Revista NOIZE #29 - Novembro de 2009

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DIREÇÃO: 
 Kento Kojima Pablo Rocha Rafael Rocha 
COMERCIAL:

 Pablo Rocha pablo@noize.com.br Leandro Pinheiro leandro@noize.com.br DIREÇÃO DE ARTE: Rafael Rocha rafarocha@noize.com.br DESIGN: 
Douglas Gomes doug@noize.com.br ASSIST. DE CRIAÇÃO: Cristiano Teixeira cris@noize.com.br
 EDIÇÃO:
 Fernando Corrêa nando@noize.com.br

CONTEÚDO_ Life Is Music // Leia Isto // News // Bandas Que Você Não Conhece // Online // Move That Jukebox // Dirty Projectors // Nick Drake // Garage Fuzz // VizuPreza // FFW & REW // MixHell // Reviews // Cinema // Shows // Fotos // Jammin’

ARTE DE CAPA_ VITAL LORDELO Vital

Lordelo é artista plástico, ilustrador, estudante de Publicidade e brasiliense. Há quatro anos, foi parar em Porto Alegre, por opção. O cara já ilustrou projetos de revistas como MTV, abcDesign e +Soma, e também produz cartazes para a Agência Alavanca, de São Paulo. Na capital gaúcha, dá para conferir a exposição Processos, na galeria Mário Quintana. Na internet, os trabalhos do cara tem galeria permanente: flickr.com/dom_vital.

REDAÇÃO: Bruno Felin bruno@noize.com.br Carolina De Marchi carol@noize.com.br Maria Joana Avellar joana@noize.com.br REVISÃO: 
João Fedele de Azeredo jp@noize.com.br

Fernanda Grabauska

fernanda@noize.com.br

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Mell Helade mell@noize.com.br DISTRIBUIÇÃO: Francisco Chaves chico@noize.com.br FOTOGRAFIA: 
 Felipe Neves Tatu Marco Chaparro NOIZE TV: Bivis Johnny Marco Vicente Teixeira noizetv@noize.com.br 
 NOIZE.COM.BR: 
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 COLABORADORES: Alexandre Matias Leonardo Bomfim Lucca Rossi Vital Lordelo Marcela Jung Samir Machado Rafael Borges Maurício Lima Rafael Monteiro Dewis Caldas Matheus Vinhal

Helio Flanders Bernardo Rolla Billy Argel Mely Paredes Carlos Eduardo Leite Felipe Guimarães Eduardo Guspe

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TIRAGEM: 30.000 exemplares CIRCULAÇÃO NACIONAL

MOVE THAT JUKEBOX: Alex Correa Marçal Righi Neto Rodrigues www.movethatjukebox.com 
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Os anúncios e os textos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.

EXPEDIENTE #29 // ANO 3 // NOVEMBRO ‘09_

EDITORIAL | Na casa, na chuva, na fazenda. Um olhar superficial poderia qualificar esta edição da revista como “Especial - Arte”. Seria justo, uma vez que habitam as matérias da Noize #29 verdadeiros artistas. Mas classificá-la assim daria a entender que este é um número sobre artes gráficas ou manifestações artísticas diferentes da música, o que seria um engano – ainda que, como sempre, a revista dedique espaços cativos aos trabalhos visuais. No entanto, são, de fato, diversos os tipos de arte que você conhecerá, caso prossiga com a leitura. O inglês Nick Drake, inspiração para a matéria capa, foi um outsider que poucos shows fez em vida. Em morte faz vários, na cabeça de quem ouve o timbre profundo de sua voz e o seu violão de aço virtuoso. Talvez o próprio Dave Longstreth, do Dirty Projectors, tenha assistido a alguma dessas apresentações para inspirar sua arte: música deliciosa para os sentidos. A contrapartida urbana fica a cargo do Mixhell, aka Iggor Cavalera e Laima Leyton, que entrevistamos e VHS. E para fechar, rebobinamos a fita para 1989, ano a partir do qual recontamos a história do Garage Fuzz, mestres do hardcore nacional. fotografamos numa pilha lo-fi de

No campo ou na cidade, a Noize #29 não descuida do suspiro artístico que paira à espera do olhar ou ouvido atento que o perceba.



_foto: Rafael Rocha

life is music


NOME_ Billy Argel PROFISSÃO_ Artista Plástico, Designer e Fontmaker UM DISCO_ Black Sabbath | Master of Reality

“Boa música, desenho, família, amores, amigos – não dá para viver bem sem essa base. As demais coisas são o fruto dela. Para cada fase que vivo, uma trilha me acompanha. Música nunca é demais.”


“Com sorte, eu espero que experimentar faça minha música soar fresca. Espero que ela não soe ainda mais datada do que seria de outra forma.”

Iggor Cavalera | Mixhell, que tem ensaio de fotos nesta edição.

tentando sons diferentes.”

Badauí | CPM22. Tem matéria animal sobre o Garage Fuzz nesta edição.

arriscando,

“São poucas as bandas de hardcore dos anos 90 que ainda existem, que acreditam. Pra mim Garage Fuzz é a melhor banda nacional. Banda lendária”

tativas,

Julian Casablancas | Strokes

pessoas estão fazendo mais ten-

“Eu não odeio Nova York. Entendo que o centro cultural da música na cidade é o Brooklyn, mas eu prefiro morar num armário em Manhattan do que em uma casa gigante no Brooklyn.”

ca é o estilo de música onde as

Dave Longstreth | Dirty Projectors, que tem entrevista nesta edição.

“Hoje em dia acho que a eletrôni-

Josh Homme | Them Crooked Vultures

LEIA ISTO Eu de Dave estamos sempre procurando uma oportunidade de fazer algo juntos. Um dia ele disse, “sabe, talvez eu devesse convidar John Paul Jones!” E eu fiquei, “seria ótimo. E eu vou convidar... o Presidente”.

leia isto_

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_Quentin tarantino, dirty projectors, julian casablancas, capital inicial

Quentin Tarantino | Cineasta

“Eu nunca quis fazer um trabalho solo. Eu sinto que fui um pouco forçado a fazê-lo, pra ser honesto. A banda quis sair pra fazer suas próprias coisas, mas tudo bem, entendo as necessidades deles.” Julian Casablancas

“penSo a trilha em termos de discos, em termos de lado A e lado B (risos). Fico feliz em dizer que o vinil está de volta. Sempre fiz muita, muita questão de que as gravadoras que publicaram minhas trilhas o fizessem em vinil - e onde queR QUE vendam discos, os nossos estarão lá. A Warner Bros sempre manteve esse compromisso comigo, de prensar bolachas dos meus filmes.”

“Eu prefiro o termo tocador de discos a DJ, em respeito a grandes DJs como Marky e Xerxes.”

“Eu sabia que [Kurt Cobain] iria morrer cedo. Há algumas pessoas que você conhece na vida e que simplesmente dá para saber que elas não vão viver 100 anos. De alguma forma você se prepara emocionalmente para essa realidade. Foi provavelmente uma das piores coisas que aconteceram na minha vida” Dave Grohl

Fê Lemos | Capita Inicial e “sound colocator”.

“A fama é uma árvore frutífera/ Que não soa/ Não desabrocha/ Até que os ramos encontrem o chão.” Nick Drake | Em “Fruit Tree”. O trovador solitário tem matéria nesta edição.

“O Aerosmith não vai esperar por Steven Tyler.” Joe Perry | Aerosmith 11 noize.com.br


NEWS

_THEM CROOKED VULTURES, JULIAN CASABLANCAS, POLYSOM, STEVEN TYLER

Reprodução

ou oldies, depende do ponto de vista.

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a banda dos sonhos de

2009

A primeira vez que o púbico ouviu falar do Them Crooked Vultures foi em um anúncio no site do Lollapalloza, que dizia, “09/08 no Metro à meia-noite”, com três logotipos abaixo: do Foo Fighters, do Queens of The Stone Age e do Led Zeppelin. Foi o suficiente para que todos os ingressos fossem vendidos em questão de minutos. Que banda era essa? Não importava quando esses nomes estavam envolvidos.O fruto da reunião foi lançado em 17 de novembro, o disco de estreia Them Crooked Vultures. O Them Crooked Vultures veio para ficar? Dave Grohl e Josh Homme já disseram que estão vivendo a melhor fase de suas vidas, enquanto tentam impressionar o ídolo John Paul Jones, que já afirmou ao NME que gostaria de continuar e fazer mais discos. “As bandas deles vão querer pegá-los de volta, mas vão ter que se ver comigo antes”, afirmou o ex-Zeppelin. O disco de estreia, que foi parar completo no Youtube, se parece com a banda de John somada à era da internet – segundo o próprio, por não seguir regra alguma e trazer os melhores músicos, como fizeram há mais de três décadas atrás. E como se sentem os outros dois “garotos”? Grohl resume: “Há 20 anos me perguntam qual seria minha banda dos sonhos. Agora posso afirmar que estou nela”. Enquanto ele tentava tranquilizar o nervoso amigo Josh, que estava inseguro (algo raro segundo Grohl) durante as gravações, ouvia a resposta: “Isso é sério. Nós três juntos temos que fazer um clássico”. E esse é o espírito do álbum que está nas ruas – um grande disco de rock ‘n’ roll.


_Faith no More - Album of the year :: Garage Fuzz - A Morning Walk :: Sonic Youth - The Eternal :: The Who - A Quick One :: The XX - XX

_ouca agora ´

__BRASIL PANDEIRO | Tempos atrás, a seção FFW da NOIZE celebrava a presença constante de artistas e influências brasileiras nos frutos da indústria fonográfica gringa. A tradição, que começou com Carmen Miranda e se intensificou com a bossa nova, tem jogado luz sobre revelações da nova música brasileira. Dessa vez, são CéU e Curumin que deixam a marca tupiniquim em Imagine, próximo disco

do dinossauro do jazz Herbie Hancock. O pianista é amigo da nossa música desde os anos 1960, quando Tom Jobim e a turma da bossa passaram a frequentar o círculo do jazz estadunidense. Agora ele veio ao Brasil gravar com um time de feras: Curumin assumiu as baquetas, CéU soltou a voz, Lucas Martins tocou baixo e Rodrigo Campos, percussão. Só gente do topo da lista.

Reprodução

Kwaku Aiston

Thomas Hawk

__THE CASABLANCA’S SHOW| Enquanto os colegas de Strokes descansam ou se cansam por aí, Julian Casablancas tem tudo planejado para o show de seu debut solo, Phrazes for the young. O vocalista assumiu alguns riscos ao pensar o espetáculo, que deve ser “metade normal, metade um show de lasers à la Pink Floyd”. “Tudo partiu da ideia de fazer shows de graça, mas você não pode fazer só shows gratuitos, sob o risco de perder sua casa”, contou ao Pitchfork. A notícia ruim: o show animal custará muito caro. A notícia boa: em contrapartida, talvez haja shows gratuitos, em caçambas de caminhões Estados Unidos afora.

__BRASIL VINIL | Toda a espera será recompensada. Segundo João Augusto, diretor da Deckdisk, até o final do ano chegam ao mercado as primeiras prensagens de vinis nacionais desde o fechamento das portas da Polysom, em 2008. Via twitter, a gravadora já anunciou alguns detalhes. Com discos lançados pela Deck, Pitty, Nação Zumbi, Fernanda Takai e Cachorro Grande sairão em LPs nessa nova leva. Além disso, há planos de relançar o catálogo completo da Legião Urbana em bolachões. E aviso aos artistas independentes: também via microblog, foi divulgado que o serviço de prensagem de vinil exige um mínimo de 300 cópias.Viva o vinil.

Divulgacão

ON THE ROAD | ANDREAS KISSER _Melhor coisa de sair em turnê Conhecer os lugares, as pessoas locais. É estar vivendo o mundo. _Pior coisa de sair em turnê Ficar longe de casa, aeroportos, visto, burocracia... _Melhor comida de turnê Aquela quando a gente tá com fome.

5 Discos Para Se Ouvir Na Estrada: _Joe Satriani - Surfing with the alien _Led Zeppelin - Houses of the holy _Steve Ray Vaughan - The sky is crying _Sepultura - Roots _Yes - Fragile 13 noize.com.br


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NEWS SMN/C.C.

www.brooklynvegan.com

Patrick Grosner/Porão do Rock

__STEVEN TYLER CAI | Não, ele não caiu do palco de novo para deixar Dinho feliz. Depois de 40 anos, o vocalista do Aerosmith está fora da banda que ajudou a fundar. O parceiro e fundador Joe Perry fez o anúncio no jornal Las Vegas Sun. Segundo ele, o pai de Liv Tyler perde-

__JACK WHITE NÃO É SEU AMIGO | O guitarrista do Velvet Revolver Slash conseguiu uma façanha: que um dos músicos mais hiperativos em termos de produção negasse um pedido de colaboração seu. É, Jack White não cedeu à insistência e bajulação do ex-guitarreiro do Guns ‘n’ Roses, quando este pediu encarecidamente que o prolífico músico cantasse em uma das canções de Slash and friends, álbum a ser lançado no começo de 2010. Slash disse ter muita vontade de trabalhar com White, mas o cara se recusou a cantar, aceitando, no entanto, tocar guitarra. Claro que mexeu com o brio do ex-Guns, que deve ter dito “ah não, guitarra eu não quero”. E assim, Slash tornou-se o primeiro colaborador rejeitado por White de que se tem notícia.

