Revista Noize #70 - Baden Powell e Vinicius de Moraes - Janeiro | Fevereiro | Março 2017

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Cinquenta anos após a gravaç ão do LP Os Af presente na mú ro-Sam bas, sua sica e no pens força criadora am ento cultural união elevada, segue brasileiro. Su e por que não a origem provém di zer espiritual cultura negra da , entre a sa be da Bahia, a po doria mística esia viniciana Powell. Até o da e a genialidad ano de 1939, a e musical de Ba prática do ca despeito de su den ndom blé era il a presença co eg al no Brasil, mo ma triz na form aç e o reconhecim a ão da identida ento do caráte de brasileira, r universal da por Vinicius ta cultura negra mbém na peça (a bo rdagem visitada Or fe u da Conceição consolidação. ) estava ainda Nesse contexto em , processo de lo uvar os deuses com canções de negros do cand rara sofisticaçã om bl o é e da um band musical e poét para um a nova a ica contribuiu direção no mo de form a deci do como o Bras siva il encarava su a própria iden tidade.

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e alment encion noize.com.br t n ra i r e a u form ro G t e s d e a a m d o de duzi Baden, neira P, pro uma ma icius, o do L n ã a i ç r V a e v e r a , o p is tin A gr onal” musica o Quar , rofissi dismos Robert o m r beleza o “ a “não-p t u a pro d lação rir n e e o o r f ã r e ç m e p e t e o Peix ade sta em in liberd bas. E pudess m r a e i s t u a n q s d a ia g ar a” do rciais sciênc rítmic No s co m e n a con e queza l i p nções. p a drõe r a m c e a h s e n a d i d a t d di o q ue o r es nária profun claro us aut olucio a v e x e s i r e e d a u q or m dutor cius revela e da f , Vini so pro e l o d a t a n n i d e g i l ri al ta origin ca p a o ovem e er d a d e contra om o j de lib a c d s o s m o o i t m x má tex N ã o no bina co m u m : “com rcial. m e o ista a m t v v o i a c e e c f d b us nto eria resse o s e p t o n o c i d s di de sã o ito’ q ue o mínimo ansmis bem fe o a tr a e um d isco ‘ r n d oo a r d m c f a s u A i cr Os o, bu azer dizer”. sava f ontâne s p os s e s v a r e o b e n t m m in sa s si e em nossos al, m a em CD n m em a a o s i c o e r i t t e l ar qu pú b quan d o q ue ginal eis ao i s v r í e o n l l o p l o p m e ã si dis Pow ers Ba d en o na v seguem os, a p or , tant d s S a m b as i a z a nta an i t e i l u g a q i e n d r i c s a e a de omo suport ia com rativa ões, c p a r c er co m e m o gravaç m o e r s ã e a ç b t v i n u o n Cl ma ta e d s p or Record 0. Nes ro opta mo Noize , em 199 o a sono c l t i e s s p i u v M P L e l d a m s e oi iver onto feita co m o f e a Un s do p o tal tural iginai c l r s u o i A C d s . M a o s V or e stic so a a b or a d acterí o a c es l r o a o go”, o c c d i n t s s i n u a e se ermit te “a p r n o e , p d o u a c s B do iado e us, e gráfi et, cr Vinici buição n i r r r e o t s t s p n i i na rítico é a d criado disco es e c idade r o v o d o t n u e d b e lu pro ica gr a n d e um c ir mús çã o d e avés d stribu a g er a i v d m po, o e n e t LP, atr a go do or u m oduzir n p r o p l o d e o i d s a frodirig form as rm a çõe e Os A is. As ransfo rnos, t e t ística s e t a r musica d o çã o a rofun d e sã a p a i d e r m i c a l r a vando l da igin sofre preser e m p or a o e or t t , a n o , e s d r l e n e a r a iado alog o pod m as t is. Di e us cr esta m e a s t i a e c e r d d s e a a co m ge m alid Sa m b a c or a a geni a d r õ es l p e e p e o t d s n e le el livre o o ta en d o a nciand sível. gr a d e c a m bas. a o S d revere ia pos u o r t r e e f s r A b o o s nã ’O s s a na m d rojeto fael e esta mo q ue e m este p ãos Ra m a , r i b r i u nho, o l s d C sa b e o cari to a o c or d s n e n e R e m m i e i c z Noi Co m ra de vadora Se m o o e ag quipe. d a gr a ã e ç a a r a r a u i s b a Ge adm to s Nossa a to d a das fo o Wadi ha, e ell, a as lin c w l o e o R P p es. l o a s l Pabl or a e a Sa Silvi o de M Moreir m os à r e d o c e t e P u d t a a gr nsti ógrafo e ao I ao fot Zappa s Form a, a c u L a, ao Rio de Janeiro, dezembro de 2016 d a ca p Cultural / VM Julia Moraes e Marcus Moraes

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Vinicius atraía amizades, sua ternura e generosidade fizeram dele o artista dos encontros e da habilidade de reconhecer o melhor nos outros. Não havia idade, status social ou barreira que impedisse o poeta de se aproximar das pessoas. E não era só de músicos que Vinicius se cercava, veja alguns nomes que abriram diferentes caminhos na vida dele:

Aproximou Vinicius de Beatriz Azevedo de Melo (Tati), sua primeira esposa, com quem teve os filhos Suzana e Pedro. O poema “Soneto da Fidelidade” foi dedicado a ela e “Sonetinho a Portinari” foi dedicado a ele, em 1939.

O escritor norte-americano viajou com Vinicius, na época com 31 anos, pela Bahia. A imersão serviu de inspiração para a idealização da peça Orfeu Negro e posteriormente às composições de Os Afro-Sambas.

Com o diretor, Vinicius estudou cinema no tempo em que morou em Los Angeles. Depois, os dois se reencontraram no Rio, o que rendeu crônicas como “Orson Welles no Brasil”, de 1941.

No tempo em que viveu na Califórnia, Vinicius se tornou amigo da cantora e dividiu a saudade do Brasil com ela. Época da explosão da primeira bomba nuclear que resultou na composição de “Rosa de Hiroshima”, de 1954, posteriormente musicada pelos Secos & Molhados.

O escritor modernista convidou Vinicius para a idealização da revista Clima, com uma nova proposta de abordagem crítica social e literária. Para Mário, Vinicius escreveu três poemas: “A Manhã do Morto” (1946) “Mário de Andrade Morreu” (1954) e “Exumação de Mário de Andrade” (1954).

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_texto Marília Feix _ilustração Jaciel Kaule

Foi nos anos 40 que os dois se conheceram, entre um whisky e outro em rodas literárias do Café Vermelhinho. Niemeyer projetou os cenários da peça de Vinicius Orfeu da Conceição, em 1956. Vinicius escreveu sobre o arquiteto em um texto posteriormente publicado no livro Minha experiência em Brasília.

No tempo em que era diplomata, Vinicius conviveu com o poeta ao frequentar a casa do crítico de arte e escritor Aníbal Machado. Para ele, Vinicius compôs “Soneto a Pablo Neruda”, em 1957, para Vinicius, Neruda compôs “A Vinicius de Moraes”, em 1974.

