Revista Noize #69 - Tulipa Ruiz | Agosto | Setembro | Outubro 2016

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A Noize #69 acelerou o BPM para massagear seu esqueleto. Afinal, não é todo dia que lançamos um disco tão dançante e elegante em vinil. Dancê traz Tulipa Ruiz em piruetas e rodopios compostos por uma pororoca de gerações pra você dançar de olhos fechados variando os movimentos do corpo de acordo com o estímulo que cada música traz.


Você está no começo do Lado A. Por aqui há uma entrevista ensolarada pelo Buda musical João Donato e sua oitava década de vida, depois você pode combinar colete de seda com calça de veludo para entender mais sobre o surgimento da Disco Music Brasileira, e por fim, mergulhar no universo balançante de Dancê em uma conversa exclusiva com a menina flor.

Marília Feix


Caroline Bittencourt / Divulgação

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5 perguntas para João Donato _ por Ariel Fagundes

Seis décadas dedicadas ao Yin­Yang retangular das teclas do piano fizeram de João Donato uma espécie de Buda musical. Iluminado pelo som que jorra de suas mãos, ele lançou há pouco o disco Donato Elétrico, gravado com o pessoal do Bixiga 70, e isso é só o começo. Sua oitava década de vida chegou cheia de novos projetos, como João nos conta aqui*. O que é a música para você? A música é o ar da vida, é a água do céu, é o paraíso aqui na Terra. Existe música boa e música ruim? Existe, sim. A música boa faz bem aos ouvidos, ao coração, à saúde. Deixa você tranquilo, amoroso, compreensível, dá uma certa paz, dá alegria. A música ruim te deixa irritado, com raiva de alguma coisa e, muitas vezes, é difundida através do sofrimento de grandes gênios. Acho desonesto fazer disso um produto comercial, vender para as pessoas e, quem sabe, fazer até sucesso. Isso é um mal muito grande. Eu só escrevo quando estou feliz! Tenho muito medo das músicas que faço quando estou triste. Jogo todas fora no dia seguinte. Compor é um desafio após 60 anos de carreira? Compor é como uma fonte de água que fica jorrando o tempo todo há não sei quanto tempo. É água fresca o tempo todo! A música pra mim, aos 81 anos, é tão novinha como quando eu tinha dezoito. 18 e 81 é o mesmo número invertido, dá no mesmo.

Donato Elétrico mostra sua facilidade de tocar com músicos de novas gerações. Como você lida com isso? Eles são músicos muito talentosos, que gostam da música pela própria música. Isso faz com que eu me sinta à vontade pra tocar com a garotada. Antigamente a gente se baseava muito nos americanos pra criar um estilo de música, agora parece que a turma está se inspirando nos próprios brasileiros pra fazer uma música legal. Como você avalia o cenário musical do Brasil de hoje? O Brasil está numa boa fase, estamos muito bem de cantoras! Inclusive pretendo fazer um disco com Céu, Tulipa Ruiz, Mariana Aydar, Aline Calixto, compondo com elas. Isso está sendo planejado pelo Ronaldo Evangelista, que produziu o Donato Elétrico (2016). Aliás, foi muito agradável ter gravado o disco da Tulipa, que me convidou pra tocar em uma música feita em minha homenagem, “Tafetá”. “Fino, delicado, tã­nã­nã­nã” (cantando)... Diz que foi em minha homenagem! * Leia a entrevista completa no site da NOIZE



_TEXTO Claudia Assef

ARTE gabriel cavalheiro


NA NOSSA FESTA VALE TUDO Das primeiras discotecas aos maiores hits das pistas, conheça a história da disco music no Brasil

Nasci em junho de 1974, uma época de trevas no Brasil. No final daquele ano, a ditadura já se arrastava havia uma década. A repressão contra qualquer tipo de expressão artística era gigantesca, mesmo com a suave abertura política proposta pelo general Ernesto Geisel, eleito presidente pelos militares. Dois anos mais tarde, em 1976, a black music, que vinha ganhando espaço nas

periferias e subúrbios das grandes cidades brasileiras, começava a se infiltrar nas festinhas da classe média branca através de um novo ritmo: a disco music. Foi em 76 que o país ganhou a sua discoteca mais famosa, a Frenetic Dancin’ Days. Sob o comando do jornalista e empresário Nelson Motta, a Dancin’ Days reuniu artistas, intelectuais, empresários cheios da grana e todos os doidões da época.


A “boite” (como se escrevia nos anos 70) serviu de berço para o sexteto feminino Frenéticas e inspirou uma novela de sucesso da TV Globo. Ou seja, chegou em todos os cantos do Brasil. Depois da novela, que tinha Sônia Braga no papel de mocinha, todo mundo achava bacana sair para dançar, conhecer o discotecário pelo nome e usar meinha soquete. Não que a Dancin’ Days tenha sido a primeira nem a mais legal das discotecas brasileiras. Mas foi ela que colocou o termo “disco” na boca do povo. Para coroar seu sucesso, o dramalhão dançante da telinha foi ao ar em 1978, um ano depois do lançamento do blockbuster Saturday Night Fever (Os Embalos de Sábado à Noite). Toda moça queria ser a Sônia Braga. E todo rapaz, uma versão nacional de Tony Manero, o personagem sexy de John Travolta. A Dancin’ Days foi erguida no Shopping da Gávea e funcionou ali durante alguns meses como publicidade para o centro de compras, antes mesmo de sua inauguração. A festa de abertura teve show de Rita Lee e uma fila absurda na porta. Em uma semana, o lugar já tinha virado hit. Seguindo à risca o mote das discotecas norte-americanas, dentro da Dancin’ Days tudo era permitido. Regendo toda essa animação, o discotecário (na época era assim que se chamavam os DJs) Dom Pepe fazia uma saladona musical que funcionava muito bem na pista. Para animar ainda mais o ambiente, Nelson Motta contratou seis garotas para servir as mesas e, de quebra, fazer um showzinho por noite. As atrizes-cantoras Regina Chaves (a Réje-Freje), Sandra Pêra, Maria Lídia Martuscelly (a Lidoka), Dulcinéia Moraes (a Nega Dudu), Leila de Souza Neves (a Leiloca) e Edir Silva do Castro (a Del Castro) toparam a empreitada e ganharam o apropriado nome de Frenéticas. Nascia um dos maiores hits da disco music brasileira. Todas as noites, depois da uma da manhã, as seis moças largavam as bandejas e subiam ao palco para um