__MORRISSEY NA CABEÇA | Uma atitude engraçadinha levou Morrissey a abandonar o palco e encerrar um show em Liverpool, no dia 7. O ex-Smiths recém tocava a segunda música da noite quando teve a cabeça atingida por uma garrafa. Resultado: o povo só pôde curtir “The Charming Man” e um pedacinho de “Black Cloud”. Bem feito! Tony Woolliscroft

__ANTES DE ENTRAR... | Uma provável distração levou à morte de Jerry Fuchs, baita baterista que tocava em bandas como !!! (Chk Chk Chk), Maserati e Turing Machine. Na madrugada de domingo, 8, o cara caiu no poço de um elevador, numa festa em Williamsburg, reduto musicalíssimo do Brooklyn. Fuchs, que tinha 34 anos, foi levado às pressas para o hospital, mas não resistiu aos 5 andares de queda.

ra há tempos o interesse na banda, e queria que a banda entrasse em férias por dois anos. Ao saber disso, Perry e cia. chegaram à decisão: “Eu não queria que ele cancelasse mais shows. Nós realmente queríamos fazer essas últimas apresentações. O Aerosmith vai continuar”, explica.



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bandas que voce nao conhece mas deveria conhecer_ Owen Richards

miCachu Origem: Reino Unido Som: Pop ondulado com bizarrices eletrônicas. Pra sacudir em vez de dançar, ouvir de perto e perceber o sarcasmo das letras, entre violas, violinos e teclados. Escute: Just in Case, Turn me Weller myspace.com/micayomusic

THE temper trap Origem: Melbourne, Austrália Som: Atmosférico, instrumental minimalista e melodias vocais que parecem uma cruza entre um pai Coldplay e um Devendra Banhart enxerido. Opa, sai pra lá, Bee Gees! Escute: Rest, Down River, Love Lost myspace.com/thetempertrap

MIDNIGHT JUGGERNAUTS Origem: Melbourne, Austrália Som: O potencial pop e as estruturas clássicas do indie rock britânico somam-se à fantástia do synth-pop e a herança da psicodelia sessentista. Novos clichês revitalizados. Escute: Into the Galaxy, Scorpius, Road to Recovery myspace.com/midnightjuggernauts

the xx Um ano atrás, o XX era descrito apenas como um grupo de jovens londrinos cool, cujas melodias, tocadas em um tecladinho Casio, juntavam-se a guitarras para criar atmosferas que animavam a pista de dança. A descrição não serve para o XX que ficou mais falado nos últimos meses. Desde que lançaram seu debut homônimo, em agosto, têm ganhado atenção como descendentes do shoegaze e do dubstep. Guitarras minimalistas somam-se a ecos e a um jogo de vozes complementares: Oliver Sim, cujos sussurros afinados quebram a aparência de adolescente rebelde, e Romy Croft, que fecha o dueto com ares de Jack Johnson do subterrâneo. O “XX” parece fazer referência à idade do trio, todos com 20 anos. Mas a escolha, que segundo eles foi puramente estética, faz mais sentido se pensarmos que um X indica o local de um tesouro,

e o outro despista. Isso porque Oli e Romy, acompanhados por Jamie Smith nos beats e sintetizadores, conseguem dar forma a peças curtas e de uma beleza singela, que parecem contradizer a aparência sombria e sufocada do trio. Como se para respirar no underground londrino fosse preciso fazê-lo com minimalismo, cantando baixo, sem alarde. A música do XX herda do dubstep os ecos que lhe permitem cochichar melodias agradáveis, mas foi difícil não fazer barulho com um disco que é tão carinhoso sem ser pedante. Escute: “VCR”, com um dueto que evoca Juno com malícia. A canção amostra as vozes comedidas de Oil e Romy, que flutuam sobre o mar calmo de guitarras e synths nas belas canções que seguem. Como “Crystalized” e “Basic Space”, que sobressaem em XX.



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bandas que voce nao conhece mas deveria conhecer_ Divulgação

calexico Origem: Arizona, EUA Som: Mistura folk, rock e country de um jeito que poderia ser a abertura indie para o show do Jason Blum aí ao lado. Interessantes quando tocam com o Iron & Wine também. Escute: Going to Acapulco,Two Silver Trees myspace.com/casadecalexico

JE RÊVE DE TOI Origem: Curitiba, PR Som: Dupla que sela Curitiba como grande celeiro de projetos eletrônicos criativos do Brasil. Mas o projeto acabou, e você pode conferir o legado no Myspace deles. Escute: Pontos, Esporte, Janeiro myspace.com/jetoi

FUCK BUTTONS Origem: Reino Unido Som: A experimentação do Fuck Buttons é eletrônica, minimalista drone, repleta de ruídos que te fazem sentir como estivesse dentro de um caixa eletrônico. Escute: Sweet Love for Planet Earth, Bright Tomorrow myspace.com/fuckbuttons

jason blum Jason Blum nasceu em Los Angeles, mas sua música exala os odores que invadem um conversível singrando uma estrada qualquer do sul dos Estados Unidos. Criado em Austin, no Texas, Blum bebeu desde cedo direto da fonte que formou grande parte do DNA da música americana. É assim, sem esconder as referências claras ao blues, ao folk e à música country, que o músico consegue criar, como poucos na última década, uma identidade sonora. Mesmo com faixas como “Tomorrow you fly” e “The van son” feitas sob medida para um fã ardoroso de bluegrass, é da mistura que Blum tira seu melhor caldo, unindo o timbre de voz rouco – por vezes evocando Tom Waits – combinado com ótimos arranjos de guitarras e violões. Radicado em Nova York e com três álbuns lançados desde 2000 – sendo

apenas o primeiro oficialmente e os outros dois comercializados somente em shows – o músico planeja um 2010 movimentado. Na lista, o lançamento de Gold, com músicas inéditas, o relançamento do primeiro disco, entitulado Jason Blum and The Flexible Sensuals – fora de catálogo desde a quebra de sua gravadora à época – além de outros dois com material de gaveta. Escute: “Hate you cuz i love you” alia peso na medida certa, guitarras slide que levam do blues rock ao country sem percalços no caminho e vocais com os erres pronunciados com o devido sotaque sulista. A suja “Pesos locos” soa como o que de melhor o Pixies já fez, enquanto a sombria “Neon Jesus” cresce para terminar com a voz rouca de Blum quase implorando “Hellalujah”, grifada assim mesmo. Todas elas estão disponíveis em www.myspace.com/jasonblum.



entrevistas por messenger sem maquiagem

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online _venceslaugama.tumblr.com Pérolas do tempo em que o jornalismo acabava nas mãos de uns poucos seres endoidecidos a especular: Ray Charles é mesmo cego?

SCARLETT JOHANSSON E PETE YORN _”Relator”, parceria de uma Scarlett mais cantora que nunca com um Peter Yorn com cara de futuro namorado, ganhou um videoclipe que só reforça o clima “comédia romântica” do casal. E assim, sensibiliza mais até mesmo os marmanjos.

_pagodados.tumblr.com O melhor site do mês. Gráficos baseados em clássicos do cancioneiro popularesco.Afinal: de quem era o bagulho no bumba?

Tags: scarlett pete relator

mp3 Ambling Alp | Yeasayer Neopsicodelia caprichada, com pegada mais pop e dançante que as canções do ótimo All hour cymbals, de 2007.

AMSTERDAM SESSIONS _As Amsterdam Sessions reúnem bandas bacanudas e descoladas para tocar à beira de canais encantados na cidade fantástica. Com os músicos sempre relaxados pelo entorno, as performances parecem realmente sinceras. A do XX complementa o texto sobre eles nesta mesma edição.

Heaven Can Wait | Charlotte Gainsbourg & Beck Charlotte experimenta a versatilidade de Beck em seu novo álbum.

www.vimeo.com/5477565

California English | Vampire Weekend Mais uma do antecipado Contra, que sai em janeiro de 2010.

tiny urls

grizzly bear

tinyurl.com/5quebraparadigma Pequeno, mas interessante post sobre 5 canções que quebraram paradigmas do rock ‘n’ roll.

_Donos de um dos discos mais marcantes da invasão de psicodelia em 2009, o Grizzly Bear apresenta em “Ready, Able” um stop-motion de seres fantásticos de massinha de modelar, que parece simular os efeitos da mesma substância emulada pela tensa canção.

tinyurl.com/roupasthis As roupas de Michael Jackson emThis is It.

Tags: grizzly bear ready able

musicaseaprende.com.br Blog muito legal da escola do rock da Unisinos, RS.

weezer wondering if i want you to 50

cent crime wave pavement is back

jay z empire state of mind nowhere goiania noise

boy john lennon a little tipsy

rammstein pussy dinho ouro preto them crooked vultures

florence machine xx remix paradise city fergie kanye west spike jonze



movethatjukebox.com

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move that jukebox

__Qual show especulado (mas não realizado) em 2009 mais fez falta para os brasileiros? _Kings of Leon _Yeah Yeah Yeahs _Foo Fighters _Arctic Monkeys _Them Crooked Vultures _Britney Spears _Cake _Lady Gaga vote em movethatjukebox.com __Resultado da Enquete de Outubro _Planeta Terra: 39% _Fiquei em casa: 30% _Maquinária: 19% _Planeta sábado e Maquinária domingo: 12%

__Madonna em Brasília? | Depois de várias sondagens envolvendo o nome de Paul McCartney, aparentemente a capital federal não quer mais o ex-Beatle como atração principal de seu cinqüentenário. O motivo seria que Macca também tocaria em São Paulo e no Rio de Janeiro, e os organizadores da festa de Brasília – que acontece no dia 21 de abril de 2010 – queriam a exclusividade do show. Como segunda opção, a produção do evento sonda a possibilidade de trazer Madonna – que estaria com sua agenda livre na época. Por enquanto, apenas especulações.

__BEACH BOYS EM SÃO PAULO | No dia 2 de novembro, plena quartafeira, a cidade de São Paulo receberá um único show dos lendários Beach Boys. A apresentação será em comemoração ao aniversário de 40 anos do icônico Pet Sounds. Dos integrantes que formaram a banda, somente o vocalista Mike Love virá para o “show-caça-níquel”. Os ingressos serão vendidos pelo site da Ticketmaster e terão preços entre R$ 80 e R$ 340. Anirudh Koul/C.C.

enquete

__NOVO MIDLAKE EM 2010 | Depois de mais de três anos sem novidades, o quinteto texano Midlake revelou que lançará, em fevereiro de 2010, seu terceiro disco – o sucessor do elogiado The Trials of Van Occupanther. O novo trabalho se chamará The Courage of Others e terá uma sonoridade mais voltada para o folk. Para quem não conhece a banda, vale uma conferida na música “Head home” – uma linda balada tristonha com traços de Radiohead.

Divulgacão

_Dial M For Murder! Fiction of Her Dreams, disco gravado pela dupla David Ortenlöf e Anders Lantto, mais conhecidos como Dial M For Murder!, é a casa de um post punk cheio de referências clássicas, como New Order e Joy Division. O som lo-fi quase faz a semelhança das vozes do duo com a de Paul Banks, do Interpol, passar despercebida, mas a gente conecta um ao outro antes mesmo do final da primeira execução do disco, independente do quão clichê isso pode soar.E digo mais: O Dial M está tão próximo dos novaiorquinos do Interpol que, por pura coincidência (ou não), brinca com a sigla NYC (originalmente New York City, mas que aqui virou “Now You Care”), assim como o grupo de Banks fazia em Turn On The Bright Lights, com “New York Cares”. Anote aí: as melhores músicas são “Hell No”, “Do You Think So? I Don’t” e “Fiction of Her Dreams”. Divirta-se.

