)
guanxuma
9
ano
Vernonanthura puberula var. puberula (Asteraceae)
vassourĂŁo-do-brejo
6
9-11
Ageratum conyzoides (Asteraceae)
mentrusto
5
ano
Crepis capillaris (Asteraceae)
barba-de-falcĂŁo
5
ano
Hebanthe eriantha (Amaranthaceae)
corango-açu
5
5-7
Hibiscus rosa-sinensis (Malvaceae)
hibisco
5
ano
Mikania glomerata (Asteraceae)
guaco
5
7-10
Tridax procumbens (Asteraceae)
erva-de-touro
5
1-9
$ SHULRGLFLGDGH GD ČľRUDGD ÂŤ LQGLFDGD SHOR QÂźPHUR GR PÂŹV DQR WRGRV RV PHVHV GR DQR No litoral norte do ParanĂĄ, Vernonanthura beyrichii H[LEH VXDV ČľRUHV YLROHWDV SÂŁOLGDV GH PDUŠR D PDLR $V VXDV SULPHLUDV ČľRUHV JHUDOPHQWH VH DEUHP QD FLGDGH GH $QWRQLQD HP IRL HP GH PDUŠR PDV QDV RXWUDV SDUWHV GR OLWRUDO D ČľRUDGD FRPHŠD VRPHQWH QR Č´P GH PDUŠR RX LQÂŻFLR GH DEULO H VH HQFHUUD QR Č´P GH DEULO RX LQÂŻFLR GH PDLR $ ČľRUDGD OLOÂŁV GH Chromolaena maximilianii FRPHŠD QD PHWDGH GH PDUŠR H GXUD DWÂŤ MXOKR PDV D PDLRULD GRV VHXV LQGLYÂŻGXRV WHP D ČľRUDGD FRPSOHWDPHQWH HQFHUUDGD MÂŁ QR LQÂŻFLR GH PDLR (P DOJXQV LQGLYÂŻGXRV GHVWD HVSÂŤFLH DLQGD DSDUHFHP ČľRUHV HP VHWHPEUR RX QRYHPEUR Chromolaena maximilianii nĂŁo deve ser confundida com C. odorata, a Ăşltima tendo â&#x20AC;&#x153;ramos mais delgados, com tendĂŞncia ao hĂĄbito DSRLDQWH IROKDV JHUDOPHQWH PDLV HVWUHLWDV SRQWXDGD GH JO¤QGXODV QD IDFH DED[LDO FDSÂŻWXORV FRP Č&#x201A; ČľRUHV LQYÂľOXFURV H pedĂşnculos menoresâ&#x20AC;? (Ferreira et al. 2009). Segundo Forzza et al. 2010, no Brasil o limite sul de ocorrĂŞncia de C. maximilianii ĂŠ o estado do ParanĂĄ, e Rio Grande do Sul para C. odorata. Na Flora Ilustrada Catarinense foi incluĂda apenas C. odorata (como Eupatorium odoratum var. SDXFLČľRULXP), nĂŁo C. maximilianii (Cabrera & Klein 1989). JĂĄ que C. maximilianii ĂŠ muito comum no litoral norte do ParanĂĄ. Eu estou relutante em acreditar que a espĂŠcie nĂŁo esteja presente do litoral norte de Santa Catarina tambĂŠm. (1)
(2)
42
Tabela 2. NĂşmero de espĂŠcies de borboletas conhecidas para algumas regiĂľes do mundo.(1) SuperfamĂlia
RegiĂŁo â&#x20AC;&#x2DC;Holandaâ&#x20AC;&#x2122; (PaĂses Baixos)
AmĂŠrica do Norte
RegiĂŁo Neotropical
Brasil
Estado de SĂŁo Paulo
Curitiba e â&#x20AC;&#x153;arredoresâ&#x20AC;?, PR
terreno de 0,08 hectares da residĂŞncia em Lageado, Antonina, PR 57 (37%) (2)
Hesperioidea
8
263
2365
1165
600
210
Papilionoidea
63
416
5419
2103
933
276
97 (63%)
Total
71
679
7784
3268
1533
486
154 (100%)
(1)
(2)
(3)
(3)
Fontes: Brown Jr. & Freitas 1999 (Brasil e Estado de SĂŁo Paulo), Callaghan et al. 2004 (RegiĂŁo Neotropical), Mielke 1995 (Curitiba e â&#x20AC;&#x153;arredoresâ&#x20AC;?), Roos et al. 2000 (PaĂses Baixos), Scott 1986 (AmĂŠrica do Norte). Segundo Mielke & Casagrande 2004, no ParanĂĄ, "um dos estados lepidopterologicamente menos conhecidos", ocorrem mais de 1200 espĂŠcies de borboletas. Segundo Brown Jr. & Freitas 1999 os hesperiĂdeos compĂľem â&#x20AC;&#x153;de 35 a 45% do total de espĂŠcies de uma localidade.â&#x20AC;?. EntĂŁo, os 37% encontrado ao redor da minha residĂŞncia em Lageado estĂĄ dentro da medida. Deste total, 17 estĂŁo extintas do paĂs, restando somente 54 espĂŠcies.
Tabela 3. Riqueza em espĂŠcies para trĂŞs subfamĂlias de borboletas, em algumas localidades dentro do bioma Mata Atlântica, no ParanĂĄ e estados vizinhos: dados prĂłprios e da literatura. Localidade
Tipo de vegetação original
Total de Papilioninae + Ithomiinae + Heliconiinae tribo Heliconiini
Fonte
Parque Estadual dos TrĂŞs Picos, RJ
FODb/s/m/a, AFP
68 (Pap. 30 + Ith. 25 + Hel. 13)
Soares et al. 2011
Serra do Japi, SP
FODm/a
60 (Pap. 19 + Ith. 28 + Hel. 13)
Santos, SP
FODb/s, AFP
57 (Pap. 16 + Ith. 26 + Hel. 15)
Brown Jr. & Freitas 1999 (Tabela 2)
Guarapuava e â&#x20AC;&#x153;arredoresâ&#x20AC;?, PR
MOFm/a, FESm, EST
53 (Pap. 21 + Ith. 21 + Hel. 11)
Dolibaina et al. 2011
Joinville, SC
FODb/s
51 (Pap. 21 + Ith. 16 + Hel. 14)
Brown Jr. & Freitas 1999 (Tabela 2)
Parque Estadual do Morro do Diabo, Teodoro Sampaio, SP
FESs/m
42 (Pap. 15 + Ith. 18 + Hel. 09)
Mielke & Casagrande 1997
Curitiba e â&#x20AC;&#x153;arredoresâ&#x20AC;?, PR
MOFm, EST
40 (Pap. 13 + Ith. 15 + Hel. 12)
Mielke 1995
SĂŁo Luiz do PurunĂŁ, Balsa Nova, PR
MOFm, EST
39 (Pap. 15 + Ith. 13 + Hel. 11)
Beltrami et al. 2014
Estação Ecológica do Caiuå, Diamante do Norte, PR
FESs
30 (Pap. 09 + Ith. 14 + Hel. 07)
Garcia-Salik et al. 2014
PR-405, trecho km 8-12; Antonina, PR (km 9,5: local de residĂŞncia do autor no perĂodo de 2003 a 2012)
FODb
29 (Pap. 12 + Ith. 08 + Hel. 09)
observaçþes próprias
Sul da Ilha de Santa Catarina, FlorianĂłpolis, SC
FODb/s, AFP
27 (Pap. 10 + Ith. 09 + Hel. 08)
Carneiro et al. 2008
Vale do rio MaquinĂŠ; nordeste do RS
FODs/m
27 (Pap. 11 + Ith. 08 + Hel. 08)
Iserhard & Romanowski 2004
Cidade de Antonina, PR
FODb, AFP
26 (Pap. 09 + Ith. 07 + Hel. 10)
observaçþes próprias
Cidade de Morretes, PR
FODb/s
22 (Pap. 06 + Ith. 09 + Hel. 07)
PR-405, km 36; Guaraqueçaba, PR (local de residĂŞncia do autor no perĂodo de 2013 a 2017)
FODb
20 (Pap. 04 + Ith. 06 + Hel. 10)
Ponta Grossa, PR
MOFm, EST
15
(1)
Brown Jr. 1996 (figura 2)
Tipo de vegetação original (terminologia segue Veloso et al. 1991): AFP = à reas das Formaçþes Pioneiras (incluindo restinga HWF (67 (VWHSH )(6 )ORUHVWD (VWDFLRQDO 6HPLGHFLGXDO )2' )ORUHVWD 2PEU¾ȴOD 'HQVD )20 )ORUHVWD 2PEU¾ȴOD 0LVWD D = Alto-montana; b = das Terras Baixas; m = Montana; s = Submontana.
Tabela 4. Total de espĂŠcies de borboletas observadas num Ăşnico dia, para vĂĄrias localidades do litoral norte do ParanĂĄ: nĂşmeros recordes, obtidos a partir de 2007. Localidade
Data
Total de espĂŠcies de borboletas (1)
zona urbana de Antonina
2010/05/05 (10:30-16:30 h)
58
zona urbana de Morretes
2009/04/28
55
zona urbana de Antonina
2012/04/25
49
zona urbana de Antonina
2012/05/05
48
quintal da minha residĂŞncia na PR-405 km 9,5, Antonina
2007/05/02
47
zona urbana de Morretes
2008/05/08
44
zona urbana de Antonina
2015/04/02 (10:20-16:30 h)
41
zona urbana de Antonina
2016/05/03 (10:30-13 h)
41
chåcara da minha residência na PR-405 km 36,2, Guaraqueçaba
2014/05/01 (10:30-12:30 h)
37
1HVVDV FRQWDJHQV QÂĽR ÂŤ LQFOXÂŻGR R JUDQGH QÂźPHUR GH HVSÂŤFLHV GH +HVSHULLQDH LGHQWLČ´FÂŁYHLV DSHQDV DWUDYÂŤV GH XP HVWXGR anatĂ´mico detalhado, exigindo a sua coleta e sacrifĂcio.
(1)
43
EXCURSÃO BOTÂNICA 44
NA BEIRA DA ESTRADA
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01/06/2006
ANTONINA RECEBEU, NO PENÚLTIMO SÁBADO (MAIO DE 2006), O MAIOR CONTINGENTE DE EXCURSIONISTAS BOTÂNICOS EM TODOS OS SEUS QUASE TREZENTOS ANOS DE HISTÓRIA. Muitos tinham dado ouvidos ao meu convite para aparecer às 10h30 da manhã na estação ferroviária, para um passeio botânico até o porto Barão de Teffé. Essa carta é um breve relato do dia como lembrança. Cheguei uma meia hora atrasado, pois o ônibus vindo de Guaraqueçaba tinha furado um pneu. Felizmente, muitos haviam me esperado. Achei ótimo ninguém ter vindo de carro. A maioria veio de ônibus, ou de bicicleta. Os ciclistas chegaram na noite anterior. Foram eles que ‘salvaram’ a excursão, pois no início da manhã, perceberam que funcionários da prefeitura estavam começando a cortar ‘a grama’ na beira da estrada de ferro, exatamente o trajeto da excursão pretendida. Os ciclistas conseguiram fazer os funcionários desistirem dessa atividade. O chefe dos funcionários logo apareceu e confessou, bem-humorado, o motivo porque havia mandado cortar a grama exatamente no dia da excursão: “Vocês, botânicos, não consomem nada quando estão contentes. Queria frustrá-los, para que o comércio local pudesse florescer”. Será que foi o mesmo chefe que, no ano anterior, tinha mandado os seus funcionários arrancarem bromélias e outras epífitas das árvores nas praças públicas, por serem “parasitas”? Apresentei o plano da excursão da seguinte forma: “Caminharemos pela estrada de ferro, ao lado esquerdo da Avenida Conde Matarazzo, até chegarmos ao complexo industrial Matarazzo e ao estacionamento do porto Barão de Teffé. A intenção é apreciar as plantas ao longo deste trajeto, de aproximadamente dois quilômetros e meio. Depois, voltaremos pela margem direita da mesma estrada, até o nosso ponto de partida. Tenho feito um inventário completo das plantas herbáceas de ocorrência espontânea na margem das estradas do litoral norte do Paraná. Costumo caminhar até a Ponta da Pita pelo mesmo trajeto que faremos hoje e foi assim que descobri a peculiaridade botânica desse trecho: das plantas herbáceas encontradas aqui, quase um terço está totalmente ausente de outras partes do litoral norte. Entre essas ‘ervas’, em comparação a outras partes do litoral, estão particularmente bem representadas as famílias do caruru (amarantáceas), feijão (fabáceas) e campainha (convolvuláceas). Encontraremos destas últimas duas famílias muitas espécies trepadeiras com flores bem atraentes. Imagino que boa parte dessas plantas está aqui há muitos anos e tenha chegado pelo transporte ferroviário de cargas agrícolas.”.
NA PÁGINA ANTERIOR: Centro Histórico de Antonina (vista parcial).
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Então o grupo se colocou em movimento, atento a tudo que crescia no chão. Alguns haviam trazido o livro Plantas daninhas, de Lorenzi. Logo no início da excursão, chamava muito a atenção a quebra-pedra (Euphorbia elodes), uma planta bastante ramificada com látex branco. É muito abundante nas pedras da estrada de ferro, junto com algumas outras espécies rasteiras do mesmo gênero. Após quinze minutos de caminhada, passávamos pela Escola Municipal Gil Feres. Um brincalhão do grupo gritou: “A Excursão Botânica das ‘Cartas da Mata’ está passando. Venham nos ajudar a criar uma nova lenda para Antonina!” O impacto dessas palavras foi enorme: a escola inteira se esvaziou, todos os alunos e professores aderindo à excursão, ansiosos para trocar o ensino da sala de aula por uma saudável atividade de campo. Quase de imediato uma das alunas encontrou, entre os trilhos, uma erva muito interessante. Após a turma toda ter se juntado à sua volta, ela nos ensinou:
Pelas folhas trifoliadas e o sabor azedo parece ser uma Azedinha. No entanto, é diferente de todas as azedinhas que conheço, pois o folíolo terminal é distanciado dos laterais, como acontece no feijão, e suas flores tem base amarelo-pálido e limbo rosado, enquanto que nas outras azedinhas as flores são ou amarelas ou violáceas. Ficamos bastante impressionados com as palavras da moça, que demonstrava ter um bom conhecimento em botânica. De fato, ela tinha acabado de encontrar a azedinha-do-padre-barrelier (Oxalis barrelieri), uma das muitas preciosidades encontradas durante a excursão. Continuávamos a caminhada e após mais algumas descobertas interessantes pelos jovens escolares que andavam na frente, passávamos pelo Colégio Estadual Moysés Lupion. Espontaneamente, os adultos e jovens proclamaram em uníssono a mesma convocação já feita antes. Uma vez mais, um exército de alunos e professores veio fortalecer a nossa Coluna. Se você, leitor, está achando irresponsável a nossa atitude de ‘sabotar’ o ensino regular, posso lhe tranquilizar, explicando que naquela hora era quinze para meio dia e as aulas estavam para ser encerradas. Depois de outros quinze minutos de caminhada, um menino do segundo colégio encontrou, logo ao lado dos trilhos, outra planta espetacular. Com olhar sério ele contou ao grupo: – Por se tratar de uma trepadeira de folhas trifoliadas, com quilha da flor curvada para o lado e vagem do tipo feijão-de-vara, deve se tratar de um feijão brabo. Ficamos boquiabertos, ouvindo tanta sabedoria. Mais tarde, encontramos ainda muitos outros indivíduos desse mesmo feijão silvestre, que é comum no trecho percorrido. Chama-se siratro (Macroptilium atropurpureum) e procede do México. As suas flores papilionáceas, com asas violeta-escuras, quase negras, são magníficas. Encontrei, no grupo, a professora de ciências de uma dessas duas escolas e a parabenizei com o excelente ensino que estão fornecendo aos alunos. Modestamente, ela logo confessou: – O aluno que acabou de impressionar vocês, não obteve este conhecimento dos seus professores. Sei que os pais têm em casa uma série de excelentes guias de identificação das plantas brasileiras, feitos por Lorenzi. Descobrindo nestes livros o nome da planta, os alunos procuram informações adicionais pela internet. Depois conversei também com outro professor de ciências destas escolas. Sendo também parabenizado, logo desviou do assunto, comentando: – Parece que você gosta mesmo de Antonina, já que escolheu para a Excursão exatamente essa cidade. Respondi: – O que mais gosto nesse lugar é a vista da baía e a sua fauna além de todas essas ruínas tomadas pela vegetação. O que não gosto é o fato de todos os portos, todas as ruas, praças e escolas terem nomes de pessoas. Já fiz a contagem: das 249 ruas antoninenses, 243 tem nomes de gente, incluindo dois santos. Considero estranho que, numa cidade de pescadores, nenhuma rua tenha ganho nome de peixe, ave marinha ou árvore usada para fazer canoa. Nessa altura, tínhamos alcançado o complexo abandonado das Indústrias Matarazzo, com as casas e prédios magnificamente arruinados e vestidos pelo tempo. Aproveitei para contar ao grupo o meu sonho de ver esse templo do passado tombado pelo governo como “monumento da arquitetura industrial”.(a) Demoramos um tempão examinando as plantas do estacionamento do porto e de uma pequena rua lateral sem saída (Rua Trajano Sigwalt), onde ocorre um número elevado de plantas originárias do Velho Mundo, comuns no planalto de Curitiba, mas raramente encontradas no litoral paranaense. Exemplos são: –
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dente-de-leão (Taraxacum sp.), rubim (Leonurus sibiricus) e tanchagem-maior (Plantago major). Rahn (1966) escreve sobre a última: “(...) espalhada como erva daninha por todo mundo, somente faltando nas planícies tropicais”. Vi também populações de tanchagem-maior em outras ruas de Antonina e há uma população grande no chão do Casarão, uma das maiores e mais belas ruínas de Antonina. Depois, caminhamos pela outra margem da Avenida Conde Matarazzo, voltando para o ponto de partida. Na excursão prestávamos atenção também às aves e borboletas. Destes seres alados, vimos tantos representantes que justificaria um relatório em separado. Vimos poucos cogumelos devido à estiagem prolongada. Encontramos os corpos frutíferos de apenas cinco espécies: Pycnoporus sanguineus, uma orelha-de-pau toda vermelha; Lentinus crinitus, um cogumelo lamelado de contexto rígido; Dacryopinax spathularia, um cogumelo gelatinoso inteiramente amarelo; Fomitopsis nivosa, uma orelha-de-pau toda branca; e Psilocybe cubensis, um cogumelo lamelado com anel em volta do pé, amplamente conhecido como alucinógeno. Destas cinco espécies, as primeiras três ocorriam em dormentes da estrada de ferro, a quarta num palanque de cerca e a última em excrementos de cavalo. Terminamos o nosso passeio no centro de Antonina, de onde, a partir do cais, observamos o movimento das aves e dos canoeiros na baía. Um ponto alto foi a passagem de um bando de seis talhamares (Rynchops niger), na sua atividade típica de ‘arar’ a água. A maioria dos excursionistas ainda não conhecia essa ave curiosa. Do total de 198 espécies de plantas encontradas nesta excursão): ■ 243 são angiospermas e 4 são samambaias e licófitas. As famílias melhor representadas (n10) são: Asteraceae (33 espécies), Poaceae (24), Fabaceae (12), Cyperaceae (10) e Euphorbiaceae (10); Escola Estadual ■ 70% são ilustradas em Lorenzi (2008); 22% são originários do Velho Mundo; 45% ocorre também Ermelino Matarazzo, nos meus terrenos de estudo no Primeiro Planalto; 29% não ocorre nos meus outros terrenos de abandonada; cidade de Antonina estudo no litoral norte do Paraná; (2014/08/04)
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Píer “Trapiche Municipal”, ao fundo; Praça Romildo Gonçalves Pereira (= Praça Feira Mar), a esquerda; cidade de Antonina (2014/12/13).
180 são herbáceas, entre as quais 24 trepadeiras, e do restante, 9 tem hábito subarbustivo e 6 são arbustos; ■ 75% das espécies de angiospermas encontradas estava florida. Também encontramos a samambaia aquática Azolla ficuloides, cobrindo a superfície de um poço raso de água estagnada, ao lado direito da estrada, na altura do número 908 da Avenida Conde Matarazzo. Durante a excursão, alguém me perguntou quais itens de literatura se usa para a identificação das plantas herbáceas da beira da estrada. Como primeiro passo para a identificação, o livro mais útil para este tipo de ambiente é Lorenzi (2008). Souza & Lorenzi (2008) listam, para cada família de fanerógamos, a literatura científica para a identificação das espécies brasileiras. Para a identificação de gêneros de dicotiledôneas, as obras de Barroso et al. (1991a, 1991b, 2002) são indispensáveis. Para o uso no litoral do Paraná, as obras mais importantes são a Flora Ilustrada Catarinense, a Flora Fanerogâmica da Ilha do Cardoso e a Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, pois os fascículos destas Floras contêm chaves de identificação, com descrições e ilustrações das espécies. A alegria e entusiasmo dos participantes e a extensa lista de descobertas, demonstrou que essa excursão foi um grande sucesso. Assim, gostaria de propor uma segunda excursão, dessa vez tendo como destino as misteriosas ruínas de Antonina, para descobrirmos quais espécies de plantas se encarregam de cobrir os vestígios do passado. ■
(a)
Essa categoria de monumentos protegidos existe em muitos países, inclusive na minha terra natal (Países Baixos). Três anos antes dessa excursão, duas lindas casas desse complexo tinham sido destruídas por um herdeiro da família Matarazzo, por motivos políticos (Neves 2003, Nascimento 2006). “Os prédios das fábricas Matarazzo foram construídos em 1927 pelo conde Francesco Matarazzo, imigrante italiano (...) Entre 1930 e 1940, lá funcionava o quarto maior porto do Brasil, que exportava erva-mate, trigo, madeira e farinha direto para a Europa. Nesse mesmo período, o complexo abrigava moinho de trigo, fábrica de margarina, de óleo vegetal e de gelo. Empregava três mil funcionários. (...). Em 1938, quando foi construído o Porto de Paranaguá, a produção do complexo Matarazzo começou a cair, lentamente, até seu total fechamento em 1972.” (Neves 2003). “O conjunto arquitetônico é testemunha de uma fase importante da economia do Estado – o ciclo da erva-mate.” (SETUR 1997).
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JARDIM LINDO EM ANTONINA E A SUA JARDINEIRA
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23/04/2015 “POBRES DAS FLORES NOS CANTEIROS DOS JARDINS REGULARES PARECEM TER MEDO DA POLÍCIA... MAS TÃO BOAS QUE FLORESCEM DO MESMO MODO E TEM O MESMO SORRISO ANTIGO QUE TIVERAM PARA O PRIMEIRO OLHAR DO PRIMEIRO HOMEM QUE AS VIU APARECIDAS E LHES TOCOU LEVEMENTE PARA VER SE ELAS FALAVAM...” Fonte: “Ficções do Interlúdio/Poemas completos de A. Caeiro”, de Fernando Pessoa.
