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A décima edição do NOIZE Record Club chega pra trazer um pouco de esperança e ironia ao seu coração. Lá Vem a Morte é
#74 // Ano 11
expediente
a evidência de que podemos
Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha
Coordenação de Projetos Jordana Monteiro Júlia D’Ávila Júlia Ferreira Pedro Webber Thaís Martins
Gerente Financeiro Pedro Pares
Atendimento Interno Ingrid Mônaco
Gerente de Planejamento Cássio Konzen
Redação Camila Oliveira Daniela Barbosa Guilherme Flores Marta Karrer Rodrigo Laux Tássia Costa Victória Favero Vinícius Marçal
NOIZE COMUNICAÇÃO
Diretor de Criação Rafael Rocha Diretor de Arte Guilherme Borges Diretor de Arte Jr. Jade Teixeira Lucas Abreu Produção Marcelo de Bacco Nicole Fochesatto Vídeo Bernardo Winck Denis Carrion Jonas Costa Maurício Canterle Pedro Krum Shandler Franco
sempre tirar o melhor das mazelas da vida e rir na cara do infortúnio. Foi assim, em meio a perrengues, que o Boogarins realizou seu terceiro e elogiado álbum de estúdio, trazendo sonoridades e composições que contrastam a ambivalência da essência
Planejamento Bernardo Costa Carolina Santos Eric Souza Felipe Lederhos Julia Brito Juliano Mosena Mickael Prass
humana, ora decadente, ora elevada. Não há quem fique imune à
Mídia Aline Oelrich Kathiry Veiga
naturalidade fluída e às
Community Manager Maurício Teixeira
“Onda Negra”, “Polução
texturas delirantes de Noturna”, “Foi Mal”,
Foto Mell Helade
GRITO
Novos Negócios Leandro F. Gonçalves
Gerente de Planejamento Marcel Maineri
REVISTA / SITE / RECORD CLUB
Coordenação de Projetos Carolina Farias
Coordenador de Projeto Thiago Piccoli
Assistente de Projetos Helena de Oliveira
às três partes de “Lá Vem A Morte” e suas verdades ditas em baladinhas doces.
Editora Marília Feix
Planejamento Lucas Regio Matheus Barbosa
Deixemos que o disco mais
Coeditor Ariel Fagundes Community Manager Kelvin Furtado
Redação Camila Benvegnú Jéssica Teles Pedro Veloso
NOIZE FUZZ
NOIZE BOOST
Editor Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli
boost@boost.mn boost.mn
“Corredor Polonês”, “Elogio à Instituição do Cinismo” e
eletrônico e sombrio do quarteto de Goiânia gire na sua vitrola enquanto você vira essas páginas cheias de começos, meios e fins.
Marília Feix
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colaboradores
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Boogarins
Gabriel Rolim
Quarteto de Goiânia formado
Relaciona-se de forma
por Fernando “Dinho” Almeida,
simbiótica com a música
Benke Ferraz, Raphael Vaz e
desde sempre. Produtor e
Ynaiã Benthroldo. O terceiro
escritor no Monkeybuzz,
disco de estúdio da banda, Lá
também faz clipes e
Vem a Morte, é uma das obras
conteúdos audiovisuais
mais influentes da música
para o Boogarins, o que
independente nacional de hoje.
gerou as fotos publicadas na seção Páginas Negras.
GG Albuquerque
Leonardo Baldessarelli
Jornalista, já passou pela Folha
Jornalista e publicitário. Fã do
de Pernambuco e Jornal do
bizarro, do surpreendente e do
Commercio, de Recife. Edita o
mentiroso - ainda não sabe se
blog o volume morto, e colabora
isso é bom ou ruim, mas segue
com o portal Kondzilla. Defende
confundindo a vida e a música
a vanguarda como um jogo de
como uma coisa só.
cintura.
Salma Jô Vocalista e compositora na banda goiana Carne Doce, Salma Jô é uma referência de talento e força feminina no cenário da música contemporânea brasileira. Além disso, é amiga de longa data dos músicos do Boogarins.
Ingrid Mônaco
Marta Karrer
Jornalista, feminista e amante
Jornalista, assessora de
da música. Apaixonada por
imprensa, produtora e fã do
moda e por tudo que emana
rolê independente. Sempre
expressão.
em busca de toda e qualquer loucura que faça o olho brilhar.
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5 PERGUNTAS PARA
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Ele deixou a banda depois de uma longa turnê pela Europa, e, hoje, vive em Bruxelas com a esposa e as pelas sonoridades orgânicas, e ainda assim muito feliz com o resultado de Lá Vem a Morte, Hans conta como foi a experiência de sair de Goiás e ganhar o mundo com um som diferente do que se esperava de uma banda brasileira na época. O baterista, que gravou os álbuns As Plantas que Curam Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos também revelou suas impressões sobre Lá Vem a Morte, o primeiro sem ele.
1) Como foi sair de Goiânia pra tocar em vários países um som diferente do que as pessoas estavam acostumadas a ouvir enquanto “música brasileira”? Foi muito cabuloso, foi novidade para todo mundo e mudou várias coisas na nossa forma de pensar. Mas não acho que foi um som tão diferente para quem estava nos ouvindo fora do país. De certa forma, lá, as pessoas tinham a mente muito aberta para a música psicodélica, talvez até mais do que no Brasil. Mesmo cantando em português, isso não foi nenhum empecilho, as pessoas acham a língua muito bonita quando cantada. A melodia já passava muito da ideia, então fomos muito bem recebidos, foi muito gostoso fazer toda essa turnê. Foram mais de 100 shows, sete meses na estrada, muito exaustivo, mas foi uma experiência que... Nossa senhora. 2) O que o levou a sair da banda? Durante a turnê, eu e a minha mulher descobrimos que ela estava grávida. E então eu decidi que o melhor a fazer era cuidar da minha família - até pelo fato de serem gêmeas o trabalho seria dobrado. Vi que precisaria usar minha energia em casa e não daria para conciliar com a vida na estrada. Passar sete meses fora seria algo muito difícil. 3) Olhando de fora, o que achou do caminho que a banda tomou no Lá Vem a Morte? Não cheguei a dar nenhuma contribuição
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ver o projeto novo. Achei muito bacana a cara que tomou, essa vibe nova, esse esquema do Raphael [Vaz] estar trabalhando com o sintetizador, deixando a coisa um menos orgânica, e o Benke cada vez mais experimentalista nas mixagens. Achei muito louco. 4) Como você vê a diferença entre o som de uma bateria orgânica e o de uma eletrônica e, para você, como isso aparece nesse disco? Ah, acho que, mesmo tendo elementos eletrônicos, a bateria foi gravada orgânica e trabalhada para soar digital. Isso é muito doido. Você pegar a bateria orgânica, com o toque e a cara do baterista, e conseguir trabalhar aquilo para fazer soar mais eletrônica, pois é o que você quer no seu trabalho, para mim, é genial. O ponto negativo da bateria eletrônica, para mim, é que perde a personalidade. A batida que um baterista vai dar na eletrônica vai soar a mesma que qualquer outro. 5) De qual morte você acha que a banda está falando? Isso aí é complicado. Pode ser a morte do próprio indivíduo, de um integrante, de um conceito, de uma expectativa que alguém possa ter criado, de algum período que alguém possa ter passado. Talvez você consiga decifrar nas letras, mas é muito subjetivo. É a mesma coisa com As Plantas que Curam, depende muito do que a pessoa tá sentindo. É muito aberto.
