O coletivo faz o indivíduo – e viceversa. O Bixiga 70 é exemplo disso: nove músicos que compõem, juntos, paisagens
#81 // ANO 12
expediente
sonoras que têm tanto de cada um quanto têm do mundão que a banda paulistana
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Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha
Editores Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli
Gerente Financeiro Pedro Pares
Coordenação de Projetos Brenda Beloni Diego Paz Jordana Monteiro Júlia D’Ávila Sheila Pinheiro Thais Martins
a soma das partes.
Atendimento Interno Ingrid Mônaco
paulistana, que figura em fotografias
Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha RH Débora Fagundes Coordenação de Arte Jaciel Kaule Diretores de Arte Árthur Teixeira Guilherme Borges Diretores de Arte Jr. Jade Teixeira Lucas Abreu Vitória Proença Assistentes de Arte Guilherme Ferreira Maicon Pereira Produção Dani de Mendonça Lia Procati Malena Thailana Coordenação de Vídeo Lucas Tergolina Vídeo Diego Machado Humberto Ferreira Pedro Krum Shandler Franco Thaíse Silva
não cansa de desbravar. Quebra-Cabeça são pecinhas que se conectam e formam uma imagem mais rica e complexa do que
O Lado A desta revista é o coletivo. É o Bixiga, “bairro natal” da big band
espalhadas pela revista e na reportagem
Redação Camila F Oliveira Fernanda Zandavalli Guilherme Flores Rodrigo Laux Tássia Costa Vinícius Rocha
central. São os discos que a banda selecionou para compor sua discoteca básica. O Lado B são os indivíduos. A capa é do artista MZK, que ilustra os
Planejamento Eduardo Mello Gabriela Etchart Julia Brito Juliano Mosena Luan Pires Mickael Prass Tainá Cíceri Thiarles Wäcther
discos do Bixiga 70 desde o primeiro compacto. Aqui dentro, ele responde a 5 perguntas e assina uma HQ em parceria com Jimmy The Dancer, essa figura célebre da cena musical de São Paulo,
Estagiário Planejamento Rafael Kronitzky
que também ensina o leitor a dançar
Mídia Aline Oelrich Mariana da Silva
na seção Como Fazer. Conheça Fanta
Community Manager Ana Paula Pause Laís Soares Maurício Teixeira Vanessa Castro
como morada, e cuja música é uma grande
Konatê, guineana que adotou o Brasil
inspiração para o som que o Bixiga 70 vem explorando desde 2010.
6-#0" Foto Mell Helade Novos Negócios Leandro F. Gonçalves
-%.#/0*&1&/#0%&1&!"#$%& -%'"-2&'3)4 Coordenação de Projeto Karen Rodriguez Editor Ariel Fagundes Coeditor Fernando Corrêa Repórter Brenda Vidal
Gerente de Planejamento Marcel Maineri
O ouvinte também é uma peça do quebracabeça que o Bixiga 70 apresenta em seu
Coordenação de Projetos Carolina Farias
quarto disco – e que a NOIZE desdobra
Assistente de Projetos Helena de Oliveira
nas próximas páginas. Ligue o som, embrenhe-se nos textos e imagens e
Planejamento Matheus Barbosa
encontre seu encaixe.
Redação Camila Benvegnú Jéssica Teles Pedro Veloso
Fernando Corrêa
NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn
Community Manager Hayane Leott Kelvin Furtado
4A
noize.com.br
Bixiga 70
Jimmy The Dancer
Big band paulistana que conquistou os palcos do
Dançarino e figura
Brasil e do mundo com seu
carimbada na cena de
som instrumental. Aqui,
música jamaicana de São
revela as obras que mais lhe
Paulo. Na seção Como
influenciaram e conta a história
Fazer, dá dicas preciosas
que levou ao seu novo disco,
pra quem quer soltar o
Quebra-Cabeça.
corpo na pista.
Leonardo Baldessarelli
MZK Maurício Zuffo Kuhlmann é o artista visual responsável pelas capas dos quatro álbuns do Bixiga 70. É dele a pintura da capa do lado B desta revista
Ama a mentira, odeia a verdade. Publicitário por prazer, jornalista por vaidade. Acima de tudo, maluco por qualquer tipo de música.
e os traços da história em
Brenda Vidal Quase jornalista vivendo um ritmo que só a música pode acompanhar. Apaixonada por cultura, arte e negritude.
colabo radores
quadrinhos da página 12B.
Camila F Oliveira Procurando sentidos pra virar do avesso. No resto do tempo, usa jornalismo pra ouvir (e contar) histórias.
Rodrigo Laux Jornalista, músico
Ramiro Zwetsch
e nenhum dos dois.
Jornalista, criador do
Acredita que o ser
blog Radiola Urbana,
humano é um bicho
DJ residente da festa
superestimado, mas
Entrópica e sócio da
ainda é o que cria os
Patuá Discos.
melhores grooves.
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Discoteca Básica
Coletivamente, a banda indica oito discos para você entender seu universo de ritmos, melodias e harmonias.
!"#$%&'()*%+&,&-$.+/)()#(&012345 Este é um dos discos que foi a matriz para uma primeira sonoridade da banda. Por isso, incluímos a canção "Desengano da Vista" em nosso primeiro disco. A batida do Sorongo, que é o ritmo que mais simboliza o trabalho de Pedro Santos, também inspirou a faixa "Areia" de nosso último disco, ou seja, este álbum é uma fonte inesgotável de inspiração. É dessas obras em que, a cada nova audição, surgem novos detalhes que não tinham sido percebidos antes.
Os Tincoãs foi um álbum fundamental na formação do som do Bixiga 70. Ouvimos muito nos primeiros ensaios. Gravamos “Deixa a Gira Girar”, no nosso segundo disco, a partir da versão dos Tincoãs. E, em dezembro de 2017, tivemos a honra de dividir o palco e tocar esse som com Mateus Aleluia [um dos fundadores d'Os Tincoãs]. Infelizmente, esse disco é um dos segredos mais bem guardados da música brasileira.
Disco que ressignifica a música africana voltando para o Brasil. Feito após Gil ter visitado o músico Fela Kuti na Nigéria, traz uma linguagem africana e brasileira totalmente nova e necessária.
6/.7%&'7.")7"&"&8(9:%&;<=>.&,& ?(&@(=(&(%&6(%+&0122A5 Este disco teve um impacto tão imenso na música brasileira que sentimos os efeitos disso até hoje. Um clássico instantâneo, mudou a maneira como a nova geração olha para as suas próprias raízes e as transforma sob um olhar contemporâneo. O Bixiga 70 é uma continuidade desse conceito, à nossa maneira.
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Dentro daquilo que a gente se propõe a fazer no Bixiga 70, "música instrumental urbana dançante", a Black Rio é referência e inspiração eterna. Uma banda que sempre levou o seu som para públicos diferentes do que tradicionalmente escuta música instrumental. E ela continua na ativa até hoje!
De cara, tivemos uma identificação absurda com esse artista de Gana, e este disco nos acompanhou por um tempo lá no início. É possível identificar alguns detalhes na nossa maneira de tocar que estão ligados ao nosso mergulho nesse estudo.