EU TINHA 23 ANOS QUANDO FALECEU A MINHA BISAVÓ, MARIA THÉRÈSE ROOSE. São poucas as pessoas que tem o privilégio de poder conviver por tanto tempo com uma bisavó. Ela nasceu e cresceu em Flandres da Bélgica, e o seu belo sobrenome foi bem apropriado, pois adorava cuidar do seu jardim. (a) Ela casou-se com um holandês e soube passar o gosto pela jardinagem à única filha, Marie Louise Cammaert, que por sua vez o passou à filha primogênita, Marie Thérèse Calon, minha mãe. A casa dessas três senhoras estava sempre cheia de vasos de flores, recém-colhidas no próprio jardim e minha mãe, durante muitos anos, decorava com as suas flores de corte a igreja da nossa cidadezinha, IJzendijke. Também gosto muito de jardins, mas sendo produto da minha época, desenvolvi um senso estético diferente das três mulheres que me precederam. Gosto de um jardim selvagem e cabeludo, onde as espécies de ocorrência espontânea se misturam à vontade com as espécies plantadas. A partir da geração ‘let it grow & let it be’ dos anos sessenta-setenta, o ‘jardim descontrolado’ tem se tornado bastante comum na Europa. Mas, no Brasil, recebeu pouca adesão; aí a maioria dos jardins continua do ‘estilo bisavó’, atualmente com uma desagradável concessão ao comodismo: o uso constante da barulhenta roçadeira motorizada. Na cidade de Curitiba consegui descobrir alguns jardins esteticamente atraentes (veja também SPVS 2010), mas no litoral norte do Paraná a maioria dos jardins me decepciona.(b) Nas cidades de Antonina
NA PÁGINA ANTERIOR: Antonina vista do fundo da baía. Ilha do Corisco em primeiro plano.
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e Guaraqueçaba, que frequento desde 2003, nunca encontrei um único jardim realmente notável... até recentemente, razão para escrever esta carta. Em uma rua de Antonina, que já havia percorrido muitas vezes ao longo da última década, de repente veio a agradável surpresa: um pequeno jardim chamou a minha atenção. A partir de então, cada vez que passava em frente desse terreno, espiava por cima do portão e o jardim me parecia sempre mais atraente. Era evidente que a casa do terreno estava sem morador e o portão de acesso ao terreno se encontrava cadeado. No último 9 de abril (2015), deixei a minha curiosidade vencer e fui conversar com o vizinho. Ele se apresentou como Ronaldo e me contou que está encarregado de vigiar o terreno, desde dezembro de 2013, quando o casal de moradores, seus amigos, saíram do local para receber tratamento médico em Curitiba. O bom Ronaldo abriu para mim o portão, permitindo-me a entrada no jardim para realizar o meu sonho: fazer o levantamento das plantas encantadoras. Aproveitei bem a minha visita: permaneci naquele terreno, de apenas 20 por 20 metros, por três horas seguidas (13 - 16 h) e, por se tratar de uma tarde ensolarada, tive a sorte de receber a companhia de várias espécies de borboletas. Enquanto a diversidade botânica do jardim gradualmente foi se revelando, despertou a minha vontade de conhecer a criadora deste pequeno eldorado. Devia ser uma pessoa parecida com a minha bisavó. Assim, depois de terminar o levantamento, voltei ao vizinho para entrevistá-lo. Ronaldo me passou informações preciosas sobre a boa jardineira, Maria Loureiro Stella, e depois sugeriu que fosse verificar esses dados com dona Miriam, a sobrinha de Maria (filha da irmã dela), que reside ali perto. Ronaldo e dona Miriam me contaram o seguinte:
Maria Loureiro Stella era conhecida em Antonina pelo apelido “dona Mariche”. Ela faleceu na idade de 101 anos, em 12/06/2014, no Hospital do Idoso Zilda Arns, bairro Pinheirinho, Curitiba. A mãe da jardineira Maria, chamava-se Augusta Austoche e tinha vindo da Alemanha. Em Curitiba, Augusta casou-se com Augusto Loureiro, um descendente de portugueses. A filha, Maria Loureiro, casou-se com Waldemar Stella, com quem teve dois filhos homens. Após, aproximadamente, dez anos de casamento, Waldemar faleceu. Posteriormente, Maria encontrou um novo companheiro, Arsênio Rocha, com quem viveu os últimos sessenta anos da sua vida: os primeiros vinte, em Curitiba (na esquina da Rua Urbano Lopes com Avenida Presidente Affonso Camargo, bem ao lado do atual Jardim Botânico), e os últimos quarenta, em Antonina, na casa deste jardim mágico. Em 2013 ela adoeceu e em dezembro daquele ano os seus filhos a levaram para o referido hospital, em Curitiba. O Sr. Arsênio, apesar de ser muito apegado a Antonina, foi solidário e a acompanhou a Curitiba. Depois da morte de Maria, os filhos dela o colocaram num asilo de idosos em Curitiba. Três meses depois da morte de sua companheira, ele também faleceu, com a idade de, aproximadamente, 98 anos. Eles estão enterrados em Curitiba: Maria no Cemitério Municipal de Água Verde, e Arsênio no cemitério Parque Iguaçu (bairro Mercês). Não conheci Maria, mas para quem olha para dentro deste jardim, a jardineira continua muito presente e viva! Pela descrição dada pelo Ronaldo, concluí que tinha encontrado o Sr. Arsênio várias vezes nas minhas caminhadas, na região da Praia de Gomes, Antonina. Ele andava de bengala, curvado e muito lento, e quando eu passava e o cumprimentava, ele parava, se erguia, encarava-me com um olhar intenso e simpático e respondia ao meu comprimento com sinceridade. Agora eu me faço uma pergunta: qual será o destino da obra desse casal querido? Receio que pode acontecer o seguinte: o próximo residente do terreno, antes de se mudar para o local, vai demolir a casa de madeira, para substitui-la por uma casa de material. Naquela atividade (demolição e construção), o pequeno jardim ficará totalmente destruído. Espero que o próximo morador seja uma pessoa que respeite a herança e memória daquele casal, talvez mantendo a casa de madeira (fazendo a reforma ou reconstrução com delicadeza), porém deixando o jardim na sua glória atual. Considerando que esta circular tem distribuição ampla, o endereço desse jardim não será divulgado, para que a privacidade dos vizinhos seja preservada.
Resultado do levantamento feito em 9 + 18 de abril de 2015 O terreno tem superfície de 400 m2 (20m x 20m), contendo uma casa de 54 m2 (9m x 6m), e um barracão de 12 m2 (4m x 3m). O jardim, então, tem superfície de 334 m2, o que corresponde à trigésima parte de um hectare (1/30 ha). Das 93 espécies de plantas vasculares encontradas, 41 não são nativas da região do litoral paranaense e foram plantadas pela jardineira. Das espécies nativas, a maioria deve ter surgido espontaneamente no jardim, mas palmiteiro (Euterpe edulis), mamoeiro (Carica papaya) e xaxim (Cyathea sp.), certamente foram plantados. Já que Antonina é situada próxima ao nível do mar, o caráter da sua flora (nativa e exótica) é essencialmente subtropical. Não surpreende que nenhuma das plantas encontradas no jardim ocorra na Europa Central, pelo menos não ao ar livre.(c) Assim, para mim foi muito emocionante descobrir a única exceção a essa regra: encontrei no jardim uma população vigorosa de Viola odorata, espécie nativa da minha terra natal, onde é relativamente rara, mas bem conhecida por ser uma das primeiras espécies a
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produzir flores no fim da estação fria: na Holanda, a forma silvestre desta espécie floresce do início de março (final do inverno) ao início de maio, razão pela qual ali o seu nome popular é “Maarts viooltje” (violeta-de-março), enquanto a sua forma cultivada ali ainda tem uma segunda florada: de setembro a outubro (Heimans et al. 1920). Ao que parece, no Brasil, onde só ocorre a forma cultivada, a espécie mantém essas duas floradas bem separadas, nos mesmos meses do ano: neste jardim antoninense encontrei a espécie florida em 18 de abril, enquanto segundo Lorenzi (2013), ela floresce aqui também no período inverno-primavera. Vejo a presença da violeta-de-março no jardim da Maria, como um elo com a terra natal da sua mãe alemã, sem dúvida também uma apaixonada jardineira. Das plantas presentes no jardim, algumas produzem flores bem atraentes para borboletas. Assim não é de surpreender que, em poucas visitas ao local, vi nada menos que 19 espécies neste grupo, as mesmas sendo listadas na Tabela 1. O telhado da casa, composto de chapas onduladas de fibrocimento, tem uma bela cobertura de brilhantina (Pilea microphylla), mesclada com três espécies de musgos (Bryum argenteum, Didymodon sp. e Isopterygium sp.) e algumas espécies de samambaias epifíticas, também ocorrentes nas árvores do terreno. No jardim ocorrem várias outras espécies epifíticas de musgos, hepáticas folhosas e liquens, nos caules dos palmiteiros e de algumas outras plantas, mas estes grupos de organismos não foram incluídos no meu levantamento. Devido ao tempo seco, cogumelos não foram encontrados no terreno. Durante as duas visitas ao jardim, também não observei anfíbios, répteis, mamíferos, mas vi quatro espécies de aves visitando o terreno: um exemplar da corruíra (Troglodytes musculus), um exemplar do bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), um exemplar do neinei (Megarynchus pitangua) e, passando por cima, um bando do periquito-rico (Brotogeris tirica). Não vi beija-flores, mas estes devem ter sido abundantes enquanto Maria Stella estava viva, já que manteve para eles um bebedouro. O último fica pendurado na varanda da casa até hoje, como se observa na foto em anexo. (a)
(b)
(c)
Quando, em 1940, a minha bisavó ficou viúva, ela saiu da granja “De Kienstee” e foi morar na cidadezinha Schoondijke (Calon 2004). Logo estourou a Segunda Guerra Mundial (ela havia sentido os horrores da Primeira Guerra Mundial de perto, pois morava na Bélgica) e foi talvez este fato, combinado com a perda precoce do seu primeiro marido, que a fez plantar, no seu novo jardim, um chorão (Salix X sepulcralis 'Chrysocoma'; sinôn. S. alba cv. ‘Tristis’). Sob os cuidados dela a árvore cresceu tão bem que na minha adolescência já estava entre as árvores mais possantes de Flandres da Zelândia. A sua copa magnífica forma uma cúpula sobre metade da rodovia ao lado, o que é visível no Google Earth. Os coordenados exatos são 51º21’05,56’’N e 3º33’27,83’’L. Há exceções: no povoado Tagaçaba Porto da Linha, município de Guaraqueçaba, há um lindo jardim 2 km ao sul do km 35 da rodovia PR-405. Trata-se da residência da mãe e da irmã de “Marinho”, o proprietário do restaurante no rio Tagaçaba. Também na cidade de Morretes descobri pelo menos um jardim interessante. Das espécies encontradas no jardim, umas poucas, como Impatiens walleriana, da África tropical, são mantidas na Europa Central como planta ornamental do interior das casas.
Agradecimentos adicionais Ao Ronaldo pelas informações sobre dona Mariche.
Nota complementar: O jardim permaneceu no seu estado encantado até 10/09/2016, dia no qual os herdeiros realizaram uma ‘poda intensa’. O jardim
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ficava na Avenida Henrique Lage n.o 1312 (bairro Pinheirinho).
Tabela 1. As espécies de borboletas visitando o jardim da “dona Mariche”, cidade de Antonina (bairro Itapema de Baixo), em 2015 e 2016.(1) Família
Subfamília
Espécie
Abundância
Plantas cujas flores a borboleta visitou no jardim
Urbanus procne
alguns
Lantana camara
Urbanus teleus
1 exemplar
Xenophanes tryxus
1 exemplar 1 fêmea
Nome científico Hesperiidae
Pyrginae
Nome vulgar
Lantana camara
Papilionidae
Papilioninae
Battus polystictus
Pieridae
Coliadinae
Phoebis argante argante
gema-de-ovo
alguns
Phoebis philea philea
gema
alguns
Canna sp., Lantana camara, Salvia splendens
1 exemplar
Lantana camara
Pyrisitia leuce leuce Lycaenidae
Pierinae
Ascia monuste orseis
1 exemplar
Euphorbia pulcherrima, Lantana camara
Theclinae
Pseudolycaena marsyas
borboleta-da-couve
1 exemplar
Mikania micrantha
Strymon cf. megarus
1 exemplar 1 exemplar
Riodinidae
Riodininae
Adelotypa sp.
Nymphalidae
Satyrinae
Hermeuptychia sp.
tristonho
abundante
Nymphalinae
Anartia amathea roeselia
alemã, bandeira-alemã
alguns
Lantana camara
alguns
Lantana camara
1 exemplar
Lantana camara
1 exemplar
Lantana camara
Anartia jatrophae jatrophae Heliconiinae
Agraulis vanillae maculosa
lagarta-do-maracujá, pingos-de-prata
Eueides isabella dianasa Eueides pavana
(1)
Lantana camara
1 exemplar
Lantana camara
Heliconius erato phyllis
castanha-vermelha
1 exemplar
Lantana camara
Heliconius ethilla narcaea
mariquita
1 exemplar
Lantana camara
Datas e períodos do levantamento: 2015/04/09 (13-16 h), 2015/04/18 (13:40-15:40 h), 2015/08/13 (± 15 h) e 2016/03/04 (13:3016:00 h). Jardim da “dona Mariche”, bairro Itapema de Baixo, cidade de Antonina (2015/01/24). A FDVD HP YLVWD ODWHUDO 5HSDUH QR EHEHGRXUR SDUD EHLMD ȵRUHV SHQGXUDGR QD YDUDQGD
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O CEMITÃ&#x2030;RIO DOS SONHOS
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28/04/2013 FROM MY ROTTING BODY, FLOWERS SHALL GROW AND I AM IN THEM AND THAT IS ETERNITY. Edvard Munch
COMO MANIFESTAÇÃO DO AMOR PELO VIZINHO, SOLENEMENTE OS SEIS HOMENS CARREGARAM O SEU CORPO FALECIDO AO TOPO DO MORRO, PARA QUE PUDESSE DESCANSAR EM PAZ MAIS PRÓXIMO AO CÉU. Em silêncio, suando, carregaram o caixão a pé, como penitência. Poderiam ter subido com um trator aquele caminho íngreme sem pavimentação. Gostaria de deixar aqui registrado que, quando vier a minha hora, gostaria de ser deixado ali também, no cemitério de Serra Negra, se a comunidade local aceitar os meus restos mortais no seu meio. Quem depois viesse a me visitar ali, terá uma das mais deslumbrantes vistas do planeta como recompensa. Em direção norte se vê um pedacinho do rio Serra Negra, um pedaço maior de um arrozal e pelo resto só floresta nativa, cobrindo toda a extensão de vales e morros baixos e altos. Além daquele panorama incrível, gosto deste cemitério pela sua extraordinária simplicidade: a cabaninha de madeira (antigamente usada como capela) está desmoronando, com a metade das paredes sumidas.(a) Melhor ainda: nenhuma das
NA PÁGINA ANTERIOR: Fundo da baía de Antonina.
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covas foi transformada em monumento da família. Muitas das covas nem têm lápide e foram cobertas totalmente de plantas ornamentais. O que mais encanta neste lugar é o total isolamento. Para chegar ali existem apenas dois caminhos, ambos sem pavimentação e igualmente lindos. Um deles começa no km 44,1 da rodovia PR-405, ao lado de uma pequena mercearia e o outro começa no km 45,5 da PR-405, na margem direita do rio Serra Negra. Também a comunidade vizinha de Tagaçaba criou o seu cemitério no topo de um morro e dali a vista em direção norte é igualmente magnífica. Só lamento que neste local o acesso é muito fácil, pois é situado bem ao lado da PR-405, no km 32,4. Da rodovia, o pedestre sobe ao cemitério via uma escada reta de concreto, enquanto o motorista pode subir através de um caminho curvado e sem pavimentação. Aquela escada de concreto é ladeada por exemplares jovens da palmeira-real-da-austrália-de-alexandra (Archontophoenix alexandrae). Neste cemitério, chama atenção a abundância de cordiline (Cordyline terminalis), incluindo exemplares bem crescidos. Já que as flores desta planta são muito atraentes para borboletas, é interessante visitar o lugar no momento da sua florada, no outono. No centro do cemitério há um exemplar imponente da frangipane (Plumeria rubra), florida no outono e na primavera. Nestes dois cemitérios fiz um levantamento das plantas do “céu da cova” e o resultado está na Tabela 1. Como se vê na Tabela 1, das 28 espécies plantadas nas covas dos dois cemitérios, 45% (13 espécies) é originária do Velho Mundo e apenas uma espécie é nativa do litoral do Paraná. Muito plantada em ambos os cemitérios são cordiline, alamanda-amarela e árvore-chinesa-da-vida. Uma moradora de Serra Negra, com parentes enterrados no cemitério, contou-me que nas covas são plantadas somente espécies das quais se sabe que não serão destruídas pela formiga-cortadeira. Em ambos os cemitérios, as flores de plástico são abundantes também. Ainda não visitei os outros cemitérios em uso na área rural de Guaraqueçaba, que estão na Ilha Rasa e na Ilha de Superagui. Os cemitérios de Batuva e de Saivá foram desativados.
CemitÊrio de Serra Negra, Guaraqueçaba (2014/08/06).
Para quem gosta de cemitĂŠrios afastados e integrados Ă natureza, aquele da cidade de Guaraqueçaba ĂŠ uma decepção.(b) Ali as covas se encontram perfeitamente alinhadas e todas com cobertura de concreto, nĂŁo deixando espaço para plantar. Os poucos vegetais ali encontrados (15/04/2013) estĂŁo sempre fora do perĂmetro da cova.(c) Este cemitĂŠrio teria sido um local bem deprimente, totalmente sem esperança, se a prĂłpria natureza nĂŁo tivesse interferido. Pois no meio daquele deserto de concreto hĂĄ uma bela surpresa: atravĂŠs da rachadura numa cova antiga surgiu um pĂŠ da embaĂşba-branca, que estende os seus mĂşltiplos braços para o CĂŠu numa oração permanente. Dedico a carta a Gerdt Hatschbach, o grande botânico que este mĂŞs começou o seu maior projeto: o Levantamento da Flora Celeste.(d) Em 2015, jĂĄ nĂŁo sobrou mais nada daquela capelinha.
(a)
/RFDOL]DomR GR FHPLWpULR GD FLGDGH GH *XDUDTXHoDED FRRUGHQDGDV � ¡ ¾6 � ¡ ¾2 P V Q P
(b) (c)
Trata-se das seguintes espĂŠcies: - entre aquelas listadas na Tabela 1 (o nĂşmero de exemplares plantados estĂĄ entre parĂŞnteses): alamanda-amarela (1), antĂşrio (2), azulzinha (1), begĂ´nia-asa-de-anjo (1), cordiline (2), iuca-mansa (1), margaridinha-amarela (1), roseira (2) e sanseviĂŠria (2); - espĂŠcies adicionais (entre parĂŞnteses: nome cientĂfico / nĂşmero de exemplares plantados / cor das pĂŠtalas / procedĂŞncia da espĂŠcie): embaĂşba-branca (Cecropia pachystachia / 2 / branca / nativa), flor-de-coral (Russelia equisetiformis / 1 / vermelha / MĂŠxico), gerânio (Pelargonium X hortorum / 1 / vermelha / Ă frica do Sul), hibisco (Hibiscus sp. / 1 / nĂŁo estĂĄ florida), mamoeiro (Carica papaya / 1 / branca / AmĂŠrica do Sul e Central), margarida (Chrysanthemum leucanthemum / 1 / branca e amarela / Europa e CĂĄucaso), vinca (Catharanthus roseus / 1 / vermelho-violeta / Madagascar) e Ruellia sp. (1 / vermelha; flores solitĂĄrias, trata-se de uma espĂŠcie com pedicelo muito comprido).
(d)
Gerdt Hatschbach faleceu em 16/04/2013, em Curitiba.
59
Tabela 1. As espĂŠcies plantadas nas covas dos cemitĂŠrios de Serra Negra e Tagaçaba, municĂpio de Guaraqueçaba.(1) FamĂlia
EspĂŠcie
ProcedĂŞncia da espĂŠcie
Florida no local em abril de 2013 (cor das pĂŠtalas)
Número de covas na qual a espÊcie foi plantada (- = ausente) cemitÊrio de cemitÊrio de Serra Negra Tagaçaba
-
7
3
Nome cientĂfico
Nome vulgar
Platycladus orientalis
ĂĄrvore-chinesa-da-vida
China
Allamanda blanchetii
alamanda-roxa
Nordeste do Brasil
+ (rubi)
1
-
Allamanda cathartica
alamanda-amarela
litoral brasileiro, de SP para o norte
+ (amarelo-viva)
9
5
Cordyline terminalis
cordiline, coqueiro-de-vĂŞnus Ă?ndia, MalĂĄsia e PolinĂŠsia
- (florida em maiojunho; violeta)
presente em quase todas
presente em quase todas
Dracaena fragrans
dracena
- (florida em julho; branca)
1
-
Sansevieria trifasciata
sanseviĂŠria
Ă frica
-
-
6
Yucca filamentosa
iuca-mansa
Estados Unidos
-
presente em todas
2
Anthurium sp.
antĂşrio
GIMNOSPERMAS Cupressaceae ANGIOSPERMAS Apocynaceae
Asparagaceae
Araceae
Caladium X hortulanum tinhorĂŁo
Asteraceae
1
-
1
Dieffenbachia seguine
comigo-ninguĂŠm-pode
ColĂ´mbia e Costa Rica
-
-
3
margaridinha-folha-deervilha
oeste da Ă sia
+ (amarela)
-
1
Coreopsis lanceolata
margaridinha-amarela
Estados Unidos
- (florida em maiojunho; amarela)
7
3 -
Tagetes patula
tagetes-anĂŁo
MĂŠxico
+ (laranja-intensa)
1
Begonia coccinea
begĂ´nia-asa-de-anjo
Brasil (Sudeste)
+ (vermelha)
3
-
Convolvulaceae
Evolvulus glomeratus
azulzinha
+ (azul) AmĂŠrica tropicalsubtropical incl. ParanĂĄ (planaltos)
-
1
Crassulaceae
Kalanchoe sp.
calancoĂŞ
Madagascar
-
4
-
Ericaceae
Rhododendron simsii
azalĂŠia
China
+ (branca; violeta)
5
-
Euphorbiaceae
Euphorbia milii
coroa-de-espinho
Madagascar
+ (brĂĄcteas vermelhas)
1
1
Hydrangeaceae
Hydrangea macrophylla hortĂŞnsia
China e JapĂŁo
- (florida em maiojunho; azul-pĂĄlida)
-
1
Iridaceae
Neomarica caerulea
pseudo-iris-azul
Brasil (Sul, Sudeste)
+ (azul-pĂĄlida, centro azul profunda)
-
1
Lamiaceae
Plectranthus scutellarioides
cĂłleus
Java
+ (lilĂĄs)
1
-
Marantaceae
Calathea sp.
maranta
AmĂŠrica tropical
-
1
1
Melastomataceae
Tibouchina trichopoda
jacatirĂŁo-do-brejo
nativa
+ (violeta-cinza)
3
-
Tibouchina fothergillae
quaresmeira
Brasil (Sudeste)
+ (violeta profunda)
1
5
Orchidaceae
Arundina graminifolia
orquĂdea-bambĂş
sudeste da Ă sia
- (florida em maiojunho; violeta)
3
1
Rosaceae
Rosa sp.
roseira
- (florida em maiojunho; vermelhoazulada)
1
1
Spiraea cantoniensis var. lanceata
grinalda-de-noiva
China e JapĂŁo
+ (branca)
1
9
Ixora chinensis
ixora-chinesa, ixoravermelha
China e MalĂĄsia
+ (vermelha)
1
1
20
20
(1)
60
-
- (florida em julho; branca)
Chrysanthemum segetum
Total de espĂŠcies (n=28)
AmĂŠrica Tropical
Begoniaceae
Rubiaceae
Ă frica
Fonte do nome vulgar: Lorenzi & de Souza 2008. ProcedĂŞncia da espĂŠcie: fonte ĂŠ Forzza et al. 2010, para as espĂŠcies do Brasil, e Lorenzi & de Souza 2008, para as espĂŠcies nĂŁo brasileiras. â&#x20AC;&#x2DC;nativaâ&#x20AC;&#x2122; = nativa na planĂcie litorânea do ParanĂĄ. )ORULGD QR ORFDO FRP ČľRUHV VHP ČľRUHV Localização: FHPLWÂŤULR GH 6HUUD 1HJUD FRRUGHQDGDV Ĺ? Č&#x2021; Č&#x2039;6 Ĺ? Č&#x2021; Č&#x2039;2 P V Q P FHPLWÂŤULR GH 7DJDŠDED FRRUGHQDGDV Ĺ? Č&#x2021; Č&#x2039;6 Ĺ? Č&#x2021; Č&#x2039;2 P V Q P
frangipane (Plumeria rubra ȾRULGD QR FHPLWULR GH 7DJDŠDED rodovia PR-405 km 32,4, Guaraqueçaba (2016/11/20).