Divulgação

moving

_midlake, beach boys, madonna



_texto fernando correa

dirty projectors

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DIRTY PROJECTORS AS PROJEÇÕES instintivas DE DAVE LONGSTRETH

No ano em que o pop psicodélico coloriu lançamentos do folk ao eletrônico, a banda de Dave Longstreth atingiu o máximo de sua pequena popularidade no Brasil. Isso porque Bitte Orca+1, do Dirty Projectors, se não é “o grande disco de 2009”, certamente foi excepcional ao reunir características comuns a outros bons lançamentos do ano. As camadas meticulosamente desencontradas de guitarras, vozes e sintetizadores, que poderiam colocá-lo ao lado dos álbuns de Animal Collective ou Grizzly Bear+2 na verdade o afastam deles e de toda referência freak que se possa pensar. Não que a música selvagem e densa do Dirty Projectors deixe de exigir mais de uma audição atenta para tornar-se digerível (e imediatamente deliciosa). É que é tão própria e inusitada que talvez só possa ser comparada ao cérebro que as cria. [+1]

Dave Longstreth é o Marcelo Camelo do indie alternativíssimo de Nova York. O Brooklyn deve estar cheio de neo-artistas (in)seguros de si, que contam com pretensa modéstia sobre as peculiaridades de sua obra. O que aproxima Longstreth de Camelo é o que o distancia de toda essa gente chata e arrogante, a quem muitos podem querer associá-los: sua obra é inegavelmente bela, complexa e pessoal. E é a pessoalidade o que mais intriga na música do Dirty Projectors, e o que justifica meu nervosismo ao ligar pela quinta vez para um Longstreth relutante em me atender. A oportunidade, conseguida graças à passagem da banda pelo Brasil no fim de novembro+3, não poderia ser desperdiçada. “Hmm, entrevista? De quanto tempo você precisa?” “De vinte minutos.” “Uou… pode ligar de novo em meia hora, então? Estou no meio do café da manhã.” Nada mais justo: se necessita de 20 minutos um jornalista brasileiro em busca de declarações que despertem o interesse dos leitores em conhecer o art rock do Dirty

Projectors, o deus do referente projeto pedir meia hora é lucro. Mas a faculdade de Jornalismo não ensina a lidar com as peças que nos prega o sistema nervoso. Enquanto eu telefonava novamente em 30, 40 e 50 minutos, e Longstreth deliciava seu breakfast em Portland, as belas peças de Bitte Orca ressoavam na minha cabeça, cada vez mais retumbantes. Uma hora depois, um Dave de barriga cheia atendeu e autorizou: “Now it’s a good time”. Da conversa, repleta de cortes, que exigiu simplificações incompatíveis com a música do gênio genioso do outro lado da linha, restaram as linhas que seguem, eventualmente interrompidas por considerações posteriores – como se me vingasse dos 20 mil quilômetros de distância e interferência que dificultaram a entrevista. “Useful chambers” tem um dos momentos mais “punk rock” de Bitte Orca, e aponta esta influência forte. Como o punk rock fez parte da sua vida, quer dizer, musicalmente, artis-

[+2] A NOIZE #26 tem uma longa matéria dedicada a neopsicodelia, em especial lançamentos recentes, como Veckatimest, do Grizzly Bear, Merriweather Post Pavilion, do Animal Colective e Oracular Spectacular, do MGMT. [+3] Tocam no Goiania Noise, festival responsável por sua vinda, nas edições goiana (28 de novembro) e paulista (2 de dezembro). No Rio, fazem show no dia 29 de novembro.

25 >> noize.com.br


dirty projectors

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para mim, experimentar e uma coisa mais ticamente, com o que nele você se conectava? Sabe, eu me conectava ao espírito, a intensidade e a crueza de bandas como Minor Threat+4, Bad Brains e Black Flag quando eu estava na high school. Eu era um adolescente e aquilo me pegou. Além da recriação de Damaged+5, o que sobrou desses anos ouvindo punk rock no som do Dirty Projectors? Acho que, principalmente, o caráter direto da música do Dirty Projectors—quer dizer, é uma influência na mensagem, mais do que na técnica (risos).

[+4] migre.me/bu7U [+5] Em 2007, Longstreth resolveu regravar o disco clássico do Black Flag conforme estava guardado na sua memória. Dave não escutava o disco há 15 anos, e sua versão, chamada de Damaged, rendeu resenhas elogiosas na maioria da crítica especializada. [+6] migre.me/bw9k [+7] stereogum.com

E sobraram os valores. O Brooklyn, berço do Dirty Projectors, é também o epicentro do “faça você mesmo”, local em que podem florescer manifestações musicais tão diversas ao ponto de a própria palavra “experimental” ser mais uma generalização do que uma definição para as mesmas—de fato, Dave é um daqueles artistas a quem a classificação soa preguiçosa e imprecisa. Entre hipsters e vernisages, street art e house parties, o Dirty Projectors paira estabelecido como um dos grandes nomes deste rock que se esforça em romper com o convencional. Busca a autenticidade pela sobreposição harmoniosa de vozes das meninas Amber Coffman, Haley Dekle e Angel Deradoorian; nas linhas inventivas da guitarra de Dave, organizadas e estruturadas de forma anacrônica, exigindo o máximo de toda a banda. O centro solar é Longstreth, que compõe tudo, distribui as linhas vocais de acordo com a amplitude distinta de cada uma das vocalistas, pensa os tempos, ora celestes, ora impetuosos da bateria de Brian Mcomber (que é mais um seguidor do que um guia do andamento das canções). É um senso amplo da música como arte, e da arte como algo impossível de definir. Como seu envolvimento com artes visuais colaborou para o seu trabalho com música?

Eu acho que as artes visuais e a maneira de pensar sobre ela, por exemplo—comparar sons mesmo quando a comparação não faz sentido, fazer música livre, como se fosse um desenho—são coisas que eu amo. Para você, como foi a passagem do som de Henry Rollins e cia. para coisas como Beatles desde aqueles dias? Uma coisa leva a outra. Você vai pesquisar as coisas que ouve, e lê que foi originado por aquela outra coisa, daí você dá uma conferida. Foi uma longa corrente. Na música tudo é muito conectado e é muito natural. A forma como vocês descobrem coisas experimentando é mais instintiva ou é racional? Porque ao mesmo tempo que sua música é complexa, ela parece muito instintiva. No meu caso, acho que é mais cru, direto. Está com certeza bem mais ligado ao emocional do que ao racional. E dizer que minha música parece instintiva é ótimo, para mim é um elogio. Mas assim vocês conseguem chegar a uma música menos datada, menos óbvia… Com sorte, eu espero que sim. Espero que ela não soe ainda mais datada do que seria de outra forma. Mas eu acho difícil falar dessas coisas, você tem que fazer o que acha certo. Não teorizar demais sobre o processo criativo—Camelo ensinou isso a muitos repórteres e eu mesmo havia colhido os frutos desse aprendizado; o que passava pela minha cabeça ao abordar o assunto? Talvez o fato de Dave ter demonstrado como compunha em uma conversa disponível no Youtube+6. Ou porque o Stereogum+7 arrancou longas declarações exclusivas de Longstreth sobre, por exemplo, a composição das músicas de sua parceria com Björk. Este é

o que o som do dirty projectors herdou do


crua e ligada ao emocional do que ao racional um bom assunto, penso eu, que logo entendo o porquê de as entrevistas com o Stereogum serem sempre tão efusivas… Vocês gravaram um EP em colaboração com a Björk, Mount Witteberg Orca. Como rolou? Bom, eu e ela temos um amigo em comum chamado Brandom Stosuy. Ele escreve para o Stereogum e é membro dessa organização sem fins lucrativos chamada Housing Works. Ele tem curado e organizado shows que acontecem na livraria onde fica a sede da Housing Works, como levantamento de fundos para a organização. Ele pensou em convidar a Björk e eu para trabalharmos juntos em alguma coisa. Nós já tínhamos saído juntos antes, uma vez em Londres, depois de ela ir a um show nosso, e fizemos uma noite muito legal depois. Acho que ela gostou da ideia, e eu estava muito empolgado. Então eu pensei em escrever uma porção de músicas novas para a ocasião e ela ficou empolgada. E aí rolou. Há particularidades nessas músicas em relação às que estão em Bitte Orca, uma vez que são discos tão próximos? Hmm, eu não sei. Quando fizemos Bitte Orca, tentamos… Foi um disco feito com muito cuidado, com muito quebra-cabeça em cima de cada escolha, enquanto no Witteberg Orca foi tudo feito muito rápido. Compus as músicas em uma semana, e ensaiamos menos de uma semana antes de tocarmos ao vivo. Então seguimos o primeiro instinto em todas as vezes. Bitte Orca e Witteberg Orca são apenas a ponta do iceberg que a música do Dirty Projectors vem derretendo. Pode-se dizer que o calor começou com o primeiro disco solo de Longstreth, The Graceful Fallen Mango+8, de 2002. Foi o passo inaugural de um movimento com cara de vanguarda, pelo qual continuaria tensionando o que se aceita como palatável e pop, e convertendo jovens hipsters norte-americanos

aos trejeitos clássicos do violão de nylon. A partir de The Glad Fact+9, gravado no mesmo ano (mas lançado no seguinte), o projeto assumiria o nome que o define até os dias de hoje, sob o qual passa pelo Brasil no final de novembro. Aliás… …Acho legal a forma como você explica o nome do Dirty Projectors, mas não sei se entendi bem. Como você entendeu? Entendi algo sobre a forma como a interpretação errada de uma obra, ou a projeção das coisas através de lentes diferentes, pode levar a um material novo e fresco… Sim! Soa como uma explicação melhor do que pensei que poderia te dar (risos). E desculpe os trocadilhos, mas o Dirty Projectors começou como um projeto seu que hoje inclui vários músicos; cada um é um “projetor” diferente. Então suas ideias mudam quando passam pelos corpos, vozes deles. Eu gosto da surpresa do resultado, acho legal. Um pouco por isso hoje há três vozes femininas distintas na banda. Mas no fim, a surpresa é apenas parte de fazer as coisas coletivamente. “My Offwhite Flag”, do The Glad Fact, palpita uma influência de bossa nova. Queria saber sobre suas referências de música brasileira. Você acha mesmo? Que legal, na verdade eu escutei tantas gerações diferentes de música brasileira, estou tão empolgado de ir para o Brasil. Ouvi muito Antônio Carlos Jobim, acho tão incrível, e Caetano Veloso e todas as coisas da Tropicália, que são tão, tão, tão especiais. Quero chegar no Brasil e sacar também as coisas novas, como o baile (funk), que eu conheço tão pouco.

[+8]

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punk rock foi o carater direto da musica 27 >> noize.com.br


_texto ALEXANDRE MATIAS 35 anos depois de nick drake

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Uma visita ao outono eterno de Nick Drake, prodígio esquecido do folk britânico.

Nick Drake caminha pelo enorme jardim nos fundos da casa de seus pais, em Tanworthin-Arden, uma típica cidadezinha inglesa com casas de pedra margeando ruas pavimentadas sobre pastos de um verde que parece ser a única cor viva no local. É primavera, as flores estão abrindo, e Drake observa com cuidado cada desabrochar. O sol forte e amarelo não chega a esquentar; é manhã e ainda faz frio, mas as flores não se importam, continuando suas explosões de cores. Os pais de Nick aparecem na porta dos fundos da casa. Ao seu lado, um jovem mochileiro delicia-se com a beleza do jardim da casa do músico. Carinhosos e quase no final de suas vidas, Rodney e Molly Drake recebem sorridentes os curiosos que querem conhecer mais sobre seu filho. Eles vêm de conexões diversas, movidos pela música clara e repleta dos únicos quatro discos do compositor, atrás de uma espiritualidade que não encontraram em nenhum outro lugar. Nick devolvia o homem à natureza, observando a civilização como uma criação tão natural quanto qualquer bosque ou praia. Ver aquele jardim esclarece aos visitantes parte do mistério que é Nick Drake. Não se questiona, apenas sente-se a intensidade presente no local, clara influência na vida que o compositor levou. Ele nasceu em Burma, no dia 19 de junho de 1948, mudou-se para Bombaim ainda bebê e fixou-se na Inglaterra aos sete anos, indo morar em Far Leys, a casa que o viu crescer na minúscula Tanworth-in-Arden. O jardim dos fundos sempre esteve presente em sua infância, como o piano de sua mãe (compositora influenciada por Noël Coward e Sandy Wilson), as histórias de seu pai e os compositores clássi-

cos, sua principal companhia musical quando criança. Ainda adolescente, se tornaria um pianista de talento. Mas o espírito rebelde daqueles dias o levaram para os Beatles e, influenciado por eles, trocou o piano por um violão. Harmônico e melódico ao mesmo tempo, o instrumento se mostrava igualmente completo – e poderia ser levado para qualquer lugar da casa, até mesmo para fora dela. No jardim, observava o céu, como esperasse que a inspiração descesse feito um pássaro. O ouvido habituado ao piano o levara a experimentar diferentes afinações ao violão, fugindo do padrão do instrumento e procurando novas formas pessoais de expressão. Vinha a noite e Nick voltava para casa, fazendo da sala de estar seu ambiente noturno. Esperava os pais dormirem e começava a tocar as próprias músicas, registrando-as num pequeno gravador que até hoje está na mesa de centro da casa dos Drake. Molly lembra para o visitante fascinado as madrugadas que acordava ouvindo o filho. O pai apenas observa. Olha para o jardim e procura o filho, fingindo contemplar as plantas. Molly, ainda sorridente, conta da adolescência de Nick, de seus dias de escola, quando deixava a introspecção de lado ao correr no time de atletismo da escola pública de Malborough – o recorde dos 100 metros rasos com barreiras ainda é dele. Mas quanto mais crescia, mais tímido ficava, aprendendo cada vez mais a usar o violão como forma de comunicar-se com o mundo. A grande mudança aconteceu devido ao seu primeiro contato com maconha, na casa da irmã mais velha, Gabrielle, em Londres. Com o auxílio da planta, Drake tornou-se ainda mais reservado e pensativo, preocupando-se cada vez mais com a natureza humana e compondo canções sem referências de tempo, lugar ou fatos. Mudou-se para Cambridge aos 19 anos e na faculdade

25 >> noize.com.br


35 anos depois de nick drake

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[+1] O Fairport circulava bastante no underground londrino antes de mergulhar no folk. O disco que marca essa virada é Liege & Lief, de 1969.