show que, além de discoteca, incluía covers. O estouro veio com a gravação de Perigosa (de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Nelson Motta), carro-chefe do primeiro disco do grupo, lançado em novembro de 1977 pela Warner. O LP, produzido por Liminha, foi responsável pela façanha de desbancar Roberto Carlos no rádio. Em 1978, a febre das discotecas já era tão arrebatadora que o poeta Carlos Drummond de Andrade criou o termo “travolteca”, expressão que combinava o ídolo da disco, John Travolta, com o seu local de trabalho, a discoteca. Para Drummond, os freqüentadores das “travoltecas” eram os “travolteadores”. E “travolteador” que era bom tinha que usar kit básico: para as mulheres, meinha soquete de lurex com sandália de salto altíssimo, combinada com saia rodada. Para completar, camisa justinha com manga bufante. Para criar um visual mais moderno, a moça podia usar calça jeans surrada, incrementada por apliques de lantejoula. O toque final ficava por conta do lenço colorido de seda amarrado no pescoço. Para os homens, o estilo Travolta aparecia em terninhos claros – de preferência brancos – com calças boca-de-sino. Também valia combinar colete de seda com calça de veludo e camisa de helanca. O macacão de lurex também era luxo e vestia tanto meninos como meninas. Se dentro das discotecas, a classe mais abastada dançava ao som de Frenéticas, Rita Lee, Ronaldo Resedá, Lady Zu e hits internacionais como “Zodiac” (Roberta Kelly), “Freak Out” (Chic), “Don’t Let Me Be Misunderstood” (Santa Esmeralda), entre outras, nas periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro, outra febre vinha trazer mais swingue à disco music brasileira: a cultura black chegava a um grande momento de valorização no país, representada por ícones como Tony Tornado e Wilson Simonal. Em São Paulo, ela chegou com as equipes de baile, como a lendária Chic Show. Na capital carioca, entrou


Sob o comando do jornalista e empresário Nelson Motta, a Dancin’ Days reuniu artistas, intelectuais, empresários cheios da grana e todos os doidões da época pela porta do movimento Black Rio e ganhou força com a profusão dos bailes funk. No resto do país, seus ensinamentos e trejeitos foram difundidos pela TV e pelo bordão Black Is Beautiful. Os DJs de black music merecem destaque nesse movimento. É mérito deles, por exemplo, que a cultura black tenha conseguido se infiltrar no público consumidor de disco music no Brasil, em sua maior parte formado por jovens brancos e de classe média. No Brasil, o orgulho negro ganhava espaço aos poucos, com o aparecimento de gente comum – e não mais apenas de artistas – assumindo enormes cabeleiras black power, usando roupas coloridíssimas e criando gírias próprias. O som que envolveu os movimentos negros paulista e carioca tinha uma só raiz: a soul music. No Rio, a música negra americana, apresentada aos cariocas nos bailes de Big Boy, Ademir Lemos e Monsieur Limá, serviu de inspiração para o surgimento do movimento Black Rio. Estava plantada a semente do funk carioca. Uma herança-homenagem bacana que o movimento carioca ganhou foi ter servido de inspiração para batizar a banda Black Rio. Formada pela união de dois grupos (Impacto 8 e Abolição), a banda fez um dos discos mais cultuados de música black brasileira de todos os tempos,

a bolacha Maria Fumaça, de 1977, que hoje pode ser encontrada a peso de ouro em sebos do mundo inteiro. Disco Fever Se as boates brasileiras já estavam fervendo a pleno vapor na segunda metade dos anos 70, era preciso no mínimo duas coisas: bons DJs e bons discos. Os DJs (como já foi dito aqui, na época eram discotecários) estavam se multiplicando, graças ao sucesso das discotecas em todo o país. E talvez o primeiro grande ícone das cabines nacionais tenha sido Ricardo Lamounier, no Rio de Janeiro. Nascido numa família de músicos, Lamounier começou cedo na noite. Aos 13 estreou como DJ num pequeno clube, o Samba Top. Aos 20, já havia trabalhado com os empresários top da noite carioca da década de 70 – Ricardo Amaral, Francisco Recarey e Hubert de Castejá. Lamounier foi pioneiro em vários aspectos. Foi um dos primeiros DJs a fazer performances na cabine. Durante os sets, usava sempre macacões de lamê e cachecol. Lembrava um super-herói de desenho animado, uma mistura de Ultraseven com Elvis Presley. Em 1976, Ricardo Lamounier fez o primeiro de uma série de cinco discos que lançaria com a marca da discoteca que ele ajudou a imortalizar, a New York City Discothèque. Naquele ano, então, chegaria às lojas o primeiro disco mixado do Brasil. Lançado pela Top Tape (com o apoio de Ademir Lemos, o “lobista” dos DJs), o New York City Disco trazia na capa um desenho estilizado de um King Kong vestindo macacão, com o rosto de Lamounier. A bolacha foi a primeira a ter som contínuo dos dois lados, com mixagens de verdade e até um medley de duas músicas da KC & The Sunshine Band (“Shake, Shake, Shake” e “That’s the Way”).



Na discoteca, Lamounier era tratado como estrela. Na entrada da casa lia-se numa placa a frase “DJ Ricardo Lamounier in Concert” acima de uma imensa foto do disc-jóquei usando headphones. Lamounier morreu em fevereiro de 1987, aos 36 anos, em decorrência de um tumor no cérebro. Na época, era DJ da rede de boates Zoom, mas estava prestes a retornar à cabine do Hippopotamus carioca. Apesar da morte precoce, foi certamente um dos melhores DJs que o país já teve. Em São Paulo, nomes como DJ Grego, Robertinho, Sônia Abreu, Índio Blue, entre outros, já dominavam a arte da discotecagem à frente de suas cabines em discotecas como Hippopotamus, Papagaio Disco Club e Gallery. A cidade fervia com suas noitadas que não mais se restringiam aos finais de semana – começou a ser chique e mais cool sair durante a semana. Eis que um desses DJs resolve se meter na produção. O resultado foi a criação de um dos maiores hits pop da disco music brasileira, a Rainha do Bumbum, Gretchen. A cantora foi totalmente arquitetada pelo argentino Santiago Malnati, que havia desembarcado em 1973 no Brasil e assumido o apelido como discotecário de Mister Sam. Em 1978, ele comandava a cabine da discoteca Banana Power. Dividia o tempo entre as discotecagens e um emprego na gravadora Copacabana. Sam lançou quase 30 coletâneas de disco music com o próprio nome estampado na capa e ganhou fama no Brasil. Mas sucesso arrebatador mesmo só com Gretchen, com quem ganhou cinco discos de ouro e três de platina. Sam a viu pela primeira vez pela televisão, enquanto a moça participava de um show de calouros do programa Silvio Santos. Ficou encantando com seus dotes e foi atrás dela. Conseguiu que ela assinasse um contrato com a Copacabapan, bolou umas letras muito loucas, deu o nome Gretchen à Maria Odete Brito de Miranda e já abriu os trabalhos com um compacto estourado, Dance With Me, de 1978. Depois de Frenéticas e Gretchen, outra brasileira invadiu as pistas e os cases dos DJs: a paulista Lady Zu, que entrou pra história com o hit A Noite Vai Chegar, cujo compacto simples vendeu 1 milhão de cópias e foi tema de novela global.