_Texto por Ingrid Mônaco _Foto por Hoppie Newton _Arte por Jade Teixeira
Lá vem a morte, mas - no meio do caminho encontramos Hans Castro, o primeiro baterista do Boogarins.
Bandas que você
não conhece _ Texto por Leonardo Baldessarelli _Foto por Deafkids
mas
deveria
- “Música brasileira” é um conceito bem complexo, né não? - Pode crê. Principalmente nos dias de hoje, né? Ainda tem gente que tenta limitar, dizer que música brasileira é mais “gênero” do que “nacionalidade”, mas isso é bem discutível…
DEAFKIDS d e a f k i d s p u n x. b a n d c a m p.c o m
- Pois é, mano. E tem várias bandas que não deixam essa coisa de gênero pegar de jeito nenhum. Que são daqui, tem um som com muitas características da música brasileira de várias épocas e que você não consegue relacionar com quase nada já feito por aí. Tipo o DEAFKIDS, que são esses caras da foto. - Opa, massa. Nunca ouvi falar, o que eles fazem? São de onde? 8
- Cara, eles são de Volta Redonda e do Rio de Janeiro, mas moram em São Paulo há um tempinho. E o que eles fazem é, justamente, bem estranho - ou complexo, sendo mais elegante, né? Começaram fazendo um som d-beat, que é um gênero do início dos anos 80, um som rápido e ultra agressivo, quase metal e que tá meio dentro do crust punk - mas, nesse assunto, tem outro rolê: os caras do DEAFKIDS não querem que digam que eles são uma banda de metal porque não veem nada de “metal” no que fazem; - Ah, mas se a galera, no geral, ouve metal no que eles fazem, é complicado… - Sim, mas eu até entendo eles e
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acho que você também vai entender quando ouvir. É um som rápido, com timbres graves, ruidosos e com mixagem alta, o que tem muito a ver com o punk. O que faz com que a galera pense tanto em “metal” acho que é o lado bem experimental deles - as faixas são todas quebradiças, com estruturas e sons que não vêm de instrumentos comuns, e todo o trabalho é pensado na repetição e na atmosfera. Tanto “rítmico”... - Hmm, imagino que isso do “rítmico” tenha a ver com aquilo que você falou da ligação com a música brasileira… desculpa, isso não saiu da minha cabeça!
- Mas é bem isso mesmo! A banda abraça muita coisa de origem afro e até indígena - um dos integrantes tem origem indígena na família, aliás - e isso é incorporado dentro de quase todas músicas. O som é extremo - então, vá preparado para ouvir coisas brutais mas a veia é completamente ritualística e atmosférica. Se você deixar a mente po sem querer ouvir outra coisa.
guração do Lamento, que até saiu por um selo gringo reconhecido do som pesado experimental, a Neurot Recordings. E isso sem falar das várias outras coisas ao redor da banda, de como eles têm uma visão política e ideológica que afeta toda criação, assuntos que eu iria muito longe se começasse a falar. -
- Tá, mas você comentou de um integrante. Quem são eles? - Dovglas, Marcelo e Mariano, guitarrista, baixista e baterista. O Dovglas é meio que o líder da banda, sendo que, por muito tempo, ele gravou tudo sozinho. Mas agora as coisas andam diferentes, mais coletivas - eles lançaram um disco incrível no ano passado, 9
- Pô, que incrível. E tu acha que eu devo começar a ouvir por esse disco? - É uma boa, mas pode pescar qualquer disco no Bandcamp deles - inclusive os ao vivo porque o show deles é absurdo, com muita energia, pancadaria, entrega… o que se espera de um bom show de punk. Não é por acaso que já e depois me diz o que achou!
como fazer
Material Necessário - Gravador de áudio
Gravação com celular
do celular - Música ao vivo
1) Conheça a sua música e o que ela pede. Uma gravação tem elementos a) que ocupam o mesmo espaço durante boa parte da canção e b) que aparecem de forma diferentes - mais alto ou mais baixo, de um lado ou do outro, com efeito ou sem efeibem apresentado. 2) Deixe cada instrumento o mais enxuto possível - se necessário, divida as peças da bateria e distancie-as do celular. Como todos elementos são captados por um só microfone, não é o melhor momento pra gravar arranjos complexos ou tocar alto. Em 90% dos casos, uma solução criativa se torna o toque especial.
_ Por Benke Ferraz
Estamos falando de gravação com celular, ok? Então não é sobre verdades absolutas de
3) Priorize o elemento principal da canção na posição do gravador. Só tem um buraquinho pra passar todo o som, então cuide pra não deixar um som de acompanhamento sobrepor a melodia. O exemplo mais comum disso são os pratos de bateria, que podem tomar espaço das vozes.
gravação ou ser “o espertão das tecnologias”. Escrevo de um jeito bem básico, pra quem não sabe de termos técnicos de música ou de gravação
4) Tenha elementos extras no decorrer da música. Toda boa gravação parte de uma base consistente que leva o ouvinte pelos caminhos da canção com segurança e distração. Mas o que dá um movimento mais espacial são os pequenos detalhes que aparecem regularmente. Ex: palmas acompanhando a bateria em uma parte
entender que, conhecendo as ferramentas e a própria música, chega-se a resultados legais com pouco.
ou até uma ida pro prato de condução da bateria cumprem essa função. Veja o vídeo completo com Benke ensinando a gravar com celular no YouTube da NOIZE.