[+2] Boyd produziu o 7” Apples and Oranges. Além disso, lançou Fairport Convention e The Incredible String Band. [+3]

[+4] Em matéria sobre Drake, a revista Mojo sugeriu discos que o influenciaram, entre eles The Sound of 65, do Graham Bond; Blonde on Blonde, de Bob Dylan; e Goodbye and Hello, do Tim Buckley.

Fitzwilliams (onde estudava inglês e uma de suas maiores influências, o poeta William Blake) começou a se apresentar, primeiro em reuniões de amigos ao redor de um violão que corria de mão em mão; depois em apresentações menores, pequenos bares universitários e festas da vizinhança. Seu medo do palco, no entanto, o afastava de apresentações maiores e Drake costumava abrir shows alheios antes de abandonar a plateia, ensimesmado. Uma destas curtas apresentações mudaria sua vida. Foram dez minutos durante um festival organizado pelo lendário grupo folk Fairport Convention+1. na Roundhouse. Após a apresentação do grupo, o baixista Ashley Hutchings preferiu ficar entre o público e assistir às outras apresentações. Quando Drake subiu ao palco, instantaneamente capturou sua atenção: com quase um metro e noventa de altura, cabelos despenteados caindo sobre o rosto, roupas que pareciam apertadas dois números e um violão, sentou-se num banco de madeira e passou a suspirar sua doce voz canções que pareciam eternas. Pelo corpo e braço do violão, seus dedos procuravam acordes incomuns de forma diferente, como um contraponto harmônico à melodia que sua voz cantava. Hutchings conversou com o jovem à saída do palco, pegou seu telefone e pediu para que enviasse uma fita demo ao produtor Joe Boyd+2, responsável pelo primeiro single do Pink Floyd e por artistas como a Incredible String Band e o próprio Fairport Convention. Assim Drake fez. Five Leaves Left O resultado deixou Boyd boquiaberto. Apenas com a voz e o violão, Drake parecia clássico desde o primeiro instante, um artista romântico solitário do século 18 que, de alguma forma, teve sua música gravada. Mas tinha apenas 20 anos e vivia na mesma década de 1960 que Boyd. Este, em pouco tempo, estaria com Drake no estúdio, gravando seu primeiro disco. Five Leaves Left+3, de 1969, teve o nome tirado do aviso que as embalagens de papel pra cigarro inglesas trazem quando estão chegando ao fim. A sensação derradeira é bem retratada nas fotos do disco: na capa, Drake olha desolado para fora de uma janela; na contracapa, encostado num muro de tijolos à vista, observa apenas o borrão que um engravatado provoca ao passar correndo por ele. “Quando o dia acabar/ O sol afunda na terra/ Com tudo que foi perdido e ganho”, canta “Day is Done”. Somos apresentados à música de Drake: um canto quase mudo, quente ainda que estático, um gemido sem dor.

Sua voz observa o mundo ao redor e o traduz em forma de metáforas campestres. O violão, dedilhado delicadamente, funciona como uma estrada de paralelepípedos por onde o autor caminha, olhando os céus, as árvores, os campos. Tudo soa árcade e pastoril e os outros instrumentos convidados no disco apenas ajudam a manter esta atmosfera: congas, um violoncelo, piano, o baixo de Danny Thompson, piano e, claro, as cordas impressionistas de Robert Kirby. “Fruit Tree”, quase ao final do disco, é a peça central de Five Leaves Left. Sem muitos rodeios, Drake canta sobre o reconhecimento tardio, sobre a morte não como um fim, mas como um motivo para lembrarmos da vida. Canta sobre ele mesmo: “Fama é uma árvore frutífera/ Que não soa/ Não desabrocha/ Até que os ramos encontrem o chão/ Homens de renome/ Nunca encontram um jeito/ Até que o tempo voe/ Além de seu último dia”. “Faltam cinco folhas” também nos remete ao outono, introspectiva estação que observa as plantas cederem à fria temperatura. Mas o disco termina com o sol de sábado, que “veio mais cedo certa manhã/ Num céu tão claro e azul”. A crítica comparou Drake a Tim Buckley, Van Morrison e Donovan+4, saudando a nova descoberta de Joe Boyd com entusiasmo. Mas sem que seu primeiro fruto fosse percebido pelo público e convencido de que sua introspecção fora responsável pelo fracasso de vendas, Drake decidiu trazer o sol de sábado para o novo disco, Bryter Layter+5. A presença da banda em “Introduction” é discreta, mas “Hazey Jane II” mostra as novas cores quentes da música de Drake, com Richard Thompson na guitarra, Dave Pegg no baixo e Dave Mattacks na bateria (todos do Fairport Convention) e as nuances em allegro dadas pelo arranjo de metais de Kirby. “One of These Things First” evidencia um disco mais urbano, populoso: “Eu poderia ter sido um marinheiro/ Poderia ter sido um cozinheiro/ Um amante da vida”. Ele quase canta a reencarnação, como se já tivesse passado por diversas vidas no passado, remetendo ao budismo discreto de “River Man”, do disco anterior. Entramos então no espiritualismo de Drake, fascinado com as pequenas coisas que vivem na terra – plantas, bichos e homens como seres à disposição dos caprichos cíclicos dos movimentos do sol, da terra e da lua. Devemos contemplá-las e aprender com cada uma delas. É o desafio proposto por William Blake: “Ver um mundo


num grão de areia/ O paraíso numa flor selvagem/ Ter o infinito na palma da mão/ E a eternidade em uma hora”. Bryter Layter é permeado por este tipo de abordagem. “Você se sente remanescente/ De algo passado/ Você acha que as coisas/ Estão se movendo muito rápido”, canta em “Hazey Jane I”. Acompanhado da viola e do cravo de John Cale, em “Fly”, confessa: “Eu caí de muito alto na primeira vez/ Agora apenas sento no chão do meu jeito”. Apesar do disco ser considerado por Boyd não apenas a obra-prima de Drake como sua melhor produção, Bryter Layter novamente não vendeu. Com apenas 21 anos e o peso do mundo nas costas, Nick queria comunicar-se com as pessoas (“Se canções fossem as linhas de uma conversação”, cantou em “Hazey Jane II”, “tudo seria mais fácil”), mas elas pareciam não querer ouvir. Sua depressão aumentou quando o selo de seus discos foi vendido por Boyd para a gravadora Island. Falava pouco com os outros e sempre demonstrava estar passando por uma terrível dor interior. Um dia, Chris Blackwell ligou para ele, oferecendo sua casa na Espanha para passar alguns dias. Sem pestanejar, foi. Voltou e telefonou para John Wood, o engenheiro de som que acompanhou Boyd em seus dois discos. Queria gravar um disco. Pink Moon Sozinho, entrou no estúdio e em duas noites de 1972 tinha Pink Moon+6 pronto. Voltou apenas à faixa-título, para acrescentar um doce mas triste piano na parte instrumental. Nenhum outro instrumento, nenhum segundo take, emoção bruta e sem edição – menos de meia hora com apenas Drake e seu violão. Nick Drake chegou à porta do escritório da Island e não conseguiu dizer uma palavra e entregou a fita dentro de um envelope pardo sem nenhuma etiqueta ou anotação para uma secretária. Apenas alguns dias após a entrega vieram a descobrir que não era a demo de um novo artista, mas o novo álbum de Nick Drake. Pink Moon é o momento mais amargo de sua carreira. “Eu era verde, mais verde que o monte/ Onde as flores nascem e o sol brilha/ Agora sou mais escuro que o mais profundo mar/ Me ajude, me deixe ficar” (”Place to Be”). “Todas as fotos que mantém na parede/ Todas as pessoas que virão ao baile/ (…) Conte o gado que passa pela cancela/ Mantenha um carpete tão grosso no chão/ Mas ouça me chamando e não me dará uma carona” (”Free Ride”). “Sei que te amo/ Sei que não me importo/

Você sabe que eu te vejo/ Você sabe que não estou lá” (“Know”). “Veja e me verá no chão/ Pois sou o parasita desta cidade” (“Parasite”). As canções pareciam repletas de um sentimento cru que o autor deixava sair à força. Depois de Pink Moon, voltou a cair em depressão e teve de ser medicado. Odiava remédios e os tomava sem a regularidade prescrita, sentia que estava envenenando seu corpo e só fazia isso por seus pais. Cada vez mais se isolava e fugia do mundo exterior. Ao mesmo tempo, sua lenda crescia. Embora seus discos vendessem pouco, eram disputados por ouvintes que encontravam uma sabedoria adolescente mágica. Até que um certo dia, no começo de 1974, decidiu voltar para o estúdio. Gravou quatro canções e sorriu com a possibilidade de ter suas músicas num álbum da cantora francesa François Hardy, que havia declarado interesse em tal projeto. Voltou a conversar com os amigos e aos poucos deixava o casulo da casa dos pais. Não tocava em público ainda, mas era claro que o sol havia voltado a brilhar na vida do jovem Drake. Preferia dormir direito e acordar cedo para readaptar-se à luz do dia. Para ajudar dormir, os remédios que os médicos lhes recomendaram, Tryptizol. Nunca ninguém havia lhe dito que mais de uma pílula era demais – e era. Quando Molly Drake acordou no dia 25 de novembro de 1974, o filho não havia acordado ainda. Estranhou. Foi mexer em sua cama e ele não reagia. Nick Drake, 26 anos, estava morto. Todos os motivos levam a crer que a morte de Drake foi acidental, um lapso fatal, que encerrou sua prematura carreira como se fosse uma história fantástica. Três discos mágicos, cada um à sua maneira, mostrando cores diferentes para o mesmo tipo de sentimento, sempre pela abordagem prematuramente madura que Drake parecia ter sobre a vida. Nos anos seguintes, a caixa Fruit Tree reuniria seus discos para a posteridade, ampliando sua lenda pessoal. Gravações da época de Five Leaves Left foram encontradas em 1984 e reunidas às quatro últimas faixas gravadas por Drake (entre elas, a mórbida “Black Eyed Dog” – um presságio da morte?) no álbum Time of No Reply+7. Deste disco, vem “I Was Made to Love Magic”, síntese de sua espiritualidade e importância musical: “Nasci para amar ninguém/ Ninguém para me amar/ Só o vento na alta verde relva/ O gelo numa árvore quebrada/ Eu nasci para amar a magia/ Tudo é surpresa para conhecermos/ Mas vocês perderam esta magia/ Muitos anos atrás”.

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29 noize.com.br


_texto BRUNO FELIN

_Foto francisco garage fuzz

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20 anos atrás eles se viravam para conseguir discos e vídeos das bandas que gostavam. Agora, após todas as mudanças na indústria fonográfica, enfrentadas por eles com o mesmo espírito “faça você mesmo”, o Garage Fuzz lança um DVD que conta a história dessa caminhada dentro da cena independente. fomos até Santos conferir o resultado, uma viagem aos arquivos do hardcore brasileiro.

Saio de São Paulo com a conhecida garoa da cidade e parto em direção à Baixada Santista. Ouvindo Turn the Page e descendo a Via Anchieta, lembro dos depoimentos que tinha ouvido no dia anterior sobre o Garage Fuzz, enquanto as minhas próprias memórias sobre a banda ficam de lado. Num calorão de primavera, chego de calça, um grande erro. Encontro Fabrício na rodoviária e partimos para minha imersão mais intensa na história da banda. Após um volta rápida pelos tradicionais canais da cidade, chegamos na casa do baixista para assistir o tão aguardado Definitively Alive Tour, CD/DVD novo deles— em primeira mão, é preciso que se diga. Preparações à parte, gravador rolando, começamos com o documentário. O começo da história O documentário produzido por Alexandre Cruz (o Farofa, vocalista do Garage Fuzz) e por Lucas “Cabu” Valente, passa por todos os detalhes do surgimento desta que é uma das mais importantes bandas do cenário

independente brasileiro. Assim como muitas outras, a história do Garage começou na escola. Uma galera que curtia skate e música e que, muito antes de se juntar pra tocar, já eram amigos e trocavam idéias sobre sons. “O DVD é dividido em três partes: as bandas antes do Garage, as formações da banda e a história através dos discos”, explica Fabrício. Farofa e o baterista Daniel tocavam no O.V.E.C; Fabrício, no Psychic Possessor (que lançou disco pela Cogumelo e o próprio Farofa chegou a tocar por um tempo); e Wagner Reis, o Bola, tocava no Dead Crab. Quando as bandas acabaram, em 1991, foi o ponto de partida para um pré-Garage. Começando com o trio Fabrício, Farofa e Daniel, chegaram a gravar algumas demos, a principal chamada DayLight+1, nunca divulgada por não terem gostado do resultado. Com os sons começando a se tornar mais trabalhados e Farofa tendo dificuldades para cantar e tocar, entram o vocalista Marquinhos (Pinups, Thee Butchers Orchestra) e Fernando, um segundo guitarrista. Esse

[+1] Uma faixa dessa demo agora está disponível na página do Garage Fuzz no Tramavirtual.

