Revista Noize #80 - Carne Doce - Setembro 2018

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#80 // Ano 12

expediente

Tônus é inorgânico, mas !"#$%&'"()!#'*+,"

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passional, um álbum que oscila

Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha

Editores Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli

entre sombras duras e feixes

Gerente Financeiro Pedro Pares

Coordenação de Projetos Brenda Beloni Jordana Monteiro Júlia D’Ávila Sheila Pinheiro Thais Martins

Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha RH Taisla Heres Coordenação de A e Jaciel Kaule Diretores de A e Árthur Teixeira Guilherme Borges Diretores de A e Jr. Jade Teixeira Lucas Abreu Vitória Proença Assistentes de A e Guilherme Ferreira Maicon Pereira Produção Dani de Mendonça Lia Procati Coordenação de Vídeo Lucas Tergolina Vídeo Diego Machado Humberto Ferreira Pedro Krum Shandler Franco Thaíse Silva Foto Mell Helade Novos Negócios Leandro F. Gonçalves

-%.#/0*&1&/#0%&1 !"#$%&-%'"-2&'3)4 Coordenação de Projeto Karen Rodriguez Editor Ariel Fagundes

de luz e lembra que o fôlego surge quando criamos ritmo. Aqui no Lado A da revista, buscamos o relaxamento. Salma Jô expõe seus cadernos de

Atendimento Interno Ingrid Mônaco

composição, Macloys Aquino dá

Redação Camila F Oliveira Daniela Barbosa Fernanda Zandavalli Guilherme Flores Rodrigo Laux Tássia Costa Vinicius Rocha

dicas de como atingir tônus, e Dinho Almeida, do Boogarins, responde 5 perguntas. Ainda desbravamos a música goiana e mergulhamos nas entranhas do

Planejamento Eduardo Mello Gabriela Etchart Julia Brito Juliano Mosena Luan Pires Mickael Prass Tainá Cíceri Thiarles Wäcther

novo disco do Carne Doce. O Lado B tensiona. O ensaio das Páginas Negras traz fotos de Eva Schul, que, aos 70 anos, é

Mídia Aline Oelrich Laura da Luz

uma pioneira da dança moderna

Community Manager Ana Paula Pause Laís Soares Maurício Teixeira Vanessa Castro

brasileira, e uma fala de Baby

6-#0"

Lucinha Turnbull, conhecida por

Gerente de Planejamento Marcel Maineri

ter gravado álbuns históricos

do Brasil sobre a força do dançar. Também entrevistamos

e por ser a primeira mulher

Coordenação de Projetos Carolina Farias

guitarrista do país, e abrimos uma roda de conversa entre

Assistente de Projetos Helena de Oliveira

mulheres que ocupam a frente

Planejamento Matheus Barbosa

dos palcos hoje.

Redação Camila Benvegnú Jéssica Teles Pedro Veloso

Co-Editor Fernando Correa

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Repó er Brenda Vidal

boost@boost.mn boost.mn

Alongue-se, ligue o tocadiscos e aproveite as páginas seguintes. Ariel Fagundes

Community Manager Hayane Leotte

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noize.com.br

colaboradores Brenda Vidal Quase jornalista vivendo um ritmo que só a música pode acompanhar. Apaixonada por cultura, arte e negritude.

Leonardo Baldessarelli Jornalista e publicitário. Fã do bizarro, do surpreendente e do mentiroso - ainda não sabe se é bom ou ruim, mas confunde a vida e a música como uma coisa só.

Carne Doce Banda goiana formada por Salma Jô, Macloys Aquino, Aderson Maia, João Victor Santana e Ricardo Machado. Aqui, eles expõem sua Discoteca Básica, indicam livros e fi lmes e revelam detalhes da sua intimidade criativa.

Eduardo Carneiro Fotógrafo baseado em Porto Alegre, muitas vezes viajando por aí. Sua paixão em fotografar pessoas o faz transitar entre publicidade, moda e arte. Rodrigo Laux Jornalista, músico e membro do coletivo Música da Casa Verde.

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Baby do Brasil Lenda da música brasileira, notória tanto pela formação d’Os Novos Baianos quanto por sua carreira solo. Aqui, dá um depoimento sobre o poder da dança.

Ingrid Mônaco Feminista e amante da música e do cinema. Jornalista, apaixonada por moda e por tudo que emana expressão.



T E XTO _

A RT E _

F OTO _

Brenda Vidal

Gui l herme Ferreira

Vitória Proença

noize.com.br

2. Como foi a composição de “Amor Distrai (Durin)” e “Brincadeira”? Por que elas foram parar em Tônus e não em algum trabalho do Boogarins?

5 perguntas para

Dinho Almeida O vocalista e guitarrista do

De “Amor Distrai (Durin)”, só fiz o refrão. Ele estava na minha cabeça, achava muito safado e maluco. Apresentei pra banda e funcionou bem. Já “Brincadeira” foi feita em cima da melodia que o Macloys fez e me mostrou. Fiz a letra na hora e gostei muito do desenvolvimento todo. Pelas canções serem fruto daquele momento, das conversas com eles, da nossa relação, achei que fazia todo o sentido que saíssem em um trabalho do Carne Doce. 3. Para você, qual é o coração de uma composição? Acho que o coração de uma composição é essa ideia a ser desvendada, que tem vida própria. Eu gosto da mú-

Boogarins trocou a acústica

sica que tem um fundo a ser desvendado. Não me preo-

das igrejas pelos palcos de

cupo em passar um sentido, mas sim em ter um sentido

festivais do Brasil e do mundo.

e trabalhar aquele sentimento ou ideia. Faço música para os outros sentirem e falarem o que quiserem.

Ele colaborou com duas letras em

Tônus e, aqui, batemos um papo com o músico sobre sua relação com a composição, com o Carne Doce e com a cidade de Goiânia.

4. Que papel sua vivência em Goiânia tem em sua formação como artista? Nasci em Apucarana, no Paraná, mas quando cheguei em Goiânia, entrei muito no fluxo de tocar com bandas nos bairros, depois nas festas, de sexta a domingo.

1. Como você conheceu e se aproximou do Carne Doce?

Essa coisa da cena goiana, com seus

Não lembro exatamente como a gente ficou amigo, mas acho

shows, e de ser o menino esquisito de outra

que foi logo que eles começaram, a gente lançou nosso disco

cidade, moldou muito o meu jeito de tocar,

e eles estavam começando a gravar o deles. Começamos a nos aproximar e a conversar, porque fazíamos um som pare-

cantar e criar. Goiânia é seca, me deu sede. E essa sede dá vontade de fazer coisas.

cido, somos bandas da mesma cidade e que, de certa forma, encaram as mesmas dificuldades. De repente, a gente estava indo na casa deles, trocando ideia sobre composição. O primeiro momento em que a gente sentou junto para tocar e conversar foi fazendo “Benzin” [lançada pelo Carne Doce no seu

5. Quais são os próximos planos do Boogarins? O disco novo está pronto faz muito tempo e, em breve, ele sai. Como a gente lançou o

disco homônimo de estreia (2014) e pelo Boogarins no álbum

último [Lá Vem A Morte (2017)] de surpresa,

Manual (2015)]. A gente já tinha toda a estrutura da música,

agora temos o direito de ficar ouvindo esse

mas tinha só um verso. Joguei na mão deles e, na hora, fize-

depois de pronto.

mos o outro verso. Aí a gente foi ficando cada vez mais amigo.

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A vocalista e letrista do Carne Doce fala do que sente ao transformar seus sentimentos em palavras. Aqui, ela expõe algumas páginas dos seus cadernos íntimos de composições.

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Salma Jô

Ariel Fagundes

Vitória Proença

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É porque entrei tarde na música, todo mundo começa a tocar adolescente. E eu não toco nada. Por isso, também, que assumo as letras da banda, esse é o meu território. Antes disso, eu nunca tinha imaginado a possibilidade de que eu mesma poderia fazer letras, achava que era uma habilidade que eu não tinha.