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_Texto por Marta Karrer _Arte por Guilherme Nerd
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_ Texto por Ariel Fagundes _ Fotos por Beatriz Perini
Fritando na
Manchaca “Começou a turnê com cara de fim do mundo. Saímos do Rio de Janeiro com o Dinho tendo feito um exame nas cordas vocais e ficado sabendo que estava com uma pedra ali”, conta o baterista Ynaiã Benthroldo com um sorriso no rosto. - Você não pode fazer show, tem que fazer uma cirurgia -
foi a advertência
que o médico deu ao vocalista Fernando Almeida na véspera da viagem da banda. Era o fim de fevereiro de 2016 e o Boogarins estava com cerca de 40 apresentações marcadas até agosto nos Estados Unidos, Canadá, México e Portugal. Foi no meio delas que a banda gravou o Lá Vem a Morte. 20
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Desde que As Plantas que Curam (2013), o disco de estreia da banda, saiu pela gravadora norte-americana Other Music, o Boogarins nunca mais teve férias. Nos últimos quatro anos, os lançamentos do grupo de Goiânia foram noticiados por veículos que servem de referência à mídia musical do mundo inteiro, como o The New York Times, The Guardian, Pitchfork, NME, Consequence Of Sound e muitos outros. A banda também realizou shows em festivais tão importantes quanto o Rock In Rio (no Brasil e em Portugal), o espanhol Primavera Sound e o texano SXSW. Seu segundo disco, Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos (2015), foi indicado ao Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa. Quando a banda iniciou a turnê norte-americana do início de 2016, o sentimento era de euforia pelo novo disco misturada ao medo de que tudo desse errado. Dinho estava com um pólipo nas cordas vocais, uma lesão comum entre cantores, mas que precisa ser removida cirurgicamente. “No clipe de ‘Elogio à Instituição do Cinismo’ aparece meu exame. Tem uma goela aberta lá”, explica o vocal.
Agora não é nada de mais, mas considerando os shows marcados e a gravação de um álbum pela frente, o pólipo era uma questão bem séria. E como um problema que se preze nunca vem sozinho, pouco após chegar aos EUA, o guitarrista Benke Ferraz foi acometido por uma doença súbita que lhe derrubou. “Fui surpreendido por uma paralisia, uma coisa maluca no meu corpo”, lembra.
de Rosto’ e ‘Lucifernandis’ para aliviar a voz do Dinho pensando que tínhamos que gravar o disco depois”.
meiro show em Nashville, eu não conseguia andar direito, perdia o equilíbrio e minhas pernas doíam pra caralho. Aí fomos tocar no festival Big Ears e tive uma febre pesadíssima, não consegui nem passar som. Aí pensamos que poderia ser chicungunha
Gordon tem um amigo que mora em Austin chamado Will
o diagnóstico foi nosso”, lembra o baixista Raphael Vaz. Tudo isso obrigou a banda a adaptar seu show para turnê. Havia um intervalo de pouquíssimos dias entre as datas e, por três semanas, Benke se apresentou sentado. Além disso, começou a dividir os vocais com Dinho e cantar músicas que não cantava. “Fazíamos partes instrumentais enormes e eu passei a cantar ‘Falsa Folha
A gravação seria em Austin, no Texas, entre junho e início de julho. Antes disso, o Boogarins atravessaria o país tocando em estados como Nova York, Ohio, Connecticut, Arizona e Wisconsin. Foi um milagre a banda chegar sem maiores incidentes à casa que o selo OAR havia alugado para o grupo gravar o que viria a ser o Lá Vem a Morte. The Roadhouse Quem descobriu o trabalho do Boogarins em 2013 e o apresentou à gravadora Other Music foi o músico Gordon Zacharias. Não demorou para que ele se tornasse amigo da banda e, em seguida, o seu empresário.
quando se apresentou no Texas pela primeira vez, no festival SXSW de 2014. “Nossa relação com os EUA se inicia em Austin. Chegamos lá com a galera fazendo barbecue pra gente, nos levando para os bares locais. Os meninos foram, eu
O guitarrista e produtor dos álbuns do Boogarins explica ainda que Gordon e Will se uniram em uma empresa, o selo OAR, que lançou, além de Lá Vem a Morte, o disco ao vivo Desvio Onírico (2017). “Agora são os dois que cuidam da parte gerencial da nossa carreira”, diz.
lado dele a casa que a OAR alugou para o Boogarins morar por cerca de um mês e meio e gravar seu disco. Para viabilizar o projeto, a banda alugou quilos e quilos de equipamentos de gravação de ponta, como microfones, placa de som, tour, que é um backline nosso”, explica Dinho. Pelas próximas semanas, a rotina de toda banda incluía dormir e acordar em meio a cabos, instrumentos musicais e aparelhos eletrônicos. - Na entrada da casa, tinha, de um lado, uma salinha pequena e, do outro, uma salona. Aí tinha o corredor que ia até os três quartos. O primeiro quarto era o do Fezão [Raphael], o segundo era onde o Negão [Ynaiã] dormia, e que tinha a 22
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bateria montada, e o de frente onde estávamos dormindo eu e o Dinho e onde todo equipamento estava montado. Ficava fácil porque os cabos passavam de uma porta pra outra e você conseguia ter um isolamento da bateria e ainda escutar o som direitinho do que estava sendo gravado no outro quarto. Descoisas do que virou o Lá Vem a Morte - explica Benke. A casa, apelidada pela banda de Manchaca Roadhouse, se transformou em uma clínica de recuperação para os músicos se recomporem e também laboratório de experimentação musical. Havia o compromisso e o desejo sincero de gravar o máximo possível, mas não foi fácil engatar um ritmo de trabalho. “Acordávamos muito tarde e começamos a postergar coisa pra caralho. O Benke comprou um caderno pra anotar o que queria fazer e usou uma folha só”, conta Raphael arrancando gargalhadas de toda banda. “Quando chegou o momento, não estávamos com aquele gás pra gravar. Se a gente estivesse de boa, tinha gravado o triplo”,
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diz. Vários empecilhos apareceram no caminho da banda. Primeiro,
falar com suas pessoas queridas pelo celular. “Eu tava com saudade pra caralho”, confessa Ynaiã. Segundo, a banda agendou durante o período de gravação uma série de shows todos sábados em Austin e, para isso, precisava desmontar e remontar os equipamentos de áudio a