CemitÊrio de Serra Negra, Guaraqueçaba (2015/01/15).
61
Triste fim de
uma รกrvore centenรกria
62
NA PÁGINA AO LADO: Em primeiro plano, ruínas do Armazém Macedo em Antonina.
15/07/2012
EM 9 DE JULHO DE 2012, ME ENCONTRAVA EM ANTONINA E O TEMPO ESTAVA LINDO. Com a intenção de iniciar uma longa caminhada, entrei na Rua Lauro do Brasil Loyola, que não havia percorrido há mais de um mês. Queria rever uma das minhas árvores favoritas de Antonina: a magnífica figueira centenária nativa no fim daquela rua, em frente à residência n.°178. O que então encontrei foi um desastre: a árvore tinha acabado de ser cortada! Senti espanto, tristeza, revolta! Fui perguntar a vários vizinhos o que tinha acontecido. Relataram-me o seguinte: o proprietário do terreno queria construir uma casa no local e a figueira estava atrapalhando. Para derrubar a gigante, cavaram ao seu redor e na noite do sábado de 28 de maio chegou um grande trator que a empurrou e derrubou. A árvore tombada foi logo serrada e hoje a área se encontra terraplanada e pronta para iniciar a construção. Da gigante, resta apenas o enorme toco basal. Para ter uma ideia da sua idade examinei o toco, que tem diâmetro irregular, pois, como todas as figueiras, consiste de um conjunto de caules concrescidos e de idades várias. A parte mais idosa, no centro, tinha diâmetro de 110 cm (raio de 55 cm excluindo a casca), com os anéis de crescimento numa regularidade constante: 12 anéis por centímetro, mostrando que se trata de uma árvore de crescimento bem lento. Se cada anel representasse um ano de crescimento, a árvore teria uma idade de aproximadamente [12 x 55 =] 660 anos! Possivelmente, ela tenha produzida mais que um anel de crescimento por ano, mas não há dúvida que se trata de uma árvore centenária: um morador vizinho com idade de setenta anos contou que na sua infância a árvore já era gigantesca. Contaram-me que o proprietário reside em outra cidade, mas que a sua mãe tem uma imobiliária no centro de Antonina. Fui procurá-la e ela confirmou que o seu filho pretende construir naquele local, acrescentando que ele obteve licença para cortar a árvore. Então telefonei para a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Antonina (SEMAGRI), situada num local distante do centro, no bairro Batel. Expliquei à pessoa que me atendeu onde a árvore se encontrava e recebi como resposta que a licença para a corte de árvores é emitida pelo escritório do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), em Morretes. Quando lhe pedi para pelo menos ir ver o estrago, me respondeu: “Não preciso ver, pois não sou ambientalista.” (a)
Liguei imediatamente para o IAP de Morretes, onde me contaram que várias pessoas já haviam notificado a tragédia, no próprio dia da ocorrência. Foi muito bom ouvir isso, pois significa que em Antonina vivem pessoas que se preocupam com as árvores idosas. A pessoa que me atendeu acrescentou que, infelizmente, o IAP não tem direito de atuar dentro do perímetro urbano, onde, de fato, a árvore se encontra. Mesmo assim, os moradores vizinhos da árvore tinham me relatado que viram uma viatura do IAP visitar o local dois dias após a derrubada da árvore. Assim, confio na boa vontade desse órgão. Eu gostaria também de acreditar na palavra das outras duas pessoas citadas acima, mas, para isso, resta apenas uma possibilidade: o corte foi feito com autorização, sem que aquela funcionária da SMMA estivesse a par do acontecimento. Nada pode ser feito para ter de volta esta magnífica árvore. Mas que pelo menos fique o alerta para que os moradores do litoral fiquem bem atentos e procurem impedir que desastres deste tipo voltem a acontecer! (a)
Nem eu me considero ambientalista: antes sou um pesquisador da natureza, querendo viver em paz e mostrar pelo exemplo que dá para viver em harmonia com a natureza. Ser ambientalista engajado é difícil de se combinar com uma vida tranquila e pacífica. Mas não é só o ambientalista que tenha que se preocupar com o destino de uma árvore urbana centenária!
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64
ENCONTROS COM
SACI-PERERÃ&#x160;
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30/09/2010
PARA QUEM GOSTA DA BOA LEITURA, SER CONFRONTADO COM UM TEXTO MAL ESCRITO PODE SER BEM FRUSTRANTE. Da mesma forma, a descoberta inesperada de uma obra prima pode gerar um sentimento de grande felicidade. A última experiência eu a tive logo na minha chegada ao Paraná, em 1979, ano em que foi lançado Guaraqueçaba: Mar e Mato, a meu ver uma das melhores publicações paranaenses da década de setenta. Neste livro, de dois volumes, combina-se a ciência com a arte: um dos volumes consiste totalmente de desenhos. O livro apresenta os resultados obtidos pelo casal Júlio e Janine Alvar, residentes de Paris, que em 1974 executaram um trabalho de campo em Guaraqueçaba (Araújo 1974, 2006). Naquela época, a intelectualidade europeia tendia a evitar o Brasil, mas talvez pela razão do espanhol Júlio ter sido criado sob o jugo franquista, ele não se espantava tanto com a ditadura militar brasileira. Hoje, este belo livro tem se tornado obra rara. Seria bom vê-lo reimpresso em fac-símile, para que pudesse ser entregue um exemplar a todas as escolas e bibliotecas do litoral paranaense. O meu capítulo favorito do livro é Etnografia descritiva. Nele, os autores passam para o leitor um sentimento de profundo respeito pelos moradores nativos da região. A humildade dos autores, na interpretação dos dados obtidos, fica manifesta no magnífico Vocabulário, onde optaram por citar literalmente a fala das pessoas entrevistadas. Como exemplo disso, vou reproduzir as informações apresentadas por eles para os vocábulos relacionados ao “saci” e “saci-pererê”. (Estão entre parênteses as iniciais da pessoa citada, cuja identidade os autores respeitosamente mantêm em sigilo).
NA PÁGINA ANTERIOR: Ponta do Morretes em Guaraqueçaba.
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FEMFÉM - Considera-se pássaro maléfico e a crença popular pensa que não morre; por isto não é caçado (BO). FIM-FIM - Pássaro que não é caçado (PC). O mesmo que FEM-FÉM. Ver: SACI-PERERÊ. SACI - Ave considerada maléfica. “Pode ser pássaro sem-fim ou fim-fim, que grita fim-fim. Outros dizem que grita ‘fim-saci-pererê’. Uns contam que não se consegue matar, outros que tem sete olhos. Mentira” (RB). SACI - “Um moleque pretinho; feio. Surra a gente. Briga com cachorro. Amarra rabo de cavalo. Assobia de noite. O moleque vira fenfém; não se pode negar. É perigoso” (GR). “A gente sabe que é coisa ruim. Tem gente que não pensa que é o diabo. Um moleque malandro que surra os que provocam ele e deixa quase morto” (RB). SACI-PERERÊ - “Demônio que xinga a gente” (BAR). “Assobia às vezes” (BE). “É um passarinho; fenfém não morre” (BO). “Esse tem, ouvi assobiar de noite” (G). “A gente tem medo de ouvir falar de fem-fém”. “Ninguém mata ele; é passarinho do demônio, maligno” (PC).
“Assobia pelo mato para assustar” (S). “Como um mangueiro (cachorro-do-mato) de só um pé. Não se consegue pegar. O rastro era de só um pé. O senhor viu ele, não conseguiu pegar. Desapareceu no mato” (T). “Espírito do mal, ‘do mato’, que diz seu nome, assusta a gente, surra os cachorros” (AR). SEM-FIM - O mesmo que SACI. “SEM-FIM é um passarinho” (LA). O casal Alvar tinha uma boa razão para escolher o município de Guaraqueçaba para o seu estudo etnográfico: previam que nesta região tão isolada a população tinha desenvolvido uma cultura bem própria, que, como consequência da abertura da rodovia PR-405, recém-inaugurada (em 1970), logo sofreria alterações profundas. Eles compuseram para as entrevistas uma ficha etnográfica, que continha também perguntas sobre religião e crenças em entidades sobrenaturais e superstições. A distribuição pelo município da religião é apresentada na Tabela 1 e das outras crenças na Tabela 2. Seria interessante alguém levantar a distribuição atual das igrejas pelo município de Guaraqueçaba. A principal mudança, atualmente, é que as igrejas pentecostais têm seguidores em todas as comunidades da região. Vivendo na APA de Guaraqueçaba e conversando regularmente com moradores nativos, percebo que a crença em entidades sobrenaturais não tem perdido a força, pois todas as informações apresentadas no Vocabulário dos Alvar valem até os dias de hoje: a crença nas entidades sobrenaturais listadas na Tabela 2 continua viva no imaginário da população rural adulta. Assim, não deve surpreender que, devido ao meu hábito de vagar sozinho pelas estradas isoladas da região, a população sussurre que sou a última encarnação do lobisomem. Para não apanhar, tenho de permanecer em casa nas noites de sexta-feira. Frequentemente fico impressionado com o grande conhecimento que muitos moradores nativos possuem da natureza local. Atualmente, a caça está totalmente proibida, mas não se pode negar que os inveterados caçadores do passado hoje são as pessoas com mais conhecimento da fauna regional. Trata-se de um saber autêntico, proveniente da observação direta e de informações transmitidas de pai para filho. Já que muitas dessas pessoas leem pouco e não possuem livros, o seu conhecimento não sofreu influência pela palavra escrita. Alguns deles hoje trabalham como guarda-parques nas reservas naturais da região, em Antonina e Guaraqueçaba, onde assistem e ajudam estudantes universitários que desenvolvem pesquisas nessas reservas. É interessante que nesse convívio com os acadêmicos, esses guardas não perdem as suas crendices. Sobre as entidades sobrenaturais, eles continuam contando os mesmos detalhes listados há trinta anos pelo casal Alvar. Agora, acontece, que esses guardas acrescentaram um detalhe muito importante, que me motivou a escrever essa carta. Segundo eles, o “sem-fim” é uma ave, cujo canto consiste em duas sílabas (“sa-ci”), enquanto o “saci-pererê” é um espírito da floresta, cuja vocalização consiste de quatro a cinco sílabas (“sa-ci-pe-re[-rê]”). Eles dizem que no passado o último (o espírito) era mais comum do que hoje. Nasci e me criei na Holanda, onde ocorre no verão uma ave de voz dissilábica conhecida também pelos brasileiros, pois existe um relógio de parede que imita este canto ao dar as horas. Essa ave, o cuco (Cuculus canorus), tem o costume notório de pôr os seus ovos nos ninhos de outras aves para que estas os choquem. O mesmo tipo de parasitismo ocorre em três parentes brasileiros do cuco,(a) todos ocorrentes no Paraná. Os nomes vulgares dos últimos são apresentados na Tabela 3.
67
Essas três espécies todas ocorrem no Paraná: Tapera naevia é comum no estado todo, também Dromococcyx pavoninus ocorre em todo o território, mas é mais rara e D. phasianellus ocorre somente no Terceiro Planalto, onde é rara. Como se vê na Tabela 3, os nomes vulgares mais amplamente usados para as duas espécies ocorrentes no leste do Paraná são saci para a primeira e peixe-frito-pavonino para a segunda. São esses os nomes que usarei daqui em diante. O saci e os peixes-fritos têm em comum com o referido parente europeu que são mais facilmente ouvidos do que vistos. Pessoalmente, já vi o saci um bom número de vezes, mas em nenhuma destas ocasiões estava vocalizando. Algumas vezes vocalizava um instante antes ou um instante depois do avistamento, em local próximo, e assim pude deduzir que o canto dissilábico era proveniente desta espécie. Não há dúvida que o “sem-fim” dos residentes do litoral norte do Paraná se trata do saci dos livros de aves citados. Resolver o mistério do peixe-frito-pavonino foi muito mais difícil para mim. Sick (1985), descreve a sua vocalização em palavras e a tecnologia de hoje permite que essa voz seja escutada por qualquer um, acessando a página da internet www.wikiaves.com.br/ (clicar em “Sons”). Desde a minha chegada ao litoral, em 2003, tenho escutado a voz do peixe-frito-pavonino 28 vezes (ver Tabela 4) e para mim não existe mais dúvida de que essa ave represente o misterioso saci-pererê dos residentes locais. Visualizei a ave apenas uma vez, numa madrugada de outubro dentro da floresta e ele não estava vocalizando. Assim, sem os meus livros e sem o referido recurso da internet não teria conseguido relacionar aquela ave com a voz ouvida em outros momentos. Já que se trata de uma ave rara, restrita à floresta e de hábitos sigilosos, é bastante compreensível que os moradores do litoral paranaense e de outras regiões do Brasil, não têm conseguido resolver o enigma e acabaram concluindo que se trata da voz de um espírito. Tenho escutado a vocalização do peixe-frito-pavonino somente no período de julho a dezembro, o que não necessariamente significa que a espécie é migratória; pode simplesmente não vocalizar no período de janeiro a junho e assim passar despercebida. Como se vê na Tabela 4, agosto é o mês do auge do canto do peixe-frito-pavonino, enquanto para o saci é outubro. O peixe-frito-pavonino canta, principalmente, de madrugada e à noite e apenas em dias muito nublados também durante o dia. O saci canta frequentemente à noite, segundo Sick (1985), do poleiro. Imagino que o peixe-frito-pavonino também está empoleirado quando canta à noite, mas a sua voz ventríloqua pode causar a impressão de que está se deslocando pela floresta na escuridão, como aconteceu no seguinte relato: “Tinha uns quinze anos de idade quando saí para caçar macuco no crepúsculo. A gente aproveitava o costume dessa ave de piar em resposta, não só durante o dia, mas também quando empoleirada para a noite, neste último caso se tornando alvo fácil. Estava escurecendo quando, de repente, escutei um bando de pombas pousarem na copa da árvore ao meu lado. Olhei para cima, mas não consegui descobrir pomba alguma! ‘Aí tem coisa’ pensei, o que foi logo confirmado, pois lá veio aquela voz horripilante do saci-pererê. Resolvi me mandar! Andei apressado e só quando alcancei a margem da floresta respirei aliviado, pois se sabe que o saci-pererê não gosta de entrar em terreno aberto. Foi aí que ele cantou novamente, essa vez bem ao meu lado! O danado tinha me perseguido pelo percurso todo!” (Depoimento obtido de João Maria dos Santos, que viveu essa aventura na antiga fazenda Bom Jesus, na altura de km 8 da rodovia PR-405, numa picada que hoje corresponde à Trilha da Rede, da Reserva Natural Rio Cachoeira, município de Antonina.).
68
Outro residente local também me forneceu um relato de primeira mão: “De repente, os meus cachorros começaram a latir. Saí da casa para ver o que estava acontecendo. Logo descobri. Um tamanduá-mirim tinha acabado de escapar da minha cachorrada, subindo num pé de café. Não entendi como este animal lento tinha conseguido evitar ser estraçalhado pelos cachorros. Acendi a minha lanterna poderosa de três pilhas, que misteriosamente apagou de imediato. Isso me espantou e voltei para dentro da casa, onde contei o acontecimento à minha esposa, que exclamou: ‘Que Jesus nos protege!’. Peguei coragem e fui fazer outra espiada no quintal. Lá os cachorros continuavam de guarda no pé de café, mas agora estavam quietos e... o tamanduá tinha milagrosamente desaparecido! Então entendi: tinha sido o saci-pererê assumindo a forma de tamanduá!” (Depoimento de Paulo Pereira, residente da rodovia PR-340 próximo ao rio do Nunes, município de Antonina).
Esses dois acontecimentos me foram relatados com toda sinceridade: os homens não estavam zombando de mim. Acho fantástico que esta crença consegue sobreviver na era do rádio e da televisão! Agora gostaria de dar uma sugestão aos professores atuantes no litoral paranaense: tentem resgatar relatos como esses, através dos seus alunos, que podem entrevistar os seus próprios pais e avós. Se juntar essas histórias e ilustrá-las pelos nossos artistas paranaenses pode dar um livro magnífico! Iniciei essa carta declarando o meu amor à Guaraqueçaba: mar e mato. Assim, nada mais natural do que fechar essa carta com uma citação dessa obra: “O mito e o sobrenatural são necessários para que um povo subsista. Talvez, mais do que nunca, apesar de tudo o que se diz, dentro da nossa civilização mecanizada e privada de toda crença em um mundo melhor, o homem se aferra a alguns ídolos que se convertem em mito, desumanizando-os, ao dissolver-se na massa. É preciso conhecer essa terra e havê-lo vivido para poder esboçar, por arte e magia, algo que não se apalpa, mas que se percebe nos ruídos da noite, no murmúrio do amanhecer ou nas cores do ar. Quantas coisas nos contaram os pescadores e os caboclos de Guaraqueçaba e muito mais ainda poderiam contar, mas que guardaram para si, por receio de falta de cultura, e da qual no entanto são ricos, ou por temer de que percam força e realidade se saírem deles.”
(a)
Este parasitismo existe também em várias espécies de icterídeos, inclusive duas que ocorrem no litoral norte do Paraná: o irauná-grande (Molothrus oryzivorus), que põe os ovos no ninho de guaxe (Cacicus haemorrhous) e o chupim (Molothrus bonariensis), que põe os ovos no ninho do tico-tico e de muitas outras espécies de aves (Sick 1985).
69
Tabela 1. A distribuição da religião pelo município de Guaraqueçaba, em 1974.(1) Tipo de igreja / religião
(1) (2)
Número de comunidades com seguidores da igreja
% (2)
Católica
33
85
Batista
15
38
Assembleia de Deus (Pentecostal)
12
31
Adventista
10
26
Congregação Cristã do Brasil (Pentecostal)
4
10
“Saravá” (Umbanda)
4
10
Sabatistas
1
3
Testemunhas de Jeová
1
3
Igreja de Filadélfia
1
3
Fonte: Alvar & Alvar 1979, Vol. 1 (p. 117, 125). Total de comunidades investigadas: 39.
Tabela 2. A distribuição da crença em entidades sobrenaturais no município de Guaraqueçaba, em 1974.(1)
(1) (2)
70
Descrição
Tipo de entidade
Número de comunidades onde se acredita na entidade
Porcentagem do total das comunidades investigadas (n=39)
saci, saci-pererê
15
38%
“Etnografia. Uma das mais populares entidades fantásticas do Brasil, negrinho de uma só perna, de cachimbo e com barrete vermelho (fonte, este último, de seus poderes mágicos), e que, consoante a crença popular, persegue os viajantes ou lhes arma ciladas pelo caminho; saci, saci-cererê, matimpererê, martim-pererê, matintapereira, matintaperera e matitaperê.” (Ferreira 1999). “Etnografia. Entidade fantástica, negrinho de uma perna só, que fuma cachimbo e usa um barretinho vermelho, fonte de seus poderes de magia e que, segundo a crença popular, diverte-se espantando o gado e espavorindo os viajantes nos caminhos solitários, com seus longos assobios no meio da noite; saci-cererê, saci-pererê.” (Houaiss & Villar 2009).
lobisomem
12
31%
“Folcl. Homem que, segundo a crendice vulgar, se transforma em lobo e vagueia nas noites de sexta-feira pelas estradas, assustando as pessoas, até encontrar quem, ferindo-o, o desencante.” (Ferreira 1999). “Segundo a crendice popular, homem transformado em lobo (ô) como castigo de seus malefícios, e que vagueia pela noite até encontrar quem o fira, fazendo-lhe sair sangue do corpo, com o que se desencanta.” (Houaiss & Villar 2009).
cavalo-semcabeça, mulasem-cabeça
10
26%
“Bras. Folcl. Conforme a crendice popular, concubina de padre, que, metamorfoseado em mula, sai, certas noites, cumprindo o seu fadário,(2) a correr desabaladamente, ao fúnebre tilintar de cadeias que arrasta, amedrontando os supersticiosos.” (Ferreira 1999).
boitatá
9
23%
“(Denominação popular do) fogo-fátuo: inflamação espontânea de gases emanados de sepulturas e de pântanos; fageréu.” (Ferreira 1999). “Mito indígena simbolizado por uma cobra de fogo ou de luz com dois grandes olhos, ou por um touro que lança fogo pelas ventas; cobra de fogo [Mito etiológico também relacionado com a indicação de tesouros ocultos, a proteção dos campos contra incêndios ou que é uma encarnação de alma penada.]” (Houaiss & Villar 2009).
bruxa
5
13%
“Mulher que faz bruxarias; feiticeira, maga, mágica.” (Ferreira 1999). “Ocultismo. Mulher que tem fama de se utilizar de supostas forças sobrenaturais para causar malefícios, perscrutar o futuro e fazer sortilégios; feiticeira.” (Houaiss & Villar 2009).
fantasma
5
13%
“Suposto reaparecimento de defunto ou de alma penada, em geral sob forma indefinida e evanescente, quer no seu antigo aspecto, quer usando atributos próprios, como sudário, cadeias, etc.” (Ferreira 1999). “Aparição sobrenatural de pessoa morta.” (Houaiss & Villar 2009).
Fonte: Alvar & Alvar 1979, Vol. 1 (p. 117, 205, 207). fadário = destino talhado por poder sobrenatural. (Ferreira 1999).
Tabela 3. Nomes vulgares, segundo a literatura, dos três cuculídeos parasitos brasileiros. Fonte dos nomes
Tapera naevia (Linnaeus, 1766)
Dromococcyx pavoninus Dromococcyx phasianellus Pelzeln, 1870 (Spix, 1824)
Piacentini et al. 2015
saci
peixe-frito-pavonino
peixe-frito-verdadeiro
Ferreira 1999
saci, crispim, fenfém, peitica, peito-ferido, peixe-frito, piririguá, roceira-planta, sede-sede, seco-fico, sem-fim, tempo-quente
peixe-frito
peixe-frito
Frisch 1981
saci
saci-pavão
saci-da-mata
Houaiss & Villar 2009
saci, crispim, fenfém, martim-pererê, matimpererê, matintapereira, matintaperera, matitaperê, peitica, peitoferido, peixe-frito, roceiro-planta, seco-fico, sede-sede, sem-fim, tempo-quente
peixe-frito
peixe-frito
Scherer-Neto & Straube 1995
saci
peixe-frito; saci-pererê
peixe-frito-grande
Sick 1985
saci, tico-tico-de-três-cabeças (SC), sem-fim, peitica, tempo-quente, peixe-frito (BA), pitica (PA), peixe-frito-seuveríssimo (nome aplicado a indivíduos que usam a estrofe prolongada)
peixe-frito-pavonino
peixe-frito-verdadeiro
Tabela 4. Número mensal e total de registros auditivos de Dromococcyx pavoninus (peixe-frito-pavonino) e de Tapera naevia (saci), no litoral norte do Paraná; a partir de 2003. Mês Número de registros
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Total
Dromococcyx pavoninus
0
0
0
0
0
0
3
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5
2
1
28
Tapera naevia
60
4
0
1
2
2
5
16
102
215
77
58
542
Igreja Católica de Rio Verde, Guaraqueçaba (2015/05/19).