Um talento com o qual eu não nasci, que eu não era inteligente o suficiente, que eu não tinha o dom da poesia. Na verdade, acho que não tenho o dom da poesia, que estou num campo em que as minhas letras não sobrevivem sozinhas como poesia, elas precisam da música.


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Sou super insegura com as minhas composições, eu nunca me acostumo com isso. E é totalmente contraditório: eu quero que todo mundo goste ao mesmo tempo em que eu duvido. É divertido, você tem muito poder compondo e emocionando as pessoas, mas você também tá se arriscando a simplesmente errar, não emocionar ninguém e ficar à deriva. E isso é triste.

Sempre vivo esse dilema na hora de compor, essa dificuldade, esse desespero de que você tem que emocionar as pessoas. É uma obrigação sua, parte do trabalho é ser bem-sucedido nisso. Mas eu gosto de como a dor soa, acho que consigo emocionar falando da dor. Também sei escrever coisas doces, mas gosto de explorar a dor.


Hoje, o Carne Doce não está totalmente relaxado, mas também não está tenso. Como um músculo que se exercitou muito, o grupo ficou mais forte. E é da luta entre a fibra e a fadiga que vem o Tônus. 20A


T E XTO _

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Ariel Fagundes

Rafael Rocha

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O amor foi inventado por outros apaixonados Tudo começou no dia em que Salma Jô e Macloys Aquino se conheceram sem querer. Na ocasião, Mac havia ido com sua ex-namorada encontrar um amigo dela, que, no caso, estava acompanhado pela Salma. Isso foi em 2008. Poucos meses depois, em fevereiro de 2009, Mac estava terminando com sua ex quando, um dia, de novo sem querer, deu de cara com Salma em um show, dessa vez sozinha. Ali, se beijaram pela primeira vez e, menos de 20 dias após esse (re)encontro, já estavam morando juntos na casa em que estão até hoje e que se tornou o escritório e estúdio do Carne Doce.

listas, pelo clima. Eu passei a ser meio que uma “ídola” feminina. Mas eu sei que eu não sou uma referência feminista. Uma referência feminista deveria ser uma intelectual. Eu sou uma artista. As questões são grandes e não sei respondê-las, isso me deixa incomodada, ressinto não ser mais inteligente. Não tenho competência pra falar politicamente e isso foi cobrado de mim. E que eu estava me beneficiando da pauta pra vender música. Bom, sou uma mulher e estou falando de sentimentos femininos. Faço letras sobre minhas experiências pessoais, então foi natural pra mim fazer uma letra como a de “Falo”. Mas não previ como ela seria interpretada. “Pelo contexto político nacional, fomos absorvidos pela pauta”, diz Mac. E Salma segue:

Para o casal, a banda nasceu em 2011. Salma, na época, era backing vocal da The Galo Power, mas sentia falta de cantar canções em que se expressasse mais. Já Mac tocava na Mersault e a Máquina de Escrever, que estava prestes a encerrar suas atividades. A parceria do casal aconteceu sem nenhum planejamento prévio: “Fiquei inventando umas letras, um dia tive coragem de mostrar pro Mac, ele achou legal e aí criou uma base”, lembra Salma sobre “Dos Namorados”, a primeira música que fizeram e que marcou a gênese do Carne Doce.

- A gente não disse que o disco era feminista. Acho que o Princesa é visto assim por ter sido contaminado por “Falo” e “Artemísia”. “Princesa”, se você for ver a letra, não tem nada de denúncia. Mas existe essa interpretação, e não fui eu quem dei. “Açaí” não é feminista, “O Pai” não é feminista, mas vira [sobre] o patriarcado. Caiu perfeito no contexto e ganhamos e perdemos com isso - avalia Salma.

Dos Namorados acabou sendo o nome do primeiro EP que eles lançaram, em 2013. No ano seguinte, veio o álbum homônimo de estreia e, com esse repertório, a banda fez vários shows em cidades como Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. Eles já eram considerados um dos destaques da cena goiana, mas depois que saiu o segundo disco, Princesa, em agosto de 2016, houve uma ampliação do alcance do grupo. O álbum projetou o Carne Doce para as páginas dos maiores jornais do país, garantiu apresentações em vários festivais do Sul ao Nordeste e levou a banda a tocar em capitais tão distantes quanto Belo Horizonte, Natal, Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Recife, João Pessoa e Florianópolis. “Princesa foi um sucesso”, diz Salma sem falsa modéstia. Aproveitando essa hemorragia Trazendo faixas que abordam temas como o aborto e a opressão às mulheres, Princesa foi lançado em sincronia com a recente expansão dos debates sobre o feminismo no mundo, cujos impactos são visíveis na grande mídia, na publicidade, na produção cultural como um todo e nas rodas de conversa de muita gente. “Com o Princesa, nosso público feminino cresceu, conseguimos ver isso estatisticamente, e isso foi massa”, comenta Salma:

Talvez parte dessa interpretação do público tenha a ver com o protagonismo de Salma na banda, tanto por ser letrista e vocalista quanto por ser a pessoa que está mais em frente aos holofotes. Perguntados sobre como se sentem sendo quatro homens tocando canções que sempre partem de um olhar feminino, os membros do Carne Doce são unânimes ao dizer que ficam muito satisfeitos. “É um privilégio poder contribuir com essa música”, diz o baixista Aderson Maia. “E é uma oportunidade de enxergar a vida sob outra ótica”, diz o baterista Ricardo Machado. “A gente é fã dela também. E sou muito tímido, se estivesse na posição de ter que encabeçar uma banda e ser o porta-voz eu estava fodido”, brinca o guitarrista João Victor Santana. “Eu não tenho condição de oferecer uma letra minha pra Salma. Ela tem uma capacidade de traduzir sentimentos e ser lírica que ninguém questiona”, diz o guitarrista Mac. Salma, perguntada sobre como se sente sendo a única mulher da banda, também diz que está “de boa”:

- O disco também trouxe a crítica política, porque foi vendido como sendo político. Não por nós, mas pelo público, pelos jorna-

- Existe uma dinâmica específica nisso, alguma coisa acontece entre meninos e uma menina. Eu acho que isso até me dá mais poder, porque eles ficam intimidados de me criticar. Isso, às vezes, é até negativo. Mas fico confortável, nunca sofri, nunca desejei ter uma parceira mulher na banda para que as coisas acontecessem de uma maneira diferente. Já me irritei com eles, é verdade. Mas também vejo eu fazer corpo mole ou dar uma

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trabalho

chifre

boi.

braçal”,

o

Maia

um Aderson

É

“É como agarrar pelo


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de manhosa de vez em quando e me aproveitar da situação pelo fato de eu ser a mulher do grupo. Isso acontece. Mas pouco, eu podia fazer mais (risos). Dance com seus medos Devido ao sucesso e às cobranças de Princesa, Salma conta que refletiu muito sobre as letras do disco seguinte e diz que Tônus reflete um “olhar mais frio” dela. - Meu trabalho continua sendo o mesmo: emocionar as pessoas. O que tenho que sofisticar agora é o que eu faço bem, que é explorar a angústia, a depressão, o sentimento de incompetência, de fragilidade, revelar a força que está na vulnerabilidade. Existe a força de encarar a dor, e documentar isso talvez seja mais importante politicamente do que eu militar. Eu não sou tão habilitada ou competente para militar. As nuances da complexidade dos nossos sentimentos, de como podemos ser fortes e fracos ao mesmo tempo, e querer justiça sendo tiranos, essa hipocrisia, eu gosto de explorar isso. E as coisas que me doem, de que tenho vergonha, que me instigam. Retomei isso no Tônus, no sentido de repensar o que é mais forte pra canção e não pra responder tudo que preciso responder enquanto mulher e líder do Carne Doce. De certa forma, foi isso que me levou a “Falo”. Todo mundo está sendo instigado, e isso é saudável, a ver sua própria posição e seu lugar de fala. Mas acho que, para a minha canção, o meu lugar de fala não é o mais interessante. É nisso que tentei focar em Tônus. E em buscar o que era essencial do Carne Doce - explica Salma. É difícil ouvir o disco sem reparar em um certo mal-estar que permeia o sentido da maioria das letras. A dor está presente, seja em temas ligados a uma dimensão social, como em “Golpista” e “Besta”, ou relativos à esfera familiar, como em “Ossos” e “Irmãs”, ou à vida de um casal, como é o caso de “Comida Amarga” e “Nova Nova”, ou ainda em relação ao seu próprio corpo, como em “Tônus”. “Falta de sentido, medo da vida, medo de ficar entediado, depressão, ansiedade, falta de representatividade política e de ideal de grupo, insuficiência existencial, rejeição, o vazio, a crise” são alguns dos sentimentos presentes nas composições do disco segundo Salma. - “Comida Amarga” e “Nova Nova” falam sobre a incapacidade de satisfazer o outro. Acho que isso