“Então não foi um mês e meio 100%”, diz Benke. “Junto com toda depressão pós-tour, tinha ainda a pré-tour porque tínhamos mais shows pra fazer depois de gravar”, lembra. “Na verdade, conseguimos ter uns produtivos e todos eles foram, provavelmente, na última semana, quando estávamos meio desesperados pensando que não tínhamos feito nada, só um monte de guias”, comenta. Morrer Não É O Fim Ao todo, a banda explica, foram cerca de 13 canções gravadas, estágios. Teve também “Man-
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chaca”, que entrou no ao vivo Desvio Onírico, feita a partir do recorte de doze minutos de uma sessão de três horas de gravação. As outras não foram terminadas por diferentes motivos, seja porque Dinho precisava poupar a voz, seja porque a
Enquanto estavam lá, os músicos não imaginavam que o fruto daquilo seria o Lá Vem a Morte. A partir de um processo caótico, o Boogarins montou uma lista de faixas que se conectavam tanto pelo som quanto pelas letras. Mas todos tiveram
“Foi um quebra-cabeças maluco”, diz Ynaiã, que participava (em Manual, ele gravou só “Falsa Folha de Rosto”). “Foi bem doido se formos ver o que gravamos e o que isso virou. É a cabeça desse maluco aí”, diz apontando para Benke. “A gente não sabia se era um EP ou um CD duplo, isso mudou várias vezes. Até que o Benke pegou a música ‘Lá Vem a Morte’ e chegou numa faixa de 10 minutos que era sua obra-prima como produtor até então”, explica Raphael. “Ela nem ia entrar! E aí ele chegou com essa porra e achou de bom grado construir tudo ao redor dela, botando o nome dela na parada”, brinca. - “Lá Vem a Morte” era só um loop do Dinho, que era muito bonito. Após várias versões, vi que dava pra ter uma introde um outro lance que eu tinha gravado com iPhone. Gravei uma passagem de som no Porto, com o Negão fazendo uma bateriazinha e o Dinho tocando uma guitarrinha e aí montei a faixa - explica Benke. Nenhuma das composições que entraram no disco nasceu na casa de Austin, todas foram desenvolvimentos de criações feitas a partir de 2014. “Gravamos as músicas que achamos mais pop, mas não tá tão pop assim, tá meio sinistrão”, comenta Benke. Mais do que sinistro, o álbum chama atenção por ser muito mais eletrônico do que tudo que a banda já tinha lançado até agora. Boa parte disso deve-se ao fato de que Raphael substituiu o baixo por um synth Moog em várias faixas, levando o som da banda para outros caminhos. “Tinha um Moog sendo vendido por US$400 em San Diego quando tocamos lá e o Raphael tinha esses US$400 pra comprar”, lembra Benke. “Era tudo que eu tinha”, diz o baixista que se encantou pelo 27
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“Se a gente estivesse de boa, tinha gravado o triplo”, Raphael Vaz synth na hora. “Mas não é que a gente queira falar que Lá Vem a Morte Raphael. “Nem o nascimento de uma banda de música eletrônica”, coloca Ynaiã. - É sobre descobrir que dá pra fazer tudo, na real. Aquelas músicas que podem ser uma jam gigante, ao mesmo tempo, podem ser uma canção, não tem problema. Mas não é como se a gente tivesse descoberto um novo mundo, só percebemos que dá pra fazer tudo - diz Dinho.
a gente conseguir transcrever nas músicas o nosso momento de um jeito totalmente inconsciente, de modo que a gente só se dá conta disso analisando os discos depois. Isso me dá uma segurança de que a gente tá sempre na mesma página”, diz. Após fazer um disco investindo nos complexos processos aprendeu a valorizar a autonomia que os meios digitais possibilitam. Hoje, seu som hibridiza como nunca as sonoridades orgânica e eletrônica e isso aconteceu naturalmente. “Acho que, mesmo se o Raphael não tivesse comprado o Moog, nós iríamos pra esse lado”, diz Benke. Não há como saber sobre o que o Boogarins irá encontrar agora do outro lado de Lá Vem a Morte. “A gente não é uma banda de planejamento, é uma banda de fazer as coisas”, explica Benke. “Tem mais material pra ser lançado, estamos fazendo um outro lance ao vivo que achamos que vale a pena sair e que não tem nada a ver com aquilo que a gente fazia”, revela o guitarrista. Se morrer é a única certeza de quem está vivo, o melhor é não se estressar com o que vem por aí. No caso do Boogarins, nem precisa ser médium para saber, depois da morte vem mais música.
_ Texto por Ariel Fagundes _ Fotos por Beatriz Perini
lá vem a morte faixa a faixa Dinho Almeida, Benke Ferraz, Raphael Vaz e Ynaiã Benthroldo comentam todas as músicas do disco mais experimental que o Boogarins já fez. Lado A 1 - Lá Vem a Morte Pt. 1 “Lá Vem a Morte’ é dividida em três partes, mas na verdade foi gravada como uma faixa só de 12 minutos baseada num loopzinho de melodia do Dinho”, Benke. “Aquela fala do início é um áudio do Ricardo Spencer [diretor do clipe de ‘Cuerdo’] em que ele fala sobre o clipe e aí manda: ‘Eu amo vocês, só tô defendendo uma parada que é pra sempre e nunca mais volta’”, Ynaiã. “Quando escutamos, rimos tanto que falamos que isso tinha que entrar numa música”, Benke. 2 - Foi Mal “É o pop de qualidade”, Raphael. “Porém, sem ser totalmente fácil. Não que a gente não quisesse isso, tentamos fazer uma parte B pra música pra deixar ela ainda mais perfeita e conseguir tocar na rádio. Mas não
foi dessa vez”, Benke. “Por isso tem esse nome, ‘Foi Mal’”, Dinho. “Mas pode ver no show, todo mundo adora”, Benke. 3 - Onda Negra “Quando eu falo que ‘Onda Negra’ é pop o Dinho fala que não”, Benke. “Ontem, me falaram que essa música é para crises de pânico. Duas pessoas que tomam Rivotril vieram me dizer que essa música é ótima. Sucesso com a galera do Rivotril!”, Dinho. “E é uma volta às raízes, é uma música que não tem baixo, só guitarra, voz gravada com iPhone na escada de emergência do prédio de uma amiga para ter um reverb natural e uma bateria sampleada da bateria de ‘Foi Mal’. Foi a única que a gente não fez nada lá, gravamos depois de Austin. O Dinho mandou pra mim pelo Whatsapp o áudio da voz e eu peguei e botei na música”, Benke. 4 - Polução Noturna “Essa é resumida em três coisas: sons ambientes, exímio violão do Raphael Vaz e um conceitão na cabeça. É a primeira letra toda sua que entra, né?”, Benke. “Sim. É porque polução noturna é um trem que, quando você tem, não é massa, mas também não é palha. Não dá pra reclamar. Você acorda um pouco frustrado, mas é uma parada que rolou. Tem todo esse onirismo que faz parte 28
da existência do meu ser. Foi bom, mas teria sido melhor se o Dinho cantasse ela”, Raphael. “Eu gosto é da gozada”, Dinho. Se você escutar com fone, vê que, na hora em que fala ‘leite escorre no colchão’, tem um jatinho ali”, Benke.