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como fazer

Tutu com torresmo de ontem Baseado em receita publicada no livro Pois sou um bom cozinheiro - Receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes Ed. Companhia das Letras (2013)

_foto Acervo VM Digital

Por Jaciel Kaule

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Calabresa. Bacon. Torresmo. A farra do porco. Cebola. Alho. Pimenta-do-reino. Não é fácil comer como Vinicius, e não tanto pelo empenho que suas receitas pedem quanto pela intensidade de sua comida. O tutu com torresmo de ontem, em especial, é um prato com sabores fortes, bem fortes. Gosto desse tipo de receita. Fora fritar o torresmo, que costuma lançar muita gordura pra cima, não é tão complicado montar o prato, até porque a ideia aqui é juntar comidas já prontas. Mas a confusão que a receita pode causar na cozinaha deixa claro que é muito mais divertido fazê-la de madrugada com os amigos e um trago do que de qualquer outro jeito. Com feijão e torresmo prontos, piquei e fritei cebola, alho, bacon e linguiça calabresa. Tudo junto com um pouco de banha, claro, de porco. Feito isso, juntei o feijão, misturei a farinha de mandioca até ficar no ponto certo, coloquei um pouco de cheiro verde e pronto: estava ali uma panelinha bem nutritiva, gordurosa e saborosa. E, olha, ficou bem bom. Eu, tarado que sou por cortes defumados e etc, achei um grande tônico. Passível de dar azia, mas ótima injeção de adrenalina. Sozinho, picando e cozinhando tudo, fiquei imaginando como Vinicius se relacionava com esse prato. Talvez fosse só a comida “dos amigos”, feita pra reavivar os ânimos ébrios de Baden Powell, Toquinho e tantos outros. Ou então uma receita ligada a hábitos da infância ou juventude… Provavelmente era uma receita de coração, talvez ruim para as artérias, mas excelente em casal, como ele mesmo disse em “Para viver um grande amor”: “Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor…”.


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Os Afro-Sambas 50 anos depois A força desse disco atravessa a passagem do tempo e faz de Os Afro-Sambas um clássico contemporâneo. Convidamos gente que entende do assunto para falar do álbum cinco décadas depois de seu lançamento.

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“Os Afro-Sambas traz dentro da alegria quase nervosa com que Baden toca o violão e a doçura quase trágica com que canta Vinicius uma definitiva e atemporal, uma irresistível reverência à herança africana no Brasil, e os fazem os dois naturalmente, tocando a tragédia de sua forçosa presença através da originalidade dos versos e ritmos da origem, mas mostrando com alegria a força política dessa irresistível música que já sendo nossa, fala tão claramente a língua dos nossos ossos, das nossas carnes, das nossas mãos e pés alegres e calejados, naturalmente inclusiva na força dos nossos cantos brasileiros”.

RODRIGO AMARANTE

“É uma maravilha esse disco. Quando saiu, foi como se se abrisse uma nova realidade dentro da música brasileira. Baden, divino, foi arrastado por Vinicius para o mundo dos terreiros da Bahia, a parte mais africana do Brasil. E o resultado foi nova beleza para a nossa bossa”.

CAETANO VELOSO

“Os Afro-Sambas são como o sangue que corre nas nossas veias, que carregam memórias de lugares e povos, e se transformam em uma língua musical que nos toca profundamente em nossa essência. Balançou-me como o vento balança o mar. Soa como algo eterno pode soar, sem tempo, sem necessidade de contextualização. Mas agora que o vinil vai sair, terei a oportunidade de mergulhar nele, como um peixe voltando pra água”.

AVA ROCHA

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“Desde pequeno escutava algo, mas a gente nem sabia o que era, de tão forte que o som veio pro mundo quebrou muitas barreiras. Então, é todo mundo escutando e se identificando. Foi muito marcante cantar num momento de homenagem a Vinicius de Moraes, no Som Brasil [programa da TV Globo], foi louco demais esse dia. E caíram pra mim logo as músicas dele com Baden. Depois de quase 10 anos fui convidado a participar de um concerto musical de afro-sambas e pré afro-sambas, com a direção dos mestres Decio 7, do Bixiga 70, e do iluminado guitarrista Guilherme Held, vivendo ali toda a força que essas músicas proporcionam ao universo. Esse disco e esse período, essa entrega nos provam que a música realmente é um tanto de nossa alma e tudo o que ela carrega. Toca a alma. Tocou ontem, toca hoje e vai tocar sempre. Vinicius e Baden são presente e futuro”.

“Escutei esse disco pela primeira vez e já chapei! Não é difícil se deixar levar pelas canções cheias de sincretismo e romantismo… Os backing vocals do Quarteto em Cy reforçam as harmonias, e atestam a beleza desse clássico encontro de Baden e Vinicius. Importante e único. Infuencia ainda. Cada vez que escuto descubro algo novo. É um disco a frente da sua época. Essencial”.

JORGE DU PEIXE

CRIOLO

“Foi um primeiro contato com a linguagem do Baden Powell e que veio com o Vinicius também. Esse disco é um verdadeiro estudo musical, principalmente do violão, que é muito forte, além de toda a mistura criada pelo Baden. É um disco atemporal. Hoje em dia vemos muitas bandas contemporâneas revisitando tudo isso. Metá Metá por exemplo... Vejo muito de Kiko Dinucci ali. E essa linguagem da mistura, que é o Brasil, é o que temos de mais forte e o Baden fez isso com maestria nesse álbum”.

LINIKER E OS CARAMELOWS

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“Os Afro-Sambas foi importante para música popular brasileira, a música preta brasileira. A música brasileira bebe muito da cultura negra, da Bahia. Esse disco evidencia isso de um jeito popular, alcançando mais gente, e falando dos orixás. É um disco que me influenciou de uma forma abrangente, como um todo. É difícil falar apenas algo específico. Alguns discos que lancei, os críticos relacionavam com afro-sambas, me chamaram de ‘afro-Elza’. Acho que minha música caminhou junto com aquelas referências. Os Afro-Sambas continua aí, atual. Eu cantei ‘Canto de Ossanha’ na abertura dos Jogos Olímpicos, por exemplo. Que bom que é um disco que não foi esquecido. Acho que o meu A Mulher do Fim do Mundo tem um quê disso. São álbuns que transformaram uma estética”.

ELZA SOARES

“Conheci Os Afro-Sambas quando estava começando a assumir a música como prioridade e objetivo de vida. Eu tinha 16 anos e aquilo me tocava de uma forma tão intensa… Precisava ouvir algumas vezes na sequência pra constatar o que tinha acontecido com aqueles rapazes pra fazer algo tão genial! É bom ouvir coisas incríveis quando precisamos optar por algo tão difícil que é trabalhar com arte. Me sentia motivada, inspirada, me sentia viva e a fim! As letras continuam se aplicando no contexto atual… Os arranjos continuam tocando num ponto bem sensível da emoção, parece algo atemporal e talvez aí esteja um ponto forte da genialidade. Há anos atrás eles pensavam e sentiam o hoje e o amanhã”.

LARISSA LUZ

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A genealogia oculta dos afrosambas texto Ariel Fagundes foto Acervo VM Digital

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uma educação católica. Não por acaso, a primeira fase de sua obra poética, que acaba no poema “Ariana, a mulher” (1936), é frequentemente mística.

A genealogia oculta dos afro-sambas

[+1] Nascido na Bahia em 1924, Carlos Coqueijo Torreão da Costa foi compositor, maestro, jurista, jornalista, poeta, letrista, cronista, cantor e até mesmo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Também foi ele quem apresentou Vinicius de Moraes ao Quarteto Em Cy, em 1963. [+2] Publicada originalmente no Diário Carioca em 1965, “Meu parceiro Baden Powell” foi republicada em Vinicius de Moraes – Samba Falado (crônicas musicais), de Miguel Jost, Sérgio Cohn e Simone Campos (Org.). – Rio de Janeiro: Ed. Beco do Azougue, 2008. [+3] O Amor, o Sorriso e a Flor é o nome do segundo disco lançado por João Gilberto. O álbum saiu em 1960 pela Odeon. [+4] Washington Bruno da Silva, o Mestre Canjiquinha, foi um importante capoeirista que morreu em 1994. Ele participou de vários filmes como O Pagador de Promessas (1962), que foi premiado em Cannes, e Barravento (1962), o primeiro longa de Glauber Rocha.