também reflete a questão do Princesa porque atingimos um sucesso, mas levamos umas porradas e fomos muito criticados por estarmos ocupando um espaço que não mereceríamos. Esse ressentimento apareceu no disco - diz Salma. A atmosfera densa levou a banda a considerar nomes como “Drama”, “Amargo” e “Ingrata” para o disco. No fim, Tônus foi escolhido por trazer a ideia de “um músculo firme, pronto para entrar em atividade, não totalmente relaxado e não totalmente tenso”, comenta Salma: “Dá um sentido de resiliência e de superação, de que todo sofrimento nos torna mais fortes”, diz. “Tem um sentido bem positivo, tônus é algo que você precisa para enfrentar a vida”, aponta Aderson. As faixas com um tom menos tenso são minoria, nesse sentido destacam-se a maternal “Já Passou”, “Brincadeira” (cuja letra é do Dinho Almeida, do Boogarins) e “Amor Distrai (Durin)”, que resgata uma sexualidade explícita que havia ficado de fora do Princesa, mas que já havia aparecido em “Passivo”, do álbum de 2014. Salma e Mac dizem que acham bem importante falar de sexo: - Porque é divertido, sabe? É massa. E é bom falar de vulgaridade num território onde não se fala de vulgaridade. Sinto que tem sido perigoso, nesse nicho em que a gente está, falar do desejo sexual e de todas as nuances dessas preferências, tudo é muito problemático. Então é melhor falar da maneira que seja menos tóxica, com menos risco de ofender alguém. Acho que falo de sexo sendo vulgar, mas sem ser ofensiva, com facilidade - diz Salma. Mac lembra que outro grande tema do disco é o fim da juventude: “Estamos começando a nos relacionar com o corpo de outra forma”, diz. “O corpo está tão presente no disco porque a gente está envelhecendo”, reflete Salma.

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“O corpo está tão presente no disco porque a gente está envelhecendo”, Salma Jô


Mac cita como exemplo disso o violão de “Já Passou”, cuja gravação usada no disco foi um registro que ele fez apenas para mostrar a música para a banda. Apesar de ser um som cru e caseiro, todos se emocionaram demais com o sentimento captado ali. “A base estava muito bonita, aí usamos aquela gravação mesmo”, diz João. “Por mais que tenhamos passado uma semana inteira num estúdio incrível com equipamento milionário, essa captação foi feita com um iPhone”, diz Braz. O processo todo de fazer Tônus foi bastante rápido, levou cerca de um ano. No meio de 2017, a banda se inscreveu no edital Natura Musical e, no fim do ano passado, foram anunciados como um dos escolhidos para o patrocínio. A partir de janeiro de 2018, já começou a fase de pré-produção no estúdio caseiro do grupo. No fim de março, eles passaram uma semana fazendo a maior parte das gravações do disco no Up Music Studio, um conhecido estúdio de Goiânia onde muitos astros da música sertaneja já gravaram. Até maio, haviam terminado as captações que faltavam, dessa vez no Complexo Estúdio, um espaço importante para a música alternativa local. Lá, também foi feita a maior parte do trabalho de mixagem. No dia 17 de julho, o Tônus foi lançado e não demorou até que começasse a arrancar elogios da crítica especializada.

A terra ainda é boa Uma das consequências naturais da passagem do tempo é o acúmulo de experiência, e isso foi determinante para que a banda pudesse explorar novas formas de criar sua música. Assim como nos discos anteriores, a produção de Tônus ficou nas mãos do guitarrista João Victor Santana, mas ele explica que esse álbum foi feito de forma completamente diferente dos outros: - Foi o primeiro em que a gente começou a trabalhar com samples, bateria eletrônica, baixo eletrônico. E o primeiro que tem uma música toda montada, “Nova Nova”, que surgiu na ideia de samples. Percebi que poderíamos fazer alguns improvisos e só montar as melhores partes.

Com seu pique, seu vigor Agora, o Carne Doce volta-se para algo que já aprendeu a fazer: pegar a estrada: “A gente fala que é como agarrar pelo chifre o boi. A música por si só não vai chegar sozinha, ainda mais na cena independente. A gente tem que fazer shows, é um trabalho braçal”, comenta Aderson.

“Foi interessante, eu fui gravando o mesmo groove várias vezes e o João recortou esses loops e foi montando”, lembra Ricardo. “Não fomos pro estúdio com os arranjos 100% fechados, fomos com algumas ideias. Chegando lá, gravamos várias coisas e, depois, os meninos editaram os improvisos”, explica Aderson. “Trabalhar assim e com sonoridades não acústicas foi bem natural porque tem a ver com muitas das referências que o João estava ouvindo”, comenta Braz Torres Neme, que mixou Tônus com João. “Eu estava escutando o novo disco do Preoccupations, New Material, o Flower Boy [do Tyler, The Creator], a banda Vida Seca aqui de Goiânia, o Darkside [projeto de Nicolas Jaar com Dave Harrington]”, cita João, que complementa: “E nesse álbum, a Salma veio com a ideia de cantar com menos gritos. Isso interferiu em tudo, começamos a brincar mais com as atmosferas”. “É um disco mais calmo, menos barulhento”, avalia Mac. “É mais consciente, menos ansioso”, completa Aderson. “É o resultado de quatro anos tocando juntos”, resume Ricardo: “A banda ficou cada vez mais entrosada e isso deu oportunidade de arriscarmos novos paradigmas”. “Musicalmente falando, aprendemos a lidar melhor um com o outro”, comenta Mac: “Acho que a produção é um trabalho muito mais sensível do que técnico, e o João aprimorou muito a capacidade de nos entender”.

Como a banda não tem uma produção externa e faz praticamente sozinha boa parte do trabalho de agendamento de datas, logística, produção gráfica e de merchand, o difícil é equilibrar as funções burocráticas com a criação artística. “A gente não equilibra, na verdade. Fica desequilibrado mesmo”, avalia Salma. - Tem dias em que penso que a gente poderia, ao invés de estar fazendo o operacional, estar ouvindo música, conversando com artistas, compondo mais, mas passamos a maior parte do tempo resolvendo coisinhas. Mas a minha perspectiva é de que estamos sempre trabalhando para algo que é nosso, o diferencial é esse - diz Mac. Lá atrás, foi o ânimo de um casal apaixonado que fez nascer o Carne Doce. Hoje, é bonito ver como só cresce o tesão que a banda sente ao espalhar o seu som. E é claro que cansa, ser uma banda no circuito de música alternativa no Brasil é cansativo demais. Mas o Carne Doce já pôde entender que o orgasmo que se sente ao fim de cada show compensa cada gota de suor.

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“Eu sei que não sou uma referência feminista”, Salma Jô


Tônus faixa a faixa Salma Jô, Macloys Aquino, João Victor Santana, Ricardo Machado e Aderson Maia comentam aqui todas as músicas do disco.