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quinteto gravou Garbage Funny Things+2, primeira demo tape lançada por eles, já com mais riffs e na onda da cena Guitar da época. A quantidade de material guardado (vídeos, zines, cartas) impressiona e enriquece muito o filme. Segundo Fabrício, “o Farofa tem síndrome de esquilo, gosta de guardar tudo”. Estamos em 1993 e, desde o ano anterior, Alexandre era também vocalista do Safari Hamburguers, outra banda tradicional da época. Essa experiência fez com que Marcos saísse, e desse lugar para ele assumir os vocais. Surge a figura de Wagner Reis, o Bola, na guitarra e o Garage Fuzz tem sua formação que durou mais de 16 anos. “Nessa época a gente já viajava pelo interior de São Paulo e Paraná, tocando ao lado de bandas como Pinups, Mickey Junks, Killing Chaisaw, Muzzarelas e Cold Turkey”, conta.

“As bandas sempre ditaram o rumo do meu trampo na verdade. As amizades que fizemos durante essas décadas, os shows, as gravações, tudo isso foi construindo nossas personalidades.” Alexandre Cruz, o Farofa

A entrada na Road Runner O jornalista do Estado de São Paulo, Marcel Plasse, estava realmente com os ouvidos antenados naquele ano de 1993. Ele resolveu lançar a coletânea No Major Babes, que dava tiros pra todos os lados, numa grande mistura de estilos que representava aquele começo da década. Planet Hemp, Black Alien e Speed Freaks,Thaide, Clemente e DJ Hum representavam um lado mais rap. Ratos de Porão, Gangrena Gasosa,Virna Lisi, as mais pesadas e várias bandas que eram as guitar-bands da época, como Second Come, Killing Chainsaw, Dash e, mais dentro do hardcore, o Safari Hamburguers e o Garage Fuzz com When all the things. Essa música foi parar nas mãos da Road Runner+3, que solicitou mais material e acabou contratando os caras. Surgiu


Foto: MaurĂ­cio Ito


Alexandre Vianna

Tom ZĂŠ


JosĂŠ Esteves

Francisco


garage fuzz

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[+3] Gravadora multinacional holandesa, que atualmente tem bandas como Slipknot, Megadeth, Rob Zombie e Nickelback [+4] Gravou várias bandas, como Ratos de Porão e Pin Ups. [+5] É um dos discos prediletos do baterista Daniel. “A gravação me agrada, ela é alta, o som da batera é pesadão, as guitarras são bem timbradas, é um disco bem ardidão, acho bem legal”, conta ele no DVD. O grito hard rock na cover de “Dead Wrong” do Bullet Lavota foi gravado por Carlos Dias pelo telefone

então a oportunidade de gravar o primeiro disco com R.H. Jackson+4 no seu estúdio em São Paulo, o clássico Relax in your Favorite Chair. O álbum agradou a filial européia e foi distribuído por vários países do velho continente. Mas com a chegada do Raimundos e do forró-core, a gravadora passou a pressionar uma mudança no som. Ofereceu US$ 30 mil caso mudassem as letras para português e adicionassem uns berimbaus, o que acabou na rescisão do contrato. “Fazer um som comercial, sendo que eu não ia estar gostando, só pra ganhar grana ou ficar famoso não fazia sentido. Isso mais cedo mais tarde ia acabar com a banda”, explica o baixista. “Acharam que a gente era tudo louco de recusar uma proposta dessa, mas rescindiram”, diz. Após a rescisão do contrato—que durou de 1994 a 1996—com a Road Runner, o Garage lançou uma demo em cassete (Four New Songs) e voltou a tocar no circuito underground, nos mesmos buracos de antes. Surge então uma proposta do selo californiano One Life Records e, após o EP Confortable Dimensions+5 pela Spicy (selo do Rafael, guitarrista do Planet Hemp), lançaram o Turn the page… the season is changing, em 1999. “Esse álbum vendeu até mais que o Relax, pois saiu também nos EUA”, conta Fabrício. E foi com ele que o Garage saiu em turnê com o Seaweed. O primeiro ao vivo e o novo ao vivo “Quem ouvia o disco ao vivo, agora poderá ver com os próprios olhos o famoso ‘Agora tá valendo’ que abre o show”, Fabrício me diz enquanto eu vejo a cara de tensão de todos no palco. Definido pelo baterista Daniel como um tiro no escuro, o 3500 Days Alive de 2001, gravado ao vivo em Santos, acertou no alvo. Lançado pelo selo paulista Highlight Sounds, inclui um dos maiores hits da banda, “Embedded Needs”, e abriu as portas para um split com Solea (que tem Sergie, guitarrista do Samiam), um ano depois, pelo mesmo selo. Como o Samiam veio ao Brasil, o Garage também fez a turnê com eles pelo país. Uma das principais características da banda sempre foi a paciência e o perfeccionismo na hora das gravações e novos lançamentos. Isso levou a um hiato que durou até o The Morning Walk, de 2005. Um disco mais calmo, “fruto de coisas que estávamos ouvindo na época como Pinback, Tommy Guerrero, Sense Field”. O documentário acaba com comentários sobre o disco, e tomamos um café. Hora de ver o show!

Gravado em outubro de 2008 na Capital Discos em Santos, com um público de 1.500 pessoas, o primeiro som já retribui a energia dessa galera toda. “Dear Cinnamon Tea” tem mesmo um clima de abertura. “Dessa vez demoramos uns 6 meses só na mixagem do show. Esse som de batera ficou perfeito”, já se referindo a “A Mutt Running Nowhere”. “O Daniel tocou pra caralho”, se emociona. Juntando todas as gravadas ao vivo, mais as 3 inéditas de estúdio (uma delas é instrumental), foram 30 músicas. Isso explica o tempo de produção que tiveram, principalmente neste esquema independente. “A galera pedia o DVD o quanto antes, mas não tinha nem noção do trabalho que a gente tava tendo. Eu sempre disse: quando sair vocês vão entender o porquê da demora”, fala orgulhoso. Realmente ele está dizendo a verdade. A qualidade das imagens e do áudio não deixa a desejar em nada aos DVDs de bandas nacionais do mainstream que circulam por aí. A energia do público é intensa e reforçada por câmeras também no meio da galera, que dão aquele clima de proximidade ao vídeo. “Vieram caravanas de São Paulo, do interior, gente do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, fora uns caras de bandas que estiveram aí”, conta. Ele me lembra que não repetiram nenhuma música e a gravação é totalmente sem overdubs. Isso sem contar um erro em que o Farofa exclama “claro que isso não vai estar no bagulho”, mas está. Pergunto sobre as coisas mais marcantes pra ele na história da banda, e ele resume bem: “Conhecer o Jello Biafra e ouvir ele falando que foi a banda que ele mais gostou no Brasil. Tocar com bandas que a gente gostava muito como Samiam, Seaweed. Mas o mais legal é ver que apesar de não estarmos expostos na mídia, chegamos em lugares longe pra caralho e tem moleque fã de Garage. Esse tipo de resposta é o mais marcante”. Concordo com ele, saímos para tomar algumas cervejas enquanto uma chuva típica de verão inunda a primavera quente em Santos. Hora de ir pra casa. O Garage Fuzz acaba de trocar de guitarrista. Fernando Zambeli saiu por motivos profissionais e eles já ensaiam com Fernando Basseto. O CD/DVD deve sair no fim de novembro, com 16 músicas no CD, um documentário, um vídeo de memorabilia e extras, mais o show ao vivo.



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>> A EVOLUÇÃO DOS FESTIVAIS BRASILEIROS

O Brasil tem uma longa tradição de festivais de música. Mas não tem como comparar nosso background de Rock in Rio e Hollywood Rock com a cultura de festivais de verão da América do Norte e da Europa. Aqui os festivais surgiram como a oportunidade rara de o povão assistir a bandas grandes que, se não estivessem sendo bancadas por patrocinadores gigantescos, dificilmente pisariam em um país latinoamericano. Lá fora os festivais acontecem sempre na estação mais quente do ano e promovem shows importantes, mas em versões reduzidas, adaptadas para o clima de acampamento descontraído em que os jovens imergem. Os festivais de rock do século XXI no Brasil têm caminhado mais e mais para este formato. Já existe o Psicodália, que une natureza e rock de matizes doidonas em um belo sítio de Santa Catarina. Mas a expectativa é que no ano que vem grandes festivais patrocinados coloquem gringos de renome para tocar em meio às nossas abundantes matas.

FFW

>> GO, LEGO!

O Lego é um brinquedo que resume os anos 1980 em muitos aspectos que têm sido resgatados pela cultura pop, como as cores primárias e a aparência pixelizada. No mundo da moda, brincar de Lego não é uma novidade, Marc Jacobs fez isso anos atrás. Mas agora os brinquedinhos preferidos das décadas passadas voltam com tudo e ultrapassam a barreira das passarelas. Junto a outros brinquedos, têm influenciado o design de eletro-eletrônicos. O designer de moda francês Jean-Charles de Castelbajac, também conhecido como JC/DC, fez algum barulho com sua Lego Collection, em 2008, e retorna neste segundo semestre com a linha de 6 relógios Pop Hours – cuja embalagem, um Cubo Rubix, enriquece o caráter nostálgico e pixelizado. Na mesma pilha de cores primárias, a Pentax lançou um modelo de sua DSLR K-x inspirada nas cores do robô japonês Kore Ja Nai. Mas a câmera, que mais parece um apetrecho do Jaspion (menores de 20 anos, Google!), só está disponível no Japão.

rewind << FITAS K7 E A VERDADEIRA MIXTAPE Você pega o iPod, separa os sons pra a festinha numa playlist e reza ao Deus tecnologia agradecendo? Saiba que as fitas K7 já tinham essa função há decadas. As clássicas mixtapes faziam o serviço bonito e de várias outras formas. Hoje você passa os links dos sons preferidos para os amigos, antes as fitinhas é que eram entregues em mãos, com exclusividade e às vezes apenas para quem merecia. E como conseguir novos sons sem internet? As K7 de bandas nacionais também eram uma boa moeda de troca para quem estava disposto a se comunicar pelo correio com selos e pessoas de outros países. As rádios eram os Napsters do passado para quem tinha um tapedeck em casa; os primeiros DJs de Hip Hop introduziram os remixes, desafiando os MCs a rimar em cima de bases não planejadas; os bootlegs rodavam de mão em mão. God save the K7.


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qualquer coisa

ROLLA DA HOLGER FALA SOBRE...

A VIDA E O FONE DE OUVIDO .: HÉLIO FLANDERS_ Vocalista doVanguart

Desde os meus 15 anos de idade eu sou um assíduo usuário de fones de ouvido. Ganhei meu primeiro Discman e voltava da escola pela Avenida Rebouças ouvindo um pouco de tudo. Um dia o maldito fone que vinha junto com o Discman— um qualquer, desses que era preciso segurar no colo para não pular—quebrou. A partir daí comecei a adquirir fones de ouvido assim como se compra CDs nos dias de hoje: umas duas vezes ao ano. Eu os adquiria em qualquer lugar—bancas de jornal, hipermercados, Fnacs e onde mais eles estivessem disponíveis. Nunca me preocupei com a qualidade a marca ou com nada nesses malditos aparelhos. Sempre preferi os tipos que são soltos, que são bem autoexplicativos: você os enfia na orelha, portanto eles estão “fodendo” a própria. Nunca optei pelos que vem com haste. Naquela época eu costumava andar pela escola com o fone em apenas um ouvido, deixando o outro livre para qualquer conversa na hora do intervalo. Ou para mostrar uma música para qualquer pessoa interessada em ouvir. Depois de muitos fones e Discmen diferentes comecei a me importar mais com os fones que comprava. O modelo de fone não mudou, mas deixei de comprar os fones mais baratos, aqueles que costumavam vir em um saquinho e nem marca tinham. Comprava alguns fones bacanas, mas sempre do tipo “fodedor”. Já nessa época comecei a usar aparelhos de MP3, primeiro aqueles bem vagabundos e depois consegui comprar meu iPod. A minha vida mudou quando, há menos de um mês, durante uma pequena viagem do Holger até o Canadá, eu resolvi comprar um daqueles fones “profissionais”, grandes e que são ruins de usar andando na rua. Bicho, foi inexplicável o que aconteceu depois que eu coloquei aquele artefato sobre a minha orelha. Um novo mundo, mais claro, mais cheio, mais “balanceado”. A qualquer pessoa que me perguntar hoje qual foi a minha melhor aquisição nos últimos anos, eu vou responder sem titubear que foi o fone. Ele nem foi tão caro assim, paguei cerca de R$ 80,00. Por isso, pelo resto da minha vida, vou falar para todos os meus amigos: comprem fones decentes! Parem de usar aquela porcaria que vem junto com o iPod, Discman, Walkman, celular, etc. A sua vida vai mudar assim como a minha mudou. Tipo um vendedor do Polishop mesmo.