Nos últimos anos, temos visto uma febre de novos DJs, brasileiros e gringos, que têm investido em tocar e reeditar faixas clássicas da disco music brasileira. Outro megahit da era disco foi gravado pelo ator, dançarino e cantor Ronaldo Resedá. De look abertamente gay e hedonista, Resedá emplacou várias faixas dançantes em trilhas de novelas, mas nenhuma que tenha superado o sucesso de “Marrom Glacê”. Não bastasse a música ser um convite à ferveção, Resedá em si surgia num clipe dançando num bufê chiquérrimo. A disco brasileira ainda teve sua fase de negação ao nightlife, com artistas que representavam um estilo de vida mais saudável. O paulistano Dudu França foi um dos maiores ícones dessa onda geração saúde, com seu hit “Grilo Na Cuca” estourando de norte a sul do País. Ainda que já tivesse um nome maravilhosamente consolidado na música brasileira desde os anos 60, o músico e compositor Marcos Valle acabou pegando uma rebarba dessa vibe de saúde quando lançou em 1983 a música “Estrelar”, talvez seu maior hit até hoje, e, no ano seguinte, a estourada “Bicicleta”, hino do povo que trocava bons drinks por surfe e sanduba natural na praia. Nos últimos anos, temos visto uma febre de novos DJs, brasileiros e gringos, que têm investido em tocar e reeditar faixas clássicas da disco music brasileira. A nova onda de Brazilian Disco ganhou estantes específicas em lojas de vinil do mundo todo e pautou festivais, como o Marisco, realizado em maio último, misturando nomões brasileiros como Azymuth e Marcos Valle com DJs internacionais como Joakin, Daniel Wang e Tim Sweeney. A dupla de DJs Selvagem, também escalada para o Marisco, tem feito festas lotadas pelo Brasil e pela Europa investindo em novas roupagens para a música de pista que se fazia por aqui nos anos 70. Prova de que o que é bom foi feito pra durar e, como dizia Ronaldo Resedá, que a festa nunca vai acabar.


DANCÊ AVEC VOUS?

_TEXTO marília feix

_FOTOS RAFAEL ROCHA

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Se Dancê fosse um filme, você poderia estar lá como protagonista. Aos seres da cidade e aos povos da floresta, esse disco fala das caraminholas da vida, tão comuns a todos nós que respiramos. Segundo a moça com nome de flor, Dancê é um convite para você celebrar a música com o

corpo, sem medo nem dó de ser feliz. Dançar de olhos fechados, entregar seus movimentos ao ritmo, longe dos tutoriais ou ensaios. Nas linhas que seguem, lhe convidamos a conhecer melhor o universo rosa e redondo do terceiro disco de Tulipa e seu grande elenco.


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Você costuma dizer que se seus discos fossem uma trilogia de cinema, Efêmera teria sido em plano detalhe, Tudo Tanto em plano americano e Dancê em plano geral. O que faz de Dancê um disco mais amplo? Eu sempre tenho essas impressões imagéticas. Me parece mais claro explicar minhas músicas assim. Comecei sem saber como era fazer música direito e me apegava às pequenas coisas que sabia. Aos poucos fui desfrutando mais da minha cena. E no Dancê eu tenho um plano geral, de estar vendo o som com um travelling maior. É uma consequência da estrada, dos shows, de ter mais convivência com a banda. Consigo ver mais coisas agora. Como se tivesse amadurecido? É, amadurecido talvez o olhar. Hoje tenho condições de observar outras coisas. Antes era só o meu som, depois era o meu som e a banda, depois era o meu som, a banda e o público. Mas você sempre enxergou a música por muitos ângulos, desde a infância. Meu pai era guitarrista da Isca de Polícia, que era a banda do Itamar Assumpção e também jornalista musical. Ele morava em São Paulo, e eu em São Lourenço (MG), então ele costumava me enviar discos. Como ele recebia todo o material de imprensa, os LP’s já vinham com as matérias escritas sobre aquele disco nos jornais da época. Isso fez com que eu mergulhasse no universo de cada álbum. Lembro que o Cheap Trills+1 da Janis Joplin com a capa feita pelo Robert Crumb, me marcou muito. Porque eu amava música, mas também gostava de desenhar e de escrever, então todos os detalhes de um disco me interessavam.

[+1] Cheap Thrills é o segundo disco da Big Brother and the Holding Company, de 1968, e o último de Janis Joplin como vocalista da banda.

A temática do Dancê foi uma resposta ao comportamento do seu público nos shows? Com três discos você reconhece o seu público. E você reconhece individualmente. Eu noto quando alguém cortou o cabelo, ou tá com um namorado novo. Percebi que eu tinha performers na minha plateia. E isso foi ficando cada vez mais legal, ver a entrega das pessoas e o jeito que elas dançavam. Mas não uma dança coletiva (que eu também

adoro), uma dança individual. Fechar os olhos e dançar de um jeito livre. Comecei a ficar encantada com isso. Então pensei que precisava fazer um disco impregnado e inspirado por essas pessoas, para essas pessoas. Porque o show sempre é uma troca. Então quando consigo detectar essas pessoas no show, é outra energia, eu sinto essa troca. E esse disco é isso, uma resposta a esse estímulo que veio de cada um que me assistia. Você pode traduzir em palavras o que você sente quando dança? Eu li uma vez uma frase “Dançar é rezar com as pernas” (Humberto de Campos). Na dança, se você pensar nos dervixes+2, por exemplo, há uma conexão com um estado meditativo, de celebração. A dança não é exatamente algo disperso e pode se conectar com estados sagrados. Existe o profano na dança, mas existe o sagrado também, e eu me encanto por isso. Dançar é uma grande liberdade. Quando você está num lugar cheio de gente e consegue fechar os olhos e fazer a sua dança, é maravilhoso. Quando você sai do tutorial, sabe? E deixa o seu corpo falar? É muito lindo. Eu não sou uma super dançarina, mas gosto de me deixar levar pela música, e admiro as pessoas que conseguem fazer isso também. O refrão de “Prumo” lembra “Funky Town” do Lipps Inc. Foi uma inspiração pra fazer a música? Sabe que eu nem pensei nisso na composição? Foi totalmente inconsciente. Quem notou primeiro foi um jornalista que é meu amigo, o Ronaldo Evangelista. Quando eu ouvi, pensei: “Caramba! Lembra muito!” Não sei decifrar em qual camada do meu inconsciente estava essa referência, foi sem querer, mas tem a ver sim, principalmente no refrão. A estética dessa primeira faixa permeia a ideia do álbum como um todo, certo? Você trocou os arranjos de cordas (de Tudo Tanto) pelos naipes de metais, que também estão em quase todas as canções. Eu tinha essa hashtag, de que o disco ia ser dançante. E pra isso pensamos em arranjos de metais. Então a