Lado A 1) Comida Amarga Foi a primeira música. Começou como uma jam, pegamos um tema e a Salma já começou a trabalhar na letra”, João. “É sobre desilusão, sobre se sentir rejeitada. É um sentimento muito destrutivo e é interessante o tanto que a gente mergulha nessa dor e nessa angústia. Tem gente que lida bem com rejeição, mas eu nunca lidei bem”, Salma. “Quando estávamos começando ela, lembro de o João já pensar em um arranjo que fosse e voltasse na mesma nota, é um ciclo”, Aderson. 2) Irmãs “Eu me inspirei em parte da minha experiência com minhas irmãs. Eu era a mais nova e sempre olhava elas como referências de maturidade, de comportamento, de beleza, de poder, do meu próprio futuro. Achei interessante abordar isso, mas

também refletindo a minha mãe. É mais sobre uma referência feminina íntima que tem uma dualidade, não é só uma heroína, pode ser sua vilã, você pode competir com ela. E foi uma música que a gente trabalhou bem em conjunto”, Salma. “Nasceu em Uberlândia, na passagem de som, o Mac puxou uma [base de] guitarra, logo fui com o baixo, o Ricardo já botou uma batera. A gente chamava ela de ‘Uber Groove’, porque veio lá de Uberlândia”, Aderson. 3) Besta “Eu não gostava dessa. Eu ficava em dúvida, não acreditava muito nela, mas, depois que mixou, comecei a achar ela interessantíssima. O trabalho do João e do Braz [Torres Neme, que mixou o disco com João] revelou muitas coisas nas músicas”, Mac. “Foi uma das primeiras que saiu. Começou com esse mote do [lema] ‘apoie a cena da sua cidade’, que acho que é meio vazio, ineficiente e desesperado. As pessoas não

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Ariel Fagundes

respeitam quem está desesperado. Acho que as pessoas vão viver uma experiência se elas estiverem a fim, vão ouvir o que elas estiverem a fim e vão gostar do que elas gostam mesmo. Não adianta forçar a barra. Isso é um drama, mas é uma condição a priori do nosso trabalho, é o ponto de partida: a gente trabalha com o interesse das outras pessoas e com a dificuldade de ter que emocionar alguém que não tem obrigação nenhuma de gostar do que você faz”, Salma. 4) Amor Distrai (Durin) “A Salma tinha feito a letra e eu fiz uma base, mas a gente não conseguia desenvolver o refrão, ficamos meses com esse troço parado. Um dia, a gente estava numa festa e o Dinho [Almeida, do Boogarins] cantarolou o refrão no meu ouvido: ‘Porque eu só gozo assim, em alto e bom som’”, Mac. “Quando ele passou esse refrão, ele falou: ‘Tenho uma letra que não dá pro Boogarins, eu não consigo cantar, não tenho coragem, mas acho que vai encaixar bem pra você’”, Salma. “Ela tem um papel importante por ser mais solar, chega abrindo”, Aderson. 5) Brincadeira “Essa foi uma em que gente pôde explorar mais uma coisa meio escura no som da bateria, é a música com o beat mais lento, o momento do disco em que dá uma cadenciada”, Ricardo. “Eu tinha a ideia da base e a gente não tinha a letra. Um dia, o Dinho [Almeida] foi lá em casa, eu mostrei pra ele e ele inventou a letra e a melodia”, Mac. “Eu fiquei preocupada. ‘Puta que pariu, vai ser a melhor música do disco e não é minha!’”, Salma.

Lado B 1) Já Passou “Tudo que eu pensava era muito pesado e eu estava me sentindo obrigada a escrever algo doce. Aí fui no amor, mas num amor maternal e nada erótico, o amor que sinto pelos meus sobrinhos, e pelo Mac, esse amorzinho maternal. Aqui vem o lance da fragilidade de quem é o protetor. ‘Se você chorar, eu choro também e é o seu amor que pode me fortalecer’. Achei isso bonito”, Salma. “Foi gravada na fase de pré-produção, gravei aquele violão pra gente estudar ela, mas o João disse: ‘A gente não vai conseguir reproduzir num estúdio o sentimento que você colocou aqui, já tá pronta, o violão é isso’. Foi gravada lá em casa, no final de uma manhã, os passarinhos estavam ali e eles foram captados. É um clima de casa”, Mac. 2) Tônus “A gente tinha feito ela há muito tempo e eu achava ela meio pra baixo. Aí ficou meio parada. No afã de fazer o disco, a gente estava brincando com ela e ficou deliciosa, mudou. É a música de virada, e acho que a Salma destruiu nessa letra, ela que não gosta muito”, Mac. “Acho que o refrão poderia ser melhor, mas eu não encontrei nada melhor pra botar no lugar. É sobre envelhecer, ver a juventude de longe é uma experiência nova pra mim. Eu era jovem até ontem e agora meu corpo tá me contando uma outra história”, Salma. 3) Ossos “Foi tornar poética uma dor que eu conheço. ‘Quase todo café da manhã foi feliz’, isso é uma lembrança minha de que as discussões eram sempre no café da manhã. É sobre a destruição de um sonho, um caos, um inferno chegando. É

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bem deprê”, Salma. “O João estava bem inspirado no Zoo Kid [nome que Archy Ivan Marshall usava antes de adotar o nome de King Krule], e me falou: ‘Escuta isso pra gente fazer ‘Ossos’”, Mac. 4) Nova Nova “Foi a última música a ser feita. No final de um ensaio, a gente já estava cansado e a Salma falou: ‘Tenho essa base aqui’. E o João já gravou”, Mac. “Uns dois dias depois, chegou com a música pronta”, Aderson. “Pensei em fazer uma coisa sem harmonia, queria que cada instrumento fizesse uma linha melódica. No fim, todo mundo tocou improvisando, até o vocal foi todo improvisado”, João. “Gravamos várias versões e, depois, o João editou, ela foi montada mesmo”, Aderson. “É a mais inorgânica do disco”, Mac. “Puxei o lance da identidade que você toma quando assume um romance e que você tem que se desfazer quando ele acaba. E é também sobre o ressentimento, a mágoa, a dor, acho bom falar disso (risos) Aí, sofrência é bom”, Salma. 5) Golpista “É a que eu mais gosto. É meio confusa, mas é muito bonita e tem um tempo estranho”, João. “A forma como ela se desenvolve é a sacada, ela vem calminha, um pouco estranha, aí no final vem com aqueles graves… Na primeira vez que ouvi, arrepiei até o pé”, Mac. “É sobre esse sentimento que vem depois de junho [de 2013], uma falta de representatividade, de diálogo, de entendimento, não se acredita mais nas instituições, a democracia não é mais suficiente, é toda essa crise que gera uma falta de sentido. As pessoas estão meio paralisadas, entediadas e, ao mesmo tempo, ansiosas pra reagir e não sabem como. É sobre toda essa confusão”, Salma.





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Ingrid Mônaco

Jade Teixeira

Lembre do último show que você foi, quantas mulheres estavam no palco? Ok. Agora, dê uma olhada na sua coleção de discos, quantos deles são de cantoras ou bandas formadas por mulheres? Hm. E pare pra pensar quantas vezes você já leu uma ficha técnica de um álbum ou de uma apresentação que contivesse o nome de mulheres em funções como produtora, engenheira de som, iluminadora, responsável pela mixagem e masterização... Pois é. Não é fácil ser mulher em lugar nenhum, e muito menos no mundo da música, cujos espaços de protagonismo ainda são normalmente ocupados por homens. Felizmente, essa narrativa está sendo reescrita e as novas gerações são capazes de destruir e reconstruir tudo o que foi (e ainda é) imposto. A cena da música independente tem uma potência sem igual para abalar as estruturas do machismo, e mulheres que surgem de todos os lados mudam o compasso desse ritmo diariamente.