Tudo o que Joni Mitchell diz em Blue me atinge de uma maneira que eu até não gostaria, tamanha a pungência de tudo que se revela canção após canção. Blue não é somente o estado de espírito, mas é a vida em si; a cor dos olhos da pessoa amada, a própria pessoa amada, that’s Blue... e “canções são como tatuagens”.

redescoberta

.: CHARLES MINGUS_

_The Black Saint and the Sinner Lady (1963)

Tudo começa com algo que parece um armário sendo arrastado. De repente, um trompete solta uma gargalhada.Tal como mágica, os arranjos do seminal The Black Saint and the Sinner Lady, de Charles Mingus, dançam entre uma cena noir e uma interrogação flamenca. Quando os instrumentos parecem eternamente desenfreados, num caos que atropela os ouvidos, tudo se acalma e a música volta a soar envolvente. Em quatro movimentos, o disco da caranguejeira Mingus levou o jazz a um caminho até então não explorado, sendo inclusive o primeiro do gênero a utilizar a técnica do overdub. Do uivo visceral, pode-se imaginar uma paternidade Punk—Mingus certamente foi um punk do jazz—; da verve cerebral, os caminhos abertos para o rock progressivo. Leonardo Bomfim 43 noize.com.br


MIXHELL Enquanto filmávamos Iggor Cavalera e Laima Leyton com uma velha câmera VHS, transbordava do vídeo a mesma sintonia que o casal divide no palco, como Mixhell. Os frames impressos nas páginas seguintes são registros nostálgicos de uma dupla que faz música olhando para frente.

Fotos e Direção de Arte: Marco Chaparro e Rafael Rocha Produção de Moda: Mely Paredes Texto: Fernando Corrêa Agradecimentos: Guilherme Brasil, Camila Mazzini, Beco 203 Produtora, Lucas Tergolina, Kento Kojima. Figurino: Acervo MixHell e King 55


IGGOR Acervo; LAIMA King 55




VESTIDO Antônio Rabadan; COLAR e MEIA-CALÇA Acervo MissinScene;


IGGOR Acervo; CAMISA King 5555 LAIMA King COLAR E SAIA Acervo MissinScene


IGGOR Acervo; LAIMA King 55


Depois de fundar o Sepultura e passar boa parte das últimas três décadas esmurrando a bateria da banda que transformou o metal brasileiro em mundial, Iggor Cavalera uniu forças com a esposa Laima Leyton para formar o Mixhell. Tal como o Sepultura, o Mixhell é uma alcunha dos infernos, em todas as boas acepções que a palavra possa ter. Não propõe uma linha musical específica, mas se permite misturar o libidinoso baile funk com o rock que der na telha. E entrega a cria eletrônica para amigos de backgrounds variados, interessados em corrompê-la. Afinal, como eles mesmos afirmam, “com a família, tudo fica melhor”. Iggor, mesmo na época do Sepultura você já era um cara que sempre buscava se renovar e apostar em opções diferentes. Você acha a música eletrônica vantajosa pelas possibilidades de manipulação e transformação dos sons? Sim, com certeza. Hoje em dia acho que é o estilo de música onde as pessoas estão fazendo mais tentativas, arriscando, tentando sons diferentes. Isso é o mais importante para mim, em qualquer estilo de música. Vocês falaram que o público na Europa parece mais envolvido pela música e curte mais, enquanto pro brasileiro é só trilha sonora para pegação. Isso é regra nos shows que fizeram no país ultimamente? Tendo curtido o circuito alternativo por anos, a situação tem mudado por aqui? Não é regra; na real, há mais espaço para mostrar as músicas e produções na Europa do que em qualquer outro lugar do mundo. Nos Estados Unidos o pessoal gosta de hits. Na Europa a galera vibra com um simples som de sintetizador ou com um beat diferente, que nunca ouviram antes. No Brasil, na grande maioria dos clubes, as novas produções, os detalhes das tracks parecem passar batido. Por isso, talvez, venhamos tocando pouco no Brasil. Mas temos que admitir que as últimas gigs no Brasil têm sido diferentes. Em Porto Alegre foi incrível a recepção, abrindo para o Prodigy em São Paulo e no Rio de Janeiro também foi uma experiência bacana em que tivemos espaço para tocar 90% do set de músicas próprias. Na real acho que na Europa há mais tradição de club… as pessoas saem para ir à balada como se fosse mesmo um evento cultural, para presenciar e escutar música. Qual foi a diferença de começar um projeto musical do zero hoje, pós-Sepultura? Como tem sido essa vida de turnos aqui e fora com família e tudo mais?

Com a família fica tudo melhor. Na verdade o Mixhell e o Cavalera Conspiracy são desculpas para eu poder ficar com as pessoas que eu amo. Num projeto eletrônico, muda a lógica dos LPs? O 12” de vocês é só de remixes de “Boom Da”, certo? Como rolaram as parcerias? Hoje em dia trabalhamos muito no formato de um single com várias pessoas que escolhemos para remixar. É muito diferente do que costumávamos fazer na época do Sepultura. Iggor, o Sepultura viveu os anos dourados da indústria fonográfica, e ainda deve te abastecer legal. Tocar música eletrônica é uma opção mais viável na era do independente? Não abastece tanto assim quanto parece. Na verdade tocar música eletrônica é mais divertido, porque não depende da indústria.Você manda sua track para seus amigos, que as tocam, e assim o circuito vai crescendo independentemente. Tem algum ídolo do rock ou um som favorito que vocês gostariam de remexer no Mixhell e ainda não tiveram oportunidade? Laima queria fazer algo com um som do Janes Addiction. O Iggor queria remixar o Ministry. O nome Mixhell é tão infernal quanto Sepultura. Que sonoridade vocês buscam nesse projeto? Tem alguma linha que escolheram seguir em termos de referências? Hmm, na real, não. Não temos algo como um plano de sonoridade. Como o próprio nome já diz, é um encontro entre vários estilos, misturados todos em um. Você disse que o Max também tem estado numa pilha bem eletrônica. O próximo do Cavalera Conspiracy pode sair nessa linha? Hahahaha. Imagino que não. Pode ser que algum dia façamos algo diferente, e também que o Cavalera Conspiracy tenha influências do Mixhell e do Soufly. Mas acho que não será eletrônico.


reviews

_DEVENDRA BANHART, JULIAN CASABLANCAS, ECOS FALSOS, NEON INDIAN, ATLAS SOUND


KINGS OF CONVENIENCE

WEEZER

Declaration Of Dependence

Raditude

Após 15 anos do lançamento de seu clássico álbum de estréia e com pelo menos outros dois discos com lugar obrigatório na prateleira de quem quer entender um pouco do rock feito desde então, Ratidude mostra um Weezer em uma fase de adolescente rebelde. Ao experimentar um pouco de tudo, de cítaras a elementos eletrônicos, o quarteto desperdiça a chance de fazer o que melhor sabe: ótimas canções powepop. “(If You’re Wondering If I Want You To) I Want You To”, “The girl got hot” e “Tripping down the freeway” provam que a receita ainda está guardada. Se a parceria com o rapper Lil Wayne em “Can’t stop partying” mostra que Rivers Cuomo continua levando a vida numa boa, é preciso lembrá-lo que só de diversão não se vive. Lucca Rossi

Em seu terceiro disco de estúdio, o duo norueguês Kings of Convenience lançou mão de seu nome para fazer um álbum que não soará como novidade para os fãs da banda. Convenientemente, a dupla empunhou seus violões e fez o que mais sabe: compor lindas músicas que remetem desde a bossa nova até o folk pop. Apesar de uma possível sensação de déjà vu, o KoC faz seu trabalho de forma tão única e competente que ficamos com um sorriso no rosto ao ouvirmos os familiares e característicos arranjos criados por Erlend Oye e Eirik Glambek. Quem estava com saudades do duo, que não lançava nada inédito desde 2004, prepare-se para ficar maravilhado com músicas tão sutis e agradáveis como “Boat Behind”, “Mrs. Cold” e “Peacetime Resistance”. Neto Rodrigues

DEVENDRA BANHART What Will We Be

Nunca ninguém pensou que Devendra Banhart pudesse soar como Franz Ferdinand. Mas pode, veja só. Em What will we be, o americano, expoente da new weird america, experimenta novas sonoridades. A incursão é interessante: as influências passeiam entre o Little Joy do amigo Amarante, o já supracitado Franz Ferdinand, até chegar em algo parecido com a cruza de Elliott Smith e um ukulele (o violão havaiano). O problema é apenas um: Devendra soa bem, mas não soa como ele mesmo. As primeiras três faixas do disco, “Can’t stop smiling”, “Angelika” e “Baby” são o que lembram mais o antigo Devendra. A partir daí, é tudo comum: o som soa repetitivo e requentado. As guitarras soam muito como Jack White e “16th & Valencia Roxy Music” tem uma veia 80’s (divertida, dançante, mas) que foge ao normal viajandão. Aceita-se o Devendra maluco de volta, pois What will we be decepciona. Fernanda Grabauska

ECOS FALSOS Quase

Se o debut “Descartável Longa Vida” misturava guitarras e letras agressivas (“Sobre Ser Sentimental”) a melodias fofas (“Zero a Zero”) em gravações quase experimentais, Quase, recémlançado pelo Ecos Falsos no maior estilo web 2.0, aposta numa produção mais uniforme e madura, tornando as guitarras hiperativas de “O Boi” mais facilmente tragáveis do que as que apareciam no primeiro álbum do grupo. É ela, inclusive, uma das melhores faixas do álbum, disputando espaço com o single pop “Spam do Amor”. Outras grandes músicas de “Quase” são “Verão de 69”, com uma vibe à la Holger, “Cafè La Petite Mort”, refinada pelo som dos metais, a romântica “Nós” e “O Segredo do Sucesso...”, com suaves backing vocals femininos. Alex Correa

Julian Casablancas Phrazes For The Young

Descoberta a origem da veia anos 80 dos Strokes. Até mesmo na sessentista “Chords of the Apocalypse”, os anos fluorescentes demarcam seu espaço. Confortável em baladas lúdicas e em dancefloor songs, Julian dispensa os pesados efeitos vocais dos primeiros álbuns de sua banda de origem e mergulha em um pop destemido e confiante. As canções de sua aventura solo são irresistíveis e, em uma metáfora urgente, equivalem-se aos amores platônicos. Quando o teclado e as linhas eletrônicas enjoam, a criatividade do vocal compensa, como em “River of the Breakelights” e no country de “Ludlow St.”. De acordo com Casablancas, trata-se de um disco composto para combater o tédio, e, mesmo que a ausência de guitarras desagrade os fãs de Strokes, não existiria definição melhor. Maria Joana Avellar 53 noize.com.br


NEON INDIAN

EL PERRO DEL MAR

Psychic Chasms

ATLAS SOUND

Logos

Love is Not Pop

Nota-se que os suecos preferem melodias assoviáveis. Love is not pop é o disco mais assoviável já lançado. Suave e de belas letras, o CD explora a voz doce, quase infantil de Sarah Assbring. E não é devagar e melancólico como seus últimos trabalhos. No disco, Sarah consegue constância no ritmo das faixas. “Heavenly Arms” é de se querer dançar junto como nas reuniões dançantes da quinta série. “L is for Love” tem um arranjo que oscila entre a orquestra e o eletrônico. Segura a dignidade por toda a faixa, sem parecer ridículo. Bom disco para conhecer o som da sueca e sair assoviando por aí. Fernanda Grabauska

A música dos nossos pais feita por nós, os filhos deles. Mais velho que pouca gente que o ouve, Alan Palomo estréia com um álbum de uma década inexistente, entre discotecas do passado e danceterias do futuro, com sintetizadores intergalácticos e batidas infalíveis. Em “Ephemeral Artery” dá quase para ver o veneno escorrendo dos sintetizadores, precisos e sensuais, enquanto “Laughing Gas” tem deboche e seriedade na medida certa. Tudo isso misturado às melodias e ruídos melancólicos de faixas como “6669 (I Don’t Know if You know)”. Coisa de quem tem saudade de uma época que nunca existiu. Rafael Abreu

Escute também: We Care a Lot, Live at Brixton Academy, Album of the Year.