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FREDERICO
LANGE DE MORRETES
72
73
13/04/2012
NA PÁGINA ANTERIOR: Ponte São João, na ferrovia entre Morretes e Curitiba.
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TESES E DISSERTAÇÕES UNIVERSITÁRIAS DE CIÊNCIAS EXATAS COSTUMAM SER MEIO INDIGESTAS PARA QUEM NÃO ATUA NO CAMPO TRATADO. Mas nas ciências humanas, às vezes, surgem trabalhos universitários que se deixam ler como livros, despertando também interesse no leigo. Como consequência do meu interesse em conchas marinhas, li dois trabalhos universitários na área de Sociologia: a tese de Corbin (1989) e a dissertação de Salturi (2007). O último trabalho trata da vida social do pintor-cientista Frederico Lange de Morretes e o considero leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada na história da paisagem, arte e poder paranaense. Através desse ótimo trabalho, muito bem ilustrado, acabei me apaixonando pelo objeto do seu estudo. Que pessoa intrigante e magnífica foi este Frederico! Deixe-me relatar alguns fatos da vida dele, extraídas da referida dissertação. Em 1892 nasceu na cidade de Morretes, como Frederico Lange. O pai dele, um imigrante alemão, foi engenheiro e obteve um cargo de chefia na estrada de ferro Curitiba-Paranaguá (é lembrado pelo nome da estação de trem Engenheiro Lange). Assim, Frederico morou dos 2 aos 9 anos num dos locais mais lindos do Paraná, bem próximo à atual Casa do Ipiranga, onde o histórico Caminho de Itupava se cruza com a estrada de ferro. A infinita paixão daquele homem pela natureza paranaense nasceu e cresceu no paraíso! Ainda criança, de 1907 a 1910, Frederico teve aulas de desenho e pintura de Alfredo Andersen, o imigrante norueguês que hoje é chamado “o pai da pintura paranaense”. De 1910 a 1920 o nosso jovem permaneceu na Alemanha, onde estudou desenho, pintura e Zoologia. Ali se casou, em 1917, com Bertha, uma cantora lírica e parenta próxima do famoso compositor Richard Strauss (1864-1949). A primeira filha do casal, Berta (sem o “h” da mãe), nasceu em 28/06/1917, dois meses depois de o Brasil ter rompido as relações diplomáticas com o bloco germânico (assim o Brasil se tornou inimigo da Alemanha). Na Alemanha, Frederico percebeu que o seu sobrenome, Lange (que significa: pessoa alta), está entre os mais comuns naquele país. Nas aulas de Zoologia aprendeu que um nome bom, além de ser descritivo, tem de ser discriminante (o que “Lange” não é, pois, a maioria dos alemães é alta), e também prático (por esta razão gêneros muito ricos em espécies tendem a ser subdivididos). Assim, no seu retorno ao Brasil ele tomou uma atitude corajosa: mandou um cirurgião especializado mudar o seu gênero num subgênero. Seu pai, Rudolf, não aprovou, mas se continuasse vivo, hoje teria falado que Frederico agiu bem, pois em apenas duas gerações o sobrenome Lange de Morretes ganhou destaque, pela grande contribuição do filho às Artes e à Zoologia e também pelo trabalho da neta, Berta, que foi uma das biólogas brasileiras mais ilustres da sua geração (ver <http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/noticias/professoramais-velha-da-usp-tem-93-anos-20110526.html?question=0> ).(a) A maioria das pinturas de Frederico Lange de Morretes retratam paisagens paranaenses sem a presença de seres humanos (como acontece também nas minhas “Cartas da Mata Atlântica”), o que não significa que ele viveu como monge. Na realidade, todo homem de carne e osso necessita de uma musa para se inspirar e Lange teve pelo menos duas ao longo da sua vida de artista-cientista. Já que ambas as
mulheres eram muito mais novas que ele, ele lhes dedicou um amor paternal, mas sem dúvida se sentiu atraído por elas também. A primeira foi Erna, imigrante tchecoslovaca de origem rural, que lhe serviu de modelo de 1927 a 1930. Frederico era muito preocupado com a devastação das florestas de araucária, o que ele expressou em palavras,(b) mas também na tela “Alma da Floresta”, de tamanho enorme (cerca de 3 x 2 m), produzida no período de 1927 a 1930 (em 1930 foi adquirida pela Assembleia Legislativa de Curitiba, onde pode ser admirada até hoje).(c) Neste quadro magnífico, Erna se prostra sobre o toco de um pinheiro recém-abatido, na intenção de morrer junto à árvore. Na imagem, o seu corpo nu permanecerá aderido ao toco para sempre, sendo colado pela seiva grudenta misturada às lagrimas.(d) Aquela morte acabou sendo quase ‘verdadeira’, pois Erna resolveu retornar à terra natal. Aí acabou, segundo alguns críticos, a melhor fase artística do nosso pintor. Pessoas muito sensíveis (como todos os bons artistas), quando sensatas desenvolvem um campo de interesse paralelo. Assim, quando ficam feridas ou decepcionadas numa área (sempre ocasionado por indivíduos da nossa própria espécie) poderão continuar numa outra, para tentar voltar quando a ferida for curada ou a decepção superada. Já que Frederico tinha estudado zoologia, a partir deste momento começou a se dedicar ao estudo de moluscos. Ele se entregou de corpo e alma ao novo campo e não tardou para ser convidado a trabalhar no Museu Paulista, onde ingressou em 1936. Foi naquele prédio que ele conheceu Maria Aparecida (“Cidinha”), a auxiliar do Museu que datilografou os seus manuscritos científicos e literários e que se tornou uma segunda musa. Em 1940, Frederico saiu daquele emprego e voltou a pintar a todo vapor em 1942, após uma década inteira de descanso e recargo artístico (apenas em 1934 produziu alguns quadros). Em 1946, retornou definitivamente ao Paraná, enquanto a sua esposa e os filhos permaneceram em São Paulo, já que todos estavam trabalhando e estudando ali. Foi depois desta volta à terra natal que ele publicou, nos Arquivos do Museu Paranaense, os seus mais importantes trabalhos sobre moluscos brasileiros: um catálogo geral (Morretes 1949) e uma adenda a este catálogo (Morretes 1953). Durante a sua carreira científica, ele descreveu várias espécies de moluscos novos para a ciência e a última delas foi nomeada Thais mariae (Lange de Morretes 1954a). Conheço T. mariae muito bem, pois não é rara na margem lodosa da baía de Paranaguá. Curiosamente, a sua concha abandonada é sempre habitada por um ermitão (Decapoda Anomura), que vive no seu interior sem querer ser visto. Creio que Frederico teve um motivo especial na escolha desta espécie para imortalizar a sua musa: conseguiu se enxergar como o cientista ‘ermitão’, que secretamente habitava a alma desta jovem.(e) Na última fase da sua vida, Frederico foi um “contratado” do Museu Paranaense, muito bem pago, e assim pode desenvolver grande atividade de campo na área de malacologia. Entre os seus colegas no museu, estavam o paleontólogo Frederico Waldemar Lange (diretor da Seção de Mineralogia e Geologia) e o entomólogo Frederico Lane, de São Paulo, publicando regularmente nos Arquivos do Museu Paranaense também. Menciono este detalhe apenas para evitar que estes três Fredericos sejam confundidos. Lange de Morretes fumava como uma locomotiva, o que acabou destruindo os seus pulmões. No último ano da sua vida, ele teve dificuldades até em subir os degraus para sua sala de trabalho no Museu Paranaense (ficava na Rua Buenos Aires n. 200, no bairro Batel) e acabou morrendo demasiadamente cedo. Ele repousa no cemitério Santa Esperança, de Morretes, ao lado direito de quem entra, no canto extremo do muro divisório entre a antiga e a nova parte. A sua cova pode ser enxergada de longe, pois nela cresce
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um palmiteiro (Euterpe edulis), de frutificação farta. Na cova vegeta também um lindo exemplar de guaimbê (Philodendron bipinnatifidum) e a sua margem é ornamentada com uma fileira de conchas vazias do jatutá, grande caracol nativo do gênero Megalobulimus, tratado na sua última publicação: Morretes 1954b.(f) Conforme o seu desejo, foi enterrado em pé, com o rosto voltado para o amado Pico Marumbi, que ele teve o prazer de escalar em 1928, com o amigo e cineasta João Baptista Groff. (g) Lendo sobre a vida desse homem, me veio à mente uma pergunta intrigante. Por que, em toda esta vastidão de natureza exuberante e inspiradora do litoral norte paranaense, englobando Antonina, Guaraqueçaba e Morretes, somente o município de Morretes tem gerado e alojado artistas consagrados? Uma das razões pode estar no fato que até a poucas décadas Antonina e Guaraqueçaba permaneceram meio isoladas, tendo pouco contato com os grandes centros comerciais e intelectuais (Curitiba e Paranaguá), pois um escritor pode se tornar conhecido somente quando consegue publicar seu trabalho e um artista plástico só consegue se sustentar expondo e vendendo algo da sua produção. Creio que esta seja a razão da produção artística de Antonina e Guaraqueçaba ter se dirigido principalmente às manifestações populares: o Carnaval em Antonina e o fandango em Guaraqueçaba (aliás, existindo em Morretes também), sem maiores preocupações em criar obras ‘eternas’ (veja Tabela 1). Pessoalmente, gosto demais da vista das silenciosas baías de Guaraqueçaba e Antonina e das ruínas do complexo Matarazzo, em Antonina. Não compreendo como Antonina consegue permanecer tranquila nos mesmos dias em que Morretes se enche de turistas. Sei que em Morretes o turismo maciço do fim de semana está começando a incomodar alguns residentes mais sensíveis e concordo com Valério (2011) que se esse município não se cuidar, a totalidade da classe artística acabará migrando para as pacatas cidades de Antonina e Guaraqueçaba. (a)
Berta faleceu no dia 30/11/2016, aos 99 anos, 70 deles dedicados à docência e pesquisa. Ela permaneceu lúcida até uma idade bem avançada, como ficou evidente numa entrevista com Salturi (2007) feita em dezembro de 2006. Seguem exemplos de algumas respostas (BLM = Berta Lange de Morretes) às perguntas (LAS = Luis Afonso Salturi): LAS – Como a sua mãe encarou a morte de seu pai? BLM – Como toda e qualquer pessoa de uma família bem estruturada – com tristeza. Esta pergunta é idiota. Parece de um jornalista recém-formado, sensacionalista, que é chamado foca. LAS – Os seus pais passaram para os filhos essa aproximação com as artes, já que vocês seguiram carreiras científicas? BLM – Sim. Todos os filhos gostam de arte: música, desenho, pintura e escultura, e, detestam cantores contorcionistas e ginastas, bem como metaleiros e pichadores. Para nós, arte é algo sério!
(b)
“O Pinheiro representa botanicamente árvore que veio do passado. Se cuidados não forem tomados, tende a desaparecer da nossa vegetação, apesar de ainda hoje cobrir grandes regiões do Estado sulino. A devastação dos pinheirais assusta todos os homens sensatos, especialmente os cientistas e artistas. Não são poucas as advertências, as súplicas e as lamentações feitas em prosa, verso, música e pintura.” (Morretes 1954c).
(c)
Quem quer ver este quadro, que está no Salão Nobre (fechado) da Assembleia Legislativa do Paraná, pode telefonar ou escrever para o Cerimonial e marcar um horário para a visita.
(d)
Não há dúvida de que a mulher retratada neste quadro seja Erna; veja Assembleia Legislativa do Paraná 1992 (citado em Salturi 2007, p. 173).
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Entrada do cemitério Santa Esperança, Morretes (2015/04/14). (e)
“Thais (Thaisella) mariae sp.n. é nomeada em homenagem a Maria Aparecida de Faria Cardoso, grande e incansável colaboradora e credora de toda minha gratidão.” (Morretes 1954a).
(f)
Neste último artigo, escrito em linguagem jornalística, ele mostra que naquela época Megalobulimus paranaguensis era muito abundante no litoral, inclusive em torna das residências. Lamentavelmente, hoje foi quase totalmente substituído pelo exótico Achatina fulica, introduzido no Brasil na década de 1980 (Colley & Fischer 2009). Para uma lista recente dos moluscos terrestres e de água doce do Paraná veja Agudo-Padrón 2009.
(g)
Neste parágrafo descrevo a cova como a encontrei em abril de 2012. Revisitei o local em abril de 2015 para tirar fotos e tive uma surpresa: o palmiteiro, o guaimbê e as conchas do jatutá tinham desaparecidos e o epitáfio estava ilegível. Mas a cova estava coberta com uma bela variedade de plantas baixas, incluindo Lantana camara, cujas flores amarelas estavam atraindo três espécies de borboletas.
- Nota complementar Esta carta, de 2012/04/13, e a carta “O ‘sururu-de-alagoas’ é o bacucu de Antonina”, de 2012/05/15, na época foram amplamente distribuídas, inclusive entre os malacólogos. Dois meses depois foi publicado o seguinte artigo, cuja leitura recomendo: Colley, E., L.R.L. Simone & J. Loyola e Silva. 2012. Uma viagem pela história da malacologia. Estud. Biol. (Curitiba) 34(83): 175-190.
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Tabela 1. Artistas dos municĂpios de Morretes, Antonina e Guaraqueçaba.(1) Artista
Ano do nascimento e da morte
MunicĂpio nativo
Antonina
Morretes (2) literatura prosa
poesia
William Michaud
1829-1902
Vevey (Suiça)
JosĂŠ Gonsalves de Moraes
1849-1909
Morretes
+
+
JosĂŠ Francisco da Rocha Pombo
1857-1933
Morretes
+
+
Domingos VirgĂlio Nascimento
1863-1915
Guaraqueçaba
Ricardo Pereira de Lemos
1871-1932
Morretes
Manoel Azevedo da Silveira Netto
1872-1942
Morretes
+
+
+
+
artes plĂĄsticas
fotografia
literatura prosa
artes plĂĄsticas
literatura poesia
artes plĂĄsticas
+ + +
1874-1942
Antonina
JoĂŁo Zanin Turin
1878-1949
Morretes
Adolfo Werneck
1879-1932
Morretes
+
+
JosĂŠ Gelbecke
1879-1947
Morretes
+
+
Frederico Lange de Morretes
1892-1954
Morretes
+
+
+
+
Theodoro de Bona
1904-1990
Morretes
Sinibaldo Trombini
1909-1992
Morretes
+
+
+
+
+
+
+
LĂşcio Borges
1916-2000
Morretes
Arlindo de Castro
1918-1967
Muzambinho, MG
Mirtillo Trombini
1919
Morretes
Claus Luiz Berg
19..
Antonina
Carlos Alberto Xavier de (â&#x20AC;&#x153;Negoâ&#x20AC;?) Miranda
1945
Curitiba
Liz Szczepanski
1946
Campo Largo, PR
+
+
Eduardo Bittencourt do Nascimento
1951
Antonina
+
+
Carlos Eduardo Zimmermann
1952
Antonina
+
Geraldo LeĂŁo
1957
Morretes
+
Isaurina Maria ValĂŠrio (â&#x20AC;&#x153;Sarikaâ&#x20AC;?)
1960
Natal, RN
Daniel William Conrade
1983-2017
Morretes
+
JessĂŠ Ribeiro FĂŠlix
1986
Morretes
+
Marcel da Cruz Fernandes da Conceição
1986
Antonina
(2)
fotografia
+
JosĂŠ Cadilhe
(1)
Guaraqueçaba
+ + +
+
+ +
+
Foram incluĂdos nessa tabela somente os artistas com mais de dez anos de residĂŞncia nestes municĂpios. Assim, foram excluĂdos JĂşlio Alvar, Julius Platzmann, Miguel von Behr, Carlos Renato Fernandes e Eros Maichrowicz, que realizaram lindos trabalhos de GHVHQKR $OYDU $OYDU 3ODW]PDQQ IRWRJUDČ´D %HKU )HUQDQGHV H SLQWXUD 0DLFKURZLF] 3ODW]PDQQ H PXLWRV outros), em Guaraqueçaba (Alvar, Behr, Fernandes e Platzmann) e Morretes (Fernandes e Maichrowicz). Fonte: Hunzicker (s.d.) e outros.
NA PĂ GINA AO LADO: Viaduto do Carvalho, na ferrovia entre Morretes e Curitiba.
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O LOCODALATA
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18/10/2007
NA PÁGINA ANTERIOR: Pico Paraná.
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NAS MINHAS CAMINHADAS PELA ESTRADA SAIBROSA PARA GUARAQUEÇABA ENCONTRO FREQUENTEMENTE, VINDO DO LADO OPOSTO, UM INDIVÍDUO QUE PODE SER DESCRITO DA SEGUINTE FORMA: CABEÇA GRANDE E MEIO CALVA, OMBROS ESTREITOS E DECORRENTES, TRASEIRO SALIENTE, ASPECTO FLEUMÁTICO E VESTIDO COMO UM VAGABUNDO. Quem tem viajado regularmente pela PR-405, nos últimos anos, deve exclamar: “Esse sujeito suspeito já encontrei muitas vezes!” Em todas as ocasiões que nossos caminhos se cruzaram nenhum de nós tomou a iniciativa para conversar. Até que, no último encontro, isso mudou radicalmente. Em vez de me cumprimentar e continuar a caminhada como sempre fazia, dessa vez ele veio na minha direção, bloqueou o meu caminho e, sem introdução alguma, falou, com aparência grave: “Por sinal, qual é sua história?”. Tentando esconder o meu espanto, respondi, quase indignado: “Olha, comigo não tem história não! Qual é a sua, cara?!”. De imediato, o rosto dele se abriu num sorriso simpático e ele falou: “A minha? Está interessado em saber a minha?”. Fiquei estupefato, mas logo entendi que estava diante de um ser solitário com necessidade de contar uma história. “Pode desabafar comigo, querido”, brinquei, aliviado. Assim, fomos sentar na beira da estrada, num ponto panorâmico, com visão inspiradora sobre a floresta virgem. Foi ali que, num longo monólogo, ele me apresentou o seguinte resumo da sua vida: – Há trinta e cinco anos, vindo do mar, montado no meu cavalo-marinho, cheguei a Curitiba, onde logo acabei na periferia, como a maioria. Desiludido, comecei a ler o jornal diariamente, na esperança de encontrar uma missão. Mas, em vez do jornal me apontar um destino, as notícias ruins e tristes me transformarem em um ser sombrio e pessimista. Passei anos dessa forma, até que, num belo dia, tudo mudou. Ao ler a manchete “Brasil recordista mundial na reciclagem de latas de alumínio: 99% das latas está sendo recuperada” finalmente enxerguei a minha missão: "Vou catar esse último por cento perdido, para que o recorde brasileiro se torne inatingível!”, bradei para a corruíra do meu quintal. Sem perder tempo, comecei a elaborar uma estratégia. Entendi que o vazamento desse por cento não pode acontecer nas cidades, pois ali a presença de mil pobres para cada rico garante que nenhuma lata escape. A minha busca tinha de ser num local onde existe bastante rico para gastar e nenhum pobre para juntar. Estudando o mapa do Paraná não demorei em descobrir o lugar mais promissor do estado: a rodovia PR-405, isto é, a estrada para Guaraqueçaba, onde há longos trechos sem residência alguma e, assim, sem catador em potencial. Por cruzar uma paisagem magnífica, nos fins de semanas e feriados está sendo frequentada por gente de posse, suficientemente malcomportada para jogar as latinhas vazias pela janela do carro de luxo. Assim, mudei-me para esse lugar e desde então ando juntando latinhas de alumínio no paraíso. – E que destino você dá para essas latas? – perguntei, admiradíssimo. – Vendo a safra ao verdureiro ambulante, que semanalmente passa pela estrada. – Mas nunca tenho encontrado latinha alguma por aí! – Não deve encontrar mesmo; faço um bom trabalho. – Cara, desculpe-me, mas a sua história me soa um tanto surrealista.
Em vez dele se impacientar com a minha implicância, me convidou para acompanhá-lo até a sua casa, para que pudesse "ver para crer". Assim, descobri que ele mora em cima de um morro, com visão magnífica da floresta e da Serra do Mar. Ali ele expôs, com visível orgulho, a sua coleção de latas, a maioria delas amassadas por viaturas pesadas e ainda sujas de lama. – Existe verdureiro disposto a pagar por este lixo sujo? – perguntei, com ironia falsa. – Antes de vendê-las passo escova e pente. Mas sabe uma coisa: enquanto eu preparo um café para nós, você pode fazer o levantamento do que tenho coletado nos últimos tempos. Assim, podemos descobrir quais são as marcas que poluem mais. Gostei da proposta e fui separando as latinhas por marca. O resultado está apresentado na Tabela 1. Enquanto bebemos um café delicioso e, depois, um suco caseiro melhor do que qualquer bebida enlatada, fomos trocando informações sobre as nossas vidas, atividades, parentes e amigos. Foi surgindo um sentimento de compreensão e simpatia mútua, e no fim do dia, quando parti, ele me chamou de “Irmão” e eu o chamei de “Meu alter ego”. Tabela 1. Quantidade de latas de alumínio encontrada pelo Locodalata na rodovia PR-405, principalmente no trecho de km 9 a 18, a partir do inverno de 2007. Marca
Tipo de produto (1)
Quantidade
Kaiser
c
338
Skol
c
289
Coca-Cola
r
81
Antarctica
c
42
Fanta laranja
r
17
Sprite
r
11
Bavária
c
10
Fanta Uva
r
9
Guaraná Antarctica
r
8
Colônia
c
7
Guaraná Kuat
r
7
Água Tônica Antarctica
r
6
Nova Schin
c
6
Brahma
c
5
Água Tônica Schweppes
r
4
Bohemia
c
3
Itaipava
c
3
Kronenbier
c
3
Beckdom
c
2
Caracu
c
2
Malta
c
2
Red Bull Energy Drinks
r
2
Sol
c
2
Sukita
r
2
Del Valle uva
r
1
Glacial
c
1
Pepsi (twist)
r
1
Schin refrigerante
r
2
Summerdraft
c
1
TOTAL (1)
868
c = cerveja; r = refrigerante.
83
84
Folhas feltradas
para traseiros
brasileiros 85
14/08/2006 DEDICO ESSA CARTA AO MEU ANJO DA GUARDA.