Lado B 1 - Lá Vem a Morte Pt. 2 “Ela não é um lance do Boogarins mesmo, era uma faixa em que eu tava explorando essa coisa de gravar com iPhone. É uma gravação que tinha tudo pra dar errado e que se encaixou como uma luva. É muito legal tocar ela hoje em dia”, Benke.”Vá ver ao vivo, tá boa ao vivo”, Dinho. 2 - Corredor Polonês “Quando ouvi a versão de iPhone dessa música com o Dinho e o Ne‘Pô, que responsa fazer uma cozinha pra esse cara. Vou ter que botar um baixo em cima de uma bateria foda que não precisa de nada’. Achei que meus dias tinham acabado. Só muito top, sem espaços em branco”, Raphael. “Acho que é uma prova de que, mesmo sem sintetizador, a gente estaria indo pra um rumo mais quanto no uso de efeitos”, Benke. “#bateraebaixo”, Dinho. “#cozinhatop”, Benke.
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3 - Elogio à Instituição do Cinismo “Essa é pré-Lá Vem a Morte. Era uma música que o Dinho tinha gravado com o Bonifrate lá em Paraty, gravado praticamente tudo. O que a gente fez foi só tirar um baixo e o Rafael colocou um Moog, foi a nossa primeira experiência com o Moog”, Benke. “É uma música que, ao vivo, eu achava que seria meio engraçada, vezes, ela parece música de pump, lembra zendo graça dizendo que era a música do A Era do Gelo”, Benke 4 - Lá Vem a Morte Pt. 3 “É a estreia de Ynaiã Benthroldo, grande baterista do Macaco Bong, depois, mas não menos importante, com o Boogarins,
como vocalista e letrista”, Benke. “Tem que ouvir a versão afrobeat dessa música do Negão”, Dinho. “Foi um lance que ele fez da cabeça dele antes de conhecer a gente”, Benke. “É antiga essa porra. Gravei esse trem no momento em que saí do Macaco e fui morar um tempo em São Paulo. Nunca tive tempo e disposição pra cantar umas ideias que eu sempre tive. Eu sempre fui muito tímido, principalmente com minha voz. Mas gravei andando na rua, voltando pra casa, saindo do metrô. fritando nisso. Aí, quando entrei pra banda, estava querendo muito tocar coisas novas, conhecer gente nova, e aí me senti na liberdade de compartilhar isso com os amigos”, Ynaiã. “Ele é baterista, mas gosta de cantar uns funks melody e ela quase parece um samba enredo. Quando 29
o Negão mostrou essa ideia, o Dinho fez uma versão bem picotada que lembrava o Metá Metá. Gravamos uma demo disso com um microfone bom, com o Negão cantando e o Dinho tocando uma guitarrinha. E na pira de querer uma surpresa pra ‘Lá Vem a Morte Pt. 3’, entramos nessa e ela vira a música do Negão. Tem um sample que eu gravei com iPhone e deu pra construir umas texturas legais, com uma passagem maluca meio ‘Sgt. Peppers’ pra um negócio meio Brasil. O lance do meio parece um sambinha, tem um som de radinho de pilha, só que com umas cordas meio creepy. Um lance meio assustador, meio Disney. Depois que o Negão termina os delírios dele sobre os quilombos daqui, tem o Dinho tocando um loop”, Benke.
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_ Arte por Lucas Abreu
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_ Texto por GG Albuquerque _Fotos Acervo pessoal
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um músico e pesquisador paulistano apaixonado pelo som de sintetizadores que sobe um morro carioca para escutar Kraftwerk simboliza bem a pluralidade característica da música eletrônica no contexto brasileiro. De toda forma, muito desta história permanece pouco conhecida e vive um processo de (re)descobrimento, tanto por parte dos ouvintes brasileiros como por colecionadores e curadores gringos.
“Uma vez, em 1986, fui a um baile funk só para poder estar num lugar onde se podia ouvir Kraftwerk e ver aquilo motivar uma multidão a dançar a recém-lançada “Boing Boom Tschak”, do álbum Electric Café (1986), conhecida entre o pessoal dos bailes black e funk como ‘Melô do Porco’, escreve Paulo Beto, da banda Anvil FX, no prefácio à edição brasileira do livro Kraftwerk Publikation — . A cena de
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Em seu livro MEB — A História da Música Eletrônica Brasileira, o professor Erick Marke aponta que a primeira apresentação do teremim (instrumento eletrônico criado pelo russo Lev Sergeivitch Termen em 1917) em solo brasileiro foi em um concerto do americano Max Wolfson no Teatro Sant’Ana, em São Paulo, em 1931. A performance foi registrada por Mário de Andrade, que criticou a sonoridade “agressiva” e “meio fatigante” do instrumento, defendendo que ele nunca iria substituir nenhuma das orquestras existentes. De fato, o teremim não substituiu orquestra nenhuma. Entretanto,
[+1]: Com suas pesquisas, Karlheinz Stockhausen, John Cage, Henri Pousseur, Luciano Berio, e György Ligeti foram pioneiros da música eletrônica no mundo. [+2]: O LP de estreia de Jocy de Oliveira se chama A Música Século XX de Jocy (1959) e apresenta uma bossa extremamente experimental, mas ainda não traz a sonoridade da música eletrônica.
anos 1950, dois movimentos artísticos transformaram a história da música para sempre ao incorporar novas tecnologias e desenvolver novas técnicas com objetos eletrônicos. De um lado, a musique concrète francesa tratava os sons da natureza e do mundo cotidiano como expressões musicais e considerava a manipulação de gravações sonoras uma forma de instrumento. A icônica “Symphonie Pour un Homme Seul” (1950), de Pierre Schaeffer e Pierre Henry, por exemplo, foi composta utilizando toca-discos e mixer — um prenúncio de toda cultura dos DJs. Em oposição, a elektronische musik alemã de nomes como Karlheizn Stockhausen e Herbert Eimert buscava uma música sintetizada por sinais eletrônicos, isto é, um som “puramente” eletrônico.