“Se não me engano, a história começa com um disco que Carlos Coqueijo+1 apresentou pro Vinicius”, diz Miúcha revirando um baú de memórias em sua mente. Ela cresceu aprendendo a cantar e tocar violão com o poeta, amigo de longa data de seus pais, e lembra que Vinicius de Moraes disse em uma crônica+2 de 1965 que esse presente “foi a pedra de toque” que deu início à série de afro-sambas que compôs com Baden Powell. Diz-se que o tal disco seria Sambas de Roda e Candomblés da Bahia, de Mestre Bimba e Olga de Alaketu. Sem citar o nome do álbum, Vinicius escreveu na contracapa de Os Afro-Sambas que ouvi-lo era “uma das coisas que mais fascinava” Baden na época em que começaram a compor juntos, em 1962. Não há dúvida de que houve um álbum que inspirou a dupla, mas há também todo um contexto que levou Baden e Vinicius a fazerem a obra-prima de sua parceria. Basta lembrar que o mundo religioso não era novidade para o poeta nos anos 60. Aos 7, ele foi batizado na maçonaria e sua infância se deu em

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E foi unindo seu interesse pela mitologia grega ao desejo de registrar a dura realidade das favelas que ele escreveu a peça Orfeu da Conceição. Ao fazer a trilha desse espetáculo, Vinicius começou a trabalhar com Antonio Carlos Jobim, com quem, poucos anos depois, criaria os pilares da bossa nova. “Chega de Saudade”, parceria de Tom e Vinicius lançada em 1958, é considerada o grande marco desse movimento. Porém, a precisão cirúrgica do violão da bossa talvez não fosse tão apropriada para representar a atmosfera caótica e mágica que se sente nas periferias brasileiras, algo pelo qual Vinicius sentiase seduzido. Eis que a figura de Baden Powell surge como um raio na sua vida: - Na bossa nova, era tudo muito doce, muito suave. O amor, o sorriso e a flor+3 , essas coisas todas. Era o violão do João Gilberto, uma coisa muito mais harmônica. E o Baden era inteiramente selvagem. Era um violão rasgueado, muito forte, muito masculino - lembra Miúcha, que foi casada com João


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- Exigiam um violão com muitos acordes na bossa nova, João [Gilberto] fez aquele violão muito preciso, claro, cristalino, o violão do João é praticamente um tamborim. Ele até me disse uma vez: “Macala, não existe bossa nova, o que existe é o samba”. E o Baden é puro samba com tudo que existe dentro: surdo, cuíca, tamborim, a coisa toda. O Baden era uma pequena escola de samba. Vinicius conheceu Powell em 1962 e houve uma química incendiária no encontro. Baden disse em 1990 ao programa Ensaio, da TV Cultura, que já na segunda vez em que conversou com o poeta saíram as primeiras músicas: “Canção de Ninar” e “Sonho de Amor e Paz”. Na época, Vinicius morava com Lúcia Proença no luxuoso condomínio carioca do Parque Guinle e não demorou até chamar seu novo amigo para passar um tempinho com o casal. “Ele foi lá pra passar três dias e, quando viram, se passaram três meses”, explica Silvia Powell, esposa de Baden entre 1975 e 1997 e mãe dos seus filhos, o violonista Louis Marcel Powell e o pianista Phillipe Baden Powell. “Compúnhamos dia e noite, com muito uísque na cuca – mesmo porque quem era que ia pensar em comer?”, escreve Vinicius no já citado texto de 1965. Segundo Ruy Castro diz no livro Chega de Saudade - A história e as histórias da bossa nova (1990):

- O que eles beberam foi orgulhosamente calculado pelo próprio Vinícius: vinte caixas de uísque Haig, num total de 240 ampolas — ou 2,666 garrafas por dia. Parece muito, mas não seria uma quantidade absurda para dois bebedores sérios como Baden e Vinícius se, no começo, também não rolasse gim, o qual não foi contabilizado. “Samba em Prelúdio”, “Só por amor”, “Bom dia, amigo”, “Labareda” e “O Astronauta” foram algumas das primeiras músicas que eles fizeram, todas lançadas no disco Vinicius e Odete Lara (1963). Esse álbum da gravadora Elenco foi o primeiro registro em disco da dupla Powell/De Moraes e lançou também os clássicos “Samba da Benção” e “Berimbau”, tema que “só por ser demais conhecido não consta nesta série, embora a ela pertença”, como explica Vinicius na contracapa de Os Afro-Sambas. Mas antes desses dois sucessos, já haviam sido escritos “Canto de Pedra Preta” e “Canto de Iemanjá”, que podem ser considerados os primeiros afro-sambas compostos. Vinicius diz naquela mesma crônica que essas músicas foram feitas pouco antes de Baden passar um tempo em Salvador (provavelmente ainda em 1962). Essa foi uma viagem iniciática que mudou a vida e a obra de Baden e, consequentemente, os rumos da música popular brasileira. - Ele foi à Bahia porque queria saber o que era a capoeira e o que

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era o berimbau. Aí ele conheceu o Mestre Canjiquinha+4 , que vem da escola de Mestre Pastinha+5 , e o Canjiquinha o levou pra conhecer essas coisas - conta Silvia Powell. Chamado pelo toque do berimbau, Baden mergulhou no universo dos cultos afro-brasileiros. “Ele gostava muito de ir nas casas de candomblé”, lembra sua ex-esposa. Silvia explica que o contato com o candomblé baiano ecoou fundo em Baden, que se lembrava dos pontos cantados que ouvia quando criança. - Os pais dele tinham um amigo que se chamava Oscar Silva, que era de candomblé, freqüentava muito a casa deles e cantava essas coisas. Era um baiano, e ele lembrava disso - conta.

[+5] Vicente Joaquim Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, é uma das figuras mais importantes da história da capoeira. Difusor da capoeria angola, fundou a primeira escola de capoeira legalizada, o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), que ficava no Largo do Pelourinho, em Salvador. Canjiquinha não foi aluno de Pastinha, mas foi contra mestre da sua academia.

Ela diz ainda que Baden chegou a consultar um reconhecido babalorixá antes de compor seus primeiros afro-sambas: - Ele foi num pai de santo muito famoso chamado João da Gomeia+6 , que tinha uma casa de candomblé em [Duque de] Caxias (RJ) e incorporava o Caboclo Pedra Preta. Quando Baden quis fazer sua música [“Canto da Pedra Preta”], foi perguntar ao João da Gomeia se podia fazer essa homenagem revela Silvia. Na época, aos 25 anos, Baden já era dono de uma técnica erudita sólida, que trouxe dos tempos em que

[+6] Baiano, João da Gomeia ficou muito conhecido nos anos 1940, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Figura constante na mídia, chegou a ser chamado de “o maior babalorixá do Brasil”. Dizem que Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Dorival Caymmi e Cauby Peixoto eram algumas das personalidades que frequentavam seu terreiro.