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noize.com.br
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Um disco completo pra se ouvir de cabo a rabo no repeat. Temas lindos, solos totalmente coerentes à linguagem e um senso estético que nos norteou demais. O gênio Mulatu Astatke nos presenteia com uma música instrumental de profunda beleza aliada a uma simplicidade rara de forma invejável.
Este disco clássico que alia a poesia de Vinicius com a maravilhosa música de Baden Powell é uma referência muito grande pra gente no sentido da criação de melodias que evocam cantos ancestrais, quando um arranjo pode ser cantado e a sua simplicidade leva essa sensação de pertencimento e identidade, podendo se referir ao terreiro, mas também às ruas e à Natureza, no ritual, no carnaval, na contemplação.
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Texto Bixiga 70
Ponto de Mutação (1990)
Bernt Capra Este filme do Bernt Capra, baseado no livro de mesmo nome do seu irmão Fritjot Capra, é o diálogo entre uma cientista, um político e um poeta sobre os mais variados assuntos e questões, tanto do aspecto individual quanto coletivo. Política, Ciência e Arte buscando um equilíbrio das vozes, um denominador comum.
Atlântico Negro Na Rota dos Orixás (1998)
Renato Barbieri Este documentário antropológico roteirizado por Renato Barbieri e Victor Leonardi foi gravado em Benim e no Brasil. Com seu roteiro, fotografia e musicalidade, consegue lhe transportar em uma viagem através do Atlântico, levando a entender e identificar a importância da África na construção da sociedade brasileira.
Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010)
Werner Herzog Herzog e sua equipe foram algumas das poucas pessoas que tiveram acesso ao interior da caverna de Chauvet, no sul da França, um dos sítios arqueológicos mais importantes, onde existem as mais antigas e mais bem preservadas obras de arte rupestre do mundo. O cineasta parte dessas imagens para uma reflexão sobre a humanidade e a arte de forma geral. Uma parte marcante é quando um arqueólogo, com a reconstituição de uma flauta de 10 mil anos atrás, faz soar uma escala pentatônica, mostrando como a humanidade está ligada a essa escala tão simples e tão presente, inclusive na música do Bixiga 70.
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A Revolução dos Bichos (1945)
George Orwell Referência máxima, esta história dos animais que se rebelam e tomam o controle da fazenda diz muito sobre o quanto somos vulneráveis ao poder e corruptíveis. A célebre frase “todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros” é um belo retrato da nossa sociedade e da justiça brasileira.
$"# Encontros com Homens Notáveis
(1931)
Aldous Huxley
(1963)
George Gurdjieff
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Autobiografia que, depois, foi adaptada em um filme dirigido por Peter Brook. É um livro que, fundamentalmente, fala sobre a busca da verdade e sobre o eu. Ele usa a dança e a música como ferramentas dessa busca.
Admirável Mundo Novo
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Visionário, este livro adiantava diversos absurdos de uma sociedade de castas, calcada nas facilidades e avanços tecnológicos que vivemos hoje em dia e temos, cada vez mais, encarado como “padrão normal” da condição humana.
T E XTO _
F OTO S _
Fernando Corrêa
Rafael Rocha
Um bairro imaginário Nosso ponto de encontro é o restaurante Rancho Nordestino. Reunidos em torno da mesa repleta, os músicos da big band paulistana alternam-se entre bolinhos de mandioca, paçoca de carne de sol, baião de dois e as histórias dos oito anos da banda que leva o Bixiga no nome e no som. O Bixiga não é propriamente um bairro, mas uma encruzilhada de ruas, culturas, histórias. Por muito tempo, florestas que existiam ali foram refúgio para escravos fugidos. No fim do século 19, as ladeiras passaram a acolher também imigrantes europeus e descendentes de africanos alforriados, depois nordestinos e, mais recentemente, uma nova leva de imigrantes africanos e latinos. Os italianos chamaram a região de Bela Vista, e é assim que o distrito é oficialmente registrado. – Era um bairro de gente pobre, mas culturalmente rico. A gente fez um festival e participou um cara da Vai-Vai [a “escola de samba do Bixiga”, maior vencedora do carnaval paulistano] que falou que, nos anos 1970, você ia num bar, estava a Elis Regina, no outro bar, Jorge Ben, no outro, Adoniran Barbosa – conta Maurício Fleury, guitarra e teclados do Bixiga 70.
– Tocamos com a Tulipa [Ruiz] num casamento na Índia no início do ano. Um produtor que conhecemos na outra vez que fomos para lá estava produzindo eventos dentro do casamento, que dura vários dias, e nos chamou. Os caras construíram uma cidade cenográfica pra milhares de pessoas, e a gente era uma das atrações. Tinha músicos do Rajastão, elefantes, camelos e uns brasileiros (risos). Nos trataram super bem, mas teve uma hora em que começaram: “Vocês não vão tocar nenhuma bossa nova?”. E nós: “Gente, vocês não entenderam”. Eu achei uma pena, deviam ter chamado o Jorge Ben. Mas deu certo – conta Cris Scabello, guitarrista do Bixiga 70. Um casamento bollywoodiano na Índia, uma noite no quarto de Jimmy Cliff em um festival fumegante na Califórnia, oficinas com gigantes do ritmo no Marrocos, apresentações com João Donato nos Estados Unidos. O Bixiga 70 chegou longe. Centenas de shows dentro e fora do país produziram um currículo de experiências memoráveis. As histórias são muitas, e é incomum ouvi-las em palavras: desde 2010, elas têm virado música. Em Quebra-Cabeça , alcançam um clímax – ou um transe. Com peças do nordeste, do terreiro, da Índia, de Cuba, do Marrocos, da Guiné, da Jamaica, da Colômbia, do Bixiga, é o disco com a paisagem geográfica mais ampla. E é a afirmação de uma identidade construída a partir do coletivo e dos encontros. 14A