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metaleira ajudou muito. Alguns arranjos foram feitos pelo Jacques Matias que fez os de cordas no Tudo Tanto e outros foram feitos pelo Márcio Arantes, que toca baixo na banda. Na composição, você normalmente retrata algo do cotidiano, são histórias que aconteceram com você? O meu eu lírico é sempre híbrido. Ele tem quarenta mil personagens inventados e reais, mas o cotidiano é a minha maior inspiração. Às vezes eu demoro muito pra fazer uma música porque eu preciso acessar todos os meus anos de vida, tudo que eu vivi até a hoje. E na poesia, como você se inspira? A vanguarda paulistana me influenciou muito liricamente. O Grupo Rumo e o Itamar Assumpção. Eu lia muito Paulo Leminski quando era criança e adolescente. Li muito Manoel de Barros também. Em “Proporcional”, que foi o primeiro single do disco, você acabou encorajando muitos casais. Na verdade não tem a bandeira do P nem a do GG. Só a possibilidade de encontro entre eles, que é natural. São duas pessoas de tamanhos diferentes. Mas esses tamanhos também podem ser bagagens. Isso eu entendi depois. No começo, me veio só o refrão. A partir desse refrão é que eu comecei a construir a narrativa da música. E o retorno foi muito legal porque recebi fotos com a hashtag #Proporcional #VistoGGvocêP de muitos casais diferentes, complementares. E eu não imaginava receber também tantos relatos de casais. Foi, e ainda é gratificante. “Virou” foi o segundo single de Dancê e é o encontro de três guitarristas: seu pai, Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro. O resultado ficou muito diferente do que você imaginava? “Virou” é a única música do disco que eu já tinha antes de começar. A gente estava se encontrando muito com o Seu Manoel e com o Felipe em lugares inusitados. Tocamos na mesma data em Berlim e acabamos andando um dia inteiro de bicicleta por lá, o que acabou nos

aproximando bastante. Uma semana depois estávamos no line up do mesmo festival em Belo Horizonte, por coincidência. Seu Manoel tocava com o meu pai, e ambos são guitarristas muito importantes nos seus estados. Manoel é um herói da guitarrada do Pará e o meu pai é um guitarrista da vanguarda paulistana. Havia essa empatia toda e a gente já tinha shows marcados de novo no mesmo evento, o Abril Pro Rock, em Recife. Pouco tempo depois nos reunimos em uma janta e “Virou” saiu. Tocamos ao vivo pela primeira vez no Abril Pro Rock e depois disso, nunca mais. Mas fiquei pensando que essa pororoca da guitarra de São Paulo com a guitarra do Pará tinha que entrar no disco. E então, no dia da gravação, foi ótimo, por que o Seu Manoel também é um tecladista fenomenal e um produtor muito importante na história da música paraense. Ele produziu mais de mil artistas em Belém, é surreal. O Gustavo queria muito que o Seu Manoel gravasse o teclado também, não só a guitarra. E quando ele começou a gravar o teclado, foi impressionante, porque cada ideia poderia se transformar em outras 40 mil músicas. E esse caminho de Belém do Pará com São Paulo acabou se transformando quase que num arrocha da Bahia. Em “Físico” você volta a falar do corpo, assim como em “Proporcional”, mas também das sensações, dos detalhes. Sim, tem a participação do Kassin e do Stephane San Juan que são parte do meu núcleo carioca. Ambos tocaram nos três discos. São as minhas visitas frequentes. A presença do Kassin é fundamental. Ele transformou a música em fitness. Fiquei muito feliz porque fitness é Dancê. Ela nasceu no violão e quando o Gustavo me mostrou eu disse “Nossa! parece “Phisical” da Olivia Newton John!”. E o Gustavo falou “Nossa Tulipa, nada a ver!” Ninguém achava… Mas eu fiquei com aquilo na cabeça. Com a palavra “físico” na cabeça. Comecei a pensar em uma pessoa apaixonada pelas partes da outra, aficionada por partes. “Eu gosto de você porque você tem esse desenho de sobrancelha e não consigo viver sem essa sobrancelha.” É esse tipo de amor, você tem um sinalzinho que eu adoro, esse cabelo que eu adoro, ou esse braço. Então é essa pessoa construída, um pot pourri de melhores

[+2] O termo dervixe (mendigo, mendicante) tem origem na língua persa e se refere a um muçulmano asceta do segmento sufista (de tendência esotérica e mística) do Islã. Acreditam que através da dança podem alcançar um estado de êxtase que os liberta da dor da vida diária, purificando sua alma e enchendoos com amor.


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pedacinhos. Não necessariamente belezas que estejam em um padrão. Porque isso acontece… A gente tem essa loucura, né? Esse torto do seu mindinho é maravilhoso… O amor pelos defeitos também rola. “Elixir” já traz a sensação de insônia até mesmo na sonoridade. A sua interpretação e a velocidade da percussão traduzem bem isso. Foi intencional? É exatamente isso, o refrão fala em “zero reflexão”. É esse bombardeio de informações que a gente tem, do celular estar sempre do lado. A vontade é de um silêncio, de não pensar em nada, de entrar em um estado vazio, mas não desprovido de significado. É a vontade de que o seu silêncio venha. A percussão é a espinha dorsal da música e tem algo de indígena, xamânico, tribal. “Tafetá” foi composta em homenagem ao João Donato e ele acabou participando da música. Como aconteceu? Eu já tinha encontrado o Donato algumas vezes, tínhamos carinho um pelo outro. Mas quando fomos tocar no Rock In Rio de 2011, nos encontramos na coletiva de imprensa e ele disse que queria tocar “Efêmera” com a gente. Chegou com a partitura escrita! Hoje até enquadramos essa partitura. Foi muito emocionante, porque é o João Donato que nós todos somos apaixonados. É um gigante que mora na nossa vitrola. Durante o processo de composição do Dancê, o Gustavo me mandou uma música chamada “Fino”, só o instrumental. Mesmo sendo só o violão, parecia uma harmonia do Donato no piano. Dava pra sentir a presença dele na música. Então eu pensei: “Vou ter que descrever o Donato na letra, porque ele é o cara mais elegante que eu conheço”. E depois tivemos a ideia de convidá-lo pra tocar, e também pra cantar (algo que ele raramente faz). No dia da gravação a gente recebeu ele de camisa florida, porque sabíamos que ele gostava. Estávamos todos muito elegantes, na estica. Tudo que ele gravou ficou incrível, foram 4 takes, 4 narrativas maravilhosas. O que você sente que aprendeu com ele? Pra mim é muito balsâmico e inspirador encontrar essas

pessoas que fazem música há tanto tempo e com tanto prazer. Ele fez 81 anos e é um menino. Quer fazer de novo, passar o som de novo, tá ali sempre querendo tocar, desfrutando da música, com os olhos brilhando. Tem uma longevidade, uma energia, uma vitalidade e uma juventude, que é o que eu quero pra minha vida. Por isso eu tenho muito carinho por “Tafetá”. Durante a gravação, a gente estava pensando em ter uma parte instrumental, então eu cheguei pro Donato e perguntei “E se a gente fizesse um “dancê” aqui, um dancêzinho?” E ele respondeu: “Nossa, vamos fazer um dancê aqui.” Então eu virei pra todo mundo e disse: “Temos o nome do disco!” E quando ele fala “Dancê avec vous” na música, legitima isso. Você convidou o Lanny Gordin para tocar em “Expirou”. A música foi pensada pra gravar com ele? Isso é uma parte muito maravilhosa de se gravar um disco. Antes de começar você já tem a ideia de quem você vai chamar. Eu sempre quero que a capa seja do Crumb e que o Paul McCartney e a Yoko Ono participem. Sempre achei que se o Crumb me conhecesse, ele iria topar fazer a capa de um disco meu, até por que eu sou um desenho dele! É muito lindo isso, quando você começa, as músicas vão falando o que elas querem, os processos criativos têm muito isso, no cinema também. Você pensa no personagem e às vezes ele vai ficando forte ou fraco durante a história. É o que acontece no disco, você grava coisas que não dão certo e outras que você não imaginava acabam ficando estabelecidas. Eu não pensei no Lanny em um primeiro momento, mas “Expirou” fala sobre a nostalgia de um tempo que a gente não viveu. É quando escutamos um disco, ou lemos um livro, ou vemos um filme e nos identificamos de um jeito que parece que estávamos ali, que aqueles poderiam ser os nossos amigos e que poderíamos ter feito aquela letra ou aquele roteiro. Eu sofro disso e sei que muita gente também sofre. Paralelamente a isso, o Lanny também é um dos meus guitarristas prediletos e todos os discos em que ele tocou são essenciais para a história da música brasileira. Meu pai e o Lanny moraram juntos quando eles tinham uns 18 anos, porque eles namoravam duas irmãs e eram amigos. Meu avô também fazia aula de guitarra