_ foto Acervo VM Digital

Gilberto. Jards Macalé, que vivia na casa de Vinicius, concorda:


A genealogia oculta dos Afro-Sambas

[+7] Jayme Thomás Florence, apelidado Meira, foi professor de Baden Powell desde que ele tinha sete anos de idade. Através dele, Baden conheceu músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim. [+8] Ao longo dos anos, esse álbum foi relançado por muitas gravadoras com outros títulos, como Love Me With Guitars, El Maravilloso Sonido de Baden Powell, The Guitar Artistry of Baden Powell, e muitos outros.

estudou com o Meira+7 e, depois, na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. Mas o contato que teve na Bahia com a musicalidade dos cultos afro-brasileiros era o tempero que faltava para o violonista criar uma assinatura sonora inconfundível. Para Cynara Faria, uma das irmãs fundadoras do Quarteto Em Cy, isso fez de Baden “um momento único no Brasil”: “Depois dele, ninguém fez algo nem que chegue perto. É uma obra que tem um tema, você ouve as músicas e todas tem a ver uma com a outra. Parece uma suíte, é uma coisa incrível”, comenta.

temática do candomblé”.

Inflamado pelas possibilidades criativas que viu ao alcance de suas mãos, o violonista causou grande impacto em Vinicius quando voltou ao Rio. “Voltou a mil, inteiramente tomado pelos cantos e ritos dos orixás, e me explicava horas seguidas os fundamentos da mitologia afro-baiana”, escreveu o poeta naquele texto de 1965. Na contracapa de Os Afro-Sambas, Vinicius diz ainda: “Só sei que me deixei completamente envolver pela sábia magia do candomblé baiano e durante meses vivemos em contato com o seu grave e obscuro mundo”.

Então, ele foi para Paris, onde gravou Le Monde Musical de Baden Powell+8 (1964) e, no ano seguinte, o disco Billy Nencioli et Baden Powell. Entre 1963 e 64, Vinicius também morou lá, dividindo-se entre os papeis de diplomata e de artista popular. Em Paris, compôs com Baden músicas como “Velho Amigo” e “Tempo Feliz”. Nesse momento também foram feitas as fotos que seriam usadas na capa de Os Afro-Sambas. Seu autor foi Pedro de Moraes, o único filho homem de Vinicius e, hoje, seu filho vivo mais velho.

Em algum momento por volta de 1962 ou 1963, surgiram “Canto de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Lamento de Exu”, “Bocochê”, além de “Tristeza e Solidão” e “Tempo de Amor”. Essa última, conforme Vinicius escreveu no disco de 1966, é a faixa de Os Afro-Sambas “que menos se relaciona com o ritmo e a

Desde os 14 anos, Pedro registrava o ambiente artístico ao redor de seu pai: “Aconteceu de uma forma natural, eu amava meu pai e fotografei ele”, explica com simplicidade. “O Vinicius sempre me incentivou a ser fotógrafo. Ele gostava do meu trabalho”, conta. Acompanhando o pai, Pedro fez muitas fotos suas ao

Apesar de prontas, todas essas músicas ficaram guardadas por um bom tempo. No mesmo ano de Vinicius e Odete Lara (1963), a gravadora Elenco lançou também Baden Powell Swings With Jimmy Pratt, que abre com “Deve ser amor” (parceria de Baden e Vinicius) e À Vontade, disco solo de Baden que traz versões de “Berimbau”, “Consolação”, “O Astronauta” e “Conversa de Poeta”, todas com coautoria de Vinicius - até uma versão de “Garota de Ipanema” está nesse disco.

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lado de personalidades como Pixinguinha, Mário de Andrade, Chico Buarque e Dorival Caymmi. “Eu adorava o ambiente, não esqueço até hoje. Me tratavam feito um moleque! Um adorável moleque”, lembra. Segundo Pedro, a série de imagens usada na capa do disco de 1966 “foi feita no apartamento em Paris onde Lênin se exilou quando teve que fugir”. Aparentemente, Baden e Vinicius ficaram no mesmo imóvel em que o líder soviético morou por um alguns meses em 1908. Somente em 1964 Vinicius voltou a morar oficialmente no Brasil, com certeza influenciado pelo sucesso crescente de suas músicas. Ainda em 1963, o selo Copacabana lançou o disco Elizete Interpreta Vinícius, de Elizeth Cardoso, que trazia parcerias suas com Baden, como “Consolação”, “Valsa Sem Nome”, “Canção do Amor Ausente” e “Mulher Carioca”. Em 1965, a versão de Elis Regina de “Arrastão”, parceria de Vinicius e Edu Lobo, foi eleita a melhor música do I Festival Nacional de Música Popular Brasileira da TV Excelsior. E, no mesmo ano, saiu Vinicius e Caymmi no Zum Zum, gravado ao vivo com coro do Quarteto Em Cy. - Esse show ia ser só do [Dorival] Caymmi com o Quarteto Em Cy, mas aí o Vinicius tinha chegado de viagem e falou: “Ah não, eu quero entrar”. Ele exigiu isso ao Aloysio de Oliveira [dono da gravadora Elenco] - conta Cynara Faria.


_ foto Acervo pessoal / Silvia Powell

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Manuscrito de Baden Powell escrito na dĂŠcada de 1960

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- O que antecedeu a gravação de Os Afro-Sambas foi o encontro do Roberto com o Vinicius e o Baden. Eles ficaram entusiasmados com a possibilidade de gravar essas músicas de candomblé. Eles tinham esse material todo guardado e, quando mostraram pra gente, ficamos encantados! Pô, isso aí era tudo que nós queríamos lembra Wadi Gebara. Ele conta que, desde a primeira reunião com Roberto até a gravação do disco, feita no início de 1966, passaram-se apenas algumas semanas. Cynara Faria, que gravou Os Afro-Sambas junto ao Quarteto Em Cy, lembra que realmente não houve muita preparação para o álbum: “Era tudo muito improvisado, a gente contava com os talentos. O Baden morava perto de mim e a gente ia pra casa dele ensaiar, mas a coisa toda foi feita no estúdio”. Alfredo Bessa

Ou seja, entre 1962 e 65, tanto Baden quanto Vinicius estiveram bem ocupados e muitas de suas músicas foram lançadas. Porém, ainda não havia surgido a chance de lançar aquela série de sambas ligados aos orixás. Isso só aconteceu quando Roberto Quartin conheceu a dupla. Na ocasião, Quartin e seu sócio, Wadi Gebara+9, lutavam para manter ativa a gravadora Forma, uma iniciativa independente criada em 1964 com a proposta de lançar o que havia de melhor na música brasileira de então.