Adoniran adotou o bairro, embora não vivesse ali. Casou-se em 1936 na Paróquia Nossa Senhora Achiropita, a poucas quadras do estúdio Traquitana, onde o Bixiga 70 nasceu, e de cujo endereço – Treze de Maio, 70 – pegou emprestada a outra metade do seu nome, inspirando-se na mítica banda Africa 70, de Fela Kuti. Mais do que o número, o Traquitana empresta ao grupo um ambiente místico e mitológico. Nos anos 1970, o prédio abrigou o Telecoteco da Paróquia, bar comandado por músicos, palco de noites (i)memoráveis. “Reza a lenda que o Telecoteco era um bar em que a galera que vinha pro Brasil ia dar canja, Stevie Wonder, Sarah Vaughan, tem várias lendas muito loucas”, conta o baixista Marcelo Dworecki. Ella Fitzgerald teria passado pelo Telecoteco, saído pela porta que dava para a outrora aristocrática Rua Santo Antônio cantando a plenos pulmões e esnobado a madame que, da sacada de um casarão, indagava: “Quem você pensa que é? Ella Fitzgerald?”. Era Ella, mesmo. Corta para 2009. Tony Nogueira, herdeiro do casarão, convidou o baterista Décio 7 para fazer do porão um estúdio. Décio chamou Cris, seu parceiro no Rockers Control, nome forte do rolê dub paulistano. No Traquitana, passaram a gravar e tocar com amigos e conhecidos. Um dos encontros foi com Maurício Fleury, que convidou Décio para tocar bateria e percussão em uma composição sua. Era “Grito de Paz”, que acabaria por
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abrir o disco de estreia do Bixiga 70 – a essa altura, uma ideia prestes a acontecer. – Eu já estava nessa pesquisa, pensando em montar uma big band. Eu e Maurício ficamos dois dias pra conseguir gravar, terminamos e falamos: “Essa á onda. Vamos começar uma parada?” – lembra Décio. Uma onda meio afro Em alguns meses, a banda teria a formação completa: Décio, Cris, Maurício, Marcelo, Rômulo Nardes (percussão), Cuca Ferreira (sax barítono e flauta), Daniel Nogueira, o Dany Boy (sax tenor), Daniel Gralha (trompete) e Gustavo Cék (percussionista que deixou o grupo recentemente e tem sido substituído nos shows por Bruno Prado). – A gente fez o primeiro ensaio em agosto de 2010 e falou: “Pô, a gente precisa arrumar uma gig”. Chegamos pra Ramiro Z [DJ e jornalista], MZK [confira entrevista na página 14B], o pessoal que fazia a Festa Fela: “A gente quer tocar na festa”. E os caras: “Não, tem cinco DJs, não precisa, não tem dinheiro”. E nós: “Mano, a gente vai tocar, R$ 1 mil tá beleza, fechou”. Enfiou goela abaixo e fez o show – conta Décio. “Corremos pra levantar um repertório pra esse show e nos apresentamos como banda Malaika, um dos piores nomes que a música brasileira já viu”, detona Cris. “O primeiro susto foi que a festa já estava estrombada, as pessoas de braço aberto querendo ouvir, dançar. Quando acabou, pensamos: ‘Caralho, a parada vai ser séria’”, lembra Cuca. Malaika durou somente um show, mas só mudou de nome. O Bixiga 70 virou assunto na cena musical paulistana. “Estava rolando uma ascensão meteórica da banda, e lembro que o Cris fez um comentário interessante: ‘A banda não tem cinco meses, tem 12 anos e cinco meses’. Era a trajetória de cada um dentro da cena, o arrebanhamento de diversos públicos dos diversos projetos em que cada um era envolvido. Pra mim, foi esclarecedor, fez todo sentido”, lembra Gralha. Um disco de afrotudo Em abril de 2011, a banda entrou no Traquitana para gravar o disco de estreia, autointitulado – como seriam os três primeiros. O álbum saiu em novembro, a tempo de entrar em várias listas de melhores lançamentos do ano imprensa afora. “O disco foi precoce, inclusive. Tem um lado bom, que pegou a gente com um frescor que não teria se tivéssemos parado pra pensar e melhor produzir”, pondera Cris. Para Marcelo, a estreia é “praticamente um disco de afrobeat”:
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– Nem é bom falar isso porque a gente quer se desvincular do rótulo, mas “Grito de Paz” começa já com a clave [ritmo típico do gênero] “tutu, tutu”. Outro dia, ouvi a música no rádio e pensei: “Que viagem, é outra banda”. A gente tocava pra trás, não queria mostrar que estava mó empolgadão e era uns molequinho branquelo. É um disco mais suave. No segundo, a gente tocou um foda-se e se assumiu: a gente é uns puta pilhadão, urbanoide, paulistano. A Pauliceia é parte da equação que permitiu aos então dez integrantes cultivarem, em um mundo não tão conectado, referências para os ritmos, melodias e grooves de seu caldeirão sonoro. Foi por habitar essa convergência de culturas tão diversas que viveram muitas das experiências a que hoje creditam parte da “matriz sonora do Bixiga”. No início dos anos 2000, Décio participou com Cris do Olho da Rua, grupo de percussão capitaneado por Eder “O” Rocha, ex-Mestre Ambrósio. Alguns anos depois, ele e o baterista Rômulo integraram o grupo de Fanta Konatê, cantora, bailarina e compositora do Guiné, da etnia mandinga [leia na matéria da página 16B]. A música mandinga (ou malinké), da qual o pai de Fanta, Famoudou Konatê, é um dos expoentes, está entre as principais peças no quebra-cabeça do Bixiga. – Desde nossas outras bandas, tivemos clareza de que não queríamos ser um grupo tradicional. Passamos sempre pelo viés mais antropofágico, de assimilar várias coisas e por pra fora. Nosso processo musical é conectado com a música num sentido universal, e nada disso faz a gente perder respeito por todas as etnias e processos, mas entender que [nossa música] absorve nutrientes que advêm de todos esses lugares – pondera Décio 7. Rômulo completa: “As voltas que damos ficam no inconsciente. Na hora em que a gente toca, é como se puxasse as coisas sem pensar. Vem no meu corpo uma célula rítmica do batuque de umbigada”, exemplifica. Deixa a gira girar Se a estreia veio envolta no espírito de Fela Kuti, o disco de 2013 começa com os pés no terreiro: abrir o álbum com uma releitura de “Deixa a Gira Girar”, ponto cantado de domínio público gravado em 1973 pelos Tincoãs, é simbólico para uma banda que, desde o início, alarga as fronteiras de sua música ao mesmo tempo em que parece mergulhar dentro de si. As manifestações que tomaram as ruas do país em 2013 também refletiram no trabalho, definido por Marcelo como “um disco pra frente, nervoso”. O grupo estava no Copan acompanhando a mixagem no estúdio de Victor Rice [engenheiro de som que mixou os três primeiros discos da banda, além de ter produzido The Copan Connection, com versões dub para músicas do disco de 2015] e aproveitava para se juntar aos protestos no centro da cidade.