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com o Lanny. Então, ao mesmo tempo em que ele mora na minha vitrola, era amigo do meu pai e toca com amigos meus ainda hoje. Temos a sorte de o Lanny ser nosso contemporâneo. Assim, depois que a gente fez a música, pensei que ela pedia a presença do Lanny, que ele era o personagem dela. E no dia que ele foi gravar com a gente, foi muito especial. Ele sentou, ouviu a música uma vez afinando a guitarra, e já nessa primeira vez, coisas incríveis saíram dali. Quando gravamos o primeiro take, ele fez e já valeu, em um take só. Foi emocionante pra todo mundo que estava no estúdio. Lanny é uma presença e uma riqueza no disco. Eu tenho a sorte de tê-lo no Dancê, por conta de toda essa admiração. Em “Reclame” você fala dos profissionais do obscurantismo. Não é exatamente uma crítica a esses profissionais, é a constatação da existência deles e a não resposta se eles dão certo ou não, se é um caminho ou não. Mas o processo de composição dessa música foi bem diferente. A banda fez a composição inteira antes de eu fazer a letra. Então eu comecei a pensar nesse tema, “Trago o seu amor de volta”. Mas eu queria muito procurar no Google esses lambe-lambes. Só que não tinha internet, estávamos em um retiro, em um sítio. Quando voltei eles já haviam fechado o mapa da música. Então passei a madrugada inteira pensando nessa letra. No dia seguinte mostrei pra eles e todo mundo ficou feliz com o resultado. Foi uma letra que eu não precisei anotar, ficou na minha cabeça. Normalmente eu esqueço das músicas, “Reclame” não. Talvez por que ela já faça parte do nosso imaginário coletivo, todo mundo já tem essa letra dentro de si. Em “Oldboy” você aborda o tema da morte de uma maneira natural, tranquila. Ainda que o disco seja bastante celebrativo, a música parece entrar no momento certo. Todas as músicas já estavam prontas e eu precisava de um respiro. O disco já estava definido e eu sentia essa necessidade. Compus em uma noite, com um cuatro, que é um violão pequeno colombiano, e fiz a música em um software chamado Garage Band, até o comecinho dela acabou ficando o da gravação original, dessa madrugada.

O título “Old Boy” claro que tem a ver com o filme, que eu amo, mas eu estava muito impregnada desses velhos jovens, dessas pessoas como o Donato, o Lanny… Esses novos velhos. Acho que hoje em dia temos uma referência de longevidade diferente. Antes, velhinha era a Dona Benta, de coque, cabelinho branco… Mas ela tinha só sessenta anos. Era uma menina. E hoje você vê o Caetano com mais de setenta, o Chico com mais de setenta, o Ney Matogrosso, o Donato com oitenta, a Elza Soares. A única diferença entre eu e eles, é que eles são jovens há mais tempo do que eu. Eu entendi isso, que hoje em dia temos novos velhos, que essa linha do tempo é tranquila. Queria tentar falar da morte de um jeito natural também. No fim de uma frase tem um ponto. E é isso, tá tudo certo. E o final é muito bonito e pode ser tranquilo e sereno. É uma resposta a esse sentimento de admiração a todas as pessoas que estão na Terra. Uma celebração a existência. “Algo Maior” tem uma textura que se difere do restante de Dancê. É como um grand final. Antes de entrar pra fazer o disco no sítio, eu e o Gustavo passamos uma semana na praia pensando no álbum. “Algo Maior” surgiu nesse período. O Gustavo teve a ideia da música, e imaginávamos uma paisagem sonora. Não queríamos a estrutura normal de uma canção, mas uma sonoridade mais ruidosa. Ao pensar nessa sensação, a ideia de chamar o Metá Metá foi natural, pois eles passeiam muito por essas paisagens. Quando o Gustavo me mostrou a primeira cadência, que é como se fosse uma onda crescente, me veio o refrão: “Tá pra nascer algo maior, que vá tirar do lugar as coisas que cismam em não andar.” Eu consegui tirar a tampa da música, mas não tinha condições de prever pra onde ela iria… Então passei essa incumbência pro meu pai. Eu disse: “Se vira com essa loucura. Pega esse abacaxi pra você. E tenha responsabilidade.” E ele devolveu pra gente o resto da letra. Foi interessante porque a letra vai crescendo. E a gravação do Metá foi especial pois a ideia era não ser uma música pós produzida, era fazer ao vivo, que é muito a história deles. Passamos o som e ligamos os volumes só uma vez. A gravação do disco foi de primeira! 1,2,3! Valendo! Gra-


baby do brasil TULIPA

vando… Foi! A experiência de cantar com a Juçara me marcou bastante também. Nós entramos em uma espiral crescente, tanto que, quando eu escuto a música, não sei quem sou eu e quem é ela. Nunca havia me amalgamado com ninguém cantando. Sempre foram encontros. Esse crossfade eu nunca tinha experimentado e foi muito especial. Uma aula pra mim. Porque a interpretação da Juçara é a força da música. Ela é uma onda, ela é muito forte. E fechou muito bem, não tinha como estar em outro lugar do disco. A sua trajetória como cantora e compositora é cheia de realizações. Qual é o seu sonho daqui pra frente? Meu sonho é continuar com o brilho no olho das pessoas que eu encontrei na minha história com a música, como a Elza Soares e o João Donato. É não virar pedra durante o caminho.

“Meu eu lírico é sempre híbrido. Tem quarenta mil personagens inventados e reais, mas o cotidiano é a minha maior inspiração.”




_TEXTO Ariel ariel Fagundes fagundes

_FOTOS _ARTE _Fotos Rafael JACIEL Rocha KAULE | Arquivo Alberto Pessoal Henschel


lanny gordin

A l o n g a e b ri l h a n t e v i ag e m N ão é exagero dizer que a música popular no Brasil se divide entre o que havia antes de Lanny Gordin e o que houve depois dele. O músico virou uma lenda protagonizando cenas que definiram os rumos da Jovem Guarda, Tropicália e Vanguarda Paulista. Diagnosticado com esquizofrenia nos anos 1970, soube transformar o que uns chamam de loucura no alfabeto sonoro com o qual escreve sua arte.