NO CLIMA TROPICAL ÚMIDO, ONDE VIVO, É VANTAGEM SER CARECA. No Reino Animal, os cabelos e pelos servem para proteger contra o frio e a dessecação. Em alguns grupos de animais, os pelos têm papel adicional de atrair indivíduos do sexo oposto: a juba do leão atrai leoas e nós, homens, adoramos um lindo rabo-de-cavalo feminino. Nas flores, as funções dos tricomas são similares. Por exemplo: o pólen, capturado por esses ‘pelinhos’, pode ser de outra planta, mas também do mesmo indivíduo (plantas monoicas sabem se virar sozinhas). A função protetora dos pelos nas plantas fica evidente quando se compara as formações vegetais vizinhas que apresentam nítidas diferenças edáficas ou climatológicas. A Floresta Ombrófila Densa (FOD), onde vivo, tem como vizinhas a Restinga, a leste, e a Floresta Ombrófila Mista (FOM), a oeste. A restinga, por ocorrer em solos arenosos, tende a ser mais seca do que a FOD Aluvial, que fica ao seu lado, ambas tendo temperaturas parecidas. Por sua vez, a FOM tem temperaturas mais baixas do que a FOD das altitudes inferiores, mas a umidade média das duas é parecida. Assim, pode se supor que as plantas da FOD, em geral, seriam menos peludas do que as plantas das referidas comunidades vizinhas. Seria interessante tentar descobrir, através de um estudo sistemático, se essa hipótese é válida. Tenho a impressão que na família das pixiricas (Melastomataceae) as espécies da restinga são mais peludas do que aquelas da FOM e da FOD. Para as plantas do interior da FOD não é apenas vantagem ser careca; é uma necessidade. Nessa floresta, quase sempre úmida, a pelugem nas folhas seguraria a água da chuva, assim criando um ambiente propício para o desenvolvimento de fungos, inclusive os patogênicos. Para evitar isso, é necessário que a água escorra facilmente e, de fato, muitas plantas da FOD desenvolveram uma lâmina foliar de ápice acuminado, para gotejar. Sei que a história descrita acima é uma simplificação exagerada, mas ela não tem pretensão maior do que servir de introdução ao relato da incrível aventura pessoal que lhes contarei agora. Em 2003, quando me mudei para a atual residência, situada na FOD das Terras Baixas, não previ a nova adversidade a ser enfrentada. Sem nada suspeitar, comecei a minha primeira caminhada pela rodovia PR-405. Depois de caminhar algumas horas, passei a sentir uma pressão no esfíncter anal, fenômeno familiar a todos. Olhei à minha volta, examinando a folhagem ao alcance e o que vi foi espantoso. Exclamei, enquanto a danada pressão ia aumentando: “Não é possível! Uma floresta inteira de folhas carecas!”. Na meia hora seguinte continuei procurando sem encontrar nada. Chegando ao máximo do desespero, me lembrei do anjo da guarda. Prometi lhe dedicar uma carta se me salvasse desse aperto terrível. E aconteceu uma coisa incrível. Na próxima curva da estrada, encontrei o que tanto necessitava: uma planta de folhas feltradas. Naquela época ainda não conhecia os nomes das plantas da beira da estrada. Acontece que, aos poucos, fui me esquecendo da aventura e assim acabei adiando a promessa feita ao anjo. Pois acabei imaginando que a ocorrência desta planta, nesse local exato, havia sido mera coincidência. Mas hoje, com o levantamento das plantas herbáceas da PR-405 concluído, tenho certeza de que não havia coincidência
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alguma! A ocorrência dessa espécie, no dado local, é única ao longo de todos os oitenta quilômetros de comprimento da PR-405! A sua presença no km 12 foi Divina Providência, o milagre encomendado!(a) Identifiquei a planta com Cabrera & Klein (1973) e descobri que não poderia ter nome vulgar mais apropriado: segundo estes autores, é chamada de erva-de-mula ou limpa-cu. Depois que aprendi a reconhecê-la, descobri que a espécie é comum no Primeiro Planalto paranaense. Mas no litoral é uma raridade, o que é afirmado pelos referidos autores que dizem: “Como espécie rara e estranha, pode ser ainda encontrada, de modo esporádico, nas orlas das matas, situadas na Zona da mata pluvial da encosta atlântica”. Alguns de vocês devem estar pensando: “Porque ele não leva consigo, nessas longas caminhadas, um rolo de papel higiênico? Será que ele é mesmo uma mula?”. Retruco que nem imagine quantas árvores seriam poupadas se vocês parassem de usar papel higiênico e voltassem ao modo ancestral de usar folhagem natural. Uma amiga guatemalteca me contou que no seu país até hoje os índios usam folhas secas de milho para este fim. Sendo criado na roça holandesa, me lembro muito bem de que na minha infância ainda se usava folhas de plantas, feno e papel de jornal. Na minha terra natal, de clima temperado úmido, onde há fartura de folhas feltradas adequadas, o confrei sempre foi uma das minhas favoritas. Ali é nativa e comum por toda parte. Enquanto fazia as minhas necessidades, costumava aproveitar a pausa para checar a presença de Hemimycena candida, um minúsculo cogumelo branco ocorrendo unicamente na base de confrei. Admito que no Brasil não há tempo para tais buscas, pois as necessidades têm de ser executadas em alta velocidade, já que mosquitos e moscas logo avançam de todos os lados. Há alguns anos, numa área rural a pouca distância de Curitiba, demorei um meio minuto a mais e logo fui punido: peguei dois bernes, um em cada nádega! Onde atualmente vivo, pouquíssimas espécies de plantas têm folhagem apropriada para servir de folha higiênica. Das espécies comuns, somente duas poderiam servir, precariamente, numa situação de desespero. São a polivalente barrileira (Acnistus arborescens) e o macuqueiro (Bathysa australis). Esta última é facilmente reconhecível por possuir as maiores folhas de todas as plantas nativas dessa floresta.(b) Em ambas as espécies, um lado das folhas é coberto por uma pelugem macia, mas os pelos em questão são distribuídos de forma esparsa e curtos demais para limpar bem o traseiro. Na Tabela 1, algumas plantas locais com folhas mais ou menos utilizáveis são comparadas. Buscando informações sobre o uso de plantas para a limpeza do bumbum, consultei Plantas úteis do Brasil, uma obra monumental de seis volumes publicados entre 1926 e 1978. Somente uma espécie de Jungia é tratada nesses volumes, tendo sido mencionado como seu único uso: “Fornece remédio útil para a cura de feridas” (Corrêa 1926). Fiz também um levantamento pela internet, usando vários termos de busca (sozinhos e em combinações), inclusive expressões chulas de várias línguas (ass-wipe, kont afvegen, etc.). Não consegui encontrar nada sobre o assunto, o que, na realidade, não surpreende, pois, os botânicos são puritanos notórios. Foram eles que, em tempos vitorianos, acusaram a micologia de ser “uma ciência obscena”, por ter criado nomes genéricos como Mutinus e Phallus e de usar nas suas descrições científicas expressões como “podridão marrom” e “odor espermático”. Agora me diga: pode se culpar o micólogo pelo fato de certos cogumelos realmente terem um cheiro que não poderia ser nomeado melhor? Do Paraná, conheço quinze espécies com o cheiro típico de esperma humano. A maioria delas é relativamente rara, mas duas, com epítetos apropriadamente sugestivos, são bastante comuns: Inocybe curvipes em plantações de Pinus, e Mycena armifera em florestas nativas.
87
Sem dúvida, o papel da Botânica neste assunto seria um vasto campo de pesquisa pacientemente esperando ser explorado por um estudante talentoso e sem preconceitos. Tendo experiência pessoal nesse assunto privado, posso adiantar o seguinte: para servir bem como ‘folha higiênica’, a lâmina foliar tem de ser macia, com largura mínima de sete centímetros, um dos lados tem de ser coberto por uma pelugem macia e densa, com pelos atingindo 1 mm de comprimento. A consistência da folha e a inteireza da margem não tem importância, já que as folhas frágeis e esburacadas ou lobadas podem ser sobrepostas, como se costuma fazer ao usar o papel higiênico. Deixo a palavra final com um poeta holandês muito sábio: Ik noem het met zyn naam, en acht jy dat te bont,
Chamo as coisas como são, e se você achar isso demais,
So ben jy Censor van de scheten en van stront.
Será o Censor dos puns e da merda.
Salomon van Rusting (Países Baixos, 1652 - 1710) (em: Komrij 1986).
(a)
Em outubro de 2006 encontrei indivíduos solitários também em km 9 e 14,9 da PR-405 e em anos posteriores em mais alguns pontos. Pelo jeito, o limpa-cu está se espalhando pela estrada.
(b)
“O nome do macuqueiro (Bathysa australis) “está associado ao hábito do macuco (Tinamus solitarius) que costuma dormir nos ramos horizontais desta espécie.” (Delprete et al. 2004). As folhas desta pequena árvore lembram aquelas de fumo e podem alcançar 1 m de comprimento e 30 cm de largura. Assim, posso imaginar essa ave enorme se sentindo relativamente protegida nessa planta.
Tabela 1. Prestabilidade de algumas plantas de folhas peludas para limpar traseiros de todos os tipos. Nome científico Nome vulgar da espécie
88
Hábito; abundância no litoral norte do Paraná
Lâmina foliar Tamanho, formato e aspecto Densidade, tipo e comprimento da sua margem dos pelos no lado inferior
Prestabilidade como ‘folha higiênica’
Acnistus arborescens (Solanaceae)
barrileira
arbustivo; muito abundante
< 29 x < 11 cm, elipsoideoblongo, de margem inteira
pelos dendríticos, < 0,5 mm de compr., 10 por mm2 entre as nervuras e 15 por mm2 nas nervuras
moderado
Bathysa australis (Rubiaceae)
macuqueiro
arbóreo; muito abundante
< 110 x < 63 cm, obovado, de margem inteira
pelos simples, 10 por mm2 e 0,2-0,3 mm de compr. entre as nervuras, 20 por mm2 e < 0,5 mm de compr. nas nervuras
moderado
Buddleja stachyoides (Scrophulariaceae)
barbasco
sub-arbustivo; muito abundante
< 33 x < 14 cm, ovoideelipsoide, de margem inteira
densamente aveludado de pelos estipitado-estrelados, < 1,5 mm de compr.
regular
Jungia selowii (Asteraceae)
erva-de-mula, limpa-cu
herbáceo; escasso
< 14 (compr.) x < 17 cm, de margem fortemente lobada até a metade
pelugem denso de pelos tortuosos, < 0,8 mm de compr., consistindo de uma cadeia de células curtas, frequentemente terminando num apêndice estreito unicelular
excelente
Miconia cinerascens (Melastomataceae)
pixiricão
arbustivo; abundante
< 31 x < 15 cm, elipsoideoblongo, de margem serrada
entre as nervuras, os pelos simples, 1-3 por mm2, < 0,5 mm de compr.; nas nervuras, os pelos dendríticoequinoides, 5 por mm2, < 1,0 mm de compr.
moderado
Solanum scuticum (Solanaceae)
jurubeba
arbustivo; encontrada em somente um local
< 26 (compr.) x < 28 cm, ovoide, de margem profundamente lobada
entre as nervuras: os pelos 6 por mm2, estrelados e estipitados
bom
Symphytum officinale (Boraginaceae)
confrei
herbáceo; não ocorre (o indivíduo examinado procede de uma horta em Piraquara)
< 23 x < 9 cm, elipsoideoblongo, de margem inteira
pelos simples, eretos, 10 por mm2 e 0,2-0,3 mm de compr. entre as nervuras, 15 por mm2 e < 0,8 mm de compr. nas nervuras
bom
89
ENCONTRO COM UM
DINOSSAURO
19/03/2007 (expandida)
NA PÁGINA ANTERIOR: Pico Agudo da Cotia.
92
O EUROPEU QUE SE MUDA PARA O BRASIL FICA IMPRESSIONADO COM A GRANDE DIVERSIDADE DE RÉPTEIS DAQUI. Na Holanda, ocorrem deste grupo somente oito espécies – três cobras, uma tartaruga de água doce, uma cobra-cega e três lagartixas (Kloeg 1991) –, a maioria delas sendo rara e todas protegidas por lei. Pelo que me lembro, nos vinte anos que ali vivi, nunca vi um réptil. Aqui, no Paraná, não é necessário muito esforço para vê-los: é só andar pelas estradas e prestar atenção a animais atropelados. Exatamente dessa forma, tenho encontrado mortas seis espécies de répteis nas estradas que cruzam o vale do rio Iguaçu em Curitiba (período de 1984 a 1987) e nada menos que 22 espécies de répteis nas estradas do litoral norte do Paraná (período de 2004 até o presente). O meu primeiro encontro com um réptil grande foi tão emocionante que me recordo dele vivamente. Numa tarde do fim de 1979, andava num pequeno bosque nativo onde pastava gado, em São José dos Pinhais, próximo à Reserva Natural Cambuí onde residia naquela época. De repente, vi a uns dez metros de distância um animal aterrorizador, me fitando de forma sinistra. Esse olhar escuro, profundo e alerta, combinado com um corpo pronto para avançar, impressionou. Era como estar tendo um vislumbre da era dos dinossauros. Lentamente, fui me aproximando da pré-história, o meu coração batendo forte, pois não sabia se o dinossauro era perigoso. De repente, o animal liberou milênios de energia acumulada, lançando-se como uma flecha na direção oposta a mim (que alívio!), sumindo numa fração de segundos no meio da vegetação contemporânea. Fiquei tão tocado pela experiência que nunca mais consegui voltar totalmente à era de hoje. Você, leitor, acostumado com essa fauna, deve ter entendido que estou falando do teiú (Salvator merianae). Pois, sim, aos poucos fui descobrindo que se trata de uma espécie comum no Paraná, tanto no planalto quanto no litoral, inclusive na proximidade das cidades e povoados. Acho surpreendente que um animal tão grande, bastante caçado (Santos, 1955, informa que a sua carne tem sabor de galinha e que a sua pele foi comercializada) e perseguido (é acusado de comer os ovos das galinhas), consiga ser tão abundante. Mas os seguintes aspectos certamente contribuem para o seu sucesso: – a cor da pele o deixa camuflado e, assim, passa facilmente despercebido quando se mantém imóvel; – é arisco e ágil, fugindo como um raio para o passado ou para o futuro; – vive entocado (Vanzolini et al. 1980),(a) ficando assim bem protegido dos predadores; – é onívoro: come “invertebrados, pequenos vertebrados (até peixes), ovos, frutos e carniça” (Vanzolini et al. 1980); – no litoral paranaense e provavelmente em todo sul do país, a espécie desaparece totalmente da vista no outono, ressurgindo somente na primavera. O período em que anda sumido corresponde à época das temperaturas mais baixas; ele passa este período em tocas, assim reduzindo o seu gasto energético ao máximo; – consegue explorar no seu território uma grande variedade de recursos. Vou relatar, como exemplo da sua versatilidade surpreendente, uma observação pessoal de 26/12/2006. Naquele dia, às 2h da tarde, ao me aproximar da acerola (Malpighia glabra) ao lado da piscina na minha residência em Lageado, de repente escutei e vi um teiú se deixando cair de um galho deste arbusto e, ao alcançar o chão, correr em fuga. O animal tinha conseguido subir no arbusto para pegar os frutos que estavam maduros. Para alcançar o local onde estava quando o flagrei, tinha subido num galho fino (5 cm
de espessura na base, estreitando-se para o ponto) que surgiu do tronco a 45 cm do chão. Neste galho, ligeiramente ascendente, tinha conseguido se manter em equilíbrio, arrastando-se sobre uma distância de 90 cm até chegar a 85 cm acima do chão. Vi a espécie novamente no mesmo arbusto, em três dias (8+9+15) de fevereiro de 2008, igualmente com os frutos da planta maduros e, na última dessas datas, o animal tinha conseguido subir até um metro de altura. Na manhã de 10/07/2012, quando dei a primeira espiada do dia para fora da casa, descobri que eu não tinha sido o único a ter passado uma noite mal dormida. Parecia uma alucinação, pois o que vi foi inacreditável. Na piscina estava um teiú adulto, com as pernas dianteiras em posição de oração, agarradas sobre a borda superior da piscina e a cabeça dirigida ao céu. O resto do seu corpo estava flutuando. A espécie costuma ser muito arisca, mas esse indivíduo não saiu do seu êxtase, nem mesmo quando tinha chegado bem ao seu lado. Com uma pequena tábua, levantei o animal e o coloquei em cima do pavimento. Com um olho semiaberto me encarou. Aproveitei a sua letargia para medir o comprimento total: 88 cm. Mas quando tentei virá-lo de costas para poder medir o comprimento da cauda também (é feito a partir da cloaca), o animal reagiu, curvando-se rapidamente, numa atitude de querer investir contra mim. Resolvi deixá-lo em paz. A partir daí ele não mais se mexeu: nas próximas horas permaneceu naquela mesma posição curvada. Entendi perfeitamente o que havia acontecido: apesar de estar no meio do inverno, o tempo ensolarado do dia anterior tinha feito este vizinho sair da sua toca, aproveitando a minha ausência (tinha ido a Antonina). Talvez o animal estivesse com fome, pois naquele ano tinha se recolhido na toca bem cedo, já na primeira metade de março, muito antes de o frio ter começado. Mas não compreendo o que o tinha feito entrar na piscina. A alta temperatura do pavimento em volta da piscina (em 10 de julho chegou ao máximo de 32 oC às duas horas da tarde) pode tê-lo enganado. Imagino que, ao entrar na piscina – com temperatura da água muito mais baixa (em 10 de julho variou entre 16 oC de manhã e 18 oC à tarde), o rápido esfriamento do corpo imediatamente lhe tirou o fôlego, a ponto de não mais conseguir transpor, para sair, a pequena distância vertical (5 cm) entre a superfície da água e a margem superior da piscina. Quando naquela noite cheguei em casa, por volta das 20:00 h, já estava escuro e, assim, não tinha visto o animal dentro da piscina. Assim, ele acabou passando a noite toda dentro da água. Depois de tê-lo resgatado, fiquei curioso em ver quanto tempo precisaria para voltar à ativa. Coloquei um termômetro a uma distância de dez centímetros do teiú e, de tempos em tempos, registrava a temperatura (veja o resultado na Tabela 1). Aos poucos, o tempo foi se tornando tão ensolarado quanto no dia anterior, mas o animal estava na sombra da ramagem das árvores. Assim, demorou até meio dia para este teiú ficar diretamente exposto ao sol, a partir do que se reanimou rapidamente. Quando, às 13:00 h, saí do meu escritório para novamente anotar a temperatura, ele já havia abandonado o lugar e estava tomando sol na grama. Quando me percebeu, partiu num disparo. Desde que resido no litoral (2003), somente em duas ocasiões vi um teiú no inverno. A segunda vez foi descrita acima e a primeira vez foi em 25/06/2008, às 15 h, com tempo meio nublado, na escada de concreto que leva ao Mirante no km 55,3 da Rodovia PR-405. Tratava-se de um indivíduo adulto, que estava ao lado da escada e imediatamente fugiu após a minha aproximação, encaminhando-se para a sua toca, localizada abaixo da escada. Essas observações mostram que o teiú pode sair da toca em certos dias do inverno. Mas tais saídas devem ocorrer raramente, pois ao longo dos meus anos no litoral a observação mais precoce (após da estação fria) da espécie em atividade tem sido 2 de setembro (2010), enquanto o registro mais tardio (antes da estação fria) foi 14 de abril (2015), como é mostrado na Tabela 2.
93
Répteis e anfíbios grandes que em pleno inverno se aventuram fora do seu esconderijo, podem se dar mal. Neste sentido, além do incidente descrito acima, lembro-me de um outro da minha residência em Lageado: na noite morna de 10 para 11/07/2007, um exemplar do sapo-ferreiro (Hypsiboas faber) ressurgiu e se instalou em cima de uma viga da varanda, o mesmo local onde ele costumava passar todos os dias da estação quente. Infelizmente, naquele mesmo dia o frio voltou para valer e não mais partiu. O resultado foi que este animal permaneceu ‘congelado’ no mesmo lugar por três semanas seguidas. Umas raras vezes, sempre à noite, ele mudou ligeiramente de lugar dentro de um espaço horizontal de 2 m na viga. Na noite de 1 para 2 de agosto, ele desapareceu do local. Talvez tivesse voltado para o seu esconderijo do inverno, mas também pode ter sido pego por um predador. Voltando ao teiú, apenas uma outra vez vi um exemplar dentro da piscina em Lageado. Foi num dia quente e ensolarado do fim da primavera: 16/12/2006, às 16:30 h, quando o flagrei ao voltar para casa da minha caminhada. Suponho que o animal tenha entrado na água para se refrescar. No caso de 10/07/2012, descrito acima, o motivo para ter entrado na água deve ter sido outro, pois o dia anterior (9 de julho), apesar de ensolarado, não tinha sido tão quente assim. Não acredito que tenha entrado na água para pescar, pois os únicos animais dentro da piscina com tamanho que possam interessar a um teiú são os girinos do sapo-ferreiro, mas lembrem: estes não se mostram durante o dia, quando permanecem escondidos entre as algas no fundo; eles aproximam-se da superfície somente à noite. Há outra observação interessante relacionada ao teiú. No início de janeiro de 2009, um casal de vizinhos meus (Douglas Eduardo de Freitas e a sua esposa Vanessa) me mostrou uma bola elipsoide consistindo de ± 20 ovos brancos, que tinham acabado de encontrar no interior de um ninho da formigacortadeira no seu terreno, situado no km 7,5 da rodovia PR-405. Os ovos, evidentemente de um réptil, mediam 60 x 40 mm. Creio que pertenciam ao teiú, pois é fato conhecido que essa espécie pode fazer postura em ninhos de cupins e formigas (Santos 1955). (a)
Vanzolini et al. 1980 usam para a espécie da caatinga o nome de Tupinambis teguixin, mas hoje se sabe que a última é da região amazônica. A espécie da caatinga é Salvator merianae, a mesma que vive no Paraná.
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Tabela 1. Trajetória da nebulosidade do céu e da temperatura ambiente no pavimento ao lado da piscina da residência em Lageado, em 10/07/2012, desde o momento do resgate do teiú (Salvator merianae) até o momento em que este saiu da sua letargia. Horário Temperatura no pavimento ao lado da piscina (oC) Nebulosidade do céu (%)
9:30h
10:30h
10:45h
10:55h
11:05h
11:30h
11:45h
12:55h
15,5
15,5
16
18
20
19
18
21
95
50
...
20
20
15
15
15
Tabela 2. Data da última observação do teiú (Salvator merianae) antes da estação fria e a sua primeira observação depois, no litoral norte do Paraná, a partir de 2003. Ano
Última observação antes do seu recolhimento para a estação fria, ao lado da residência em Lageado (2004-2012),(1) ou em outras localidades do litoral (2013 até o presente)
Primeira observação depois da estação fria, e a localidade dessa observação
2003
-
outubro 8: ao lado da residência em Lageado (PR-405 km 9,5)
2004
primeira metade de março
setembro 22: ao lado da residência em Lageado
2005
primeira metade de março
outubro 7: ao lado da escada para a Mirante da PR-405 km 55,3
2006
primeira metade de março
outubro 14: cidade de Antonina, Avenida Conde Matarazzo
2007
primeira metade de março
setembro 22: ao lado da residência em Lageado
2008
abril 1
outubro 30: ao lado da residência em Lageado (2)
2009
março 22
setembro 17: ao lado da escada para a Mirante
2010
março 24
setembro 2: ao lado da residência em Lageado
2011
fevereiro 28
outubro 5
2012
primeira metade de março
setembro 22: cidade de Antonina, Avenida Conde Matarazzo (3)
2013
...
...
2014
...
setembro 21: ao lado da escada para a Mirante
2015
abril 14: Morretes, Estrada do Barreiro
...