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Sinto que, a cada geração, as coisas vão sendo facilitadas e as manas vão derrubando as barreiras cada vez mais cedo. Custou bastante para eu aceitar esse lugar de fala de mulher e abraçá-lo como um privilégio. Por mais que seja muito lindo, me senti pressionada por um tempo. Mas, agora, me vejo ainda mais empoderada por outras mulheres, sinto que o apoio mútuo é o que está prevalecendo na cena. Sinto-me muito em casa com os meninos da minha banda, mas teve uma trajetória para chegar até aqui, custou trabalho, várias conversas, muita franqueza e carinho.

Sendo mulher na música, é difícil alimentar e manter minha consciência política para poder me colocar nessa situação delicada. Percebo o momento político perverso, inclusive com relação à absorção da chamada inclusão das “minorias” como produto e pauta de mercado, enquanto essas mesmas pessoas continuam sendo totalmente excluídas e desfavorecidas pela mesma cultura que consome o que esse mercado produz.

Reunimos os relatos de cinco artistas que estão, hoje, no front desta indústria que sempre se mostrou tão hostil com todas nós: Juliana Strassacapa (do Francisco, El Hombre), Letrux, a DJ BadSista, Maria Beraldo, Gabriela Deptulski (do My Magical Glowing Lens) e Rita Oliva, mais conhecida pelo nome artístico Papisa. Suas falas se complementam como uma colcha de retalhos de vivências e sentimentos, formando uma grande roda de conversa que você lê aqui.

Ser mulher é o que tem de potente na música hoje em dia. A gente anda trazendo a energia do novo, que penetra nas fissuras óbvias da (i)lógica machista e consegue bombardeá-la e criar, a partir disso, lugares de igualdade para nós e para todas as outras mulheres. Sinto que a necessidade de revolucionar aquilo que não funciona mais é latente na gente.

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Vejo que está sendo um despertar para todos os lados. É uma necessidade que se coloque o foco sobre isso, se não, é muito fácil você só ter acesso a profissionais homens e ficar nesse comodismo de que “eu não conheço nenhuma mina que faz isso”. É importantíssimo dar espaço, não é questão de um gênero ser melhor que o outro, mas se a experiência não chegou às mulheres ainda, é porque o privilégio masculino muitas vezes as esconde. Por exemplo, no [festival] Bananada deste ano, foi muito massa ver um projeto de workshop para capacitar mulheres em toda parte técnica de som, iluminação, mixagem.

Se nós mulheres não criarmos essas redes de ajuda, de proteção, de contato e capacitação, de networking, se não fizermos do jeito que os homens fazem, vamos ficar nesse lugar pra sempre. É importante elevar a qualidade do trabalho de todas. Falando assim, parece que é algo muito radical, mas é o jeito.

Tenho banda desde adolescente e, no começo, eu cantava mais do que tocava. Foram anos de muito aprendizado onde senti que o papel da mulher na música, muitas vezes, ficava resumido à cantora/intérprete. Com a Papisa, acabei encontrando uma forma de me desenvolver como instrumentista e de ganhar confiança na minha própria produção, além da sensibilidade para chegar ao que eu queria musicalmente.

Sofro violências por ser mulher, por ser lésbica, mas me sinto bem preparada para lutar e resistir contra elas, isso pra mim é um desafio já transformado em combustível. Usar o espaço que me é concedido pelas minhas conquistas e pela minha posição privilegiada de pessoa branca para uma real mudança política altamente necessária são passos de formiga em uma corrida de cavalaria.

Existem muitas minas boas e periféricas e o dinheiro não chega até elas. E, quando vejo que os caras estão ganhando mais e eles têm várias equipamentos, penso: “Pô, eles se ajudam muito e têm várias coisas pra fazer um bagulho bem bobo”. Às vezes, o ódio de querer mudar a realidade é que faz você sempre ter que ser muito boa. Eu vim do nada, as oportunidades que tive, se eu não fizesse valer, podia nunca mais ter de novo.

Tive uma banda na qual quem cuidava de 90% de todas as necessidades era eu. Os homens só tocavam nos shows ou então ajudavam na parte mais legal (a parte chata ficava toda para mim). Eu me sinto muito orgulhosa e muito foda de ter saído dessa banda e dito um bom e ressonante “não” para todos eles. Foi bom saber me dar valor. Muitos homens têm essa mania de sobrecarregar as mulheres e nós, como estamos acostumadas, já que é cultural, acabamos sendo muito permissivas. Temos que parar e aprender a dizer com segurança, sem vacilar, em alto e bom som: não.

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Uma vez, no último ano do Letuce, chamei o Felipe Zenicola para ser nosso baixista substituto. No primeiro ensaio, mesmo que eu falasse, ele sempre confirmava com os outros músicos se ele estava certo. De noite, depois do ensaio, ele me mandou uma mensagem muito carinhosa, me pedindo desculpas por não ter perguntado pra mim, que compus e fui quem mais ouviu aquelas músicas na vida, se ele estava acertando ou não. Ele percebeu e veio falar comigo na boa, foi lindo, assim que tem ser.

Tem que ficar claro para todo mundo que não dá para colocar ninguém a salvo de cometer erros. Em algum momento, começaram a surgir denúncias em relação a vários homens da cena musical e teve uma situação com um dos meninos da nossa banda, depois foi totalmente esclarecida e fico feliz de ver que, hoje em dia, tá tudo bem, mas o que me doeu bastante foi que várias mulheres zeraram minha voz. Essa sobreposição da ação de um homem em relação a minha luta foi uma parada que me doeu bastante. Ninguém tem manual, só conversando e estando aberto ao diálogo é que se resolve as coisas.

Poderia fechar meus olhos para isso, poderia não ter reunido as minas pra fazer a Bandida [festa que busca fomentar a cena de DJs mulheres], mas sinto que, por eu ter feito isso, vai reverberando. A gente tem muito medo e síndrome de impostor, isso são coisas que precisam ser trabalhadas e o que estiver ao meu alcance para isso, eu vou fazer. Esse lance de você ver uma mulher sem medo estudando, fazendo, ecoa de várias formas, em diversos meios diferentes. É muito significativo.

O que os boys fazem muito é ficar detendo conhecimento, sabe? Isso, para mim, não faz sentido algum. Você tem que passar para frente e, tanto na postura quanto no discurso, tentar mudar as coisas porque o machismo é uma estrutura muito sólida e bem construída durante centenas de anos. Às vezes, você fica meio desanimada quando passa por certas coisas, mas, em compensação, você vê tanta mina empolgada correndo junto. Deixar esse conhecimento ir e vir é importante.

Fazer um disco no meu próprio home-studio é trabalhoso e leva tempo, mas tem me trazido muito aprendizado em relação a captação de áudio e produção musical, o que também me dá cada vez mais autonomia para criar do meu jeito. Ver outras mulheres traçando esse caminho é muito motivador, então espero que cada vez mais a gente possa falar sobre nosso trabalho, das nuances do nosso processo criativo e que o fato de sermos mulheres se torne cada vez menos importante do que o trabalho em si.

Eu acho que a gente alimenta muito o ódio no dia a dia. Pode parecer muito hippie isso, mas a gente tem que bater na tecla do amor e do diálogo, de ver as coisas de uma maneira mais complexa para buscar a equalização, como que a gente chega num ponto que seja benéfico para todo mundo? Se a gente só se separar fica difícil, acho que reunião é o caminho.

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T E XTO

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Ariel Fagundes

F OTO S

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A RT E

Rafael Rocha e Arquivo Pessoal

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Vitรณria Proenรงa

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Ela foi a primeira mulher a se tornar guitarrista profissional no Brasil. Gravou ao lado de nomes como Gilberto Gil, Rita Lee, Os Mutantes, Caetano Veloso, Jorge Ben Jor, Moraes Moreira e muitos outros. Hoje, aos 65 anos, Lucinha diz que nรฃo estรก satisfeita: ela quer ainda mais.