“A gente ia pra manifestação e via uns soundsystems em carrinhos de supermercado tocando bastante Bixiga. Rolou identificação, começamos a nos posicionar politicamente nos shows. A gente estava com raiva, mesmo” define Marcelo. Enquanto o Brasil pegava fogo, os músicos iam descobrindo que o mundo tinha fome da música deles como eles tinham fome da música do mundo. Em 2012, com apenas um disco na bagagem, haviam se apresentado no Felabration em Amsterdam. O novo trabalho levou-os de volta à Europa e, pela primeira vez, à África. No Marrocos, tocaram no festival Mawazine e participaram com artistas locais de encontros com trocas musicais que repercutiram no disco seguinte. Em “Lembe”, por exemplo, Rômulo toca karkabou, instrumento típico da música guinaua. Quando voltaram ao Brasil, tinham pouco mais de um mês para gravar o terceiro disco. O álbum marca uma virada na banda, que passou a assinar coletivamente composições, arranjos e produção. Faixas como “100% 13”, com influências declaradas de música árabe, reggae e rap, são produto dos horizontes cada vez mais expandidos e de uma experiência de gravação densa e objetiva. “A gente escolhia um tom e um clima, tipo ‘Si bemol menor e um som porrada’. Ia tropeçando, um sugeria um tema, o outro uma convenção. A gente fez o disco muito consciente do que precisava”, relata Marcelo. “Teve duas semanas em que a gente se encontrou das 11h às 21h. Almoçava todo mundo junto, voltava e fazia mais uma paulada de sons. Repetimos o mesmo processo no Quebra-Cabeça , mas com menos pressa e mais maturidade e segurança”, avalia o trompetista Daniel Gralha. Com o terceiro disco, voaram ainda mais longe. Em 2015, foram aos Estados Unidos e, no ano seguinte, à Europa, onde tocaram no festival Glastonbury. Alguns deles participaram do disco Donato Elétrico (2016), de João Donato, com gravações em pleno Traquitana. Debutaram na Austrália e na Nova Zelândia, e estiveram duas vezes na Índia. Divertem-se com o fato de que, no exterior, são uma banda gringa, “habitué” de festivais de world music. “Ano passado a gente fez mais show fora do que aqui, o que a gente não acha necessariamente bom. Quando começamos, todo mundo falou: 'Cara, vocês vão bombar lá fora'. A gente acha ótimo, mas é uma crise, um conflito”, admite Cris. Quebra-Cabeça Foi ao longo de vários meses entre turnês dentro e fora do país que a banda concebeu o que tem sido descrito como o disco que consolida a “identidade do Bixiga 70”. Para o quarto trabalho, havia a clara a vontade de trilhar um novo caminho. “Os
três primeiros discos foram gravados ao vivo. Decidimos que o quarto seria um disco com um puta som de estúdio, [queríamos] experimentar uma coisa diferente”, admite Cuca. Para auxiliá-los na construção dos novos arranjos, concebidos para uma gravação canal por canal, contaram com a coprodução do amigo Gustavo Lenza [que já produziu Céu e Curumin]. Overdubs e dobramentos (quando a mesma melodia é gravada mais de uma vez) nos sopros e sintetizadores ampliam as texturas, e novos timbres de guitarras, teclados, percussão e bateria compõem um som potente, de forma alguma aquém do que se espera de uma banda “de palco”. As mudanças se estendem à capa, em que o artista visual e escudeiro de fé Maurício Zuffo Kuhlmann, o MZK, percorreu um caminho mais abstrato do que nos discos anteriores. Em vez de máscaras, carrancas ou cajados, um quebra-cabeça em que fragmentos de rostos distintos se misturam para formar uma só face – ou face alguma. A banda já buscava um nome para o quarto disco, e a arte de MZK foi a inspiração que faltava. Quebra-Cabeça traduz com riqueza de sentidos os caminhos trilhados pelo Bixiga 70 em sua formação, em sua trajetória pelo mundo e em sua música. Para Rômulo, o disco mostra uma banda que não deixou de caminhar. “Sempre fomos absorvendo mais e mais coisas. As viagens, ver como os caras tocam, bandas que a gente é superfã e bandas que a gente nunca tinha visto, tudo isso nos influencia bastante. E trouxemos tudo isso [para o disco]. Não é que tenhamos aprimorado nosso som, mas o ampliamos”, pondera. Do lendário Traquitana para o mundo, o Bixiga 70 se consolida como banda que celebra a diversidade cultural nos encontros e desencontros do ritmo, e confirma, sem recorrer ao verbo, aquele poema bonito em que Eduardo Galeano ensinou: o corpo é uma festa. Quem já esteve num show do Bixiga aprendeu. – A gente já mostrou que sabe gravar ao vivo, que o show bota a galera até o chão pra dançar, que não existe barreira entre música cantada e instrumental. O mundo tem sido muito cruel, a gente sofreu um golpe. Os últimos anos foram bem drásticos, não somos os mesmos que éramos no lançamento do último disco. Chegamos num lugar em que estamos tranquilos pra fazer o disco do jeito que a gente quiser. E isso não para por aqui – garante Cris. Que isso não pare por aqui.
Quebra-Cabeça faixa a faixa Cris Scabello, Cuca Ferreira, Daniel Nogueira, Daniel Gralha, Décio 7, Douglas Antunes, Marcelo Dworecki, Mauricio Fleury, Rômulo Nardes e o produtor Gustavo Lenza comentam aqui todas as músicas do disco.
Lado A
nome, por respeito. Foi quando a gente viu a capa absurdamente
1) Quebra-Cabeça
linda que o MZK fez para o disco, então decidimos chamar tanto
“A faixa-título, curiosamente (assim como a maioria das músicas
o disco como essa faixa de ‘Quebra-Cabeça’. Houve discussão
desse disco), tinha outro nome até a gente mandar pra fábrica!
se a abertura do disco seria ela ou ‘Ilha Vizinha’, mas o Lenza me
Temos esse costume duvidoso de inventar um apelido quando
ligou pedindo, pelo amor de Deus, que esse era o único pedido, e
a música começa a nascer, baseado em qualquer besteira (às
o pessoal foi generoso”, Cris.
vezes uma piada interna completamente sem graça). Ela se chamava ‘Santeria’, por causa da clave de cowbell, que é inspirada
2) Ilha Vizinha
nesse ritmo cubano e que é superimportante na música. Confor-
“Essa tem bastante a ver com coisas que a gente vinha ouvindo
me ela foi ganhando forma, outros elementos foram entrando e
do Congo e do Cabo Verde, que tem essa levada de chimbal
se tornou uma forte candidata a virar a música de trabalho. Daí a
meio funaná – o Gralha acha que não é muito funaná, mas
gente achou que não tinha tanta propriedade para usar esse
eu acho que tem a ver, um funaná meio funk passando pelo
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T E XTO _
noize.com.br
Ramiro Zwetsch *Texto publicado originalmente no blog Radiola Urbana do Urban Taste/UOL
Congo…”, Mauricio. “Como se Cabo Verde encontrasse o Brasil em pleno carnaval nas ruas de São Paulo”, Gralha. “Uma celebração à diversidade”, Nogueira. “O
sos”, Gralha. “Uma oração, um pranto, uma reza. Uma música lenta, porém, uma das mais potentes que a gente já fez”, Cuca.
nome é uma piada com o Rômulo, porque
Lado B
ele é muito viciado nas histórias dos ritmos
1) 4 Cantos “Um passeio pelas ladeiras de Olinda”, Nogueira. “Essa era uma que gastamos um tempinho na gravação da base, pois insisti que a levada reggae do começo deveria voltar no meio, derrubando um pouco a dinâmica da base no ápice, mas favorecendo a crescida no final. Os metaleiros (a turma dos sopros) deram uma chiada quando ouviram, mas mudaram a intenção pra encaixar no groove da base e ficamos todos felizes no final. O fato de gravarmos a base antes dos metais proporcionou esse tipo de experiência também”, Lenza. “Essa música começa com um afoxé meio reggae e depois descamba para um groove pesado, completamente outra coisa. Mas, por incrível que pareça, o afoxé é uma grande inspiração nessa música. Do afoxé para os 4 Cantos de Olinda, foi só um pulo”, Cris.