2016
...
outubro 12: cidade de Antonina, Ponto da Pita (1 jovem morto)
2017
...
setembro 8: rodovia PR-405 km 38,3 (2 adultos)
Média (2003-2017)
Março ±16
Setembro 29
(1) (2) (3)
Residi em Lageado de 12/04/2003 a 06/01/2013. A casa se localizava no km 9,5 da PR-405. Houve uma observação dentro da estação fria: 25 de junho (2008), ao lado da escada para o Mirante da PR-405 km 55,3. Houve uma observação dentro da estação fria: 10 de julho (2012), ao lado da residência em Lageado. Pico Paraná visto da baía de Antonina.
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RENDEIRAS 96
Uma rendeira trabalhando em obra de renda de bilro; Lagoa da Conceição, Florianópolis, SC (2015/06/01) (FOTO: Donald Schause).
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23/04/2009 VOCÊS TODOS DEVEM TER EXPERIMENTADO, ALGUMAS VEZES, COMO UMA SENSAÇÃO SENSORIAL OCASIONAL (SOM, CHEIRO, IMAGEM SURGIDA DE REPENTE) PODE TRAZER À TONA LEMBRANÇAS PRECIOSAS DE UM PASSADO REMOTO. Num fim de tarde, uns quinze anos atrás, estava percorrendo de ônibus o meu trajeto diário entre São José dos Pinhais e Curitiba e ao passar pelo bairro de Guabirotuba, de repente, entrou pela janela aberta um cheiro perfeitamente idêntico àquele da cozinha da minha avó materna, na parte de manhã. A felicidade que resultou dessa sensação me acompanhou por alguns dias. Acontece que a minha lembrança do cheiro matinal da cozinha da avó é associada às férias de verão da infância, o único período em que não existiam obrigações escolares. No restante do ano, a gente visitava os avós maternos (que não moravam perto) somente à tarde de domingo, quando aquela casa estava tomada por outros cheiros, principalmente do charuto, fumado pelo meu avô e meu pai. Uma experiência sensorial do mesmo tipo e, felizmente, bem menos rara, é a seguinte. Solanum mauritianum, uma espécie de fumo-bravo,(a) é bastante comum no Primeiro Planalto paranaense (não ocorre no litoral). Quando encontro um pé daquela planta arbustiva, costumo esfregar uma das suas folhas entre os meus dedos, para que seja liberada aquela fragrância típica, idêntica ao aroma da sopa de verduras da minha mãe! Nasci e me criei em Flandres da Zelândia, uma região que politicamente pertence à Holanda, mas geograficamente à Bélgica. Os passeios que os meus pais faziam conosco aconteciam geralmente na Bélgica: o Parque das Aves, em Knokke, o Zoológico da Antuérpia e também a cidade de Bruges, capital da província Flandres Ocidental. Nos séculos XII e XIII, Bruges foi o mais importante centro de comércio da Europa Ocidental e a glória do passado continua perceptível num número de prédios remanescentes da Idade Média. A cidade também é famosa como centro da renda de bilro.(b) As lindas rendadas são expostas em vitrinas de lojas e nas janelas das casas onde são produzidas. É claro que nós, crianças, espiávamos pelos vidros na esperança de vislumbrar uma daquelas rendeiras.(c) Mas nunca as víamos, nem sentadas em frente das suas casas, costume dominical tão difundida em Flandres da Bélgica (pelo menos na área rural). Obtivemos a impressão que essas artesãs viviam a sua vida em segredo, reclusas nas casas, como monjas, dedicando-se por tempo integral àquela obra meditativa. Se fossem aves, elas teriam o status de “residente-do-ano-todo”. O que tudo isso tem a ver com a Mata Atlântica? Aqui nesta floresta vive Manacus manacus, um passarinho que produz um dos sons mais esquisitos da natureza. Quando ouvi os seus ‘estalos’ pela primeira vez, logo imaginava que aquele som não seria vocal; tinha de ser produzido de forma mecânica. Assim, consultei a obra de Sick (1985), onde li, com surpresa: “O (seu) nome (popular) ‘rendeira’ derivase da semelhança dos estalos, produzidos por (ele) durante a dança, com aquelas que se ouvem na confecção de renda na almofada de bilro.”. Dessa forma, um passarinho brasileiro levantou para mim o véu das misteriosas rendeiras de Bruges, mulheres que nunca consegui ver ao vivo e razão pelo qual ignoro o som que produzem enquanto trabalham nas almofadinhas. Há alguns meses, enquanto caminhava pelas ruas charmosas de Morretes, ouvi, de repente, o inconfundível estalo do referido passarinho. Este som surgiu do interior de uma loja de artesanato. Bastante surpreso, entrei na loja, onde um casal de fregueses estava experimentando a última novidade importada da China. Tratava-se de dois ímãs bem fortes, na forma e tamanho de um ovo de teiú. Quando
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Tabela 1. Número mensal e total de registros de machos de Manacus manacus (rendeira) produzindo estalos, no litoral norte do Paraná; a partir de 2003. Mês
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Total
Número de registros
17
10
13
22
25
5
13
38
56
38
39
33
309
jogados juntos ao ar, logo se atraem e no encontro violento produzem uma série de estalos que lembra bastante o som da rendeira. O nome do brinquedo, “rattlesnake eggs”, sugere que o som também pode trazer lembranças do chocalhar do rabo da cascavel. A analogia entre a rendeira brasileira (Manacus) e as rendeiras de Bruges não se restringe ao som que produzem e ao fato que vivem igualmente escondidas. Tanto Manacus quanto a artesã são muito sedentárias. Entre as aves residentes-do-ano-todo do litoral paranaense, a rendeira é uma das mais fiéis ao local restrito onde vive: por anos a fio permanece no mesmo trecho da beira da floresta secundária. Geralmente é apenas escutada (a ave não gosta de se mostrar a seres humanos) e somente o macho, pois só ele produz aquele som característico. Nos meses de março e abril, após o encerramento da época da reprodução, os grupos costumam fazer pequenas expedições fora do território, buscando frutos maduros, por exemplo, da barrileira (Acnistus arborescens). Naquela época, os vi também beber nos copos melíferos purpúreos do agarra-pé (Schwartzia brasiliensis), mas no resto do ano a rendeira geralmente permanece em casa: um trecho da floresta não mais do que trezentos a quinhentos metros de diâmetro, onde, por exemplo, se alimenta com os frutos da capororoca (Myrsine spp.), que nessa região são maduros da metade do inverno até o início do verão. Os machos da rendeira são polígamos, o que é comum entre pássaros frugívoros, e a maioria das minhas observações desta espécie têm sido auditivas, se restringindo ao macho, já que as fêmeas são silenciosas. Tenho ouvido o seu estalo em todos os meses do ano, mas o maior número de registros ocorre nos períodos de agosto a dezembro e de abril a maio (ver Tabela 1). O macho adulto é branco e preto, enquanto a fêmea é toda verde. Ambos os sexos têm pernas cor-de-laranja. Para uma ave tão fiel ao seu lugar e não muito abundante no litoral norte, seria interessante produzir um mapa detalhado da distribuição atual para descobrir se há algum padrão nas ocorrências e, principalmente, para possibilitar fazer comparações no futuro.(d) (a)
(b)
(c) (d)
Identifiquei Solanum mauritianum (sinôn. S. verbasculum var. auriculatum) usando o trabalho de Mentz & Oliveira 2004. Lorenzi 2008 apresenta uma fotografia da espécie, mas trata-a sob o nome de S. erianthum, uma espécie que não ocorre no Brasil (Sacco et al. 1982). A renda de bilro surgiu no século XV, na Itália. Anos depois, a arte do rendado chegou à França invadindo a corte do Rei Luís XIV e os centros produtores de Portugal. Com a colonização portuguesa, esta arte chegou ao Brasil. Hoje, devido à forte presença açoriana em Santa Catarina, as mulheres que “trocam bilros” (batem os pauzinhos), concentram-se na Lagoa da Conceição, em Florianópolis (fonte: Internet). Segundo Houaiss & Villar 2009 a palavra rendeira entrou na língua portuguesa no ano de 1720. Há outras espécies de aves no litoral norte do Paraná, que são extremamente fiéis ao seu território, ocupando o por anos seguidos. Exemplos são: Athene cunicularia (coruja-buraqueira), Batara cinerea (matracão), Chiroxiphia caudata (tangará), Falco sparverius (quiriquiri), Fluvicola nengeta (lavadeira-mascarada), Gallinago paraguaiae (narceja), Gallinula galeata (galinha-d’água), Geothlypis aequinoctialis (pia-cobra), Hirundinea ferruginea (gibãode-couro), Lipaugus lanioides (tropeiro-da-serra), Melanerpes flavifrons (benedito-de-testa-amarela), Mimus saturninus (sabiá-do-campo) e Todirostrum poliocephalum (teque-teque).
99
A volta
do guarรก
100
101
02/12/2013 DEDICO ESSA CARTA À MEMÓRIA DE VIVIANE LORENZI CARNIEL (1982-2012), UMA DEVOTADA PESQUISADORA DO GUARÁ E DE OUTRAS AVES ESTUARINAS E MARINHAS DO PARANÁ.
NA PÁGINA ANTERIOR: Guará (detalhe).
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IMAGINEM O QUÃO DESLUMBRANTE É, PARA O NATURALISTA EUROPEU, VISITAR PELA PRIMEIRA VEZ UMA PRAIA SUL-AMERICANA. Comigo isto aconteceu em 19/01/1986, e acabei ficando no litoral por nove dias ininterruptos, percorrendo todo o trecho de cinquenta quilômetros entre a desembocadura do rio Saí-guaçu, na divisa do Paraná com Santa Catarina, e o povoado de Pontal do Sul, Paraná. Uma parte do trajeto eu fiz de ônibus, mas o trecho mais bonito e menos urbano foi feito a pé. Também caminhei na região do rio Alegre, ao sul da baía de Guaratuba, onde, na época, todos os residentes eram palmiteiros declarados. Naquela semana e meia conversei com muitos moradores locais, entre pescadores e pedreiros autônomos, os últimos sendo numerosos na região. Pelo menos uma vez por dia alguém me convidava para fazer uma visita em sua casa: o povo nativo do litoral mostrava se bastante hospitaleiro. Naquelas visitas, era comum acontecer o seguinte: tirava da minha mochila o livro Aves brasileiras, de Frisch (1981), e deixava o anfitrião percorrer as páginas uma por uma, para que pudesse apreciar as belas imagens e ao mesmo tempo me contar o que quisesse sobre essas aves. Percebi que as pessoas do litoral ainda não viviam o ritmo frenético da metrópole: reservavam tempo para receber visitas e conversar. Todas as pessoas que encontrei naqueles dias adoraram o livro do Frisch: nunca antes tinham visto ilustrada uma variedade tão grande de espécies da região. Na ocasião, fiz muitas anotações e uma observação interessante foi a seguinte: todos os pescadores entrevistados conheciam o colhereiro (Platalea ajaja) – alguns inclusive mencionaram ter apreciado o sabor da sua carne, mas nenhum dos entrevistados conhecia o guará (Eudocimus ruber), cuja ilustração no livro de Frisch lhes chamou a atenção. Poucas semanas antes daquela viagem eu tinha adquirido a recém-lançada obra-prima de Sick (1985), sobre todas as aves do Brasil. Trouxe tal livro na minha bagagem e assim sabia que no sul do Brasil a última observação do guará ocorrera em 1977, na “baía de Antonina - Paranaguá”, onde três exemplares foram vistos por Pedro Scherer Neto (Sick 1985). De fato, nem mesmo os pescadores idosos conheciam o guará - espécie conspícua e inconfundível na plumagem adulta. Deduzi que eles, possivelmente, se mantiveram ausentes do litoral paranaense nas últimas três gerações. O que eu então não sabia é que em setembro de 1984, um ano e meio antes daquela minha primeira visita à praia, um grupo de 39 guarás tinha sido observado na baía de Santos, SP, e que a espécie estava fixando residência ali. Em 1989 houve o primeiro registro de nidificação daquela nova população de guarás no litoral sul de São Paulo, a partir daí o número de indivíduos da espécie foi aumentando gradualmente: cerca de 160 exemplares em 1992, 385 em 1994, 575 em 1997 (Silva e Silva 2007, p. 54-55, 104). Em 2008, a população do litoral paulista foi estimada em dois mil indivíduos (Paludo et al. 2010). O guará é conhecido por poder realizar longos deslocamentos diários (até 140 km, segundo Silva e Silva 2007), entre o sítio de repouso na borda de manguezal e os baixios não vegetados onde se alimenta. Assim, o aparecimento do guará em território paranaense estava sendo aguardada desde o fim da década de oitenta do século passado. Em janeiro de 1994, moradores locais relataram a sua presença na baía de Guaratuba (Scherer Neto & Straube 1995), enquanto a primeira observação do guará no Complexo
Estuarino de Paranaguá aconteceu em maio de 2003: Reginaldo Antunes Ferreira (comum. pess.), a partir do local de embarque marítimo, ao lado do Casario Colonial da cidade de Guaraqueçaba, viu um bando de aproximadamente oito exemplares sobrevoando a baía. Depois do registro de Reginaldo, somente em julho de 2006 a espécie foi registrada pela segunda vez no litoral norte do Paraná. A partir daí o guará começou a ser visto regularmente na região de Guaraqueçaba, a partir de setembro de 2008 também na baía de Guaratuba, e pouco tempo depois, na baía de São Francisco (Babitonga), no litoral norte de Santa Catarina (Carrano & Scherer-Neto 2009). O tamanho máximo dos bandos observados está aumentando: numa pesquisa feita durante 2010 no Complexo Estuarino de Paranaguá,(a) foram encontrados grupos de até um pouco mais de duzentos indivíduos, principalmente na baía de Pinheiros; os indivíduos juvenis sendo mais numerosos do que os adultos na maior parte do ano, exceto no inverno (Viviane Lorenzi Carniel, com. pess. 2013).(b) Aguardamos a primeira notificação de indivíduos nidificando no litoral paranaense. Já que eu não tenho barco, acabou demorando bastante o meu tão aguardado primeiro encontro com a ave que, na opinião de Sick (1985), é uma das mais belas do globo. Em 04/01/2012, na maré baixa, estava caminhando no cais de Antonina quando atrás de mim alguém gritou meu nome. Virei a cabeça e reconheci um funcionário da peixaria na qual sou freguês. – Devo ter me esquecido de pagar as sardinhas, pensei. Mas vi que o homem sorria, com um brilho radiante nos olhos. Ele então indicou um ponto distante na baía e eu olhei, mas ainda não enxergava nada. Então, peguei o binóculo e mirei. Nunca me esquecerei daquela imagem: no baixio do lado do manguezal, numa ilhota distante do cais, se destacava uma fileira de pontinhos vermelhos vivos, num total de vinte e seis! Depois daquela primeira observação de guarás adultos, nunca mais encontrei essa espécie. Aquele mesmo funcionário da peixaria já tinha visto as aves no mesmo local no dia anterior (03/01/2012), mas segundo ele depois não mais apareceram ali nos meses e anos seguintes. Aqueles exemplares, vistos no início de janeiro, foram afugentados do local pelos sócios do Clube Náutico de Antonina, que tinham se aproximado com as embarcações para fotografá-las, conforme um funcionário do corpo de bombeiros me informou. A ilhota em questão é linear, paralela à costa, distante 800 m do fim do píer “Trapiche Municipal” (= Trapiche Arthur Morgenstein Jr.) e localizada defronte a ele. Está situada ao sudeste da Ilha Baixa Grande. Costumava consistir de um extenso banco de areia onde se extraía siri, contudo, nas últimas décadas se tornou lodoso e aproximadamente há dez anos está totalmente revestida de “candapuva” (Rhizophora mangle; mangue-vermelho), conforme um residente (pescador de 60 anos, que mora na Rua Marquês do Herval, Antonina) me contou. Nos meses seguintes a minha observação do guará, a espécie foi o assunto de todas as minhas conversas no litoral. A minha pergunta: “você já viu um guará alguma vez na sua vida?”, costumava ser respondida mais ou menos assim: “Vejo o lobo-guará às vezes na televisão.” Então, logo em seguida, eu mostrava a imagem de um bando de guarás adultos (foto recortada de um calendário), e aí quase todas as pessoas entrevistadas nas ruas de Antonina respondiam nunca ter visto esta ave e que tampouco sabiam da sua existência. No entanto, numa visita à “Colônia de Pescadores Z-8”, de Antonina, no fim de janeiro de 2012, descobri que muitos pescadores já conheciam e haviam encontrado o guará, inclusive em lugares próximos à cidade, como as desembocaduras dos rios Faisqueira e Cachoeira. Através deles também descobri que o pernalta do cerrado não é o único xará do guará:
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Guaratuba vista do fundo de sua baía.
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existe um peixe marinho conhecido como baiacu-guará (Lagocephalus laevigatus). Ele é comum no litoral paranaense, onde também é conhecido como baiacu-arara (Corrêa et al. 1986). Essas observações do guará no fundo da baía de Paranaguá sugerem que estamos voltando a uma situação que já existiu no passado: uma ilha pequena, situada na área da confluência dos rios Cachoeira e Cacatu, se chama Ilha do Guará! Localiza-se meio quilômetro ao norte da Ilha do Corisco e está totalmente circundada por baixios areno-lodosos, o tipo de hábitat onde o guará costuma forragear. A série de mapas apresentados por Bandeira (2007), mostra que os baixios em volta da Ilha do Guará tinham diminuído nos anos oitenta do século passado e que hoje voltaram a ser tão extensos quanto nos anos cinquenta. No Complexo Estuarino de Paranaguá existe ainda outra ilha com o nome de Ilha do Guará: localiza-se entre a cidade de Paranaguá e a comunidade de Amparo, bem na entrada da baía. Silva e Silva (2007) oferece para cada estado do litoral brasileiro um detalhado resumo da história da presença do guará. Os nomes Guaraqueçaba e Guaratuba são testemunhas da sua presença histórica no litoral paranaense. Segundo Sick (1985), o guará “foi extinto em grande parte de sua área brasileira pela intensa caça que lhe moveram (a fim de aproveitar-se suas penas para adorno), coleta de ovos e destruição de seus ninhais.”.
A minha entrevista com os transeuntes em Antonina repetiu-se na cidade de Guaraqueçaba, em 10/02/2012. EntĂŁo descobri que naquela cidade as donas de casa ainda nĂŁo tinham visto a ave, muitas delas inclusive nem tinham ouvido falar da sua presença. Mas entre os pescadores, a maioria jĂĄ tinha observado a ave algumas vezes nos Ăşltimos cinco anos. O presidente da â&#x20AC;&#x153;ColĂ´nia de Pescadores Z-2â&#x20AC;?, de Guaraqueçaba, naquele dia me contou ter recentemente encontrado, prĂłximo Ă cidade, um bando de aproximadamente trezentos guarĂĄs. Repeti a mesma entrevista tambĂŠm na cidade de ParanaguĂĄ, em 14/02/2012. Conversei com as pessoas encontradas na Rua General Carneiro, na margem do rio ItiberĂŞ. Ali o hĂĄbitat preferido de repouso do guarĂĄ, o manguezal, estĂĄ Ă plena vista na margem oposta. O resultado da entrevista foi similar Ă quele relatado em Antonina: entre os nĂŁo pescadores, poucos tinham ouvido falar da espĂŠcie, mas alguns pescadores a conheciam de uma observação recente. O guarĂĄ tem comportamento gregĂĄrio e nidifica em colĂ´nias, sobre ĂĄrvores. Ele se alimenta de caramujos, bivalves, insetos, pequenos peixes e anfĂbios (Perrins 1991, Sick 1985), mas o alimento bĂĄsico consiste de pequenos caranguejos, os Ăşltimos contendo o pigmento cantaxantina, responsĂĄvel pela intensa cor vermelha da plumagem do guarĂĄ e tambĂŠm do colhereiro (Sick 1985). Sendo uma espĂŠcie tĂpica do manguezal e ambientes adjacentes, sua distribuição original alcançou o limite austral desta vegetação, em Urussanga, estado de Santa Catarina, onde foi observada em 1820 por Auguste de Saint-Hilaire (RosĂĄrio 1996).(c) O fato de o guarĂĄ ter voltado apenas recentemente ao sudeste e sul do Brasil encontra-se refletido na literatura da regiĂŁo: SPVS (1992) e Por (1992) nĂŁo mencionaram a espĂŠcie, e Dean (1996) se refere a ela apenas uma vez e ainda indiretamente.(d) Alvar & Alvar (1979) informam que o guarĂĄ â&#x20AC;&#x153;algumas vezes chega atĂŠ o sul e pode ser encontrado na baĂa de ParanaguĂĄâ&#x20AC;?, mas estes autores nĂŁo deixam claro se eles observaram pessoalmente a ave em Guaraqueçaba, durante os seus trabalhos de campo em 1974. O guarĂĄ estĂĄ ausente tambĂŠm das obras fotogrĂĄficas de Fernandes (2003) e Alcântara (2006), ambas dedicadas Ă Mata Atlântica e litoral do ParanĂĄ e sudeste de SĂŁo Paulo. Mas nas obras de Fernandes (2010) e Azevedo (2012) lindas fotos do guarĂĄ foram incluĂdas, como tambĂŠm em SEMA (2010) e no â&#x20AC;&#x153;Guaratuba Mapa TurĂsticoâ&#x20AC;?, publicado em 2011 pela Secretaria de Turismo daquele municĂpio. Esperamos que o guarĂĄ tenha voltado para ficar! (a)
Pesquisa com apoio financeiro da Fundação Grupo Boticårio de Proteção à Natureza, tendo Ricardo Krul como responsåvel tÊcnico.
(b)
O indivĂduo juvenil do guarĂĄ nĂŁo ĂŠ vermelho e sob uma iluminação precĂĄria pode ser confundido com outras espĂŠcies da mesma famĂlia; veja: <www.jornaldaciencia.org.br/links/coletasCientificas.pdf>
(c)
O limite austral dos manguezais na costa atlântica estå na Ilha de Santa Catarina segundo Leite & Klein 1990 (o H[WUHPR VXO GD LOKD WHQGR DV FRRUGHQDGDV � ¡6 H HP � ¡6 VHJXQGR 6LFN PDV QD UHDOLGDGH HVWi HP � ¡6 QDV FLGDGHV GH /DJXQD H 8UXVVDQJD 6&
(d)
â&#x20AC;&#x153;Extinção era uma preocupação que reiteradamente passava pela cabeça de Auguste de Saint-Hilaire. Observara diversos nomes incongruentes de lugares: CanindĂŠ, Anhumas, GuarĂĄ, Arapongas, nomes de aves que evidentemente haviam outrora habitado esses locais, mas que nĂŁo se encontravam mais neles.â&#x20AC;? (Dean 1996). Na realidade, a cidade de GuarĂĄ fica bem no interior do estado de SĂŁo Paulo (20Âş48â&#x20AC;&#x2122;3â&#x20AC;?S, 47Âş48â&#x20AC;&#x2122;O), a 570 m s.n.m., portanto numa regiĂŁo onde o guarĂĄ, espĂŠcie tĂpica do manguezal, nunca ocorreu.
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A pequena
princesa:
uma analogia 107
28/04/2006
NA PÁGINA ANTERIOR: Canal da Galheta entre a Ilha da Galheta e a Ilha do Mel.