O filho da poeira estrelar Alexander Gordin, o Lanny, nasceu em Xangai no dia 28 de novembro de 1951. A família do seu pai era russa e a da sua mãe, polonesa, mas eles, assim como Lanny, nasceram na China. Em 1953, foram para Tel Aviv, em Israel, onde viveram os seis anos seguintes. Só aí os Gordin vieram morar em São Paulo. No início dos anos 1960, Alan, o pai de Lanny, abriu a boate Stardust, onde músicos tocavam diariamente. Um deles era o Hermeto Pascoal: “Eu era mais sanfoneiro, onde me desenvolvi como pianista foi no Stardust. Foi o lugar que segurou minha barra, aprendi muito lá. Aprendi e ensinei”, lembra aos 80 anos. Hermeto conheceu Lanny quando ainda era criança. Filho de pai pianista, ele começou a tocar aos 13, quando ganhou um violão do Alan. “A boate foi minha escola”, nos conta o próprio Lanny Gordin aos 64 anos, 50 anos depois de estrear na Stardust. Se a fiscalização viesse, ele se escondia na adega, mas o risco nunca o impediu de tocar lá. “O pai dele tinha amizade com uns delegados e convenceu os caras a deixarem ele entrar”, diz Hermeto, cúmplice das primeiras estripulias sonoras do garoto. “Quando meu pai saía, eu e o Hermeto começávamos a improvisar! Músicas dele, né? Aproveitávamos pra soltar a franga!”, diz Lanny com ar de moleque travesso. “Com Hermeto, aprendi a improvisar. Ele me ensinou tudo”, resume. “A gente quebrava tudo! E o Alan não reclamava porque o filho estava aprendendo alguma coisa. O Lanny é um cara muito musical, já nasceu pra

isso, e aprendeu muito rápido”, conta Hermeto. Lanny diz que sua primeira gravação foi um compacto do americano Bob McKay, de 1965, feito quando ele cantava na Stardust. Também com 14 anos, ele fez seu primeiro e único show com a Wanderléa, que lhe demitiu porque tocava alto demais. Sua iniciação musical foi no jazz, mas a efervescência do rock já borbulhava em suas veias. “Eu estava ouvindo rock! Beatles, Rolling Stones… Comecei com um conjunto chamado Beatniks[+1]. A gente fazia show, bailinho. Aprendi a tocar rock com eles”, revela. Eis que nasce o mito Ao lado dos representantes da face mais selvagem da Jovem Guarda, Lanny chegou a 1968 com ganas de revolução. Foi quando gravou os impressionantes compactos “Que Bacana/Esperanto”, de Suely & Os Kantikus, “Guerra/Mundo Quadrado”, de De Kalafe & A Turma[+2], e “Nem Sim, Nem Não/Não Posso Dizer Adeus”, de Eduardo Araújo & Os Bons, e fez seu primeiro LP, a estreia da Silvinha. Ainda em 68, Tony Osanah, do Beat Boys[+3], viu Lanny na Stardust e o convidou a conhecer o Gilberto Gil. Lanny diz que bastou um encontro com Gil para que ele dissesse as palavras mágicas: “Quer participar do nosso grupo?”. Tudo mudou com a prisão de Caetano e Gil em um quartel carioca, que durou de 13/12/68 a 19/2/69. “Fiquei sabendo disso só depois e fiquei triste”, conta Lanny. Entre abril e maio, Gil e Caê gravaram as bases dos últimos discos antes do exílio em Londres,

[+1] Uma das primeiras bandas de rock do Brasil. Tocava no programa Jovem Guarda, apresentado por Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa, e, entre 1967 e 68, gravou compactos com covers de Hendrix (“Fire”), Turtles (“Outside Chance”) e Them (“Gloria”). [+2] Lanny Gordin gravou o filme Bebel, Garota Propaganda (1968) tocando nesse grupo. [+3] Banda que acompanhou o Caetano no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. Também gravou “Questão de Ordem” com o Gil, em 1968.


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[+4] A Polysom relançou em vinil o álbum do Brazilian Octopus em 2016.

que começou em julho. Rogério Duprat finalizou esses álbuns no Brasil com a guitarra de Lanny, que havia acabado de conhecer também o Jards Macalé e a Gal Costa. Entre 1969 e 1972, Lanny gravaria os quatro primeiros discos solo de Gal, e a estreia de Jards. Por um lado, Lanny estava construindo a lisergia da música pop brasileira. Por outro, não largou o jazz herdado da Stardust. Em 1969, ele participou com Hermeto do Brazilian Octopus. Liderado pelo pianista Cido Bianchi, o grupo só tocou em desfiles patrocinados pela multinacional Rhodia. Seu único disco[+4] traz uma das poucas composições do jovem Lanny: “O Pássaro”. “A gente tocava olhando as pessoas desfilando. Gravamos e ficou antológico”, lembra Hermeto. Mas o talento de Lanny fez com que ele fosse cada vez mais requisitado: “Comecei a ficar famoso e todo mundo me convidava pra gravar. Gostei de gravar com todos porque cada artista era diferente”, conta. Dinho Leme, baterista d’Os Mutantes, gravou três discos com ele - o Build Up (1970), da Rita Lee, o clássico Carlos, Erasmo (1971) e o obscuro Let’s Dance (1971), do The Funky Funny Four. Para Dinho, “ele fazia o que as pessoas estavam tentando fazer”. O baterista diz que Arnaldo Baptista e Rita Lee frequentavam a Stardust e que havia até uma rivalidade amigável entre Lanny e o Sérgio Dias, dos Mutantes: - Era bonita a rivalidade, o Sérgio ia mais pro rock e o Lanny pro jazz. A Rita, num dia em que tivesse ido ao Stardust, brincava: “Vi o Lanny! Ai, ai, que ciúúúmes!”, e o Sergio ficava todo vermelho (Risos). Eles eram bem assim - diz. Já Lanny fala que não era bem assim: “Não tinha rivalidade, a gente era muito amigo. Ao contrário, ajudávamos um ao outro, eu frequentava a casa deles, tocávamos juntos”, conta. Nessas visitas, Cláudio César Dias Baptista, irmão de Sérgio e Arnaldo, deu para Lanny um pedal de fuzz e wah wah que criou e que foi usado em muitos dos discos que Lanny fez. “E a guitarra que eu usava era uma Gianninni Supersonic”, explica. Em 1971, Lanny tocou nos compactos “Chocolate/ Paz”, do Tim Maia, e “Irene/Jimmy Renda-se”, do Tom Zé, no LP Mudei de Idéia, de Antonio Carlos & Jocafi, e nos discos homônimos da Silvinha e do Eduardo Araújo. Em agosto, participou do especial