no continente africano e fala coisas do tipo: ‘Essa música é uma variação do ritmo tal, não é bem o som daquele lugar, é como se fosse da cidade vizinha, da ilha vizinha’”, Mauricio. “O riff da guitarra, bem psicodélica, é uma clara influência do pessoal do Meridian Brothers, da Colômbia”, Cris. 3) Pedra de Raio “É uma música em homenagem ao orixá Xangô, deus da justiça e do trovão. A primeira entrada dos metais faz uma menção ao ápice da dança de Xangô, ao ritmo alujá, quando ele lança ao ar pedras de raio”, Rômulo. “Carinhosamente chamada de ‘Xangô’ até os 45 do 2º tempo, é uma das minhas preferidas! Gosto muito do clima que criamos com os reverbs de mola no começo, como um trovão. O lindo tema dos metais nos remete ao Moacir Santos, as guitarras ao oeste africano e a percussão em 6/8 é um toque de Xangô”, Lenza. “Soa como um afro-samba de Angola”, Gralha. 4) Levante “Essa levou o apelido de ‘Medit’ durante o processo de criação por proporcionar durante os ensaios um estado de meditação e paz, mas sempre carregada com uma certa tensão tão presente nos dias atuais”, Décio. “Talvez a faixa mais misteriosa do disco. A gente usa uma escala diferente nesse som, que passeia por dois ambientes bem den-
2) Torre “Esse disco, entre outras coisa, se caracteriza por uma presença maior das guitarras, e essa música tem isso de forma bem clara. As guitarras dão o tom da conversa, puxam o trem, e a banda vem atrás empurrando todo mundo”, Cuca. “Ode às orquestras de baile brasileiras, da Tabajara à Sossega Leão”, Marcelo. “Um ‘tropical-progressivo’ pra esquentar a pista”, Gralha. “A parte B da música é mais ambiciosa em termos de arranjo e harmonia do que o Bixiga normalmente faz. Mas logo entra um solo de tenor rasgado que traz tudo de volta à normalidade! Aquele som acele33A
rado do Bixiga com todo mundo espancando os instrumentos…”, Cuca. 3) Areia “Nasceu influenciada pela colaboração que fizemos com o Russo Passapusso, que participou de um show nosso, tocamos algumas músicas dele que piramos, e a “centelha” original dessa música acho que veio dessa influência. No final, acabou se distanciando bastante”, Cuca. “A mais brasuca (ou latina?) do disco. Meio brega, meio forró, meio dor de cotovelo”, Cris. “Areia que gruda no pé, na hora do resfulengo da sanfona no forró”, Douglas. 4) Primeiramente “Primeiramente, fora Temer! Pois nunca é tarde!”, Lenza. “Um grito das ruas”, Gralha. “Foi a primeira que gravamos, no meio de 2017, no calor do golpe. Uma levada pesada, um riff potente e aquele cowbell no começo que parece uma convocação para a batalha! Foi difícil chegar no ‘som’ de batera que eles tiraram na pré-produção (uma imersão no sítio Estúdio Alvorada, do parceiro Gustavo “Lagarto” Mendes) mas acho que conseguimos uma dinâmica excelente! Palmas para o masterizador Felipe Tichauer, grande parceiro!”, Lenza. 5) Portal “Essa música veio pronta. Douglas chegou no ensaio com tudo na cabeça. O nome surgiu imediatamente, assim como o ‘clima da canção’”, Marcelo. “Música para o amor!”, Nogueira. “Meditativa, um portal para uma realidade paralela onde o amor é a regra e não a exceção”, Gralha. “Depois, um especial de guitarra, um solo desconstruído do trompete e do trombone e um crescente da bateria e da percussão”, Marcelo.
A música do Bixiga 70 é fruto de viagens físicas e espirituais trilhadas por seus integrantes. Por onde passam, é comum encontrarem novos ritmos e instrumentos que são assimilados pelo seu quebra-cabeça de referências. A seguir, o percussionista Rômulo Nardes e o baterista Décio 7 compartilham conosco causos de objetos e sons que garimparam ao longo da suas trajetórias rítmicas.
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Rafael Rocha
Guil herme Nerd
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“Frequento uma casa de candomblé onde aprendi a tocar este instrumento. É o ilú, um tambor do candomblé da nação nagô Egba, que tem principalmente em Pernambuco. É diferente dos instrumentos de candomblés de outras nações, como o atabaque. Pesquiso há muito tempo, e faço no ateliê, que se chama de Ilu, de ‘ilumina’. É um tambor feito para o orixá Xangô, tem esse entalhe que é o machete de Xangô” Rômulo
“Este instrumento tem um puta valor. Adquiri quando fomos pra Rabat, no Marrocos. É ligado à música guinaua, um povo que tem muita musicalidade, uma tradição muito forte. Queriam que a gente fizesse um workshop num centro cultural, e a gente falou: ‘Poxa, ia ser legal, mas a gente queria fazer uma troca com músicos daqui’. Vi um cara tocando e fiquei doido pelo instrumento. Comecei a andar na cidade antiga e tinha vários, mas eram menores. É como ir no Mercado Modelo de Salvador, você vai ver berimbau pintado e vão querer te vender aquilo de qualquer jeito. Aí, falei: ‘Eu quero um profissional’, e o cara me levou num lugarzinho e me trouxe este. É um instrumento pelo qual tenho muito carinho.” Rômulo
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“O ritmo mais importante dos ritmos do Bixiga, que estabelece a maioria das claves [padrões rítmicos] desde o início da banda, é a música da etnia mandinga, da Costa Oeste africana, na ponta do Senegal, Guiné, Mali, Burkina Faso... Em 2002, veio morar no Brasil a [musicista guineana] Fanta Konatê, filha do djembefola Famoudou Konatê [considerado o maior mestre vivo do djembe], casada com Luis Kinugawa, dos maiores pesquisadores dessa música. Eu e o Rômulo tivemos a sorte de ingressar no grupo dela em 2004. E aí, é uma conexão direta com o lance da música africana, é o som puro. A gente tocava dununs, que são tambores que conversam o tempo todo.” Décio
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“Este é o nagará, um tambor sagrado do Rajastão [o maior estado da Índia]. No ano passado, a gente teve o privilégio de ir pra Índia e, depois de um festival, o filho do mestre Nathulal Solanki [maior referência do nagará] me deu esse tambor. Eu falei: ‘Poxa, mas não tenho nada pra te dar’. E ele: ‘Não, eu quero que você leve esse tambor pro seu país e que, um dia, você o toque’. Isso ficou muito gravado. Os músicos que tocam o nagará usam um grave e outro bem agudo. Mas são tambores de ferro, e não tinha como trazer os dois. Então eu mesmo construí outros tambores baseado no que ganhei. Usei em várias músicas desse quarto disco. Para “Areia”, fiz uma homenagem a Pedro Santos [músico brasileiro que criou a levada e o instrumento conhecidos como sorongo, além de ter gravado a pérola Krishnanda (1968)], criando uma melodia em cinco nagarás.” Rômulo 24B
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“Ano passado, fomos tocar num casamento em Jaipur, na Índia, e tivemos pouco tempo para passear pela cidade. Após as apresentações, antes de ir embora, peguei um ‘tuctuc’, aquele carrinhos adaptados numa moto, e fiquei tentando me informar onde tinha uma loja de instrumentos porque eu procurava uma drum machine indiana. Um cara em uma loja de tecidos ligou pro irmão, que era músico e podia me ajudar. Uns 20 minutos depois, o cara apareceu de moto e a gente saiu naquele trânsito malucaço, entrando numas ruas de terra. Depois de um tempão, chegamos num lugar com uma vitrine cheia de baterias eletrônicas. Tinha meia hora pra comprar o negócio e pegar carona de volta pro aeroporto. Escolhi rapidamente uma com bastante possibilidade de ritmos e timbres. Comprei também um dholak, um tambor com pele dos dois lados. Coloquei nas costas e voltei com o cara na moto. Acabou dando tudo certo.” Décio
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Brenda Vidal
Luis Kinugawa
Jaciel Kaule
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A cantora, compositora e bailarina encurta as distâncias entre passado, presente e futuro celebrando a cultura malinkê e guineense há 15 anos no Brasil.