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UM POUCO ANTES DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, UM PEQUENO AVIÃO EM VOO DE RECONHECIMENTO SOBRE O MAR MEDITERRÂNEO FOI ABATIDO. Morreu o piloto, Antoine de SaintExupéry, mas o seu filho conseguiu se salvar. O último acabou desembarcando na margem do rio Uruguai anos depois. “Este casamento não vai durar, pois já estão viajando separados”, pensei, quando em 1985 encontrei o príncipe pela primeira vez, em Curitiba. Enganei-me: continuam casados e viajando separados até hoje. Ele realmente chama a atenção, este príncipe. Anda de roupas vermelhas, em forte contraste com o seu blazer escuro, e sempre com óculos de sol. Apesar da vestidura extrovertida, não o considero exibido. É um indivíduo de poucos amigos, pois não é fácil lidar com os prolongados silêncios dele, causados por lembranças e preocupações. Pessoalmente, simpatizei com ele desde que o conheci e assim descobri que, na realidade, ele gosta de conversar. Dois tópicos são os seus preferidos: o primeiro trata da sua família, principalmente o pai Antoine, que foi uma pessoa boa, bem intencionada, apesar de ter dado ao filho um nome tão esquisito: Pirocéfalo. O seu segundo tópico é a caça esportiva, o seu passatempo principal. Quando ele pronunciou a palavra “caçada” pela primeira vez, fiquei preocupado, pois surgiram imagens de príncipes a cavalo e cães de caça perseguindo lobos-guará, cachorros-do-campo e outros animais quase extintos. Mas hoje estou tranquilo: descobri que ele caça, com incrível pontaria, apenas bichinhos muito abundantes e tão pequenos que não são percebidos pela gente. Impressiona o seu relato de como conseguiu estabelecer um principado em pleno território de ditaduras tropicais. Num sobrevoo da parte austral deste continente, aterrissou numa ilha minúscula no rio Uruguai: desabitada, coberta de grama e um eldorado para insetos. Ele logo se afeiçoou pelo local, onde não tremulavam bandeiras: evidentemente, tinha sido esquecido por todos os países vizinhos (Argentina, Brasil e Uruguai). Assim, resolveu estabelecer ali um pequeno principado. Declarou a área “Reserva Principal para a Preservação de Insetos Campestres” e criou a “ONG Principal”, para poder manter a reserva e a si mesmo também. Atraiu à ilha uma entomologista e não demorou muito para ele pedi-la em casamento. Quando então a sua Princesa começou a publicar da ilha novas espécies de mutucas, surgiu uma cooperação com “The Nature Conservancy”, que a partir daí financiou a sua pesquisa. Em 2003, quando a Princesa me visitou pela primeira vez, eu estava descrevendo um cogumelo novo da floresta de araucária. Quem descreve um cogumelo novo sempre tem de anotar também o seu sabor. A Princesa, que leu a minha descrição, achou tão interessante aquele princípio que resolveu introduzir o mesmo costume na entomologia. A partir daí ela começou a experimentar profissionalmente o sabor dos seus objetos de estudo: os insetos. Acontece que ela acabou pegando tanto gosto pelos insetos que estes hoje constituem a base da sua dieta, e também do seu marido, sempre solidário. Apesar de o TNC financiar as férias anuais do casal, a organização não oferece ajuda no vestuário. Assim, viajam sempre com as mesmas roupas. Essas férias, aliás, são muito merecidas, pois o casal trabalha muito. Pegam férias somente na estação fria, quando a presença de insetos alados na ilha é bem reduzida. De fato, é só esfriar um pouco lá no sul e eles se mudam para o Paraná, terra que gostam muito. Aqui eles preferem o ambiente campestre ao florestal, provavelmente uma questão do costume. Há poucos
dias (22/04/2006) recebi a primeira visita do príncipe nesta nova estação. Ele me contou que a cada ano está vendo menos floresta no Paraná, o que obviamente lhe agrada bastante. Ele acrescentou: “Se algum dia uma das nações vizinhas resolver anexar a minha Ilha Principal e no Paraná o desmatamento continuar assim, já sei para onde eu e a minha esposa iremos nos mudar.” Muitos anos eu tenho sido uma das primeiras pessoas a ser visitada pelo Príncipe e também um dos últimos de quem ele vem se despedir, antes de regressar à sua ilha ameaçada. Nos meus primeiros anos de residência no litoral tenho sido visitado também pela Rubina, essa princesa entomóloga. Ao contrário do marido, ela se vestia discretamente. Somente pela cor vermelha pálida da bainha da saia pude suspeitar que se tratasse de uma princesa. Ela e o príncipe pegam férias um do outro também, passando separados a maior parte do seu tempo no Paraná, já que de volta na ilha estarão juntos todos os dias. Rubina, apaixonada pelo seu trabalho, adora me relatar as suas últimas descobertas entomológicas no principado. Meditando sobre a vida deste casal vejo uma analogia bastante interessante. Todos os anos, estou sendo visitado por uma espécie de beija-flor, Anthracothorax nigricollis, que tem os seguintes costumes em comum com este casal de nobres: (i) foge do frio, (ii) macho e fêmea viajam separados, (iii) macho e fêmea se encontram pouco durante a temporada aqui; (iv) o macho tem vestido espetacular, enquanto a fêmea é mais discreta. Os dados apresentados na Tabela 1 ilustram essa analogia curiosa. Scherer-Neto & Straube (1995) listam para Pyrocephalus rubinus os seguintes nomes vulgares em uso no Paraná: príncipe, verão e sangue-de-boi. Apesar de ter sido o primeiro nome que inspirou a minha piração sobre Pirocéfalo, no Paraná tenho ouvido ele ser chamado somente de sangue-de-boi. O nome “verão” deve ser usado somente no Rio Grande do Sul, onde a espécie ocorre o ano todo, enquanto no Paraná aparece somente no outono e inverno. No Paraná, essa ave cruza os campos bem na época que estes estão sendo incendiados e acho curioso que isto nunca tenha levantado suspeitas. A palavra grega Pyrocephalus significa ‘cabeça de fogo’, o que pode ser interpretado como ‘fósforo aceso’. No Paraná, em vez de “verão”, essa ave poderia ser chamada de “botafogo-no-inverno”. Paisagem com talude recém-queimado; rodovia PR-405 km 31,5, Guaraqueçaba (2016/06/12).
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Tabela 1 'DWD GD SULPHLUD H GD ¼OWLPD YLVLWD DQXDO GR SU¯QFLSH H GR EHLMD ȵRU GH YHVWH SUHWD ¢V PLQKDV residências no litoral norte do Paraná, a partir de 2003. (1) príncipe (Pyrocephalus rubinus)
beija-flor-de-veste-preta (Anthracothorax nigricollis)
príncipe Pirocéfalo
princesa Rubina
marido Antracos
esposa Antracosa
[a] 10/05/2003 [b] 08/08/2003
[a] 10/05/2003 [b] fim/05/2003
[a] 24/09/2003 [b] 19/04/2004
[a] 08/10/2003 [b] 19/04/2004
[a] 21/04/2004 [b] 05/09/2004
[a+b] 18/04/2004
[a] 03/10/2004 [b] .../03/2005
[a] 19/10/2004 [b] 25/05/2005
[a] 09/04/2005 [b] 14/06/2005
Não veio no período de 2005 a 2013
[a] 17/09/2005 [b] .../01/2006
[a] 26/09/2005 [b] 21/03/2006
[a] 22/04/2006 [b] 08/09/2006
[a] 19/10/2006 [b] 27/10/2006
[a+b] 24/01/2007
[a] 23/05/2007 [b] 08/09/2007
[a] 07/10/2007 [b] 18/11/2007
[a] 13/10/2007 [b] 18/02/2008
Não veio em 2008.
[a] 08/10/2008 [b] 15/02/2009
[a] 12/12/2008 [b] 23/03/2009
[a] 21/04/2009 [b] 18/06/2009
[a+b] 19/10/2009
[a+b] 19/10/2009
Não veio no período de 2010 a 2012.
Não veio em 2010
[a] 17/10/2010 [b] 10/02/2011
[a+b] 03/10/2011
[a+b] 20/10/2011
[a+b] 26/09/2012
[a+b] 10/10/2012
[a] 26/09/2012 [b] 12/03/2013
[a] 10/10/2012 [b] 12/03/2013
[a+b] 16/12/2013
Não veio no período de 2014 a 2016.
[a] 14/08/2013 [b] 11/09/2013 [a] 22/04/2014 [b] 03/10/2014
[a+b] 07/09/2014
[a] 27/09/2014 [b] 10/01/2015
Não veio no período de 2015 a 2017.
Não veio no período de 2015 a 2016.
[a+b] 11/11/2015
[a] 13/04/2017
[a+b] 22/10/2016
[a+b] 27/02/2017
[a] 25/10/2017 (1)
[a] = primeira visita anual; [b] = última visita anual.
NA PÁGINA AO LADO: Efeito da maré.
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Ecoturismo para cegos
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30/12/2011
NA PÁGINA ANTERIOR: Barra do Ararapira, divisa do Paraná com São Paulo. À direta, Ilha de Superagui, com detalhes do estriamento costeiro.
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OS CEGOS, POR NECESSITAREM DE CERTOS TIPOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, QUASE SEMPRE SE VEEM OBRIGADOS A FIXAR RESIDÊNCIA NUM CENTRO URBANO, APESAR DE MUITOS DELES DESEJAREM UM CONTATO MAIS PRÓXIMO COM A NATUREZA. Felizmente, a natureza não é somente apreciável pela visão, mas também através de todos os outros sentidos, que no cego muitas vezes são mais aguçados do que em quem enxerga. Em certos países do mundo, onde o ecoturismo é muito desenvolvido e forma uma importante contribuição à economia nacional (p. ex. África do Sul), existem providências especiais para atender turistas cegos. O Brasil, apesar do potencial de ser um país ecoturístico de primeira ordem, ainda não dispõe desse tipo de atendimento, provavelmente porque os empresários não considerem os cegos um grupo representativo do ponto de vista econômico. Para levar o cego a conhecer o que Brasil tem de melhor – a exuberante natureza –, uma das regiões mais propícias é o litoral norte do Paraná, pelas seguintes razões: [a] é a parte do país onde a Mata Atlântica é mais bem preservada; [b] situa-se próximo a centros urbanos muito grandes onde o público alvo é de tamanho considerável. Segundo o Censo Demográfico do Brasil, no ano 2000 existiam no país 148 mil pessoas cegas e 2,4 milhões com grande dificuldade de enxergar. São Paulo é o estado com o maior número de cegos (23.900) (fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE). Nesta carta apresento uma roteiro básico pelo litoral norte do Paraná, tendo em mente um ecoturista cego. Uma rota importante começaria com a viagem de Curitiba a Paranaguá, que pode ser feita pela BR277, sem paradas, ou pela Estrada de Graciosa, com algumas paradas em locais silenciosos, para escutar as vozes da floresta. A magnífica travessia da serra no trem também é uma boa opção. Chegando a Paranaguá, se pode embarcar para a Ilha de Superagui ou a Ilha das Peças (o barco teria de ter algumas providências especiais para poder transportar cegos). Depois embarcar para a cidade de Guaraqueçaba, e no próximo dia visitar a Reserva Natural Salto Morato (RNSM) para finalmente voltar a Curitiba pela PR-405 (estrada não asfaltada de 78 km), aproveitando para fazer uma parada em Antonina. Dependendo do tempo disponível, esta rota pode ter inúmeros pontos de parada, para que o viajante cego possa curtir a natureza através dos outros sentidos, considerados intatos. Na Tabela 1 são apresentados alguns pontos na rota especialmente indicada para tais paradas. Numa visita à Reserva Natural Salto Morato, o cego pode ser conduzido ao “corredor da fama”: uma área calçada, situada ao lado do Centro de Visitantes, com a impressão das pegadas dos principais mamíferos e algumas aves da reserva. Ali, o cego pode sentir com os dedos o tamanho e a forma destas pegadas. Naquela mesma reserva, que fica a quatro quilômetros da autoestrada (PR-405) e a dois quilômetros do povoado mais próximo (Morato), pode ser mencionado ao cego como ponto de destaque um dos poucos lugares no Paraná onde não se escuta galos cantando, galinhas cacarejando, galinhas-d’angola fraquejando, cães latindo, vacas mugindo ou búfalos berrando.
Tabela 1. Locais no litoral norte do Paraná indicados para a apreciação por um ecoturista cego, através da audição, olfato, paladar ou tato, com algumas dicas. Localidade
Local
Baía de Paranaguá
baía adentro manguezal
Ilha do Superagui
Ilha dos Pinheiros cidade de Guaraqueçaba
Ponta do Morretes
Reserva Natural Salto Morato Antonina
Dicas (1) Ol: cheirar o mar. Ta: sentir o vento do mar.
maré baixa
Au: escutar a vocalização do martim-pescador-grande (Megaceryle torquata) sobrevoando. Ol: cheirar a lama do manguezal.
dia
Au: escutar o barulho dos gaivotões (Larus dominicanus) e dos trinta-réis nos locais onde os pescadores esvaziam seus barcos. Ta: tomar banho em água rasa na praia. Ta: sentir a areia da praia, caminhando descalço. Evite entrar nas dunas, onde pode ocorre muito picão-de-praia (Acicarpha spathulata) e pinheirinho-da-praia (Remirea maritima).
noite
Au: escutar uma apresentação musical de fandango.
crepúsculo
Au: escutar a chegada dos casais do papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) ao dormitório.
noite
Au: escutar a respiração dos botos (Sotalia guianensis), que gostam deste local para descansar. Au: escutar o barulho dos biguás (Nannopterum brasilianus) no dormitório neste local. Au: escutar a vocalização do socó-dorminhoco (Nycticorax nycticorax) sobrevoando.
dia
Au: escutar o canto das aves, dos grilos e dos anfíbios. Ta: banhar-se na piscina natural.
ruínas das casas e dia prédios antigos
Ta: apalpar os muros antigos, para sentir o efeito da erosão.
estrada de ferro abandonada
dia
Ta: apalpar os dormentes, para sentir o efeito do trabalho de decomposição pelos fungos e para perceber como a vegetação está tomando conta.
dia
Ta: sentir com os dedos estruturas tais como: casca lisa e casca áspera de troncos, raízes tabulares, raízes aéreas das aráceas, folha composta, folha lobada, a nervação típica das folhas das melastomatáceas, o caule espinhento do xaxim, a estrutura delicada de musgos, a fragilidade de um cogumelo. Pa: experimentar frutinhos silvestres comestíveis não disponíveis no comércio.
uma chácara qualquer
(1)
Período do dia
Au = audição; Ol = olfato; Pa = paladar; Ta = tato.
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ENTRANDO
NA ONDA
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25/05/2007
NA PÁGINA ANTERIOR: Farol das Conchas (Ilha do Mel).
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EM JUNHO DE 1980 FIZ A VIAGEM DE PARANAGUÁ PARA HOLANDA EM UM NAVIO VELHO, QUE TRANSPORTAVA SOJA E AMENDOIM A GRANEL. O capitão, os imediatos e os maquinistas eram holandeses e o restante da tripulação era indiana. Simpatizei com o capitão, que tratava as pessoas com respeito. Mas entre os outros holandeses a bordo ele não era tão popular, pois era abstêmio e quando todo mundo dormia ele deixava no bar panfletos contra o vício! A travessia durou 21 dias e no oceano os peixes voadores impressionavam. No entanto, o que mais me encantou na viagem toda foi a saída da baía de Paranaguá: nunca antes tinha visto o manguezal, nem botos em liberdade. A última vista que a bordo tivemos do Brasil foi uma linda ilha a qual o navio passava bem próximo. A minha próxima visita ao litoral paranaense aconteceu somente em janeiro de 1986, e em junho daquele ano finalmente visitei a ilha vislumbrada a partir do grande navio. A visita durou três dias e foi tão maravilhosa que, para dar vazão às emoções, descrevi a experiência num artigo de jornal (Meijer 1986). Quando voltei à ilha, em março de 1989, havia acontecido uma profunda mudança: a rede elétrica tinha chegado! Naquele ano e no seguinte fiz outras quatro visitas a esse lugar, em média de dois dias cada, para estudar as aves e os macrofungos. As informações sobre os fungos foram depositadas num relatório (Meijer 1990) e as observações ornitológicas foram repassadas para Valéria Moraes, que em 1989 tinha começado o seu levantamento da avifauna da ilha. Valéria publicou a primeira lista das aves da Ilha do Mel (Moraes 1991), incluindo nela também as minhas observações. Nos próximos dois anos ela apresentou acréscimos à lista (Moraes 1992, Moraes & Krul 1993), assim chegando a um total de 153 espécies de aves para a ilha. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP 1996) listou outra vez essas espécies, sem acrescentar novas informações. Mais recentemente, Valéria publicou a sua segunda lista das aves da ilha, e dessa vez com 131 espécies, pois foram incluídas somente as suas próprias observações, feitas “entre abril de 1989 e janeiro de 1997 (...), em excursões quinzenais” (Moraes 2005). Depois de 1993 não mais visitei a Ilha do Mel (com exceção de uma visita de menos de um dia em 2000), pois nesse meio tempo tinha conhecido as ilhas do Superagui e das Peças, que acabaram ganhando a minha preferência, por não estarem tão lotadas de turistas e serem comercialmente menos exploradas. Recentemente, uma amiga opinou que estava na hora de eu atualizar o meu conhecimento da problemática antrópica da Ilha do Mel. Acabamos visitando essa ilha em pleno feriado de Páscoa, chegando à ilha na sexta-feira santa (06/04/2007) e partindo no domingo. As duas noites acampados em Nova Brasília foram mais do que suficientes para a atualização requisitada. Descobrimos que (i) não é cumprida a regra instituída no local para baixar o volume de som às 22 horas (havia música alta muito depois da meia noite), (ii) a maioria dos visitantes de Nova Brasília, com idade entre 15 e 35 anos, consome músicas de uma ilha caribenha, quatrocentas vezes maior que a Ilha do Mel e, assim, subjugando os antigos residentes da Ilha do Mel a uma colonização cultural diversa. No sábado, sentimos a necessidade de nos afastar desse barulho, e ouvir sons autóctones, das aves e das ondas. Caminhando pela praia fizemos toda a volta de 22 km pela Ponta Oeste, Ponta do Hospital e Fortaleza. A última vez que fiz esse trajeto todo foi em 1993 e fiquei muito contente em descobrir que a praia
continua tão deserta quanto naquele tempo. Entre a Praia de Limoeiro (a 2 km de Nova Brasília) e o Rádio Farol, um trecho de ±14 km, encontramos somente duas pessoas, essas de bicicleta (não contando os poucos residentes da Ponta Oeste, todos pescadores), o que nos possibilitou de caminharmos nus. Nessa volta encontramos as mesmas aves que costumávamos ver no trecho, com uma novidade: ainda em Nova Brasília, na Praia do Istmo, havia um par da lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta).(a) Um pouco antes da nossa chegada em Ponta Oeste, vimos um socozinho (Butorides striata). A espécie não é mencionada nos referidos trabalhos de Moraes, mas ela ocorre na ilha há muito tempo, pois o naturalista Rudolf B. Lange a coletou na Ilha do Mel em 1944 (o espécime está no Museu de História Natural Capão da Imbuía). No manguezal estreito e comprido entre Ponta Oeste e Ponta do Hospital vimos, por duas vezes, um exemplar de saracura; ambas da mesma espécie. Os indivíduos não me deram tempo o suficiente para uma identificação segura: fiquei em dúvida entre a saracura-três-potes (Aramides cajaneus) e a enigmática saracura-do-mangue (A. mangle). A última não era conhecida ainda na ilha. Além desse manguezal, há também um outro grande manguezal se estendendo de Nova Brasília até o Morro Bento Alves, no lado do Mar de Dentro. O mapa de Bigarella (1963) indica, para toda a ilha, somente um minúsculo pedaço de manguezal ao pé do Morro Bento Alves. Será que o manguezal tem se expandido nessa ilha? Nessa tarde de sábado, quando estávamos na altura da Ponta do Hospital, chegou do norte, em voo alto, um bom número de casais do papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis), para pernoitar na ilha. Minha amiga, que tinha ouvido falar bastante da espécie, mas não a conhecia, quase chorou, de tão emocionada que ficou. As maiores aglomerações de aves que vimos nessa visita ocorreram na manhã de domingo de Páscoa: um bando de 65 indivíduos do talha-mar (Rynchops niger), na pequena laguna da Praia do Istmo (em frente do camping Sonho Dourado), e um bando de 60 indivíduos do trinta-réis-real (Thalasseus maximus), no banco de areia ao lado do trapiche de Nova Brasília. Dessas duas espécies, a última não consta nos referidos trabalhos de Moraes, mas tenho encontrado a espécie na ilha desde a minha a primeira visita em 1986. A espécie não se reproduz no litoral paranaense, onde é relativamente comum, e em minha opinião não deveria ter sido incluída na ‘Lista Vermelha’ (Straube et al. 2004). Vimos, tanto no sábado quanto no domingo, na praia do Mar de Dentro, a batuíra-de-bando (Charadrius semipalmatus), num total de 40 indivíduos, e o maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis), num bando de sete. Das pessoas que visitam a Ilha do Mel, poucas devem ter consciência do fato de ambas espécies fazerem duas vezes por ano uma viagem gigantesca: nidificam na região ártica da América do Norte! No litoral paranaense tenho visto a primeira em todos os meses do ano, e a segunda somente de setembro a abril. A distância mínima entre o continente e a Ilha do Mel é 2750 m, o que pode parecer pouco para seres alados. No entanto, existem muitas espécies de aves, comuns no continente próximo a ilha, que não atravessam. Trata-se de aves incapazes de fazer um voo ininterrupto longo, como o macuco, jacuguaçu, gralha-azul, tucano-de-bico-verde, ou aves que evitam sair da sombra da floresta, como macuquinhoperereca (Eleoscytalopus indigoticus) e a maioria dos formicariídeos, um grupo mal representado na ilha. Valéria Moraes e eu também não temos observado na Ilha do Mel o inambuguaçu, nem periquitos e araçaris, mas o ornitólogo Pedro Scherer-Neto (com. pess, 1986) as observou. É surpreendente a ausência do guaxe, uma ave inquisitiva que, ao que me parece, voa suficientemente bem para poder alcançar esta ilha.
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É claro que muitas das espécies de aves presentes na Ilha do Mel podem ter alcançado o local a partir da Ilha das Peças, situada a 1650 m de distância. A própria Ilha das Peças se distancia do continente por apenas 35 m. Para obtermos uma ideia do possível movimento histórico de espécies de uma ilha para outra, seria interessante compilar também a lista das aves da Ilha das Peças e fazer a comparação. É bom lembrarmos que espécies de aves um dia presentes na Ilha do Mel podem ter se extinguido no local, por razões naturais ou pela influência do homem e dos seus cachorros e gatos (e outros mamíferos introduzidos; veja Bovendorp & Galetti 2007). A fauna das ilhas é muito vulnerável e o controle ambiental executado pelo governo não acontece à toa. Somando as minhas próprias observações com aquelas de Moraes (trabalhos referidos) e de Pedro Scherer-Neto (com. pess, 1986), chegou-se a um total de aproximadamente 170 espécies de aves conhecidas para a Ilha do Mel. Seria muito bom alguém compilar todos os registros de aves da Ilha do Mel, fazendo um esforço especial em recuperar dados antigos, para que pudéssemos ter uma ideia das possíveis mudanças temporais na avifauna da ilha. Pelo menos uma mudança deste tipo é conhecida: em 1986 o pardal (Passer domesticus) ainda não ocorria na ilha (obs. pess., na época confirmada pelos residentes antigas da ilha; Meijer 1986). A espécie foi registrada na ilha pela primeira vez em dezembro de 1989 (Moraes 1991). Por fim, uma sugestão: se você pretende fazer uma visita à Ilha do Mel, experimente ir à ilha a partir de Paranaguá. Terá uma magnífica viagem de barco, de duas horas, pelos manguezais e ao longo do Mar de Dentro da Ilha do Mel. Esse passeio é muito mais interessante e somente um pouco mais caro do que a travessia de apenas meia hora a partir de Pontal do Sul. Comporte-se na ilha: não deixe lixo, nunca faça barulho e não quebre nada, só as ondas. (a)
Em 1984 foi feito o primeiro registro de Fluvicola nengeta em território paranaense, no município de Andirá, no norte do estado, próximo à divisa com São Paulo. Treze anos depois, em 1997, ocorreu o segundo registro paranaense, no município de Guaraqueçaba (Straube et al. 2007). Desde então, a espécie está se expandindo pelo Paraná e em 28/05/2006 foi vista pela primeira vez em Curitiba, enquanto o nosso registro de 07/04/2007 foi a primeira para a Ilha do Mel. Coincidentemente, três dias depois, em 10/04/2007, outros observadores encontraram o indivíduo de Fluvicola nengeta exatamente no mesmo local: Nova Brasília (Straube et al. 2007, p. 35). A espécie continua a sua expansão na direção sul e em 28/12/2011 já havia alcançado o norte da Ilha de Santa Catarina (Ghizoni-Jr. et al. 2013).