_Jocy de Oliveira
Uma nova linguagem Encantado por todas essas novas possibilidades que emergiam na Europa, o compositor paraibano Reginaldo Carvalho, por intermédio de Heitor Villa-Lobos, vai a Paris em 1951. Exatos 20 anos depois do incômodo de Mário de Andrade com o teremim e com recomendações do renomado maestro, Reginaldo ganha uma bolsa do governo francês para estudar com Paul Le Flem e estagiar no antigo Centre Bourdan, onde tomou contato com a música concreta. Cinco anos depois, ao voltar ao Brasil, ele compõe a primeira peça nacional de música
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eletroacústica: “Sibemol”, um estudo para microfones com sons captados de dois pianos, matéria plástica esticada e tamborim. Apesar de ser um marco histórico, “Sibemol” ainda era um exercício despretensioso e até tímido diante da trajetória de Jocy de Oliveira e Jorge Antunes, outros dois pioneiros e difusores da ele-
A curitibana Jocy de Oliveira foi responsável por organizar em 1961, ao lado do maestro Eleazar de Carvalho, a Semana de Música Eletrônica no Teatro Municipal do
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Rio de Janeiro e São Paulo, que introduziu a eletrônica no país. “Todas as peças de Stockhausen, Cage, Pousseur, Berio, Ligeti +1 foram executadas em primeira audição no Brasil”, salienta Jocy. A programação incluía ainda a estreia de Apague Meu Spotlight, sua peça de “teatro-música” escrita para cerca de 13 atores e bailarinos e encenada pelo Teatro dos Sete (companhia fundada pelo diretor Gianni Ratto e os atores Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Sérgio Britto), que seria a primeira apresentação de música eletrônica brasileira. O espetáculo foi concebido em parceria entre Jocy e o vanguardista italiano Luciano Berio, que tinha melhores recursos para a produção da música. “Eu imaginava um tipo de drama eletrônico, mas no Brasil não tínhamos condições de trabalhar num estúdio para música eletrônica e também eram poucos os disponíveis na Europa. Propus-lhe então uma parceria, e ele aceitou com entusiasmo. Eu terminaria de escrever o texto dramatúrgico e ele faria a música eletrônica com minha assistência”, detalha a musicista, hoje aos 81 anos. Em 1966, Jocy começou a trabalhar em uma série de composições intituladas Estórias. As músicas eram marcadas por narrativas não-lineares que investigam a semântica e fonética da voz humana e sua manipulação por processamentos eletrônicos. Após dois anos, a Estória II virou seu segundo LP +2 , lançado pelo selo americano New Music Circle. Mais de uma década depois, da série no álbum Estórias Para Voz, Instrumentos Acústicos e Eletrônicos (1981), um clássico disputado a tapas por colecionadores de todo o mundo — em julho o selo italiano Blume fez uma reedição luxuosa prensada em vinil vermelho translúcido e as 300 cópias feitas se esgotaram em poucos dias. _Maria Rita Stumpf
O disco combina técnicas vocais estendidas e manipulação de voz por processos eletrônicos através de processadores em tempo real e samplers. Em seu livro Diálogo com Cartas (vencedor do Prêmio Jabuti de 2014), Jocy de Oliveira explica o propósito das músicas: “Num desenvolvimento espontâneo, a voz toma corpo na procura de uma musical, tentando encontrar novos modelos de estruturas que possam vir a transformar esse conceito tradicional de ‘ópera’ ou relação música-teatro”. Para além de um marco pontual, a Semana de Música Eletrônica realizada por Jocy de Oliveira e Eleazar de Carvalho repercutiu na música brasileira como um todo. Foi uma _Jorge Antunes se apresentando com o teremim nos anos 1960
de violino chamado Jorge Antunes, que abandonou as músicas de viés nacionalista que fazia depois de assistir ao pianista David Tudor executando a célebre Kontakte, de Stockhausen, no Rio de Janeiro. “Eu tinha 19 anos, só estudava violino mesmo, não cursava composição. Na época, trabalhava com eletrotécnica e radiotécnica para ganhar meu dinheirinho, então já conhecia um usando esse meu conhecimento e com ajuda de umas revistas de eletrônica, construí um teremim e um gerador de ondas dente de serra +3”, conta Antunes. No mesmo ano, ele compôs “Pequena Peça Para Mi Bequadro e Harmônico”, sua primeira obra com música eletrônica. “O que me atraiu foi a novidade do som eletrônico”, ele comenta. “Eu sentia uma certa carência na paleta sonora para a música em geral. Os sons dos instrumentos mu-
_Composição manuscrita de Jorge Antunes
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sicais tradicionais já eram material desgastado. A novidade no mundo da música popular era a guitarra elétrica, que não passava de fonte sonora banal: cordas dedilhadas produzidos por geradores, suas transformações, várias formas de onda, suas manipulações, permitiam o surgimento de uma nova linguagem musical com um novo vocabulário sonoro”. Jorge Antunes criou, em 1967, o Curso de Introdução à Música Eletrônica, Concreta e Magnetofônica no Instituto Villa-Lobos, uma iniciativa inédita para a difusão dessa nova estética em um momento em que informações eram escassas. As aulas versavam sobre a história da eletrônica, desde o surgimento dos primeiros instrumentos nos anos 1910 (teremim, trautônium, cruz-sonora, telharmonium), a música de ruídos dos futuristas italianos, os primeiros experimenideias do próprio Antunes, como sua teoria da correspondência entre os sons e as cores. “Alunos interessantes passaram em minha classe, muito animados e curiosos com as possibilidades musicais do novo universo sonoro. O som eletrônico fascinava”, relembra ele, que teve em suas aulas a presença de músicos e poetas do movimento concretista, como Wlademir Dias Pino, os irmãos Álvaro de Sá e Newton Sá, Gerson Valle, Guilherme Vaz e outros.