Um tambor que carrega uma tradição secular e uma história de amor foram capazes de mobilizar uma força que atravessou o Atlântico e aproximou costas brasileira e guineense. “Nunca pensei que iria morar no Brasil. Foi o destino, tá tudo na mão de Deus”, decreta Fanta Konatê, radicada no país há 15 anos.
isso é impossível. Ou talvez desnecessário. Na bagagem, Fanta levou o que era essencial para a metrópole brasileira: a herança, a cultura e os saberes dos malinkês, etnia da qual faz parte, com registros desde o século XIII. Aqui, ela se dedica de corpo e alma à difusão das danças, cantos e ritmos de seu povo.
Conacri, capital da República da Guiné, só não se transferiu para a cidade de São Paulo porque
A cantora, compositora e bailarina nasceu na Costa do Marfim, país africano que faz fronteira
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ao leste da Guiné. O nascimento lá só aconteceu em razão de uma das inúmeras viagens do pai. Fanta vem de uma família de artistas e é filha de Famoudou Konatê, mestre percussionista de fama internacional considerado um dos maiores djembefolás (tocadores de djembê) vivos. “Meu pai nasceu na nossa aldeia e, ainda muito jovem, começou a tocar nas festas - batizados, casamentos, noivados e durante o trabalho na roça”, recorda.
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“Aos 20 e poucos anos, ele era tido como um gênio, o melhor percussionista da aldeia. Aí, ele foi convidado para participar do balé nacional pelo presidente e começou a viajar”, conta. Famoudou empenhou toda sua vida ao estudo e difusão da percussão guineense pelo mundo todo, tendo morado na Alemanha por mais de 30 anos. “Não viajei muito com ele, trabalhava com o meu pai na gravação de seus CDs na África mesmo. Quando ele morava na Alemanha, todo ano alunos dele viajavam até a Guiné para aprender a nossa cultura. Lá, fazíamos shows juntos também”, explica Fanta.
Lá, tem muita coisa boa, tem tradição, tem respeito”, declara Fanta, que segue: “A história da África, de como os africanos chegaram aqui… falta muita coisa que os brasileiros têm que saber”, arremata. Ela relembra o período de chegada ao país com gratidão: “Todo mundo me recebeu de braços abertos”. Conversando com um sotaque tímido, a cantora destaca que o português foi um dos principais desafios. Entretanto, o que seus olhos não esperavam avistar nas paisagens brasileiras era o racismo, que logo começou a perceber. “Vi muitos negros lavando o chão e percebi que os chefes sempre são brancos. Eu fico muito triste, nunca tinha visto isso na minha vida. Viver num país sem igualdade é difícil, estamos aqui por isso também”, desabafa.
Aos 10, ela já havia retornado para a aldeia de sua família, localizada na região do Hamaná, nas savanas. Em uma comunidade que respira ancestralidade, oralidade e arte, o contato com a música, o canto e a dança são caminhos comuns. Mas Fanta se destacou como aquela que, tal qual seu pai, tinha alma de artista: “Comecei a dançar aos 14. Quando comecei a ir em festas, as pessoas mais velhas me diziam: ‘Nossa, você dança muito bem! Você pode ser uma bela artista!’”, relembra. A partir daí, viajou para Conacri, onde entrou para o balé nacional. “A Guiné é um país com muitas etnias, cada uma com sua própria língua, ritmos e dança. Entrei para o balé para conhecer e explicar o que é a Guiné e apresentar o que a minha terra tem de bom”, diz. Aos malinkês é atribuído o surgimento do tambor djembê. É justamente esse símbolo, tocado apenas pelos homens da aldeia, que transformaria o destino de Fanta. A paixão pelo instrumento levou Luis Kinugawa, percussionista brasileiro, a viajar à Guiné para aprofundar seus estudos no ano de 2002. Na aldeia, conheceu Fanta. E se apaixonou. Além de conhecimentos sobre percussão, Luis voltou ao Brasil acompanhado por ela. Entre percursos e deslocamentos, parece ser o coração de Fanta quem faz as vezes de bússola. O amor romântico e o amor pela tradição é o que a movem. No Brasil, encabeçou a missão de difundir aquilo a que sempre se dedicou: a cultura malinkê. “Eu quero divulgar minha cultura ainda mais. O Brasil precisa saber o que tem de bom na África. Não é só guerra ou pobreza, pobreza também tem aqui.
Seu trabalho já vem tendo alcances tão grandiosos quanto seu propósito. Ao lado de seu marido e da Troupe Djembedon, ela viaja o Brasil e o mundo popularizando sua tradição através de apresentações de dança e música desde 2003. Além disso, fundou e dirige o Instituto África Viva, que viabiliza o desenvolvimento humano e melhoria da qualidade de vida pela arte, educação e trabalho humanitário, zelando e promovendo culturas do oeste africano. Em 2007, lançou com Petit Mamady Keita seu primeiro disco, Djubafedea. Em 2016, cantou na abertura oficial das Olimpíadas do Rio de Janeiro e, em 2018, lançou seu primeiro disco solo, homônimo. Dos ritmos brasileiros, são o maracatu e o samba que ganham seu coração de quem gosta de batidas fortes: “Eu gosto de quebrar tudo”, dispara. As matrizes africanas e as memórias diaspóricas “amefricanas” agora se misturam. Sobre a sensação de subir aos palcos tão longe de seu continente, Fanta responde com um sentimento que se perde na tradução, mas que ela tenta definir como uma energia forte e muito boa. Talvez, a saudade seja atenuada pela companhia inseparável dos saberes ancestrais presentes nos instrumentos, nos cantos e no seu corpo que se renovam através da força dos tambores e dos valores humanitários que conserva: “A minha tradição é uma história linda. O tambor reúne as pessoas. A gente toca porque quer compartilhar sabedoria, alegria. Todos somos um”.