NA PÁGINA AO LADO: Farol das Conchas (Ilha do Mel).
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VISITANDO O
PARQUE MUNICIPAL
DO PASSAÚNA
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24/02/2017
A REPRESA DO RIO PASSAÚNA, SITUADA NA DIVISA ENTRE OS MUNICÍPIOS DE CURITIBA, CAMPO LARGO E ARAUCÁRIA, FOI CRIADA NA DÉCADA DE 1980, O ALAGAMENTO TENDO SE INICIADO EM FEVEREIRO DE 1987 (Obrzut 2006).(a) A criação da represa afetou profundamente a colônia polonesa de Tomás Coelho, fundada em 1876 e imortalizada pelas magníficas fotos preto-e-branco de João Urban (PARANÁ 1985). Hoje, a represa é responsável pelo fornecimento de um terço da água consumida na capital paranaense. Em 1991 foi inaugurado, na porção curitibana da represa, o Parque Municipal do Passaúna, que para os moradores dos três municípios referidos se tornou uma importante área de lazer, com grande potencial para a educação ambiental dos alunos de escolas dos municípios vizinhos. O acesso ao parque com o transporte público de Curitiba é a partir do Terminal do Campo Comprido, onde se pega o alimentador “Vila Marqueto”, que passa ao lado da entrada principal do parque, ou os alimentadores Dona Fina, Rebouças e Santa Ângela, que todos passam pela entrada lateral do parque, na estrada para Timbotuva, Campo Largo. Visitei o parque em um domingo, 12 de fevereiro de 2017, com vontade de ver borboletas. Mas, devido ao tempo predominantemente nublado, o número de borboletas em voo estava baixo. Vi quinze espécies, mas apenas uma delas estava abundante: a pequena borboleta amarela do gênero Pyrisitia.(b) Na mesma visita fui atacado por um único exemplar de mutuca, tratando-se de Chrysops varians. Com essa quase ausência de mutucas, estava ótimo para estar no parque. De fato, a margem da represa estava cheia de pessoas, pescando de anzol, tomando banho, fazendo uso das churrasqueiras ou, simplesmente, curtindo a bela paisagem. Para o conforto dos banhistas e pescadores, a represa está sendo mantida livre de plantas aquáticas flutuantes. Empurrados na margem pela correnteza há um pouco de aguapé (Eichornia crassipes), aguapé-de-cordão (Eichornia azurea) e samambaia-aquática (Salvinia auriculata). Na margem, beirando a água, é abundante três-quinas (Pycreus polystachyos). Naquela data, das plantas referidas apenas a três-quinas estava florida.(c)
Moluscos
NA PÁGINA ANTERIOR: Vista de Curitiba com o Parque do Passaúna em primeiro plano.
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Das minhas raras visitas anteriores ao parque, a mais memorável foi aquela do sábado de 06/10/2012. Devido a uma estiagem prolongada, havia se desenvolvido na margem da represa uma praia estreita de lama ressecada e endurecida. Em certos trechos, a praia expôs uma quantidade razoavelmente grande de conchas mortas, dispersas, pertencentes a uma única espécie de bivalve. As conchas, esculturadas com costelas concêntricas, estavam totalmente abertas. O fato das valvas continuarem conectadas sugeriu que os exemplares tinham morrido recentemente, provavelmente quando o seu substrato ficou exposto ao sol devido ao gradual abaixamento do nível da água. O quero-quero (Vanellus chilensis), sempre presente na margem da represa, pode ter tirado vantagem da situação, predando o molusco moribundo. Na mesma visita, encontrei um único exemplar de outro molusco, um marisco, bem maior que a espécie anterior, morto também e com as valvas ainda conectadas. Em alguns trechos do parque ocorrem pontes de madeira para atravessar as pequenas ramificações da represa. Junto a uma destas pontes, rapazes estavam se divertindo na água. Contaram-me que residem na vizinhança e que sempre tomam banho ali. Aproveitando-me do seu conhecimento do local, perguntei quais espécies de conchas eles já tinham visto ali. Imediatamente, um deles trouxe à superfície alguns
exemplares vivos de um bivalve esculturado e dois exemplares de um marisco. Foram exatamente as mesmas espécies que eu tinha acabado de encontrar mortos na praia, a aproximadamente meio quilômetro dali, como relatei. O rapaz me contou que, andando descalço na lama, ele consegue sentir a presença do marisco enterrado. De volta em casa, identifiquei as duas espécies, conforme mostrado na Tabela 1. Avelar & Vianna (2008) informam: “Anodontites trapesialis é um dos maiores bivalves de água doce da América do Sul, alcançando em torno de 13 cm de comprimento, 6,5 cm de altura e é utilizado como adornos e até mesmo na confecção de botões de madrepérola. (...). Vive enterrado no substrato argiloso, lodoso ou arenolodoso, a uma profundidade de aproximadamente 15 a 20 cm. Sua larva, lasídio, parasita geralmente um peixe, (...). Está seriamente ameaçada de extinção principalmente pela ação antrópica e pela introdução de espécies exóticas que invadem o ambiente, se adaptam e acabam competindo com as espécies nativas por espaço e por nutrientes, levando grande vantagem.”
Informações sobre o parasitismo em peixes da fase larval desta espécie foram compiladas por Felipi & Silva-Souza (2008). Do Paraná, são conhecidas quatro espécies de Anodontites (Agudo-Padrón 2009). Em Curitiba, no período de 1959 a 1963, foi encontrado um representante deste gênero no rio Atuba e na confluência do rio Atuba e Bacacheri (Zanardini 1965). Foi então comunicado como A. tenebricosus, uma espécie que no Brasil atualmente estaria restrita ao estado de Rio Grande do Sul (Avelar & Vianna 2008). As espécies desta família (Mycetopodidae) podem ser utilizadas como alimento para seres humanos (Boffi 1979). Corbicula fluminea, é originária da Sudeste da Ásia e tem sido introduzida na América do Norte (década de 1920), América do Sul (década de 1970) e Europa (década de 1980). No Brasil, os primeiros anos de registro por estado foram os seguintes (fonte Callil & Mansur 2002): 1978 em Rio Grande do Sul, 1996 em Santa Catarina, 1997 no Paraná, 1997 em São Paulo (Avelar 1999), e 1998 em Mato Grosso.(d) Corbicula fluminea habita os mesmos substratos que Anodontites trapesialis, com a qual deve competir. Além das duas espécies de bivalves tratadas acima, nos rios de Curitiba são encontradas várias espécies do gênero Diplodon, da família Hyriidae. Também nesta família, as larvas, gloquídios, parasitam peixes (Avelar 1999, Boffi 1979). Em Diplodon, a identificação das espécies é feita através das características das larvas (Zanardini 1965). São conhecidas 116 espécies de bivalves de água doce no Brasil (Colley et al. 2012) e 44 espécies no estado de São Paulo (Avelar 1999). Em contraste com a visita de 06/10/2012, naquela de 12/02/2017 o nível de água na represa estava bem alto. Em muitos lugares na margem, a poucos centímetros acima da água e fixada aos caules e folhas de aguapé, titririca e outras plantas, havia a postura característica de um caramujo do gênero Pomacea (família Ampullariidae), caramujos popularmente conhecidos como aruá-do-banhado. Essa postura tem aspecto de um cacho compacto oblongo de até 5 cm de comprimento e 2,5 cm de largura, com os ovos rosados, esféricos, de 2,5 a 3,0 mm de diâmetro. Segundo a literatura, estes ovos são muito tóxicos, sendo predados por pouquíssimas espécies animais. No Parque Passaúna, os animais adultos são abundantes e facilmente encontrados na beira da água.(e) A várias pessoas que ali estavam pescando com anzol, perguntei há quanto tempo o caramujo está presente na represa. Algumas responderam que perceberam a sua presença pela primeira vez em 2016, enquanto outras responderam que a espécie está presente ali há décadas, mas que a sua abundância recentemente tem aumentado. Recebendo respostas tão contraditórias, resolvi consultar, no Museu de História Natural “Capão da Imbuia”, o banco de dados referente a coleção de moluscos do museu. Lá verificamos que todas as coleções de Pomacea
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provenientes do Paraná, e presentes na referida coleção, provém do Terceiro Planalto, do Litoral e da Serra do Mar. Apenas uma amostragem é do Primeiro Planalto, tratando-se de material coletado em 10/06/1991, por M.R.S. Lopes, no Jardim Botânico Municipal de Curitiba (bairro Jardim Botânico). Já que naquele local frequentemente são trazidas plantas de fora do município, o caramujo pode ter chegado na cidade pegando carona com uma destas plantas. Eu morei no Parque Regional do Iguaçu, na divisa de Curitiba e São José dos Pinhais, de forma ininterrupta de 1979 a 2000, e em todo este período nunca encontrei ali posturas de Pomacea. No entanto, a partir de 2012 este caramujo tem sido encontrado naquela região com certa frequência (Straube et al. 2014). Por volta de 2010, foram encontrados exemplares adultos de Pomacea também no Parque Tingui, bairro São João, Curitiba (Odete Lopez Lopes, com. pess. 2017). Considerando estes fatos, acho bem provável que a introdução e proliferação de Pomacea no Parque Passaúna é um acontecimento recente, como alguns dos pescadores entrevistados naquele parque me disseram. O gênero neotropical Pomacea tem três espécies conhecidas do PR (Agudo-Padrón 2009), todas herbívoras que vivem em plantas de água doce (http://www.conchasbrasil.org.br/conquiliologia/). Os caramujos de Pomacea formam o alimento principal do caramujeiro (Rosthramus sociabilis) (Sick 1985), um gavião que em Curitiba foi visto pela primeira vez em 2010. Desde então, houve mais alguns registros no município, por enquanto somente no vale do rio Iguaçu (Straube et al. 2014). O carão (Aramus guarauna) é outra ave que gosta deste caramujo (Sick 1985). Ele é comum no litoral, mas em Curitiba foi visto apenas uma única vez, em 2012, também no vale do rio Iguaçu. Algumas espécies de Pomacea foram introduzidas no Velho Mundo, onde se tornaram pragas em algumas plantações, por exemplo de arroz. São conhecidas 256 espécies de gastrópodes de água doce no Brasil (Colley et al. 2012) e 35 espécies no estado de São Paulo (Simone 1999).
Aves e répteis O inventário das aves da região do atual Parque Municipal do Passaúna começou com as observações de Pedro Scherer Neto, em 1987, o ano do alagamento da região pela represa e cinco anos antes da inauguração oficial do parque. Até 2014 eram conhecidas da represa e do parque um total de 256 espécies de aves: 116 não-Passeriformes e 140 Passeriformes em Straube et al. (2014), um número bastante respeitável. Se o caramujeiro e o carão até hoje não foram vistos no parque, a minha previsão é que isto não demorará para acontecer. Naquela visita de 12/02/2017 havia um casal da andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer) voando por cima da represa. Esta espécie linda não é nada comum, com poucos registros para Curitiba, mas no Parque Passaúna já tinha sido observada antes: em 2002, 2005 e 2013 (Straube et al. 2014). Na margem da represa havia um único exemplar do tapicuru (Phimosus infuscatus), uma espécie ainda não comunicada para o Parque Passaúna em Straube et al. 2014. Na mesma visita também me defrontei com uma chatice. Em cima de uma pedra estavam expostos, de forma ostentativa, duas serpentes sem cabeça. Bem ao seu lado havia dois homens pescando com anzol. Perguntei: – Por que mataram? – Mas é uma jararaca-d’água!(f) – Por que decapitaram? – Mesmo morta é perigosa, pois tem espinho traiçoeiro.
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Virei-lhes as costas e fui examinar os animais. Tratou-se de dois adultos da mesma espécie, com as seguintes características: 17 fileiras de escamas dorsais; as treze fileiras dorsais mais centrais marrom num padrão uniforme (sem linhas); as últimas duas fileiras de escamas dorsais a cada lado do corpo, amarelas; as escamas ventrais amarelas vivas, com mancha central marrom, o conjunto das manchas formando uma linha irregular marrom ao longo do ventre; placa anal dividida. Reconheci a espécie dos meus registros anteriores: vítimas de tráfego no vale do rio Iguaçu, em Curitiba. Tratou-se de Helicops infrataeniatus (cobra-d’água): uma espécie comum, áglifa (sem dentes injetores de veneno), que se alimenta de peixes e anfíbios anuros. Virei-me, com a intenção de entregar o resultado da perícia aos pescadores, mas eles tinham misteriosamente desaparecidos. Passaram umas crianças curiosas e aproveitei para lhes mostrar como contar as fileiras dorsais e quais outras características são importantes para identificar serpentes. Uma menina perguntou: “Mas o que são esses cachos rosados na margem do lago? Meu pai diz que são ovos de cobra.” Ela estava se referindo às posturas do caramujo tratado acima. Alguns pais brasileiros educam os seus filhos e, principalmente, as filhas, para viver com receio da vida silvestre. Fazem isso para protegê-las. Mas como deve ser triste ter de passar a vida toda com medo de serpentes inofensivas. Seria bom se houvesse casais de voluntários percorrendo os parques no fim de semana, buscando o contato com a criançada e ensinando-lhes fatos reais sobre os seres encontrados ao longo das trilhas. A primeira aula a ser dada às crianças de todo o Brasil, já no primeiro dia escolar, é de como reconhecer as serpentes peçonhentas locais. Isto evitaria que surgissem adultos como aqueles dois pescadores, que matam indiscriminadamente todas as serpentes que encontram no caminho. Eu mesmo tive a sorte de, há trinta anos, ter encontrado um professor excelente: o herpetólogo curitibano Renato Silveira Bérnils. Ele me ensinou como distinguir as serpentes peçonhentas do leste do Paraná, dados que hoje vou passar para frente, através da Tabela 2. Com a ajuda do herpetólogo curitibano Júlio Cesar de Moura-Leite, as informações na Tabela 2 foram complementadas para cobrir todo o estado do Paraná. Há trinta anos, Renato me ensinou que as espécies peçonhentas do gênero Bothrops são imediatamente reconhecíveis pelo desenho, que forma uma série de “ferraduras”, “telefones” (fone de um telefone fixo), ou letras “V” invertidas, a ferradura/fone/letra podendo ser inteiro ou cortado, dependendo da espécie de serpente. Espero que os professores das escolas no Paraná aproveitem bem esta tabela. (a)
(b)
(c)
A monografia de Luciane Czelusniak Obrzut (2006) está repleta de recordações nostálgicas. É uma leitura deliciosa, fortemente recomendada! Foram as seguintes espécies de borboletas (entre parênteses: o número total de exemplares vistos): Adelpha sp. (1), Anartia amathea (3), Diaethria clymena (4), Dione juno (1), Dryas iulia (1), Hamadryas epinome (2), Heliconius erato / beschkei (1), Hermeuptychia sp. (1), Ortilia sp. (2; em terra úmida), Philaethria wernickei (1), Pho ebis argante (1), Pyrisitia sp. (numerosa), Tegosa claudina (3; visitando flores de Senecio bonariensis) e Urbanus teleus (2). Outras plantas aquáticas vistas nesta caminhada no Parque Municipal do Passaúna são: Bidens laevis (picãodo-banhado, visto florida neste local em junho), Hedychium coronarium (lírio-do-brejo), Heteranthera reniformis (aguapé-mirim), Ludwigia octovalvis (cruz-de-malta), Myriophyllum aquaticum (pinheirinho-d’água), Nasturtium officinale (agrião) e Typha domingensis (taboa). Também são localmente abundantes na margem da represa do Parque Passaúna as poáceas Coix lacryma-jobi (capim-de-lágrima) e Pennisetum purpureum (capim-elefante), mas estas não são aqúaticas.
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(d)
(e)
(f)
Quando esta carta estava quase pronta descobri que a ocorrência de Corbicula fluminea no rio Passaúna já tinha sido comunicada antes, por Oliveira et al. 2014. É interessante que estes pesquisadores, durante o seu período amostral (dezembro de 2008 a novembro de 2009), não encontraram nenhuma espécie de molusco nativo nos seus locais de pesquisa no rio Passaúna. Segue uma breve descrição de um total de cinco exemplares adultos encontrados no Parque Municipal do Passaúna (12/02/2017), sendo três vivos e dois mortos (concha vazia): concha subglobosa, dextrogira; com quase cinco voltas; as voltas separadas por uma sutura profunda; altura da concha = 45-55 mm; largura da concha = 40-50 mm; altura da espira = 5-7 mm; ápice da espira obtuso; altura da abertura = 35-41 mm; largura da abertura = 23-29 mm; abertura oval, flexionada para esquerdo; lábio interno branco. Devido à sutura profunda entre as voltas, esta espécie de Pomacea pertence nitidamente ao “complexo canaliculata”. Talvez tenham se referido a Mastigodryas bifossatus, cujo nomes vulgares são jararaca-do-banhado, jararacuçu-do-brejo e cobra-nova, entre outros. Trata-se de uma espécie áglifa, grande (Marques et al. 2001), com um padrão de manchas marrom-escuras simétricas e ela é bastante agressiva, em alguns casos quando se sente ameaçada, “correndo” atrás das pessoas (Veitenheimer-Mendes et al. 1993). No Paraná, M. bifossatus ocorre, por exemplo, na região dos Campos Gerais, mas em Curitiba ainda não foi encontrada (Júlio Cesar de Moura-Leite, com. pess. 2017).
Tabela 1. Espécies de moluscos encontradas na margem da represa do rio Passaúna, Curitiba, em 06/10/2012, num período de estiagem prolongada. Nome Família
Espécie Científico Vulgar
Medida da valva
Número de valvas Comprimento amostradas
Altura
Largura (valva individual)
Razão comprim. / altura
Outras características da valva
Anodontites cf. trapesialis
marisco-de-água- Mycetopodidae doce
2 duplas
120-135 mm
65-75 mm
19-20 mm
1,8-1,9
charneiro sem dentes
Corbicula fluminea
amêijoa-asiática
8 duplas
19-31 mm
16-25 mm
5-9 mm
1,2-1,3
esculturada com 12 a 15 costelas concêntricas por cm; charneiro com dentes conspícuos
Corbiculidae
Tabela 2. Serpentes peçonhentas do estado do Paraná. Espécie Nome científico
Distribuição Litoral e Serra do Mar
Planalto 1 e 2
Planaltos Planalto 3 +
Bothrops alternatus
urutu
mancha de telefone inteira
-
+
Bothrops cotiara
cotiara
mancha de telefone cortada; barriga sempre negra
-
+
+
Bothrops diporus
jararaca-pintada
mancha em V invertida cortada
-
-
+
Bothrops itapetiningae
jararaquinha-pintada
mancha mais quadrangular e cortada; espécie muito pequena; ventre bem manchado
-
+
-
Bothrops jararaca
jararaca
cor parda; mancha simples, em geral, triangular
+
+
+
Bothrops jararacussu
jararacuçu
cabeça muito grande e escura; coloração de fundo geralmente escura, com desenhos romboidais ou circulares entre as manchas de telefone
+
+
+
Bothrops moojeni
jararacão, caiçaca
mancha em V invertido; aspecto geral mais “aveludado”
-
-
+
Bothrops neuwiedi
rabo-branco
mancha de telefone cortada; barriga branca ou pintada
-
+
+
Crotalus durissus
cascavel
possui um chocalho (guizo) característico na cauda
-
+
+
Micrurus altirostris
coral-verdadeira
desenho em tríades de preto: vermelho – preto – branco (ou amarelo) – preto – branco (ou amarelo) – preto - vermelho
-
+
+
Micrurus corallinus
coral-verdadeira
desenho mais simples: vermelho – branco – preto – branco – vermelho
+
+
+
Micrurus decoratus
coral-verdadeira
desenho em tríades de preto; porte bem pequeno. Difere de M. altirostris por ser menor, com cabeça vermelha e focinho branco. Ocorre na encosta da Serra do Mar
+
+
-
Micrurus lemniscatus
coral-verdadeira
desenho em tríades de preto; porte médio a grande. Difere de M. altirostris por ter pequenas manchas negras espalhadas nos espaços vermelhos
-
-
+
Total (n=13):
128
Características distintivas
Nome vulgar
4 espécies
10 espécies
11 espécies
Este livro Ê dedicado a dois grandes amigos da Mata Atlântica, o casal Annemarie e Johannes Jacobus Gillissen.
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NOTA EXPLICATIVA Do presente livro foram omitidos, por falta de espaço, os seguintes â&#x20AC;&#x153;ApĂŞndicesâ&#x20AC;? (tabelas extensas):
132
Č?
As espĂŠcies de plantas vasculares no jardim da â&#x20AC;&#x153;dona Maricheâ&#x20AC;?, cidade de Antonina, registradas em abril de 2015 (Carta â&#x20AC;&#x153;Jardim lindo em Antonina e a sua jardineiraâ&#x20AC;?);
Č?
EspĂŠcies de cogumelos encontrados ao longo da trilha do Pico ParanĂĄ, em altitudes acima de 1200 m (Carta â&#x20AC;&#x153;O Pico ParanĂĄâ&#x20AC;?);
Č?
Lista das plantas vasculares herbĂĄceas de ocorrĂŞncia espontânea na beira da Rua Conde Matarazzo, cidade de Antonina. (Carta â&#x20AC;&#x153;ExcursĂŁo botânica na beira da estradaâ&#x20AC;?);
Č?
Registros pessoais de mamĂferos terrestres no litoral norte do ParanĂĄ, a partir de 2003 (Carta â&#x20AC;&#x153;Entre mamĂferosâ&#x20AC;?).
Este livro contĂŠm uma seleção de vinte â&#x20AC;&#x153;cartasâ&#x20AC;? escritas pelo autor a partir de 2005. A totalidade das 170 cartas produzidas (perĂodo 2005-2017) estĂĄ contida no livro â&#x20AC;&#x153;Cartas da Mata Atlântica: histĂłrias da natureza do litoral paranaenseâ&#x20AC;?, recĂŠm-publicada no Amazon.com. Aquela obra consta de dois volumes: 9RO Î&#x2013; $V FDUWDV S LO FRO Î&#x2013;6%1 9RO Î&#x2013;Î&#x2013; %LEOLRJUDČ´D $SÂŹQGLFHV S Î&#x2013;6%1