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Em 1939, Ronald Turnbull era só um jornalista escocês em Londres. Aos 25 anos, trabalhava em um jornal até que estourou a Segunda Guerra Mundial e foi recrutado. Como já conhecia a Dinamarca, foi mandado como adido de imprensa da missão diplomática britânica em Copenhagen. Quando a Alemanha invadiu o país, em abril de 1940, Ronald voltou à Londres, onde se casou com a brasileira Maria Thereza do Rio Branco, que conheceu em Copenhagen. Em 1940, ele entrou para o recém criado Special Operations Executive (SOE), órgão britânico responsável por ações secretas de espionagem, sabotagem e apoio a grupos de resistência à ocupação nazista. Em 1941, foi a Suécia, de onde organizou a infiltração na Dinamarca de soldados treinados pelos ingleses. Em agosto de 1943, teve acesso ao projeto da bomba V-1 e o repassou à Inglaterra meses antes de os nazistas atacarem Londres com essa nova arma. Em setembro de 43, convenceu o vencedor do Prêmio Nobel Niels Bohr a trabalhar com os Aliados na criação da bomba atômica e organizou a fuga do físico dinamarquês até a Grã-Bretanha. Ronald Turnbull era um agente muito importante, conhecido e procurado pela Alemanha Nazista.

Menos de um mês após o fim da guerra, em setembro de 1945, sua esposa morreu em um acidente de carro e Ronald largou o serviço governamental para morar no Brasil com seus filhos. Em dezembro de 1946, se casou com Maria Helena Arantes Negro, que, em 22 de abril de 1953, deu à luz Lúcia Maria Turnbull, a Lucinha. - Sabíamos que ele trabalhou nessa organização, mas nunca deu detalhes. A gente perguntava e ele só dizia: “This is between me and the Queen [Isso é entre eu e a Rainha]” - conta Lúcia no papo que tivemos. Ela explica que seu pai e sua mãe sempre foram pessoas ligadas às artes e ouviam muita música. “Quando eu tinha uns 6 anos, meu pai trouxe da Escócia um compacto do Lonnie Donegan. Na mesma época em que os adolescentes [britânicos] estavam ouvindo skiffle, eu também estava”, lembra. Aos 9, Lúcia entrou em contato com os Beatles e, a partir dali, virou outra pessoa: - Minha irmã já ouvia os Beach Boys e eu achava legal, mas quando ouvi no rádio “I Wanna Hold Your Hand”... Nossa. Meu irmão mais velho falou que tinha um LP deles nas lojas e eu gritei: “Eu quero!”. Aí pronto. Ficava o dia inteiro ouvindo, coitada da minha mãe.

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De tanto ouvir os Beatles, veio a vontade de tocar. Lucinha ganhou da mãe o primeiro violão aos 12, um Del Vecchio com escala anatômica. Um ano depois, se juntou a alguns vizinhos na CAPOP (sigla para Cagando e Andando Pra Opinião Pública): “Era rock, tocávamos The Kinks, The Outsiders. Eu só cantava e tocava pandeiro”. Com as antenas ligadas no rock efervescente, Lúcia se tornou fã de O Pequeno Mundo de Ronnie Von desde que o programa estreou na TV Record, no dia 15/10/1966. A data também marcou a estreia d’Os Mutantes, que, até meados de 1967, foi banda de apoio do programa de auditório. O pai de Lúcia sempre a levava nas transmissões, tanto que ela acabou ficando próxima do apresentador. - O Ronnie era maravilhoso, eu frequentava a casa dele. Um dia, eu estava lá e Os Mutantes foram e não me deram a menor bola. Tipo: “Somos artistas. Quem é você?”. Por questões profissionais do seu pai, Lucinha morou em Londres por dez meses quando estava com 16 anos. Ela foi até lá de navio e conta que, na viagem, ouviu ao vivo no rádio o histórico show que os Rolling Stones fizeram no Hyde Park, na capital inglesa, dois dias após a morte do seu ex-guitarrista Brian Jones. Em 1969, a cidade estava imersa no rock n’ roll e, lá, Lucinha diz ter visto bandas como Deep Purple e Ten Years After. Lá, também entrou em uma banda folk chamada Solid British Hat Band. Em 1971, o grupo lançou o LP Mister Monday & Other Songs For The Teaching Of English, mas, quando Lúcia tocava com eles, o clima era bem informal: “Tocávamos por sanduíches, por uns trocados”, conta. Ainda na Inglaterra, mandou uma carta de fã para Arnaldo Baptista, d’Os Mutantes, e ele lhe respondeu. Em 1970, de volta ao Brasil, ela assistiu a um show deles no Clube Tietê e, no fim, foi

direto falar com a banda, que, dessa vez, lhe deu bola: “Agora eu era uma pessoa que tinha morado em Londres. Se você está em Londres, você é alguém”, comenta. A partir daí, começou a fazer parte do círculo íntimo de Arnaldo, Rita Lee e Sérgio Dias. “Era um grupo que andava junto. Eu ficava lá, tocava um pouquinho com o Sérgio, ele ficava me desafiando pra ver se eu perdia o ritmo, e eu não perdia”, lembra. Até 1972, Lúcia esteve bem próxima deles. Naquele ano, saiu Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, o último disco com Rita Lee. Eles ainda fizeram juntos o Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, que, por decisão da gravadora Polydor, saiu como o segundo LP solo da Rita ao invés de ser um álbum da banda. Na verdade, esse foi o último trabalho gravado pelos Mutantes com a presença de Rita, que saiu do grupo no fim daquele ano. Quem também está nesse disco é a Lucinha, que gravou vocais nessa que foi sua primeira experiência em estúdio. O ano de 1972 também foi importante porque marcou a entrada da guitarra elétrica na vida dela. Na metade do ano, ela abriu, sozinha, voz e violão, um show que Os Mutantes fizeram no Teatro Oficina. Semanas depois, foi convidada pelo diretor e ator Luiz Antônio Martinez Corrêa para tocar na sua célebre montagem de O Casamento do Pequeno Burguês, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. No dia 30/06/1972, a peça estreou no Oficina e Lucinha tocou guitarra em público pela primeira vez. Ela conta que nem tinha um instrumento elétrico na época, tocava em uma Giannini Diamond emprestada pelo amigo Ruffino Lomba Neto. Sua primeira guitarra foi veio de uma viagem que fez a Londres, também em 72, com Rita Lee, Liminha e sua ex-esposa, a fotógrafa Leila Lisboa Sznelwar. “Comprei de segunda mão uma cópia japonesa de Les Paul”, conta.

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FESTIVAL ÁGUAS CLARAS, 1983

COM RITA, À FRENTE DO TUTTI FRUTI, 1974

COM ERASMO, 1983

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COM A SOLID BRITSH HAT BAND, EM LONDRES, 1969