da TV Tupi que uniu João Gilberto, Gal e Caetano. O pai da bossa nova foi um dos únicos que torceu o nariz para Lanny: “Ele queria que eu desse menos acordes, aí me criticou. Aprendi com o João Gilberto a ter bom gosto”, diz. Essa foi a fase registrada no ao vivo Fa-Tal (Gal A Todo Vapor). Para Lanny, esses shows foram os mais marcantes de todos que fez: “Criei um novo estilo e fiquei espantado com o jeito que toquei, era justamente o que eu queria tocar. Fiquei muito orgulhoso de mim”. Fa-Tal foi arranjado pelo Lanny, mas, antes do disco sair, ele foi à Europa acompanhar o Jair Rodrigues ao lado d’Os Originais do Samba. Ele não imaginava que essa viagem poderia nunca acabar. O imensurável poder de uma gota Lá, Lanny tomou LSD pela primeira vez em circunstâncias não esclarecidas. “Tomei porque me deram, né?”, diz. “Foi horrível, me senti muito mal tomando droga”, completa. Bigode, fundador d’Os Originais do Samba, viajou com Lanny e Jair Rodrigues e sustenta: - Juro por Deus, disso eu não sabia. Sabia que ele era muito louco, né? Mas que transava essas coisas eu não sabia porque, dentro do grupo, todo mundo era careta. Bigode diz que a turnê passou pela França, Suíça, Suécia, Holanda e Portugal e foi um sucesso. Quando voltaram, Lanny ficou mais uma semana na Europa com amigos. O guitarrista admite que, na volta, seguiu tomando LSD: “Tomei algumas vezes, mas não gostei”, diz. Foi aí que ele fez o disco do Macalé, com quem já havia trabalhado no Legal (1970), da Gal. Jards lembra que o álbum deve muito ao Lanny. “Aquele disco é basicamente ele. Ele tocou guitarra, violão, baixo e criou tanto as harmonias como as introduções”, diz Jards. Quando Caetano e Gil voltaram do exílio, em 1972, chamaram o guitarrista pra fazer Expresso 2222 (1972), do Gil, e Araçá Azul (1973), do Caetano. Na época, Lanny acompanhou shows do Gil, com quem viajou para cidades como Salvador e Porto Alegre. Aqui, Lanny começou a se perder: “Quando a gente tocava ‘Oriente’ [do Expresso 2222] eu pensava que era pra mim! ‘Se oriente rapaz’...”, canta Lanny.



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Começa então um período nebuloso que o próprio Lanny não comenta muito. Cristina, sua esposa há 13 anos, diz apenas que ele teve uma bad trip aos 21 anos quando tomou o sétimo ácido de sua vida na casa onde morava, em São Paulo. A crise motivou a internação em um sanatório onde lhe diagnosticaram como esquizofrênico. “Quem me internou foi meu pai”, conta Lanny. Na época, eletrochoques eram um tratamento de praxe e o músico passou por isso. Ainda assim, diz que a internação foi boa: “Os médicos me tratavam super bem. Fiquei bem alimentado, tomava remédio e fiquei bom”. Quando saiu, voltou ao Stardust, onde tocou até a casa fechar, em 1995. Da metade dos anos 1970 até os 90, as gravações de Lanny rarearam. Em 1981, ele fez uma faixa em Compartimento Etéreo, de Fábio Antiero, e, em 1982, o disco de estreia de Aguilar e Banda Performática. Produzido pelo Belchior, esse álbum histórico registra a arte audiovisual do poeta José Roberto Aguilar. Paulo Miklos e Arnaldo Antunes, antes do Titãs nascer, também estão no disco que marca o auge do envolvimento de Lanny com a Vanguarda Paulista. Nos anos 1990, ele gravou o disco homônimo da cantora Vange Milliet (1995), Aos Vivos (1995) e Cuscuz Clã (1996), do Chico César, Pretobrás (1998), do Itamar Assumpção, O que faço é música (1998), do Jards Macalé, e o disco homônimo do cantor Catalau (1999).


028B\\ noize.com.br noize.com.br [+5] No Canal do Youtube da Baratos Afins há o documentário Sabe Aquele Lanny? (2002), dirigido por Carolina Calanca e Juliana Fumero.Alan Gordin, Eduardo Araújo, Arnaldo Antunes e Chico Cesar estão no filme.

O labirinto de um gênio Meses após produzir o álbum do Catalau com Lanny, Luiz Calanca, dono do selo independente Baratos Afins[+5], diz que tomou um susto quando um senhor lhe abordou na Av. São João, no centro de São Paulo: - Pô, você tem um cigarro? - Você é o Lanny Gordin? - Sou eu mesmo! Você tem um cigarro? Segundo Luiz, o reencontrou foi em um momento difícil, quando Lanny morava com um dos seus dois irmãos mais novos, o Bob, e dava aula de guitarra para se sustentar. Lanny confirma ser “muito amigo” de Calanca, mas nega essas dificuldades financeiras: “Nunca tive, eu sempre ganhei muito bem”. De março a setembro de 2000, Luiz estudou com Lanny e gravou todas aulas em 23 CDs. Com o material, Luiz montou seu primeiro disco solo, Lanny Gordin (2001), que iniciou uma alavancada na sua carreira. Para Calanca, a obra é uma das mais relevantes de Lanny por seu peso emocional: “Tinha aquele som melancólico que era do momento dele. Ele estava desorientado na vida, dava pena”. Luiz diz que Lanny melhorou quando mudou sua medicação. “Teve períodos em que ele tomava Neozine, Carbolitium, Gardenal, drogas sossega leão. Ele tomava isso há 17 anos e nem fazia mais efeito”, diz. - Quando surtava, ia para um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e, dependendo, era internado dois, cinco dias, uma semana. Eu sei que ele conheceu um fã que era psiquiatra e receitou um produto chamado Zyprexa Olanzapina. Ele passou a tomar esse remédio e ficou bem

mais equilibrado - diz o dono da Baratos Afins. Em 2004, Luiz produziu o segundo e o terceiro discos de Lanny, feitos em parceria com o Projeto Alfa, intitulados Projeto Alfa Vol. 1 e Vol. 2. A quarta faixa de Projeto Alfa Vol. 2 chama-se “Zyprexa Olanzapina” . Com três álbuns, Lanny já tinha farto material para apresentar nos shows, que se tornaram cada vez mais frequentes. Em 2007, ele lançou Lanny Duos, disco que traz Caetano, Gil, Gal, Jards, Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Rodrigo Amarante, Fernanda Takai, Chico César, entre muitos outros. “Quando conheci o Lanny, realizei um sonho. É a primeira figura de herói da guitarra que se tem no Brasil”, diz Scandurra. “O que ele faz é de uma arte tão grande. Sempre que toca há um lampejo de genialidade”, completa. “Meu pai me falou que gênio


lanny gordin

é 10% talento e 90% suor. Como estudei muito, me considero um músico realizado”, desconversa Lanny ao ser perguntado sobre sua genialidade. O guitarrista do Ira! dividiu o palco com ele muitas vezes e comenta: “Percebemos o quanto todos nós estamos perto do momento de pirar a cabeça. [O Lanny] é como um irmão mais velho que vemos com carinho sabendo que os caminhos pelos quais passou todo mundo pode passar”. Lanny e Scandurra sempre se encontram nos shows do projeto Brasil Guitarras, que homenageia a história do instrumento no Brasil unindo caras como eles e Pepeu Gomes, Luiz Carlini e Andreas Kisser. Em 2010, saiu mais um disco de Lanny, o Auto-Hipnose, em parceria com a banda Kaoll. No início de 2016, chegou o seu mais recente: Lanny’s Quartet & All Stars,

com Sergio Dias, Pepeu, Carlini, Frejat e Scandurra. Além disso, até o fim do ano, o diretor Gregorio Gananian deve lançar o documentário Inaudito, no qual registra a viagem que fez com Lanny até a China em 2015. Cada vez mais reconhecido, presente em discos como o Dancê, da Tulipa Ruiz, e o Violar, do Instituto, Lanny não se queixa: “O público me adora e eu agradeço os aplausos que me dão”. Hoje, o free jazz lhe interessa mais que o rock n’ roll. Seu objetivo, diz, é alcançar a mais alta música, “a música pura, a música dos anjos”. Com um currículo desses, o que será que ele ainda quer realizar? “Ah, me encontrar com Deus. Mas acredito que na próxima encarnação eu encontro”, diz Lanny Gordin.