Após a assinatura do AI-5 e o início da fase mais pesada da ditadura militar, Jorge Antunes foi estudar na Argentina e em países da Europa. Ao retornar ao Brasil, ele lançou Música Eletrônica (1975), o primeiro disco do gênero a sair no mercado brasileiro, pela gravadora Mangione. Compilando músicas de seu tempo no Instituto Villa-Lobos e do exílio fora do país, o álbum utiliza ruído branco, feedback, loops, cessados e tinha um certo caráter minimalista. A faixa “Contrapnctus Versus Contrapunctus” (1962) é magnética. A impactante “Auto-retrato Sobre Paisaje Porteño” de tango, adicionando texturas e vozes lentamente, como um techno primitivo.
Os experimentos se ampliam anos 1970, a eletrônica vai gradativamente ocupando espaço na MPB. “Cavaleiro Andante” é tida como a primeira música a fazer essa mistura ao ser interpretada por Beth Carvalho e Eduardo Conde no IV Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 1968, com acompanhamento do Quinteto Villa-Lobos, Coro Momento Quatro e do próprio Jorge Antunes conduzindo os sons eletrônicos.
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Em sintonia com o rock progressivo de Emerson, Lake & Palmer, Yes e Gentle Giant, o sintetizador Moog virou item praticamente obrigatório entre os artistas brasileiros, tanto para nomes como Os Mutantes, O Terço e Casa das Máquinas como para bandas de baile como Os Pholhas. É nesta onda que o pianista Renato Mendes solta o álbum Electronicus (1974), com releituras de clássicos da MPB como “A Banda” e “A Noite do Meu” Bem executadas num Moog. Este foi o único brasileiro a vencer o prêmio holandês Nidden, dedicado à música produzida por instrumentos eletrônicos. Outro fato curioso: até o programa Sítio do Picapau Amarelo usou música eletrônica de trilha sonora no episódio “Sítio do Picapau Amarelo Espacial” (1979), servindo de fundo para um imaginário futurista do espaço sideral. Lançada pelo selo holandês Music From Memory no início de 2017, a coletânea Outro Tempo: Electronic and Contemporary Music From Brazil, 1978-1992 reúne músicas dessa fase de transição em que o eletrônico foi adentrando o corpo cancional brasileiro. Combinando uma estética regional com paisagens ambientes sintetizadores lisérgicos, os experimentos eletrônicos são incorporados num formato mais pop. A compilação traz desde o samba em órbita de Piry Reis, até a new wave satírica d’Os Mulheres Negras, passando
[+3]: Tipo de onda sonora básica que, por conter todas as harmônicas inteiras, é tida como um dos melhores para construir outros sons. Muitos sintetizadores produzem ondas assim.
ainda pela percussão eletrônica de Nando Carneiro e as explorações da música indígena realizada por Priscilla Ermel, Andréa Daltro e Maria Rita Stumpf. Curador do projeto, o espanhol John Gómez conta que tentou ressaltar a diversidade de estilos. “Nenhum dos artistas pensou que estavam fazendo música eletrônica. Quando falei, eles disseram que não porque pensavam que isso seria uma música rígida, com batida 4x4... Mas o que nós temos aqui são elementos eletrônicos trazidos para a música acústica”, salientou após o show de lançamento da coletânea no Red Bull Music Academy 2017, em São Paulo. “Nando Carneiro, por exemplo, dizia que não estava fazendo música eletrônica. Ele usava computadores, mas de uma forma que ele esperava ser humanizada” , completa John, que acredita que esse é um período de tentativa e erro da música brasileira, em que “as pessoas estavam testando coisas para ver o que funcionava”. Uma das artistas da Outro Tempo, a gaúcha Maria Rita Stumpf concorda: “Não se entendia aquilo como música eletrônica, até por ser parte de uma ampla gama estética”. Reeditado pela primeira vez em vinil pelo selo Selva Discos, Brasileira (1988), álbum de estreia da cantora, retrata bem esta amplitude. As músicas misturam cânticos brasileiros, percussões africanas, toques indígenas, sintetizadores, piauma espécie de tango ou milonga eletrônica em “A Cidade”.
Dos conservatórios às pistas Na década de 1980, compositores como Tato Taborda, Flo Menezes, Livio Tragtenberg e Vânia Dantas Leite estruturam a experimentação eletroacústica criando estúdios eletrônicos no país e também estruturam o experimentalismo no meio acadêmico. Ao mesmo tempo, é o momento em que a virada da eletrônica rumo ao pop é efetivada. O synthpop dos ingleses Soft Cell, Gary Numan, New Order e outros são editados em LPs nacionais e integram coletâneas de sucessos e trilhas sonoras. O Depeche Mode, por exemplo, estourou no Brasil após “Just Can’t Get Enough” entrar na trilha da novela global Louco Amor (1983), estrelada por Fábio Jr. e Antônio Fagundes. Essas bandas, somadas a vertentes como industrial e dark electro, ineletrônica em São Paulo, com bandas como Agentss, Harry, Azul 29, Loop B, Silverblood, Tek Noir, entre outras. vidades do hip hop e estilos da música eletrônica de pista, como o miami bass, o electro e o latin freestyle (por aqui chamado de melody). Partindo dessas referências internacionais, DJs e MCs dos bailes black foram construindo sua própria gramática musical e sua identidade artística, resultando no atual funk. Esta fermentação de estilos que desaguou no pancadão pode ser ouvida especialmente em dois álbuns. O primeiro é o clássico Funk Brasil Vol. 1 (1989), do carioca DJ Marlboro. O outro, ainda pouco conhecido, é Fábrica Ritmos (1992), um compilado da cena black de Belo Horizonte da época. Transitando entre o miami bass, o hip hop e a house music, o LP foi produzido a seis mãos: DJ Joseph, DJ A Coisa e Marcelo (integrante do União Rap Funk) tocando uma bateria eletrônica R8 e sintetizador W30, ambos da marca Roland.
“Os sons eletrônicos permitiam o surgimento de uma nova linguagem musical” Jorge Antunes
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As técnicas que possibilitaram o funk foram descobertas e teorizadas pela música concreta de Pierre Schaeffer lá em 1948, mas o mais incrível é que não é a ela que o estilo se conecta, e sim às tradições da diáspora africana. Os funkeiros não partem de uma educação musical formal para fazer a sua
música, mas a inventam através do improviso e dos recursos de um novo instrumentário que foi se tornando cada vez mais acessível com o passar dos anos. Desde então, a eletrônica brasileira se renova e se multiplica a cada dia que passa, fazendo o mundo inteiro dançar com seu pancadão sintético.