Durante os dias 3, 4, 5 e 6 de janeiro, o estúdio carioca Rio Som, que ficava na Rua do Senado, abrigou uma verdadeira festa organizada por Vinicius, Baden e Roberto Quartin. - Ah, todo mundo bebia. O Vinicius primou pela festa, quis que esse disco fosse como uma sala de estar, com todo mundo cantando, com barulho. O que ele fez? Chamou a gente, o conjunto que tocou, que era a turma que o Baden escolheu, e chamou os amigos dele - conta a cantora do Quarteto Em Cy. É bom frisar que os amigos não precisavam ser cantores. Participaram

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do que Vinicius chamou de “coro da amizade” a atriz Betty Faria, Eliana Sabino (filha do escritor Fernando Sabino), Teresa Drummond e Nelita (companheiras de Baden e Vinicius na época), a cantora Dulce Nunes, o Dr. Cesar Augusto Parga Rodrigues (um psiquiatra) e Otto Gonçalves Filho, um amigo conhecido pelo apelido de Gaúcho, que também era músico. - A gente não levava muito a sério essa turma porque sabíamos que eles estavam ali por uma curtição do Vinicius e do Baden. Não eram cantores, eram amigos que gostavam de cantar e que faziam o papel que o Vinicius queria, essa coisa de festa mesmo - diz Cynara. Vale lembrar que o tal Gaúcho teve um papel importante por ter sido quem apresentou Baden Powell ao percussionista Alfredo Bessa, que gravou atabaques em Os AfroSambas e, depois, acompanhou o Baden em diversos discos e turnês ao redor do mundo por décadas. Quando foi convidado para o disco da Forma, Bessa trabalhava em uma farmácia ganhando um salário mínimo, como ele conta: - O Gaúcho me chamou: “Alfredo! O Baden tá procurando um batedor de tambor, acho que você é o cara que sabe fazer esse negócio todo aí”. Marquei com eles no dia seguinte, levei meu atabaque e comecei a tocar. Eles já começaram o “Canto de Xangô” e outras coisas mais. Na semana seguinte, recebi


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Alfredo não foi convidado à toa, a questão é que ele já tocava atabaque em cultos de candomblé. “Eles sabiam que eu tinha começado a tocar numa macumba no Vidigal. Aí preenchi os requisitos que estavam querendo no disco”, explica. “Eu tinha uns tambores muito primitivos, mas deu som! Fluiu”, diz Alfredo com a humildade dos grandes. Hoje, aos 82 anos e morando em Oslo, na Noruega, ele se orgulha em dizer que é “o precursor do berimbau no palco”, instrumento que levou para os shows de Baden Powell. Além de Alfredo, a ficha técnica de Os Afro-Sambas cita ainda outros seis percussionistas (que tocaram afoxé, agogô, bongô, bateria e pandeiro). Havia também um flautista, um baixista, dois saxofonistas, Baden no violão, Vinicius, o Quarteto Em Cy e o tal “coro da amizade” nos vocais e, regendo tudo, o maestro Guerra Peixe. Imagine a cena: dezenas de pessoas se acotovelando em um estúdio pequeno, que só gravava em mono usando dois canais. Foi assim que o disco foi feito: “Naquela época era isso, dois canais. Ia todo mundo como se fosse ao vivo! Gravava e, se não dava certo, gravava tudo de novo”, conta Cynara. Apesar de tanta gente envolvida, Wadi Gebara lembra que Os Afro-Sambas “foi um disco barato” para a Forma. O design da capa, por exemplo, foi feito de graça por Goebel Weyne, que fez um acordo com Roberto Quartin. “O que custou foi o estúdio e alguns músicos profissionais”, conta Wadi. Agora, se o disco não custou tanto, também não trouxe lucro na época. Segundo Wadi, o álbum vendeu poucas cópias em 1966 e os autores das músicas não ganharam quase nada: - O Baden e o Vinicius entraram no risco. Do que vendesse, eles receberiam o percentual deles, que não

era alto, era na base de 5% das vendas. O que eles ganharam foi uma insignificância. Wadi, porém, faz uma ressalva importante: “O fato de não ter vendido não é culpa nossa, e sim do tipo de música que fizemos”. Cynara Faria concorda: “[O disco] não é nada comercial! As músicas são muito difíceis de cantar”. “É um disco muito especial quanto a sua criatividade, sua origem, sua brasilidade. Mas não é comercial”, completa Wadi. Na verdade, o disco já nasceu anti-comercial, o próprio Vinicius avisa isso na sua contracapa: - Quanto Roberto Quartin nos procurou, interessado em gravar esta série, combinamos com o jovem e talentoso produtor que o disco seria feito com um máximo de liberdade criadora e um mínimo de interesse comercial. Não nos interessava fazer um disco “bem feito” do ponto de vista artesanal, mas sim espontâneo, buscando uma transmissão simples do queriam nossos sambas dizer. Gravaríamos, inclusive, faixas mais longas do que gostam os homens de rádio e, conseqüentemente, a maior parte dos nossos intérpretes. Cá entre nós, que bom que foi assim, né? Afinal, a cultura brasileira sofreria uma perda irreparável caso alguém quisesse, por exemplo, cortar os seis minutos e meio de “Canto de Xangô”. No entanto, segundo Cynara Faria, isso jamais aconteceria: - Em um disco gravado por Vinicius e Baden ninguém interfere. Ninguém! Baden era um louco, não deixava ninguém mudar uma nota. O Baden tinha uma coisa forte nele, de candomblé, uma coisa negroide. O Vinicius não tinha nada a ver, era um branquelo de Botafogo, mas pegou essa influência e desenvolveu isso lindamente. Por ser um grande poeta, ele soube captar esse momento do Baden. Isso que eu acho a genialidade do Vinicius. Um cara que faz poesia como ele, “Chega de Saudade”, “Eu sei que vou te amar”, depois faz Os AfroSambas, poxa. Que coisa incrível. Que manancial, né? Vinicius não existe.

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[+9] Leia uma entrevista com Wadi Gebara na página 10 do lado A.

_ foto Chris Preker - Presse + Studio / Acervo Baden Powell / Acervo Moreira Salles

o pagamento [para gravar Os Afro-Sambas] e era cinco vezes mais do que eu ganhava no meu trabalho. Aí larguei tudo: “Eu vou tocar tambor”! E tô nessa vida até hoje.


O Som da Devoção

texto Bruno Cobalchini Mattos arte Rafael Rocha


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O Som da Devoção

Vim de bem longe, eu nem sei mais de onde é que eu vim “É esta, sem dúvida, a nova música brasileira e a última resposta que dá o Brasil – esmagadora – à mediocridade musical em que se atola o mundo.” Assim Vinicius de Moraes definiu, em momento de escassa humildade e farta lucidez, a inovação que representavam Os Afro-Sambas que compôs ao lado de Baden Powell. Naquele mesmo texto de apresentação, publicado originalmente na contracapa do disco de 1966, o poeta apontou o que ele e o parceiro acreditavam realizar: “Um novo sincretismo: carioquizar, dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro-brasileiro, dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal”. Olhando em retrospecto, talvez tenha sido essa a

mais importante contribuição desse que é um dos álbuns mais importantes da música brasileira: incorporar a estética religiosa dentro de um projeto de cultura popular. Não que elementos das religiões de matriz africana fossem algo inédito; o carioca J.B de Carvalho, por exemplo, já gravava cantigas de umbanda desde a era dos discos de 78 rotações. Sambas que citavam elementos religiosos como “Pisei num despacho”, de Geraldo Pereira, também integravam o repertório de intérpretes pelo menos desde a década de 1940. No entanto, antes d’Os Afro-Sambas, canções dessa natureza pareciam se dividir em dois grupos: música de nicho, voltada para devotos (que perdura até hoje especialmente no fenômeno do gospel), ou referências soltas sem impacto estético de maior implicação. Vinicius e Baden inovaram ao criar

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uma música voltada para o público em geral, mas concebida a partir de uma estética religiosa específica – algo que se reflete nas escolhas de instrumentos, na atmosfera sonora e na própria estrutura das canções. A partir dali, ficaria aberto o caminho para que álbuns ligados à religiosidade e à espiritualidade atingissem o mainstream. Casos de sucesso como o de Noriel Vilela, que em 1968 lançou Eis o “Ôme” – um disco de samba moderno com influência caribenha, totalmente voltado para elementos da umbanda – tornaram-se cada vez mais comuns. Um exemplo especialmente emblemático é o da banda Os Tincoãs que, após ter gravado apenas boleros durante a década anterior, abraçou a temática religiosa em suas letras em seu álbum homônimo de 1973, passando a gozar de maior popularidade.