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“ o tambor reúne as pessoas ”
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Cami la F Ol iveira
Adriana Terra
5 perguntas para
MZK
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Maurício Zuffo Kuhlmann, mais conhecido como MZK, é desenhista, artista visual e DJ. Ao lado do Bixiga 70 desde o primeiro EP, é praticamente o 11º integrante do grupo e assina as artes das capas dos discos – tomamos liberdade de chamá-lo de colaborador da Revista Noize, pois o desenho da capa do lado B e os quadrinhos das páginas 12 e 13B são dele. Sua trajetória, os quadrinhos, a música e as máscaras de
Quebra-Cabeça guiaram nossa conversa.
Quais foram as suas primeiras refe-
Como essas duas artes se relacionam
E sobre a construção da capa de
rências e como você começou a de-
no seu processo de criação? Você
Quebra-Cabeça , como foi feita e qual
senhar?
consegue pensar a música de uma
a simbologia das máscaras?
Nos anos 80 tinha a Chiclete com Bana-
forma visual e as artes visuais de uma
São quatro máscaras que fiz manual-
na, o Angeli, a Laerte, o Glauco e muitos
forma sonora?
mente, transformei em quebra-cabeças
outros que foram inspiradores. Depois
Um pouco. Como são coisas que ca-
e recombinei para a capa. Surgiram de
surgiu a revista Animal, de quadrinhos,
minham juntas, existem estéticas que
uma ideia de como as civilizações vão
que tinha classificados [de artistas] e
te remetem a um estilo de imagens e
sumindo, o mundo vai se destruindo… De
criou uma ponte entre quem queria de-
lembram um tipo de som. E tem o som
eu criar meu panteão de deuses, criar
senhar. Por conta disso, comecei a pôr
em si… Ele te traz climas que você pode
meu próprio universo. Como quase todo
tudo em prática e trabalhar como dese-
entender como mais intensos, mais
quadrinista, você acaba criando um uni-
nhista. No meu primeiro fanzine, eu tinha
suaves, mais agressivos. O som já en-
verso onde trabalha suas histórias. E a
21 anos e reunia histórias minhas, de
controu a sua estética em vários nichos,
ideia das máscaras veio disso: criar uma
amigos e trechos de livros, mas também
como o hip hop ligado ao grafite, e tem
mitologia, algo meio imaginário em que,
mixava as palavras e os parágrafos de
várias estéticas que você já identifica
depois de um apocalipse, as pessoas
textos, fazendo colagens. Era uma coisa
com o som.
começam a viver de uma maneira mais
meio livre, mas tinha como base as HQs.
tribal, construindo as próprias máscaras Pensando nas capas do Bixiga, como
e deuses de uma maneira meio distor-
Esse cenário das artes visuais ajudou
é o processo de dar cor e forma para
cida.
na sua formação na música?
algo sonoro?
O fanzine tinha muito a ver com a
Geralmente, quando vão gravar o disco
contracultura, o rock, o punk e outras
eu assisto aos ensaios. Fico desenhan-
correntes… As artes e a música sempre
do e vou nessa coisa mais abstrata do
caminham juntas no meio da cena, en-
que a música está dizendo. Vou pondo
tão foi um pouco por aí, de ir em festas
no papel, as ideias vão fluindo e, no fim
de rock. Mais pra frente, eu entrei na Los
do ensaio, tenho várias ideias e dese-
Sea Ducks, uma banda de surf music
nhos que podem ser aproveitados para
que depois começou a ter influência
a capa ou para outras coisas. Às vezes,
latina. Quando comecei a discotecar,
os nomes das músicas são provisórios,
tocava um pouco de rock, mas estava
então não existe uma referência muito
mais ligado ao funk, ao soul, ao hip hop.
grande, a não ser o próprio som e o re-
Hoje, a minha linha é com sons africa-
pertório que a gente vem criando.
nos, latino-americanos e brasileiros. 15B
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Fernando Corrêa
Rafael Rocha
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como fazer
Dançar como Jimmy The Dancer Jimmy The Dancer é um ícone na cena musical de São Paulo e um dos mais célebres entusiastas do som do Bixiga 70, eternizado em “Di Dancer”, do disco de 2015, e no clipe de “Quebra-Cabeça”, em que mostra porque é “O Dançarino”.
1. “Ó, tá ligado o que é ritmo? Compasso? É assim, é um, é dois, girou. É um, é dois, três, girou. Tem pessoa que fala ‘eu danço’, mas não dança com ritmo. Eu danço com ritmo. Tem que ver o ritmo do balanço, do suingue, do molejo”, ensina. Se ligue no ritmo da música. É ele que vai contagiar o corpo e indicar o caminho.
Depois de viver muitas aventuras [confira na HQ feita por Jimmy e pelo mestre MZK, na página 12B], Jimmy tem desfrutado da noite paulistana. É figura confirmada em festas de dub e uma atração à parte nos shows do Bixiga. Pedimos pra ele mostrar como se dança como Jimmy The Dancer. Ele escolheu o som: “Fela Kuti, porque mexe bem com o corpo, né, mano”.
2. Descubra seus próprios movimentos, sua assinatura, seus “special moves”. Jimmy mistura levantamentos e agachamentos, esticadas de pernas e piruetas: “Desce e sobe, direita, esquerda, aí vira.” 3. Contra a dureza, não tem saída: vai ter que rebolar. “Tem que ter quadril. Tem que mexer o quadril”, explica Jimmy. 4. Se, na hora H, a coisa não flui porque falta segurança, treine em casa, quando ninguém está vendo. Para as performances no show de Quebra-Cabeça, Jimmy tem treinado muito. “É tudo questão de treino. E tem que pesquisar! Eu pesquisei.” 5. Quem se inspira em Jimmy para ser um embaixador do rolê pode considerar o uso de algum acessório. Ele e seu cajado são inseparáveis: “Eu ganhei de um morador de rua, respeito máximo. E é meu parceiro de dança”, explica. 11B
Aqui, o cara dá a morta para quem quer se libertar na pista. Mas atenção: você terá que descobrir seu próprio eu-dançarino. “Não adianta só tentar imitar”, resume Jimmy.
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Leonardo Baldessarel l i
Árthur Teixeira
Divulgação
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Bússola O Sopro do Brasil Trombone, trompete, sax barítono,
Gaia Wilmer - saxofone
Edy Trombone - trombone
Uma das saxofonistas e com-
Há muito tempo na ativa, im-
tomam a frente melódica de muitas
positoras jovens em ascen-
pressiona pela onipresença
faixas do grupo e unem-se por uma
são no jazz contemporâneo,
e pelo respeito que tem em
característica: são instrumentos
Gaia se destaca por sempre
cenas diferentes. Seu Jorge,
de sopro. Com essa configuração,
trazer suas raízes brasileiras,
Russo Passapusso, Anelis
a banda assume influência aberta
seja na mistura de estilos ou
Assumpção, Criolo e Curumin
do afrobeat, do jazz e da música
nos temas. Já lançou o disco
são só alguns dos artistas
indígena, recortes culturais que
Migrations (2017) junto ao
que contaram com o sopro
dão enorme potência ao sopro;
seu octeto.
de Edy.