COM GONZAGUIHA, NA GRAVAÇÃO DE AROMA , PRIMEIRO E ÚNICO DISCO SOLO DE LUCINHA, 1980

COM GIL, NA TURNÊ DE LANÇAMENTO DE REFAVELA, 1977

CANJA COM GIL, 1981 41A


Em 1973, Rita Lee foi convidada para abrir o show d’Os Mutantes na abertura do festival Phono 73. Como conta no livro Rita Lee - Uma Autobiografia (2016), ela logo pensou em chamar para essa apresentação a “única groupie talentosa dos tempos mutantescos”, descrita nas memórias de Rita como uma guitarrista simpática, engraçada e com “munheca de macho”. Nasceu assim o projeto Cilibrinas do Éden, dupla de Rita e Lúcia que fez apenas esse show tocando novas composições de Rita (como “Mamãe Natureza”) com uma estética de folk rock. Na sua autobiografia, Rita diz que a dupla foi vaiada pelos fãs d’Os Mutantes que estavam ávidos por ver a banda apresentar sua nova sonoridade ligada ao rock progressivo. Poucos meses depois, Rita chamou Lúcia para montarem uma banda e convidaram a se juntar a elas Luis Sérgio Carlini (guitarra), Lee Marcucci (b aixo) e Emilson Colantonio (bateria). Essa foi a formação original do Tutti Frutti, que só gravou um disco, que se chamaria Tutti Frutti. Apesar de esse ser o primeiro álbum produzido por Liminha, ele não foi aceito pela Polygram na época, fato que motivou Rita Lee e Tim Maia a destruírem juntos um escritório da gravadora, conforme Rita conta na sua autobiografia. Em 2008, essa gravação foi lançada em vinil e CD, e está disponível nas principais plataformas de streaming como se fosse um disco das Cilibrinas do Éden. Pouco depois, saiu o primeiro disco oficial do grupo, Atrás do porto tem uma cidade (1974). Nesse ano, Lucinha foi eleita a “Melhor Guitarra Rítmica do Brasil” pela Revista Pop e, segundo a autobiografia de Rita Lee, havia um duelo de egos entre Carlini e Lúcia. “A gente nunca teve problemas, a não ser com volume”, explica Lucinha: “Ele botava a [guitarra] dele muito alta e a minha sumia”. Em seu livro, Rita afirma que preferia “mil vezes” Lúcia do que Carlini como guitarrista, mas diz que ela estava tendo dificuldades de acompanhar os ensaios. Rita também afirma no livro que foi voto vencido quando houve a decisão de que Lúcia fosse retirada da banda. Na época, Rita e o Tutti Frutti estavam saindo da Polygram e indo para a Som Livre e Lucinha diz que sua saída “foi uma escolha mercadológica” da nova gravadora que “queria só uma mulher na banda”. O último show de Lucinha com o Tutti Frutti foi no festival Hollywood Rock, em 1975, registrado em LP e no filme Ritmo Alucinante.

Eric Clapton estava na plateia do Hollywood Rock e, em uma festa após o evento, Lúcia teve um encontro rápido, mas muito marcante com ele: “Tocamos umas músicas e ele me tratou com um respeito que os meninos não me tratavam na época”. A experiência com Clapton foi o belo começo de uma nova fase na vida dela. Em 1975, ela formou o Bandolim, que tocava versões de artistas como Luiz Gonzaga e Stevie Wonder e chegou a se apresentar no Banana Progressyva. Também em 75, protagonizou a primeira montagem do famoso musical The Rocky Horror Show em São Paulo. Em 1976, participou do Festival de Saquarema, que uniu mais de 30 mil pessoas, cantando com o Made In Brazil. Em 1977, gravou um jingle e, com o valor do seu pagamento, iria se mudar para a comunidade Findhorn, que existe até hoje na Escócia. Ela estava decidida, mas resolveu visitar a Bahia antes e seus planos foram por água abaixo. Lá, ficou na casa dos Novos Baianos e acabou tocando no histórico trio elétrico de Dodô e Osmar. Em seguida, se reencontrou com Gilberto Gil, que já conhecia desde os tempos em que andava com Os Mutantes, e ele a convidou a entrar na sua banda. Ainda em 77, participou das gravações do clássico Refavela e também do Refestança, álbum ao vivo que Gil gravou com Rita Lee. Apesar de ter se sentido mal ao sair do Tutti Frutti, Lucinha conta que não houve nenhum ressentimento nesse show. “Foi legal, tirando o fato de que o técnico [da gravação do álbum] abaixava minha guitarra. Na hora em que entra o solo de ‘De Leve’, você vê”. Segundo Lucinha, o tempo ao lado de Gil foi de grande aprendizado: “Fizemos 100 shows em um ano, nunca tinha visto tanto trabalho na vida”: “Ele sempre foi carinhoso e valorizou o talento de todos. Isso solidificou, pra mim, a ideia de que todos são iguais e de que a convivência harmônica é o que faz a música ficar melhor”. Em 1978, ela gravou “Jardins da Babilônia”, hit de Babilônia, último álbum de Rita com o Tutti Frutti. Em 1979, participou de Cinema Transcendental, do Caetano Veloso, Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, do Moraes Moreira e Nas Asas do Moinho, do Paulinho Nogueira. No mesmo ano, a convite da gravadora Odeon, lançou seu primeiro trabalho solo, um compacto .

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produzido por Gilberto Gil com as faixas “Música no Ar” e “Oi Nóis Aqui Trá Veis”. Dentre os músicos que gravaram nele estão gigantes como Liminha, Robertinho do Recife, Lincoln Olivetti e Oberdan Magalhães, da banda Black Rio. Logo veio a chance de ela fazer um LP. Produzido por Perinho Santana e orquestrado por Lincoln Olivetti, Aroma foi seu único disco solo e inclui duas composições inéditas de Gil, uma de Gonzaguinha e duas parcerias de Lúcia com Rita Lee (uma delas, “Bobagem”, foi regravada por Cássia Eller). Como costuma acontecer, a equipe da gravação era formada por homens, mas ela faz questão de lembrar que Leninha Brandão, esposa de Perinho, foi decisiva: “Na hora de gravar a voz, foi quem mais me ajudou”. O LP saiu em 1980 e teve boa repercussão. Chegou a ser lançado em Portugal, tocava nas rádios, a faixa “Aroma” entrou na trilha da novela Plumas e Paetês (1980), da TV Globo, e Lúcia conta que fez alguns shows com o disco. Porém, ela se sentia sozinha na Odeon. Então, quando uma pessoa de sua confiança a incentivou a sair de lá e ir para a outra gravadora, ela rescindiu seu contrato. O problema é que não estava garantida a nova contratação, e isso, no fim, não aconteceu. “Aí fiquei sem gravadora e foi difícil conseguir outra. É complicado se você sai. Fui ingênua, acreditei e dei com os burros n’água. Mas tudo é aprendizado”, comenta.

Nos anos 80, ela seguiu gravando discos importantíssimos. Em 1980, participou de A Brazilian Love Affair, do tecladista George Duke (que era da banda do Frank Zappa), de Coração Paulista, de Guilherme Arantes, de Transe Total, do A Cor do Som, e de Erasmo Convida, de Erasmo Carlos (a quem Lúcia deu o apelido de Gigante Gentil, que virou o nome do álbum que o Tremendão lançou em 2014). Em 1981, gravou Luar, do Gil, cantando sucessos como “Palco” e “Se Eu Quiser Falar com Deus”. Em 1984, gravou “Kid Supérfluo, o Consumidor Implacável” ao lado de Itamar Assumpção e Rita Lee no álbum Tubarões Voadores, do Arrigo Barnabé. Em 86, participou do Todas Auroras, do Peninha. Em 88, gravou outros dois discos com Moraes Moreira, República da Música e Bahiano Fala Cantando. Em 1989, gravou “Homem de Negócios” em Ben Jor, o primeiro disco assinado como Jorge Ben Jor ao invés de Jorge Ben. Em 1990, gravou no álbum Moraes e Pepeu, que reuniu os ex-Novos Baianos. “Gravei muito em estúdio. Era uma época de ouro, gravava-se muito e ganhava-se bem”, diz Lucinha. 23B