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O que está embaixo é como o que está no alto Mais do que representar um marco fundador na música popular brasileira, ao trazer a religião e a espiritualidade para o primeiro plano da cultura popular, Os Afro-Sambas antecipou uma tendência internacional que afloraria a par tir da virada para a década de 1970. No livro A Tábua de Esmeralda, uma coletânea de ensaios sobre o disco de Jorge Ben do qual empresta o nome, o crítico musical Paulo da Costa e Silva ressalta que, naquele período, tanto no Brasil quanto no resto do mundo “uma parcela da juventude exaltava a liberdade individual e a diversidade dos modos”. No caso específico do Brasil, tratava-se de uma reação ao regime político ditatorial, que buscava uniformizar a conduta dos

cidadãos a par tir de uma base moral cristã. Já no âmbito global, o processo ecoava a agenda das manifestações de maio de 1968, que buscava alternativas à sociedade baseada no capitalismo racionalista. O resgate de valores humanistas característicos da Renascença levou a uma maior tolerância da diversidade, da ambiguidade e da incerteza. Nesse contexto, misticismos dos mais variados tipos passaram a ser vistos com bons olhos. O próprio interesse pelo orientalismo, que também deixaria suas marcas na música daqui, era um reflexo dessa valorização das diferenças. Não é à toa que Costa e Silva constrói esse resgate histórico justamente ao falar de A Tábua de Esmeralda. Nenhum outro álbum brasileiro parece tão representativo da mentalidade do período quanto essa obra-prima lançada

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em 1974. O título do disco remete a um texto atribuído à figura de Hermes Trismegisto que serviu de base à alquimia, prática cujas origens remontam à Antiguidade e que combina elementos da química, da astrologia e da filosofia. Dentro de seus objetivos estavam a transformação de metais em ouro e a criação da vida humana. Nas doze faixas que compõem o álbum, Jorge resgata personagens emblemáticos da alquimia (o já citado Hermes e Paracelso, em “O Homem da Gravata Florida”), transcreve seu texto fundador (contido praticamente na íntegra na faixa “Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda”) e investiga elementos de seu imaginário. Em seu livro, Paulo da Costa e Silva sugere que A Tábua de Esmeralda acabou servindo ele próprio como um processo alquímico.


A década de 1970 foi o período de maior influência da

A Beleza do Mundo

espiritualidade sobre a música popular no Brasil. Ocultismo, cultos medievais, seitas obscuras, tradições incas, mitologia tupiguarani – tudo parece ter vindo à tona ao mesmo tempo.

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“O álbum é uma espécie de retrato em sfumatto da musicalidade mirabolante de Jorge Ben”, escreve. “Com isso, alcançou um dos grandes objetivos da alquimia: o elixir da longa vida, a panaceia universal capaz de manter eternamente a vitalidade, vencendo a velhice e a mor te”. Me restou a curtição Jorge Ben voltaria a abordar elementos místicos de diferentes origens em trabalhos posteriores. Talvez sua curiosidade pela espiritualidade se devesse ao fato de que frequentara um seminário católico durante a juventude, talvez fosse apenas de uma coincidência; o fato é que suas canções posteriores perpassaram diferentes doutrinas, sempre com um olhar mais de espectador do que de devoto. São obras de um curioso, de um estudioso, mas não de um pregador – e nisso a sua abordagem parece seguir a linhagem inaugurada pelos afro-sambas. Muitos trilharam um caminho semelhante, moldando sua estética a par tir de elementos espirituais os mais diversos. O lendário Paêbirú, de Zé Ramalho e Lula Côr tes, fler tou com a mitologia e a espiritualidade dos povos pré-colombianos, bem como o obscuro A Frauta de Pã, de Carlos Walker, que também trouxe à tona um interesse pela astrologia. Raul Seixas, por sua vez, gravou Gita (1974) e Novo Aeon (1975), ambos influenciados pela obra do ocultista Aleister Crowley, ao qual foi apresentado pelo parceiro de composições Paulo Coelho. Ninguém, no entanto, parece ter mergulhado tão de cabeça em sua espiritualidade quanto Tim Maia. Conver tido à Cultura Racional, uma seita originada na umbanda, Tim largou sua rotina autodestrutiva para estudar a doutrina. Em termos gerais, ela afirma que a humanidade vem de um planeta distante e perfeito, mas vive na Terra de forma degradante. A redenção para uma vida superior se daria através da imunização racional, atingida através do estudo do livro Universo em Desencanto – um velho conhecido de qualquer um que tenha escutado algum dos dois volumes de Tim Maia Racional.

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Esses álbuns versavam exclusivamente sobre o universo doutrinário da seita Racional, e causaram o rompimento do cantor com a gravadora RCA Victor, que não viu potencial comercial naquela história. Tim não desanimou: comprou os direitos dos dois volumes, que lançou de forma independente, e passou a vendê-los em feiras, shows e até mesmo em semáforos. Apesar de seus esforços e da qualidade musical, as vendas foram ruins e os discos passaram despercebidos para a maior par te do público. Tim se desligou da Cultura Racional pouco após o lançamento do segundo volume. Passada mais de uma década, ele afirmaria em entrevista ao apresentador Jô Soares que sua “fase mística” seria “a maior furada de todas as furadas”. Todos estão surdos Não é exagero afirmar que a década de 1970 foi o período de maior influência da espiritualidade sobre a música popular no Brasil. Ocultismo, cultos medievais, seitas obscuras, tradições incas, mitologia tupi-guarani – tudo parece ter vindo à tona ao mesmo tempo. O que chama a atenção nesse cenário é a ausência de referências ao catolicismo, sendo o Brasil a maior nação católica do mundo. Mas será que chama a atenção? Há, de fato, uma ausência? A questão é mais complexa do que parece em um primeiro momento. Na verdade, elementos do cristianismo já estavam presentes na música brasileira bem antes daquilo, e continuaram durante o período. Para ficar em um caso explícito, o Quinteto Violado lançou um álbum inteiro com estrutura litúrgica – A Missa do Vaqueiro (1976), inspirado por ideias de Luiz Gonzaga. Rober to Carlos, o mais popular de todos os cantores brasileiros, compôs músicas como “Nossa Senhora” e “Jesus Cristo”, que passaram a ser cantadas em missas em todo o país. No entanto, historicamente, esse tipo de canção não é encarado como “boa música” pela crítica, caindo quase sempre no saco de gato do “brega”. Para explicar isso, a antropóloga e pesquisadora musical Nicole Reis evoca um argumento desenvolvido pelo historiador e escritor Paulo César de Araújo. Ele propõe


que, para ser valorizado no Brasil, um movimento musical precisa se encaixar em uma de duas ver tentes: a tradição (o que era considerado brasileiro até os anos 1950) ou a modernidade (bossa nova e seus derivados, sobretudo o tropicalismo). “Mas tem toda uma gama de estilos que sempre ficou fora disso”, aponta Nicole, “e ‘por acaso’ são os estilos de maior apelo popular”. A música oriunda das religiões afro-brasileiras se encaixaria melhor nas ver tentes de tradição e modernidade, tanto pela temática quanto pelo ritmo, enquanto aquelas influenciadas pela estética cristã, com temas e formas mais naturalizados pela população em geral, sempre teve mais dificuldade para ter seu valor ar tístico reconhecido.