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Discos podem mudar vidas. Descubra quais foram os álbuns definitivos para Raphael, Ynaiã, Benke e Dinho.
Hit Vibes (2013) Saint Pepsi Um clássico do Future Funk que eu achei caçando full albums no Youtube. Em bom português, eu diria “funk futurista” sampleou canções dos anos 80, brincou com uns beats e estraçalhou com o sidechain no bumbo fazendo um som vai-e-vem de balada emocionante. Combina muito bem com festa estranha e me lembra que música não tem que ser coisa séria. Bom-humor e nostalgia em hit vibes. Raphael Vaz
Por Boogarins
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Rock Motor (2000) Coletânea Revista Bizz Esse disco abriu as portas do rock mais “speed” pra mim. Eu ainda estava na fase do funk carioca e essa era uma coletânea que vinha com pacote de internet discada da UOL. Nela, tinha bandas como Lagwagon, No Use For a Name, NOFX e Goober Patrol. Só adrenalina no sangue. Ouvia no repeat. Amava “May 16”, a primeira do disco, que já começa com uma virada de caixa insana! Foi um dos primeiros de hardcore e punk moderno que eu ouvi e me fez gostar da vibe, começar a andar de skate e, posteriormente, a tocar bateria. Ynaiã Benthroldo
Yeezus (2013) Kanye West Disco de 2013, mesmo ano de As Plantas Que Curam, quando passei a acompanhar listas de melhores do ano. A capa espertinha me chamou atenção. Fiquei viciado nele e passei a nossa primeira turnê em 2014 escutando, com meus parceiros de banda e tour manager tirando onda da minha cara. Só consigo me ligar em discos que me inspirem na composição ou produção, se é legal, mas não surpreende, geralmente não dura mais que uma escutada. Preste atenção nos synths de “Hold My Liquor” e “Blood on the Leaves”. Benke Ferraz
Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta (1973) Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta Esse disco é muito bonito, melodias incríveis. Comecei a desbravar a grandiosidade do Clube da Esquina, dos outros discos do Milton e do disco do Tênis do Lô Borges, mas esse aqui me deixou maluco. Tem uma onda de calmaria que instiga, um misto maluco de meio do mato com o mar agitado. Todas as canções são favoritas na sua própria beleza, mas “Belo Horror” tem som de sonho. “Ponta Negra” também me dá coceira na nuca quando escuto. É bom demais. Dinho Almeida
resenhas
PARA VER
Twin Peaks
1ª e 2ª temporada
Esse lance de assistir a uma série juntos, esperando, esperando o próximo episódio, é uma distração perfeita dentro da lógica repetitiva de turnê. Ainda mais quando a série e instigante e igual Twin Peaks. A trama te joga numa sede, numa ansiedade metafísicos por trás do assassinato de Laura Palmer e dos outros vários eventos surreais que acontecem ao redor disso. mos a assistir a segunda temporada numa telinha de celular e, como bons noveleiros, palpitávamos depois de cada episódio. Interessante foi ver a diferença gritante entre episódios que aconteciam várias coisas e outros em que nada rolava. Foi assim que comparamos Twin Peaks com as novelas que assistimos na TV quando criança. Tem toda uma atmosfera de família, tem os mistérios, os romances e as intriguinhas que poderíamos ver no Vale a Pena Ver de Novo. Mas de repente entrava o elemento ESTRANHO e isso faz de Twin Peaks a melhor série que já vi. Percebemos lendo os créditos iniciais que David Lynch nem sempre aparecia pra dirigir os episódios e isso explicava muita coisa. Quando estávamos acabando a segunda tempoum dia lindo. Dinho Almeida e Raphael Vaz
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Game Of Thrones
episódio 10, temporada 6
Talvez seja o melhor episódio da sexta temporada de Game of Thrones. Cersei até então não passava de uma megera, com o estereótipo clássico
feliz quando a vi sendo humilhada e ridicularizada. Mas, ao mesmo tempo, ver aqueles vermes do “Os sete” me dava nojo, uma sensação de estar vivenciando aquilo de verdade. Fiquei bolado e não sabia quem eu queria ver mais desgraçado nessa história. Como se houvesse algum tipo de justiça. Como se houvesse um certo ou um errado para aquela situação. Como se o mundo fosse justo. Mas ela, de uma certa forma, ao mandar aquele septo pros ares com todos aqueles adoradores, pecadores, santos, baba-ovos e puxa-sacos queimando à base de fogo líquido, teve uma atitude muito libertadora. Ponto para Cersei. A maldade é algo inerente ao ser humano. Só podemos aceitar. É hora de explodir o septo com todos eles dentro. Ynaiã Benthroldo
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A Obscena Senhora D Esse livro fala da busca do absoluto através dos atalhos da morte e do sexo. Esse absoluto está principalmente na tentativa de apreender o que é, ou onde está, Deus. O texto tem uma velocidade toda tropeçada, partes confusas, a maioria se desenrola da senhora D., uma idosa com manias de perguntas, que tem uma relação perturbada com seu próprio corpo, que busca um algo que não sabe bem o que
é e que já foi advertida várias vezes de que isso vai acabar mal. Para os vizinhos ela é alvo de chacotas constantemente. Diálogos surgem repentinamente ao longo do texto, a maioria das vezes com o marido que morreu há pouco e com o pai (pode ser que sejam lembranças ou fantasmas). É um livro bonito demais pra quem é muito cético mas taí tentando acreditar na mágica da vida. Raphael Vaz
Fim de Partida Samuel Beckett
Nessa peça, quatro pessoas dividem um abrigo: um artista cego e paralítico, seu criado-enfermeiro manco que, por causa de uma doença, não consegue se sentar e os pais do artista, dois idosos que vivem numa lata de lixo e agem como crianças. nunca chega, com escassez de mantimentos e remédios. As falas entram num ciclo de repetições que testemunham a falência da linguagem e da memória com um
PARA LER
Hilda Hilst
humor negro muito foda. Apesar da tragicidade, é tudo bem engraçado. Eu mesmo me senti uma pessoa cruel ao rir das situações esdrúxulas, mas senti também meu amor pela humanidade e isso foi redentor. Fim de Partida é uma peça escrita entre Esperando Godot e Dias Felizes. Críticos já disseram que é uma trilogia. Dá pra ler as três numa sentada. Faça-se o favor, e depois pode ver os romances fodas também, Beckett é o campeão. Raphael Vaz
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