Entre 1990 e 1993, ela morou com seu ex-marido na Europa, primeiro na Escócia, onde sua filha nasceu, e, depois, na Alemanha. Depois, Lucinha seguiu compondo e gravando em paralelo a trabalhos publicitários e de tradução. No fim dos anos 1990, fez gravações para a TV Globo, como o famoso jingle das Organizações Tabajara, do programa Casseta & Planeta. No ano 2000, deu sua composição “Diga Sim à Paz” para a apresentadora de TV e cantora Eliana gravar no seu disco Eliana (2000). Nesse mesmo ano, gravou “I am Miss Meggy” para a trilha do filme Tainá - Uma Aventura na Amazônia. De lá pra cá, seguiu se apresentando eventualmente. Em 2016, montou um show de retrospectiva da sua carreira e, ao longo de 2017, fez parte da banda de Edgar Scandurra e Silvia Tape nos shows do projeto EST. Em junho de 2018, reencontrou Gilberto Gil no palco do festival João Rock, onde participou do espetáculo Refavela 40. “Foi muito emocionante, cantamos ‘No Woman, No Cry’, já fazíamos ao vivo na época do Refavela, antes de ele gravar a música”, relembra. Hoje, aos 65 anos, Lucinha diz que está reunindo repertório para seu segundo álbum, ainda sem previsão de lançamento. Apesar do seu currículo impressionante, ela diz que não se sente realizada enquanto artista: “Você se realiza quando morre, ainda quero fazer mais”. Dentre os 75 instrumentistas homenageados no livro Heróis da Guitarra Brasileira (2014), de Ricardo Schott e Leandro Souto Maior, Lúcia é a única mulher. Apesar da importância simbólica de ser conhecida como a primeira brasileira a tocar guitarra, ela faz questão de dizer que nunca buscou esse posto: - Acho isso legal, mas não comecei a tocar pra ter um título ou levantar uma bandeira. Era por amor à música. Não tinha uma posição política, achava a coisa mais normal do mundo tocar guitarra. Filha de um importante espião da Segunda Guerra, amiga e parceira de tantas lendas da música, Lucinha avalia sua trajetória com uma humildade e tanto: “Tive muita sorte de estar no lugar certo na hora certa. Trabalhei com muita gente legal e não me arrependo de nada. Os tropeços são coisas que acontecem com tanta gente. Não é uma história original”. Puxa, imagine se fosse!



T E XTO _

E N T R EV I STA _

F OTO S _

A RT E _

Baby do Brasi l

Ariel Fagundes

Eduardo Carneiro

Jade Teixeira


T E XTO _

Baby do Brasil

Os elementos mais importantes na dança estão intimamente ligados à vontade de ser feliz como uma criança e livre como um pássaro voando... Quando você dança, baila internamente. Dançar é permitir que as emoções sejam liberadas através de movimentos. Há um mistério de Deus na

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dança, nas escrituras sagradas tem um versículo que diz: “Quem não canta e não dança não sabe o que vai acontecer”. No início do Novos Baianos, Luís Galvão escreveu uma letra, e Moraes Moreira fez a música, que se referia a minha maneira de estar sempre dançando. “A menina dança” é um grande sucesso e inspirou o nome do meu CD e DVD A menina ainda

dança (2015).


Com o passar do tempo, venho me interessando em dançar mais e mais, e meu corpo tem ficado mais rígido e tonificado. A dança me trouxe muitas horas de extrema alegria, o desejo de aprimorar a qualidade de vida, e contribui muito para uma juventude sem idade.


noize.com.br

A dança ensina meu corpo a estar ágil, expressivo e fortificado. Ensina minha mente a relaxar e brincar igual criança. E ensina meu coração a estar em gratidão total.

Agradecimentos especiais à coreógrafa Eva Schul, que, aos 70 anos, é uma das pioneiras da dança moderna no Brasil com mais de 50 anos de carreira. Em 2018, estreou seu espetáculo Fisiologia do Desespero e, desde 1991, coordena a Ânima Cia. de Dança. Apesar de não se apresentar dançando há muito tempo, ela fez aqui uma performance especial registrada pelo fotógrafo Eduardo Carneiro.

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Domenico Lancellotti Serra dos Órgãos / The Good is a Big God

A banda apresenta aqui quatro discos que não consegue parar de ouvir e que ajudaram a inspirar a produção de Tônus.

(2017)

“Então dormir é voltar-se pra dentro / Sonhar é voltar-se também / Pensar é voltar-se pra dentro”. Serra dos Órgãos me tocou já na primeira audição. É um disco profundo, reflexivo. Intenso, mas ao mesmo tempo sereno - uma estética e sonoridade que buscamos no Tônus . Como baixista que sou, vale destacar o papel de Alberto Continentino no disco e seu timbre médio-grave sensacional.

Aderson Maia

Front Row Seat To Earth – Weyes Blood (2016) O Front Row Seat To Earth , da Weyes Blood (assim como o Disintegration , do The Cure), é um disco que faz a trilha sonora perfeita para viagens de avião, apesar de eu já ter escutado comentários maldosos a respeito deste álbum enquanto eu o ouvia, coisas como “Isso é música de velho”. A voz da Natalie Mering [nome real de Weyes Blood] me faz lembrar da Karen Carpenter, da dupla The Carpenters, e isso basta.

Ricardo Machado 6B


T E XTO _

A RT E _

Carne Doce

Jaciel Kaule

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Tyler, The Creator Flower Boy (2017)

É o quinto álbum de estúdio do rapper e, também, um ponto marcante em sua jornada, onde ele começa a falar de sua sexualidade mais abertamente. Ele traz uma sonoridade mais colorida, os beats são bastante harmônicos e melódicos, criando uma atmosfera interessante, onde todo esse ambiente melódico e colorido ainda consegue dialogar com batidas pesadas.

Warpaint Heads Up (2016)

João Victor Santana O fascinante do álbum é como a construção de todos arranjos das músicas soa de forma interessante e com identidade. Praticamente são somente usados instrumentos simples de uma banda de rock, mas mesmo quando há mais elementos, eles trazem uma boa fluidez, principalmente nas misturas de batidas orgânicas com eletrônicas trazidas pela baterista Stella Mozgawa.

João Victor Santana

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Bambolla Bakers propositorecs.bandcamp.com/ album/bambolla-bakers _ o que, quem? Projeto de música eletrônica experimental feita em Goiânia por Gabriel Cruz e Danilo de Melo. _ estúdio x ao vivo: Inicialmente, o rolê foi criado para focar apenas em gravações, mas o duo vem sendo chamado para apresentações ao vivo e se adaptando a uma proposta mais ampla.

_ trivia: Gabriel Cruz participou da gravação do primeiro disco do Carne Doce (2014) e também do Tônus. No mais recente, ele assina percussão e efeitos nas faixas “Brincadeira”, “Golpista”, “Amor Distrai (Durin)”, “Irmãs” e “Ossos”.

Inclusive, um show realizado no Complexo Estúdio, no centro de Goiânia, contou com a participação do baterista dos Boogarins, Ynaiã Benthroldo. Aparentemente, foi uma loucura (tem um trecho no Insta dos caras) e deverá ser lançado oficialmente em breve. Quem nos contou foi Aderson Maia, baixista da Carne Doce, que assina os arranjos do Bambolla e também participou do show.

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T E XTO _

A RT E _

Rodrigo Laux

Jaciel Kaule

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_ mood: Clima de fritação psicodélica pra pista de dança, mas que possibilita uma audição introspectiva.

"O Gabriel comprou uma Roland 303 e fizemos uma música só com ela. A partir daí, começamos a adicionar e experimentar outros (Thump, 2017) equipamentos"

_ e o som? É a arte do looping e do bom uso de sintetizadores like a pro. Umas camadas de psicodelia tropicalizada dão a vibe abrasileirada da coisa, o que deixa tudo mais bonito e intrigante. Destaque pra vibe eletro jungle (se é que isso existe) de “Malaui”, faixa de abertura do EP. _ qual a vibe? Multi-vibe: dá pra fritar na pista, mas também rola sacar caminhando na rua pra viajar nos timbres, progressões e arranjos. Sozinho ou com aquela amizade que curte dissecar uma psicodelia eletrônica cheia de repetições. _ influências? Gabriel cita à Vice alguns artistas admirados mutuamente pelo duo: "Kraftwerk, Carl Craig, LTJ Bukem, Chemical Brothers...".

_ por onde começo? Ouvir do início ao fim o EP homônimo (2017), que foi mixado pelo músico e técnico Renato Cunha (que também acompanha o Carne Doce e o Boogarins). Do início ao fim. 5B





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