DiscografiaBásica

por Carlos Guimarães

Não é à toa que Bradford Cox está nu na capa de Logos, um clarão de luz omitindo seu rosto. Depois da viagem introspectiva, sem muito silêncio e com muita ambiência de seu debut, o som do Atlas Sound volta mais simples – despido. É assim que “Shelia” e “Criminals”, de uma singeleza imensa, dependem menos de clima do que melodias simples e interessantes, enquanto “Attic Lights” se torna um tipo de síntese da mudança de rumo do artista - sendo pouco mais que sua voz e um violão, a faixa prova que Cox não precisa de muito pra fazer uma faixa e um disco cativantes. Rafael Abreu

FAITH NO MORE

The Real Thing

Com o disco de estréia de Mike Patton nos vocais veio a popularização da banda, rotulada prontamente de “funk metal”. Embora sem explorar todo o potencial vocal de Patton – o que só aconteceria, definitivamente, em King for a Day, fool for a Lifetime, The Real Thing alçou a banda para patamares de idolatria, consolidando aqui seu maior hit: “Epic” rodou tanto na MTV que fãs decoravam o clipe, take por take. Outras faixas também foram bastante executadas, como “From Out of Nowhere”, “Falling to Pieces” e “Surprise! You’re Dead”. Esta turnê gerou o show fantástico do Rock In Rio 2, uma das melhores apresentações que a banda fez em sua carreira. Inserida no contexto das grandes bandas, entrava nos 1990 preparada para ser referência e influência. Angel Dust

Depois de se estabelecer no cenário funk-metal, o Faith No More abriu caminho para sua obra-prima. Angel Dust é a reinvenção do metal nos anos 1990. Se o Metallica tinha aberto espaço para que as massas consumissem o estilo, Mike Patton, Jim Martin e companhia resolveram estabelecer todas as bases do nu-metal. Aqui está o embrião de bandas como System of a Down, Korn e Slipknot. Um divisor de águas, com petardos como “Be Agressive”, “Land of Sunshine”, “Caffeine” e “Midlife Crisis”. Um ano depois, eles lançaram o single de “Easy”, cover do Commodores. A música entrou na segunda tiragem do álbum, como uma prova da versatilidade de uma banda e de um disco que não têm prazo de validade. King For a Day, Fool for a Lifetime

O Mike Patton crooner foi apresentado em “Edge of the World”, imortalizado em “Easy”, mas é neste álbum que realmente se consegue perceber todo o potencial do vocalista, em faixas como “Just a Man”, “Evidence” e “Take This Bottle”. Sem deixar o peso sumir (“Diggin the Grave”, “Ricochet”, “The Gentle Art of Making Enemies”), o disco até oferece uma música em português, chamada “Caralho Voador”. A crítica não foi lá muito condescendente com King for a Day, mas os fãs adoraram – é o disco preferido de vários deles. Apesar da recepção inferior, o álbum é bastante cultuado e funciona como um mosaico de todas as pirações de Mike Patton. Talvez seja o trabalho mais pattoniano de todos – em que ele explora todo o seu arsenal de referências, do metal à música de baile da terceira idade, sem pedir concessões.


SUGAR KANE

A Máquina que Sonha Colorido

As engrenagens dos curitibanos do Sugar Kane seguem firmes e, desta vez, um pouco mais aceleradas. As duas primeiras faixas já remetem àquela golden era do hardcore/punk nacional, no final dos anos 1990 e início deste século. A decisão de dedicar-se mais ao estilo foi uma ótima escolha, mesmo com as exceções “Rockstar” e “Um pouco de tudo”. O refrão de “Diga amém ou não” chega a lembrar “I believe”, lá do primeiro disco, Once One Day. Seja em “Seus ideais” pela pegada a la Fat Wreck, ou por “Pedras”, mais para a fase de Continuidade da Máquina, o disco mostra a banda sabendo muito bem o que quer. Algumas letras estão mais maduras, assim como a própria sonoridade deles. Com certeza vale ouvir. Bruno Felin

WOLFMOTHER Cosmic Egg

Wolfmother é a banda certa na época errada. Tivessem aparecido no meio dos anos setenta, com certeza seriam um dos grandes. Hoje em dia a banda se tornou cult, seu som é uma grande mistura de Black Sabbath—do terceiro álbum, Masters of Reality—com a batera furiosa de Keith Moon do The Who e doses de psicodelia Zeppelinianas. Este segundo álbum tem o peso na medida certa, com teclados quase inexistentes. Mesmo com a mudança de dois integrantes, o frontman Andrew Stockdale manteve o estilo do grupo, e podemos dizer que o aperfeiçoou. Sons como “California Queen”, “New Moon Rising” e “Back Round”—esta última, primeira gravação da formação nova—são de deixar de queixo caído qualquer amante do rock mais pegado. Ricardo Finocchiaro

BEBEL GILBERTO All in One

Para quem acompanha a carreira de Bebel Gilberto ou conheceu o processo de criação do seu novo disco, All in One, há uma grande tentação de se julgar o álbum não pelo que é, mas pelo que poderia ter sido. O desentendimento entre Bebel e a produtora Paula Lavigne fez com que a última levasse embora consigo uma série de esperadas canções, em especial a clássica “Acabou Chorare”. Levando em conta apenas o que está no disco, contudo, o material apresentado é, no todo, satisfatório. Reinterpretações como as de “The Real Thing” e “Sun is Shining”, sem falar em “Bim Bom” e “Chica Chica Boom Chic”, mostram que Bebel Gilberto ainda paira acima das levas de novas cantoras que todos os anos inundam nossa música. Matheus Vinhal

ta por vir .: Abril de 2010_ Nuda | Ainda sem nome “Esperamos por em prática o que aprendemos do primeiro trabalho pra cá, explorar novos timbres, fazer esse trabalho com mais calma.” É o que conta a galera do Nuda, que prepara o sucessor do EP Menos Cor, Mais Quem. Pode-se esperar a mesma psicodelia barulhenta e convincente que abriu os ouvidos do público para o talentoso quarteto pernambucano.

confira Nirvana Bleach (Deluxe) ___Para quem não conhece o debut do Nirvana, eis uma prova remasterizada do poder dos riffs e berros que ressuscitaram o rock. Para os que já conhecem, esta edição traz ainda um show em boa qualidade, ao vivo em Portland, no distante 1990.

Morrissey Swords ___Enquanto Morrissey ganha a mídia após levar uma garrafada na cabeça e abandonar o palco, Swords, coletânea de sobras dos últimos três álbuns do cara. Tem-se dito que, no meio de muita coisa ruim, tem pérolas candidatas a greatest hits.

Slayer World Painted Blood ___O Slayer volta após três anos, produzido por Greg Fidelman, o mesmo de Death Magnetic do Metallica. Com os riffs galopantes de sempre, mas com um quê a mais de esperimentalismo, desagradou alguns fãs mais fánaticos – mas ainda é Slayer.

DVDS NIRVANA Live at Reading

Em agosto de 1992, o Nirvana desfrutava dos deleites da fama, que chegaram como um foguete com o lançamento de Nevermind um ano antes. Se para Kurt Cobain a fama era sinônimo de desconforto, o que transparece em Live at Reading é a junção dessas duas realidades: um momento especial na história do rock nos anos 90, uma banda poderosa e transformadora, e um frontman soturno e apaixonado—em determinado momento, Kurt chega a pedir ao público que mande uma mensagem a Courtney. A recente edição manteve o que havia de melhor no material, já conhecido dos fãs: o foco na banda. Trata-se de um dos maiores festivais ingleses, mas o espectador tem a chance de vê-la com uma proximidade apenas superada pelo acústico MTV. É o Nirvana como há muito não se via. Dantom Jardim

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cinema BASTARDOS INGLÓRIOS

Diretor_ Quentin Tarantino Elenco_Brad Pitt, Christoph Waltz, Melanie Laurent, Diane Kruger, Eli Roth Lançamento_ 2009 Nota_ 5 de 5

Como já foi dito por todos, sim, a frase que encerra o filme (“esta pode ser a minha obra-prima”) provavelmente se aplica ao próprio Tarantino. Ao voltar sua atenção para uma nova releitura de gênero – não o do “filme de guerra” em si, mas o do filme de “aventura de guerra”, ao estilo Os Doze Condenados e Os Canhões de Navarrone – Tarantino atinge a perfeição no equilíbrio entre o pastiche e a homenagem. Duas histórias são contadas em paralelo: a jovem judia Soshanna (Melanie Laurent) tem sua família morta pelo coronel Hanz Landa (Christoph Waltz, numa atuação espetacular, vencedora da Palma de Ouro) e, disfarçada como dona de um pequeno cinema parisiense, planeja sua vingança. Ao mesmo tempo, o tenente Aldo Rayne (Brad Pitt) lidera um grupo de soldados judeus que barbariza os nazistas na Fran-

ça ocupada. Consequentemente, com a estreia de um filme prestigiado por todo o alto comando alemão no cinema gerenciado por Shoshanna, as duas histórias se cruzam. Mas o filme, no fundo, é todo de Christoph Waltz. Sua interpretação como Landa – um personagem refinado, ardiloso, excessivamente educado e, acima de tudo, tão feliz que chega a dar medo – é magistral e hipnótica. Acima de tudo, é um filme sobre o cinema como espaço de releitura da realidade, explicitada por Tarantino em cada minuto. Desde um crítico que trabalha como espião, aos cartazes de filmes alemães espalhados por Paris, ao comentário de Rayne (cujo nome mistura Aldo Ray com John Wayne), que “matar nazistas é quase tão divertido quanto ir ao cinema”. E está certo: Tarantino mostra que nada é mais divertido do que o cinema. Samir Machado

THIS IS IT

Diretor_ Kenny Ortega Elenco_ Michael Jackson Lançamento_ 2009 Nota_ 4 de 5

Idealizado pelo diretor, produtor e coreógrafo americano Kenny Ortega, This is It compila os resultados de mais de cem horas de filmagens dos ensaios para a turnê de Michael Jackson que levaria o mesmo nome. Por ocasião da morte do artista, em 25 de junho deste ano, esses registros foram reunidos e deram origem ao documentário que representa um verdadeiro deleite aos fãs com os últimos momentos do astro pop. This is It cumpre seu papel e premia a plateia com um espetáculo à altura do talento, versatilidade e potencial criativo, marcas do sempre artístico Michael Jackson. Sequências de ensaios, passagens de som, ajustes técnicos e coreografias são mescladas com inserções de projeções e videoclipes produzidos especialmente para a ocasião dos sho-

ws da turnê inglesa. Michael não estava no auge da sua carreira, tampouco de suas habilidades físicas. No entanto, protagoniza cenas emocionantes retomando alguns dos momentos mais marcantes de sua discografia. As faixas recuperam os anos dourados de Jackson 5, passando por “Beat It”, “Billie Jean”, alguns dos sucessos do popular Dangerous e canções do álbum duplo History, sua última grande sacada comercial. Emociona essa retrospectiva musical que culmina na mensagem de paz e apelo humanitário da singela “Earth Song”. This is It presta homenagem contundente ao ícone pop e resgata de uma espécie de ostracismo musical um dos grandes nomes de todos os tempos. Marcela Jung


cinema

livros

DISTRITO 9 de Neil Blomkamp (2009)

ABRAÇOS PARTIDOS

CAIM

Ao invés dos EUA de sempre, uma nave alienígena avariada vai parar em Johannesburgo, África do Sul. Os alienígenas, subnutridos e desorientados, são confinados num gueto, metáfora clara do apartheid. Vinte anos depois, o gueto virou favela, e a função do burocrata Mirkus van der Merwe (Sharlton Copley) é avisá-los do despejo para um campo de concentração disfarçado. A primeira metade, filmada como documentário, mostra o preconceito nutrido pelos humanos contra os “camarões”, como chamam os alienígenas. A única preocupação de Mirkus é impressionar seus chefes, mas logo se vê envolvido nos planos de aliens e do governo, e o filme se transforma em uma curiosa cruza de Cidade de Deus e A Mosca. A influência de games é visível no clímax explosivo, em que o filme mostra seu principal trunfo: o uso inteligente de efeitos especiais com realismo de cair o queixo. Samir Machado

Certo dia, Almodóvar cansou de ser Almodóvar, exausto de ser visto por todos como aquela persona cujo sobrenome tornara-se sinônimo de extravagante. Dali surgiu a idéia inicial de Abraços Partidos. O longa apresenta a história de Harry Caine, cineasta que amarga as consequências do envolvimento com Lena, protagonista de um filme seu. O marido da atriz suspeita da traição e passa a usar seu dinheiro e influência para atrapalhar a conclusão do filme. Curiosamente, Chicas y Maletas – o filme dentro do filme – é um remake de Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), dirigido por Almodóvar e indicado ao Oscar. Lançado no festival de Cannes desse ano, Abraços Partidos é sensível e brinca com o fato de ser tão almodovariano. Se os filmes do diretor têm a característica de serem referentes ao criador e a si mesmos, Abraços partidos bem que poderia ser seu filme-síntese. Maurício de Lima