O Som da Devoção

Atinge o apogeu quando o sangue esquenta A música de influência cristã jamais deixou de estar presente nas rádios populares, mas o interesse por outras formas de espiritualidade caiu a par tir dos anos 1980. Exceções seriam referências ao ocultismo em letras de metal e à cultura rastafari pelas bandas de reggae; mas, nesses casos, a influência muitas vezes se restringe a uma convenção do gênero, passando longe de uma busca espiritual. Desde o início dos anos 2010, no entanto, a música brasileira parece vivenciar um renovado interesse pela umbanda e pelo candomblé. Diversas bandas e ar tistas atuais incorporam elementos musicais dessas religiões em seu trabalho: é possível elencar nomes tão diversos quanto Bixiga 70, Rita Ribeiro e Karol Conka. No entanto, ninguém parece fazê-lo de forma tão visceral quanto o trio paulistano Metá Metá, que tem o universo dos orixás e os instrumentos típicos da umbanda e do candomblé como uma constante de seus trabalhos. A estética religiosa perpassa todos os seus álbuns, muito embora essa concepção não estivesse presente na origem da banda, como aponta o saxofonista Thiago França, que integra a formação do conjunto ao lado da cantora Juçara Marçal e do violonista Kiko Dinucci. “Em nenhum momento a gente fez uma reunião, isso não foi combinado nem discutido de nenhuma maneira. Simplesmente rolou”.

Da escolha dos instrumentos à construção dos arranjos, a espiritualidade perpassa todo o processo de criação da banda. “Se fazemos uma música sobre Xangô, montamos uma composição que reflita traços característicos de Xangô”, elucida França, que cita como exemplo a canção “Obatalá”. “É uma música grande, lenta, com bastante respiração, e aquilo já é em si uma descrição do orixá, que é um orixá muito antigo, que fala lento, tem um outro ritmo”, diz França. Nesse sentido, a sonoridade resgata a mesma tendência inaugurada por Os Afro-sambas. Engana-se, contudo, quem acha que aí há algo de saudosista; o Metá Metá é apontado por críticos dentro e fora do Brasil como um dos mais impor tantes conjuntos de vanguarda da atualidade. Sua abordagem estética não tem nada de passadista. Pelo contrário; França atribui seu envolvimento com o grupo a um desconfor to com o engessamento presente nos gêneros que tocava até então, como o samba e o choro, enquanto no trio ele encontrou um ambiente que o permite buscar algo novo. Essa liberdade ao tocar também deriva da influência religiosa: é, em par te, uma recriação da maneira como os devotos tocam no terreiro, conforme explica França. “O som lá é um caos. Ninguém pensa em escalas, é tudo muito intuitivo. Meio que dá uma embolada, dá uma bagunçada, mas vai que vai”. O mais interessante no caso do Metá Metá é sua aceitação no exterior: durante o último mês de setembro, pessoas que jamais passaram per to de um terreiro lotaram suas apresentações em algumas das principais cidades europeias. Pode parecer contra intuitivo, mas uma análise mais cuidadosa nos lembrará que não é preciso ser alquimista para cur tir o som de Jorge Ben, tampouco se conver ter à Cultura Racional para escutar aqueles que são talvez os melhores álbuns de Tim Maia. Passados cinquenta anos desde seu lançamento, este parece ser o grande legado dos Afro-Sambas de Baden e Vinícius: permitir aos músicos que busquem em sua espiritualidade um som capaz de ressoar no espírito do público, seja qual for a sua crença.

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pensa em escalas, é tudo muito intuitivo. Meio que dá uma embolada, mas vai que vai”, diz Thiago França, do Metá Metá, sobre a inspiração que vem da música dos terreiros.

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_ por Russo Passapusso _ fotos por Rafael Souza

“O som lá é um caos. Ninguém


A Beleza do Mundo

Por Russo Passapusso

No reino do mar, nos resta amar com o sentimento forte limpo de justiça, onde nasce o feto perfeito feito das águas que desembocam num arco íris pintado em nossos olhos. O hálito da boca sai de uma espuma branco-transparente dos olhos, justiça do azul reluzente. Traduz vibração em paz e harmonia e com 7 saias protege seus filhos. 12


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A beleza - esta na prioridade que abençoa a família -, a identidade e a fé que o guia, em todo lugar que passa

lembra a Bahia. No espelho d’água, um pretexto para os olhos que refletem você, quando encontrou as fotos e se viu pela primeira vez lendo essas palavras.

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_ fotos Rafael Souza

encontra um espaço que o


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A Beleza do Mundo


_ texto Russo Passapusso _ fotos Rafael Souza

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- Todo mundo tem que amar um dia, todo mundo tem no mar um guia! - O fundo da alma recorda, saiba que o mar respinga no céu quando acorda!

Espumas do mar cantando na areia para as nuvens do céu Deixem o sol iluminar a sereia.

A Beleza do Mundo

Deixem o sol iluminar a sereia Como é lindo o canto de Iemanjá

É com a força do amor e o doce canto da justiça de quem não tolera mentiras, que Iemanjá mostra a seus filhos o tesouro do mar. Está na força do amor e na sabedoria de vida. No equilíbrio de quem chora sorrindo, mesmo na hora da partida Bela é a tristeza que encontra a esperança única que não precisa ser dividida, que não tem culpa, que não tem rancor.

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Pisando na areia, escreveu seu nome nela e ouviu os astros juntos em coro, - Alegria, alegria! Presentes e lembranças das terras nativas enchendo pulmão do sol, respirando vida

afastando as energias negativas.

Pisando na areia. ouviu o canto do mar: - Iemanjá, Iemanjá! E encontrou o doce consolo da gente do Gantois. O doce consolo da gente: Mãe Nossa Menininha do Gantois.

E no Rio Vermelho com o pé enterrado na areia, olhou para o mar e não viu rosto refletido nas águas - Temos que amar, somos feitos de água! - Temos um mar, não somos feitos de mágoa! Ouviu...num som profundo cantando com voz de Sereia.

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_texto Russo Passapusso _ fotos Rafael Souza

observou a correnteza quebrar correntes,


Bandas que você

não conhece mas

deveria

H ö röyá g r u p o h o r o y a.c o m

Nossa, quanta gente. Quem é esse pessoal? Esses 12 formam o Höröyá, um dos grupos mais incríveis de música afro-brasileira e instrumental da atualidade - e entenda esse “afro-brasileira” da forma mais literal possível, já que a banda une integrantes (e a música) do Brasil e da África Ocidental.

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E, com isso, eu devo imaginar “afrobeat”? Muito mais do que isso. Fela Kuti está na alma dos caras, mas o caldeirão de influências vai além, passando pelas culturas tradicionais de países do oeste africano, como Guiné, Mali e Senegal, mesclando com samba, toques de candomblé, funk e jazz. Tudo que é “afro” em comunhão com a nossa música.


E quem está por trás disso? O grande idealizador é André Ricardo, que estuda essas culturas há um bom tempo. Ele já tocou com mestres africanos como Famoudou Konaté e Bolokada Conde, tem grande vivência em escolas e rodas de samba e foi o responsável por unir todas essas pessoas, além de tocar muita coisa na banda: dununs, djembe, ngoni, balafon, cuíca, berimbau...