Ouça: “Criançada”, de Gaia
Ouça: “Paçoca”, de Curumin
sax tenor, flautim. Cinco peçaschave da música do Bixiga 70 que
mas também segue uma tradição brasileira que vem do erudito, passa pela bossa, pelo movimento Black
Wilmer Octet.
Rio e chega à nova geração, com artistas já admirados, como Thiago França, Guizado e Maria Beraldo. Buscando ampliar seu conhecimento sobre grandes músicos brasileiros contemporâneos que vêm reinventando os instrumentos de sopro, trouxemos dez nomes essenciais que, muitas vezes, passam fora do radar do grande público.
Henrique Albino diversos instrumentos A participação no disco
Joana Queiroz clarinete, clarone, flauta e saxofone
Deus é Mulher (2018), da
Integrante da Itiberê Orques-
Elza Soares, é talvez o
tra Família por 10 anos e, hoje,
maior capítulo da carreira
parte do Quartabê, além de
do jovem pernambucano
compositora e arranjadora,
que domina inúmeros ins-
é um nome reconhecido na
trumentos, é pesquisador
cena, tendo participado de
e já é uma referência no
discos de Hermeto Pascoal e
Recife e dentro da cena.
Gilberto Gil, e lançado álbuns com seu quarteto.
Ouça: “Eu Quero Comer Você”, de Elza Soares;
Ouça: “Afogamento”, de
e “Guarda-chuva”, do
Gilberto Gil & Roberta Sá; e
Henrique Albino Trio.
“Maré Baixa”, do Quartabê.
7B
Lucas ‘Sombrio’ Muniz - clarone
Victor Fão trombone e flauta
Da parte mais bizarra,
O trombone e a flauta de
transgressora, serelepe
Victor Fão carregam nomes
e experimental do jazz
pesados, passando pelo tra-
brasileiro, sai o Satanique
balho da celebrada Nômade
Samba Trio, que tem Lucas
Orquestra e chegando até os
entre seus cinco (sim) inte-
projetos Ba-Boom, Samuca
grantes. Com o clarone em
e a Selva e participações no
mãos, ele comanda a maior
disco novo do Pedra Branca,
parte dos sopros do grupo.
Religare (2018). Pesado e irrefreável.
Ouça: “Samba de Todas as Notas”, do Satanique
Ouça: “Garuda”, da Nômade
Samba Trio.
Orquestra.
Anderson Quevedo flauta e saxofone
Joatan Nascimento trompete e fliscorne
João do Pife pife brasileiro
Marlon Sette - diversos instrumentos
Junto à parte do Bixiga
Com 30 anos de carreira, o
Ele fabrica, ensina e ainda
Compositor, multi-instrumen-
70, é um dos nomes jo-
instrumentista passou pelas
tira tempo para tocar e
tista e produtor, Marlon é
vens presentes no disco
bandas de Carlinhos Brown,
reger a flauta de pífano
um clássico centralizador de
Donato Elétrico (2016).
Ivete Sangalo, Chiclete Com
brasileira pelo nordeste
cena, quase um “socialite” do
Tem grande destaque
Banana, entre outras, e se
e pelo mundo. Até mais
jazz carioca. Andou e anda ao
no projeto Vruumm, que
tornou um dos nomes mais
conhecido fora do Brasil,
lado de nomes como Kassin,
mistura afrobeat, jazz e
respeitados no mundo do so-
tendo feito shows em mais
Seu Jorge e Rogê, além de
rock instrumental com
pro brasileiro. Hoje, segue na
de 20 países, é a maior
ter arranjado os metais de Ok
toques de no-wave, noi-
Orquestra Sinfônica da Bahia.
referência viva do instru-
Ok Ok (2018), novo disco de
mento.
Gilberto Gil.
se e synth-funk. Ouça: “Feira de Sete Portas”, Ouça: “4e20”, do
de Letieres Leite & Orkestra
Ouça: “Empurre o Burro”,
Ouça: “Filho de Obá”, de Mar-
Vruumm.
Rumpilezz.
de João do Pife.
celo D2; e “Relax”, de Kassin.
8B
Bandas
KIEFER
que você
kiefer.bandcamp.com/
não conhece mas
_ o que, quem? Kiefer é one man band e produtor, um pianista enraizado no jazz de diferentes vertentes e beatmaker com escola no rap e no neo-soul. É artista da Stones Throw Records, selo de galera ligadíssima, tipo Knxwledge, Anika, Mild High Club, etc. Tocou com Moses Sumney e Terrace Martin. Caiu no gosto de Kaytranada e Anderson .Paak.
deveria _ mood: Jazz rap contemporâneo instrumental. Se inclina não tanto pro lado Thundercat da coisa quanto pro lado Hiatus Kaiyote e Knxwledge. Herbie Hancock tá no sangue. Como ele faz questão de deixar evidente no nome do seu álbum de 2018, o Happysad , criar antagonismos mesclando tristeza e otimismo ou clássico e futurista, parece ser quase uma obsessão do artista.
A profundidade de ambiente, os truques de produção e a escolha de timbres de Kiefer nos levam a um universo musical bem particular e complexo, próprio da criação dessa galera que é multi-instrumentista, produtora, criativa, pilhada e music nerd. Alguns de seus beats podem acenar praquelas levadas estranhamente “tortas” e grooventas do Questlove no Voodoo (2000) do D’Angelo.
_ como soa? Kiefer centra sua composição no conceito de fundir seus beats - que ele começou a criar com 12 anos em San Diego, sul da Califórnia - com linhas de piano que enaltecem sua sensibilidade jazzística, criativa e sem exageros. Vale dizer que o cara estudou jazz na UCLA com o guitarrista Kenny Burrell, lendário artista da Blue Note.
Kiefer diz que cria temas com a intenção de escrever uma espécie de diário sonoro. Após mais ou menos um ano de acúmulo de material, ele seleciona os que mais combinam com a história que quer contar e fecha um disco. Sobre os temas que guiaram as suas intenções no Happysad (2018), Kiefer disse à Passion of the Weiss que “o álbum é sobre lidar com ansiedade e ser realmente ambicioso.”
4B
qual a vibe? Urbano e noturno, classudo e chapado. Soa bem no ambiente com pessoas dispersas, mas vale mesmo pela audição atenta com os fones. Sex vibes também. _ por onde começo? Pelo disco mais recente, o Happysad , de junho de 2018. Vale também sacar o instagram do cara. Ele faz uns vídeos caseiros em que cria um beat, improvisa em cima com o piano e compartilha com a galera. Já criou uma série de posts chamada Beatshare, em que propõe uma hashtag - #kieferbeats - e pede que a galera faça um som também e poste com a mesma hashtag pra que os seguidores envolvidos no post saquem os sons uns dos outros.
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Rodrigo Laux
Robb Klassen/Reprodução
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“No fim do ano, quando eu tenho todos esses beats, que são essencialmente diários, coloco tudo junto e escolho as passagens que melhor contam a história que estou tentando contar”
(Passion of the Weiss, 2018)
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