Quase 20 anos após ter publicado o polêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o escritor português José Saramago volta a atacar a Igreja com o não-tão-polêmico Caim. Com uma prosa irônica, crítica e bem-humorada, Saramago reconta o capítulo do Gênesis sob a óptica de caim (todos os nomes são grafados no livro em letras minúsculas), como forma de afirmar sua crença no Homem. Deus é mostrado como um mau gerente que não soube planejar os detalhes de sua obra. Numa passagem memorável, Caim o convence de sua co-autoria no assassinato do irmão Abel. Uma vez condenado a vagar pelo mundo bíblico, Caim passa a ir e vir no tempo como um personagem de Lost, testemunhando do sacrifício do primogênito de Abraão à morte das crianças de Sodoma. Ainda que o texto soe mais crítico ao judaísmo que ao cristianismo, via de regra, é tema que já não gera muita novidade. Mas é no clímax, em que Saramago explora novas possibilidades de leitura para um texto tão conhecido, que o livro mostra a que veio. Samir Machado

de Pedro Almodóvar (2009)

de José Saramago (2009)

games BRÜTAL LEGEND Brütal Legend é o mais recente jogo de Tim Schafer. Como seus títulos anteriores (ex. Full Throttle), este também conta com ótimos traços do bom e velho rock ‘n’ roll. Na história, Eddie Riggs, interpretado por Jack Black, é um roadie que teme a morte dos ótimos metais da década de 70. É transportado para um mundo místico, em que o heavy metal é dominado pelo poder tirânico de Lord Doviculus. Para libertar os habitantes desta tragédia, Eddie faz riffs demoníacos em sua guitarra e balança seu machado, enquanto recebe orientações de mestres como Lemmy Kilmister (Motörhead), Rob Halford (Judas Priest), Lita Ford e o “Prince Of Darkness” em pessoa, Ozzy Osborne. Um headbanguer que se preze não pode deixar de jogar! Rafael Borges - sopreocartucho.com.br

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fotos: 1 | Tatu

2 | Estela Fonseca

3 | Rafael Monteiro 4| | Camila Mazzini

5 | Guilherme Santos

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shows

_Maquinaria, calango, faith no more arturo sandoval, electro shock


FESTIVAL CALANGO Cuiabá, 30 de Outubro a 1º de Novembro

“É isso aí, vamos lá, seguindo o ritmo”, dizia Marku Ribas para um público dançante na Praça das Bandeiras, em Cuiabá. Um local que nunca havia sido usado para um evento com tanta pluralidade musical. Gol de placa para a sétima edição do Festival Calango, que tem um diferencial dos demais: entrelaça bandas de diferentes gêneros e regiões. Uma oportunidade para o público, nas oito horas diárias de músicas, saber como se toca do Amapá ao Rio Grande do Sul, do Ceará ao Acre. A nossa viagem começou no Centro de Eventos do Pantanal, e Cuiabá ficou quente. Para você que não acredita, por aqui o termômetro destaca 42 graus, e nem adianta um lencinho para enxugar a testa. A programação em tom experimental é o que leva o público a ficar tanto tempo em pé, que em apenas uma hora, dançou com a e-music rock do O Garfo, a pancada do Venial e todo o folclore do Caldo de Piaba, do Acre. Essa experimentação também ganha novos sabores, seja pela maria izabel e a farofa de banana (comidas tipicamente cuiabanas vendidas na praça de alimentação), seja pelos jogos de fliperama entre uma banda e outra. Por si só Cuiabá já é uma cidade socialmente cosmopolita. Nos anos 70, recebeu imigrantes de todo o Brasil em busca das oportunidades do então “novo mundo”; isso fez com que a geração seguinte se tornasse receptiva a tantas coisas. Mesmo assim, a cena independente/underground não consegue auto-suficiência. O Calango desponta como um dos grandes eventos da vanguarda musical no país, e seus articuladores como importantes nomes da “cultura ligada em rede”, mas por aqui ainda era visto apenas como um festival de rock—ou melhor, um festival de rock independente. “Era” porque o ambiente mudou. Levar o festival para o Centro de Eventos do Pantanal ano passado deu um “tchan” na visualização

da produção, mas a ida para a Praça das Bandeiras (no centro político da cidade) renovou esse público e tudo se ampliou. Um local perfeito para um festival de música. Boa surpresa no show do E.M.I.C.I.D.A., que sempre me fez pensar que seu hype tenha “acontecido” pela falta de um rapper diferente no cenário. Mas não, o cara tem um bom show e grande espiritualidade. Toninho Horta trouxe uma “classe” bem diferente ao festival e fisgou novos bons ouvintes que passavam na avenida ao lado, uma das maiores da cidade. No quesito bandas locais, atenção especial para a ótima apresentação do MPBista Paulo Monarco, o desenvolvimento estético dos Vitrolas Polifônicas, a boa performance do Venial e o sempre incrível Ebinho Cardoso, contrabaixista que está construindo seu espaço no Olimpo da música brasileira. Dewis Caldas

MAQUINÁRIA FESTIVAL São Paulo, Chácara do Jóquei, 7 e 8 de Novembro

Após as complicações comuns da cidade de São Paulo em relação ao trânsito, cheguei à Chácara do Jóquei para acompanhar o sábado de atrações no Maquinária Festival. Nação Zumbi dava os últimos acordes para não mais que duas mil pessoas, enquanto o sol ainda escaldava os presentes. Aproveitei o término do show para conhecer a estrutura, enquanto o Sepultura se preparava para entrar no palco. Apesar de não ser um lugar de dimensões gigantescas, a estrutura era ótima e de acordo com a proposta. O público foi aumentando aos poucos e, mesmo que o Sepultura não seja mais a mesma banda, o bixo pega sempre que clássicos como “Territory” ou “Roots Bloody Roots” são tocados. A busca por entrevistas nos camarins fez com que não conseguisse me dedicar muito ao palco Myspace, que teve bandas como Sayowa e Maldita durante a tarde. Com o sol a pino, o Deftones – liderado por Chino Moreno – soltou a gritaria e enlouqueceu seus fãs com

hits como “My Own Summer (Shove it)”, “Feiticeira” e “Around the Fur”, e fechou com “7-words”. Mesmo com o baixista reserva (ex-Quicksand) fizeram uma performance que esbaldou o público que começava a crescer. As orelhas tremulavam com os gritos de Moreno . A noite foi chegando e o Jane’s Addiction mostrou que essa volta tem um motivo principal: o público. Com a formação original, incluindo o excelente guitarrista Dave Navarro, o show foi performático como era de se esperar, principalmente do vocalista Perry farrell – rebolando ao lado de duas dançarinas com roupas sensuais. Impossível não compará-lo a Ney Matogrosso. Os clássicos de décadas passadas como “Been Caught Stealing”, “Ain’t No Right” e “The Mountain Song” foram executados com primazia. Apesar do line up de peso, a noite era do Faith no More. Mesmo que a chuva tenha atrapalhado o começo do show, Mike Patton e companhia fizeram um show inesquecível. O vocalista roubou a cena. Urrava, berrava, gritava e cantava com a sua qualidade única – um frontman como poucos. Entrou no palco com uma bengala e um guarda-chuva e comunicando-se em português, criou uma proximidade ainda maior com a platéia delirante. Em um show de quase 110 minutos, “Epic”, “Midlife Crisis”, “Caralho Voador” foi um sequência incrível. Mike Patton estava alucinado, fingindo-se de morto ou descendo até o público numa cena que entrou para a história. Gritava: “Porra Caralho!”, e a resposta era uníssona. Um momento roqueiro como pouco se vê. Histórico! O domingo ainda reservava bandas mais “atuais” e um público consequentemente mais jovem. Passaram por lá Loaded – projeto do ex-baixista do Guns’N’Roses, Duff McKagan –, Dir En Grey, Panic! At The Disco e Evanescence. Um festival para sentir o gostinho que os gringos conhecem bem: grandes atrações, produção de primeira e, principalmente, diversão. Bruno Felin 59 noize.com.br


FAITH NO MORE Porto Alegre, Pepsi on Stage, 3 de Novembro

A relação afetiva do Faith No More com o Brasil começou em 1991, quando eles fizeram o melhor show do Rock in Rio 2. Mike Patton, Billy Gould, Roddy Bottum e Mike Bordin (o guitarrista Jon Hudson ainda não estava na banda) simplesmente apagaram o show do Guns N’ Roses, maior banda da época e atração de peso do festival. Desde então, Patton compôs com Bebel Gilberto, fez parceria com Igor Cavalera, amizade com João Gordo e até música em português. Com um vocabulário em português relativamente maior do que os outros artistas que por aqui aparecem, Mike Patton, de calça prata-brilhante e camisa preta, declarou o seu amor pelo país. A banda incluiu no set “Caralho Voador”, costumeiramente não tocada por eles em outros países e uma versão em português de “Evidence”. A habilidade vocal de Patton é monstruosa. Vai de crooner, kitsch, funk e metal em questão de minutos, sempre segurando com absoluta segurança e simpatia. O seu domínio de palco, por vezes, é assustador. Vide “Just a Man”, quando se joga, em aparente improviso, na plateia, constituindo um stage diving que poucos lugares puderam ver depois que eles voltaram. Alguns hits presentes (“Easy”, “Epic”, “From Out of Nowhere”), umas surpresas (“King for a Day”, “As the Worm Turns”), pontos altíssimos (a abertura, com “Theme from Midnight Cowboy”, “Surprise! You’re Dead”, “Midlife Crisis”, “Ashes to Ashes”, “Ricochet”) e dois bis iniciais (num deles, o crossover “Carruagens de Fogo” e “Stripsearch” e no segundo, a cover de “This Guy’s In Love With You”, magistralmente interpretada, um misto de Ray Coniff com Stevie Wonder), antes do grand finale que serviu como um orgasmo dessa relação libidinosa de amor do Faith No More com o Brasil. Depois do encerramento com a canção de Burt Bacharach, o povo pediu

“We Care a Lot”. Provando que eles realmente ligam pra gente, voltaram e tocaram a música—fazendo as 5 mil pessoas que estiveram no Pepsi On Stage se perguntar como que bandas infinitamente piores que o Faith No More ainda conseguem recusar pedidos do público. O tecladista Roddy Bottum escreveu no twitter: “obrigado Porto Alegre por nos lembrar o quanto amamos o Brasil”. O Brasil também ama vocês, Roddy. E se a banda liga um monte pra gente, se a banda ama o Brasil, pode ter certeza que as pessoas que viram a maior apresentação da história do Pepsi On Stage acreditam. Pode ter certeza que quem não amava, depois que o Mike Patton se despediu mandando um beijo, se apaixonou na hora. Carlos Guimarães

ARTURO SANDOVAL Porto Alegre,Teatro do Bourbon Country, 25 de Outubro

Quando saí do Teatro do Bourbon Country no domingo, 25 de outubro de 2009, não pairava dúvida: nada que eu escrevesse neste review seria próximo do que tinha visto naquela noite. Assim como assistir a um vídeo de Arturo Sandoval no YouTube, palavras não são suficientes para descrever tal imensidão sonora. O show do cubano é um absurdo do começo ao fim.Após um silêncio ensurdecedor que precedeu sua entrada, a ponto de revelar a tradicional energia do camarim com alguns “vamos!” e “let’s do it”, ele adentrou o palco só. Carinhosamente, revelou a preciosidade do som de seu trompete, embasbacando os mais desavisados, agraciando os que o conheciam e impressionando qualquer um presente no local. Impossível não se arrepiar ao primeiro contato sonoro com este cubano que exala musicalidade. A sua banda não deixava por menos. Manuel Valera (piano), Dewaine Pate (baixo), Philbert Armenteros (percussão), Alexis Arce (bateria) e Charles Mcneil (saxofone). Todos à altura para acompanhar o mestre caribenho. O repertório do show é bem vasto, não se

limitando apenas ao bebop, sua especialidade. Passearam inclusive por algumas baladas, levadas por um mojo criado ao som do trompete chorado, no embalo da percussão típica da ilha de Fidel. Numa delas até palpitava o tempero de música brasileira, quase uma bossa nova, mesmo estando limitada à falta do contratempo original do samba. A certeza de que Sandoval respira música—e que fôlego tem esse senhor— vem quando ele simplesmente fica quase 10 minutos fazendo sons apenas com a boca, numa sinfonia inclusive acompanhada pela banda. Ou quando senta ao piano. Ah, quando senta ao piano! Quem existiu ao vê-lo dirigir-se ao instrumento teve o queixo derrubado. Ele tirou o paletó, jogou sobre a cauda e destrinchou. Os solos dos outros músicos durante o show foram a cereja do bolo que tornaram aquela noite uma experiência inesquecível. Bruno Felin

ELECTRO SHOCK Porto Alegre, Porão do Beco, 17 de Outubro,

Depois de comparecer ao Electro Shock, fica difícil começar a descrever o festival pelo início. Da performance empolgante apresentada pelo Mixhell de Iggor Cavalera ao carisma do Copacabana Club da vocalista Caca V, tudo colaborou para que o início dos trabalhos da noite, com o Camboja Motel, fosse apenas uma ótima abertura. Mas o que fez o público suar foi a falta de roupas em que culminou o show mais hardcore da história do Porão do Beco – o Bonde do Rolê elevou a temperatura da casa e deixou o ar tão cheio de feromônios, que até os marmanjos babões do gargarejo ficaram assustados. Festival já consagrado no pequeno cenário de eletro-rock da capital gaúcha, o Electro Shock teve, certamente, a edição mais marcante. Ao trazer apenas bandas renomadas, mostra que o gênero é um dos que mais se viabiliza nos tempos atuais. E ninguém vai esquecer o Bonde. Fernando Corrêa











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