Tudo isso aí é instrumento musical? Sim! São instrumentos africanos tradicionais que compõem o som da banda, e ainda tem muitos outros, além de guitarras, baixo, saxofones, trombones e trompete. A conexão com a tradição africana, aliás, acaba mostrando a forte ligação entre o som daqui e de lá - como o próprio grupo comenta, “um léxico musical comum entre

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os dois lados do Atlântico que nem a brutalidade de séculos de escravidão conseguiu obliterar.” Onde eu começo a ouvir isso tudo? Até agora, eles só lançaram o álbum de estreia Höröyá - termo que também dá nome à banda e, na língua malinke, condensa ideias como liberdade, dignidade e independência. São 50 minu-

tos e 9 faixas dessa viagem instrumental entre o afrobeat, o funk, o samba e os instrumentos tradicionais, em que os poucos cantos e falas expressam grande consciência sobre a realidade negra. Uma audição indispensável para quem gosta do estilo.

_ texto Leonardo Baldessarelli _foto Lucas Mandacaru

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Desde que ganhou seu primeiro violão, em 1944, até dar seu último suspiro, em 2000, Baden Powell manteve sua vida entregue às seis cordas. Por mais que prezasse a companhia de todos ao seu redor, ninguém chegou perto de passar tanto tempo ao seu lado quanto os seus instrumentos. Baden Powell e seu violão eram um só, como você pode ver abaixo.

Baden tinha uns 7 anos quando sua tia ganhou um violão em uma rifa. Como não tocava, ela o deixou preso na parede. Um dia, Baden não se conteve, roubou o instrumento e o escondeu embaixo da sua cama. Quando seus pais descobriram, não lhe deram um castigo, deram o violão. Aos 8, começou a fazer aulas de música. A criança mal alcançava as casas do violão, mas estudava tanto, mas tanto, que evoluiu de forma sobre-humana. Aos 11, já se apresentava em público e era chamado para acompanhar artistas famosíssimos como Ciro Monteiro. Na adolescência, foi convidado para tocar em um evento na presença do presidente do Brasil Eurico Gaspar Dutra. Ele perdeu uma prova de português para ir e, mesmo assim, a professora lhe deu 10 no teste.

Quando começou a dar entrevistas, era tão tímido que respondia tocando o violão. No famoso programa Lira de Xopotó, da Rádio Nacional, o locutor perguntou: “Você é de onde?”, e ele tocou “Cidade Maravilhosa”. “Você torce pra que time?”, e ele tocou o hino do Flamengo.

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Desde 1959, quando lançou seu 1º disco, até 1971, ele teve apenas um violão (um DiGiorgio Author 3 feito pelo luthier Reinaldo DiGiorgio). Na época, Baden dizia que quem tinha muitos violões era “bígamo de instrumento”.

Baden costumava receber visitas em casa, mas nem sempre dava pra conversar com ele. Às vezes, ele tocava horas a fio sem abrir a boca até que a visita cansasse e fosse embora.

Não importa o que acontecesse, ele passava de 8 a 12 horas tocando. Todo. Santo. Dia.

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_texto Ariel Fagundes _ilustração Jaciel Kaule

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Quando recebemos a ligação da Maria de Moraes para saber se gostaríamos de lançar algum disco do Vinicius via Noize Record Club, ficamos agraciados. Falávamos de um artista que transcende representa a alma sonora do nosso país.

#70 // Ano 11

expediente

a história da música brasileira e

A escolha de Os Afro-Sambas celebra os 50 anos deste encontro do poeta com o violonista Baden Powell - ou “Sebastian Baden Powel”, “esse duende da floresta afro-brasileira de sons”, como diria Vinicius - a união do Brasil com a

NOIZE COMUNICAÇÃO Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha Gerente Financeiro Pedro Pares Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha Diretor de Arte Jaciel Kaule Diretor de Arte Jr. Isabela Nunes Daudt Lucas Ribeiro Produção Francine Mello Nicole Fochessato Vídeo Ádamo Ovalhe Denis Carrion Giovanni Ceconello Mateus Roese Pedro Krum Shandler Franco Foto Mell Helade

REVISTA / SITE / RECORD CLUB Editora Marília Feix Repórter Ariel Fagundes

NOIZE FUZZ

África, do Rio com a Bahia, do popular

Editores Leonardo Baldessarelli

com o erudito, da precisão com a emoção.

Coordenação de Projetos Carolina Cottens Pedro Weber Bruna Christo

Para falar da dupla que rompeu com a

Redação Bernard Bergmann Daniela Barbosa Jennifer Baptista Jhonathan Rath Marta Karrer Pedro Heps Rodrigo Laux Tássia Costa Victória Favero Planejamento Bernardo Costa Carolina Santos Dionisio Urbim Julia Brito Juliano Mosena Mídia Débora Duarte Community Manager Amanda de Abreu Vitoria Comarin

previsibilidade estética de seu tempo, tivemos a colaboração de um “coro da amizade”, formado por Alfredo Bessa, Ava Rocha, Caetano Veloso, Criolo, Cynara Faria, Elza Soares, Larissa Luz, Jards Macalé, Marcel Powell, Miúcha, Jorge Du Peixe, Liniker e Os Caramelows, Pedro de Moraes, Rodrigo Amarante, Russo Passapusso, Silvia Powell e Wadi Gebara. Agradecemos à Universal Music, VM Cultural e às famílias Moraes e Powell por tornarem tudo possível.

GRITO Gerente de Planejamento Marcel Maineri

Marília Feix Fotos de capa:

Coordenação de Projetos Carolina Farias

Baden Powell: José Maria de Mello / Acervo Baden Powell / Acervo Instituto Moreira Salles.

Redação André Sevante Carina Schröder Jéssica Teles Joana Barboza

Vinicius de Moraes: Acervo VM Digital

Planejamento Lucas Regio

NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn

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colaboradores

noize.com.br

Miguel Jost Professor do Departamento de Letras da PUC-Rio e pesquisador musical.

Wadi Gebara

Organizou e assinou o prefácio

Sócio de Roberto Quartin na

do livro Samba Falado –

gravadora Forma, que lançou

Crônicas musicais de Vinicius

dezenas de discos históricos

de Moraes.

como Os Afro-Sambas, o

Cynara Faria

Coisas, do Moacir Santos, e

Cantora e compositora,

a trilha de Deus e o Diabo na

Terra do Sol.

fundou o Quarteto Em Cy ao lado de suas irmãs Cyva, Cybele e Cylene. “As

Russo Passapusso

baianinhas”, como Vinicius de Moraes chamava,

Baiano de Feira de Santana, é

conheceram o poeta em

músico, compositor e vocalista

1963 e cantaram com ele por

do BaianaSystem. Seu disco

Bruno Cobalchini Mattos

solo de estreia, Paraíso da

Miragem, saiu em 2014.

muitos anos.

Jornalista, tradutor e colecionador de LPs de música brasileira. Nascido em Porto

Leonardo Baldessarelli

Alegre, exilado em Foz do Iguaçu.

Jornalista, publicitário, músico, curador de playlists, vigilante da vida alheia, adversário feroz do ritmo rock. Principais

Rafael Souza

interesses: Elliott Smith, Swans e GALO DE KALSA-2

Nascido há 34 anos em

HORAS (teclado lindinho 2009).

Mogi das Cruzes (SP) e, há 12, morando em Salvador. Designer gráfico, trabalha desenvolvendo produtos na indústria automobilística.

Marcel Powell

Dedica seu tempo livre

Segundo filho de Baden, o

à fotografia documental

virtuoso violonista tem sete

registrando o cotidiano, as

álbuns lançados e uma carreira

manifestações populares e

relevante na escola violonística

as cenas alternativas das

da MPB.

cidades.

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