O Homem ao Lado Argentina, 2009

Direção: Gastón Duprat e Mariano Cohn A história se passa na única casa construída pelo arquiteto modernista Le Corbusier na América Latina, em La Plata, Argentina. Dois vizinhos brigam por conta de uma janela. Victor (Daniel Araóz) justifica a construção da “ventana” porque precisa apenas de um “rayito de sol” em seu apartamento. Leonardo (Rafael Spreguelburd) acha a decisão uma afronta à sua privacidade, além de uma profanação ao redor da obra de Corbusier. A casa, principal personagem da história, abriga uma família fria como sua arquitetura. O roteiro ironiza a burguesia enquanto o enquadramento dos personagens sinaliza detalhes da personalidade de cada um. Uma vez fui tocar em La Plata e pedi para o motorista da van me levar na casa do Corbusier. A residência reúne cinco princípios da arquitetura moderna formulados por ele: planta livre, fachada livre, janela em fita, construção sobre pilotis e terraço jardim. De alguma maneira saí de lá com a impressão de que os diretores de O Homem ao Lado se apropriaram dos pontos pesquisados por Corbusier para arquitetar essa “película. “Tulipa Ruiz

Pi Estados Unidos, 1998

Direção: Darren Aronofsky Williamsburg na veia. Lançado em 1998, ano de minha mudança para São Paulo. Escrito e dirigido pelo nova­iorquino Darren Aronofsky, Pi é um filme esquisito, de montagem perturbadora quase “videoclipesca” e zero saturação. Conta a história de um matemático judeu­americano imerso num paranóico universo em busca de um padrão existente no número Pi: (π número irracional que representa razão constante da divisão entre uma circunferência e o diâmetro correspondente, com o valor aproximado de 3,14159265). A Torah como objeto de investigação associado ao interesse do mercado financeiro em utilizar tal conhecimento coloca Max (Sean Gullette), protagonista, numa situação de extrema agonia. Trilha incrível composta por Clint Mansell (ex­-guitarrista e vocalista da banda Pop Will Eat Itself), parceria que se extende nos trabalhos seguintes de Aronofsky. Gustavo Ruiz


CANTAUTORAS BRASILEIRAS Por Tulipa Ruiz

Grapefruit Yoko Ono

Editora: Simon & Schuster 320 páginas

O livro de instruções e desenhos de Yoko Ono, lançado em 1964. Aprendi a ler com este livro. E ficava enlouquecida ao ler coisas como: “Faça uma máscara maior que seu rosto. Lustre a máscara todos os dias. De manhã, lave a máscara em vez do rosto. Quando alguém quiser beijá­-lo, faça com que a pessoa, em vez disso, beije a máscara.” Eu alucinava com esse livro. E devoro ele até hoje. Ele me faz querer ser artista, me inspira, me acalma. Existe uma edição rara em português, de 1981, de 500 exemplares. Era essa que eu tinha em casa, com o nome dos meus pais marcado na capa. A edição começa com a explicação de que “grapefruit” é uma fruta que conhecemos como toranja. Eu nunca tinha visto uma toranja. Mais tarde descobri que toranja é pomelo. E mais tarde ainda, já adulta, comprei o original em inglês. São meus tesouros. Tulipa Ruiz

Como Funciona a Música

Editora: Manole 348 páginas

Joyce – Feminina (1980) Joyce canta e toca violão lindamente nesse disco. Cantautora e instrumentista das maiores. Canções essenciais como “Feminina”, “Essa Mulher”, “Clareana” e “Mistérios” fazem parte do álbum que tem a bateria de Tutti Moreno como cereja do bolo. Para colocar de manhã e ouvir por toda a vida.

Rita Lee – Babilônia (1978) Poucas pessoas da new generation conhecem Babilônia então aconselho: dance esse disco inteiro dos dois lados até furar porque Rita é hit sempre!

David Byrne David Byrne, músico, compositor e produtor musical, fundador da banda Talking Heads, já foi premiado com diversos Grammys e seu trabalho como compositor de trilhas sonoras lhe rendeu o Oscar e o Globo de Ouro. Dono dessa bagagem invejável, Byrne lançou em 2012 Como Funciona a Música, fascinante tanto para quem produz e vive da música quanto para quem a consome. A ideia de produzir música pensando no espaço onde a mesma será executada, é destrinchada com maestria por Byrne em seu livro. Interessante também observar que tudo exposto pelo autor é fruto de toda uma vida de reflexão. Gustavo Ruiz

Fernanda Abreu – SLA Radical Dance Disco Club (1990) Funk, house, disco de pista. Produzido por Herbert Vianna, este é o primeiro disco solo de Fernanda Abreu. Pioneira no uso de samples no Brasil, SLA é prata fina do pop nacional. Destaque em capslock negrito para a deliciosa “Você Pra Mim”.


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Court & Spark Joni Mitchell

Por Luiz Chagas

1974 Quando ouvi Court & Spark pela primeira vez, perdi o prumo, pelas letras e arranjos de metais (meio The Crusaders). Joni Mitchell soube dosar a paranoia fusion e a apatia bitter sweet de uma maneira proporcional. Abandonou os vestidinhos hippie­c hic de tafetá e encontrou o elixir da vida eterna. O modelito lady of Laurel Canyon expirou e de nada adiantaria fazer o jogo do contente. A mudança de patamar se tornou algo físico. Joni seguiu em frente até ser reconhecida pelo oldboy Charles Mingus. Estava desde sempre destinada a algo maior. C&S saiu antes dos meninos nascerem. People’s parties e Twisted entrariam em seus shows. Na capa, um desenho da cantora.

Love came to my door With a sleeping roll And a madman’s soul He thought for sure I’d seen him Dancing up a river in the dark Looking for a woman To court and spark Trecho de “Court And Spark”


THE B­52’s

THE B­52’s (1979) O álbum de estreia do The B-52’s causa em mim grande impacto desde a primeira audição na adolescência, quando comecei a me interessar pela New Wave, até hoje. Não à toa faço cover de “Rock Lobster” nos meus shows. Essa confusão única de punk dançante, visual com cores primárias, vocal kitsch, riffs marcantes e muita diversão faz eu prestar imensa reverência ao grupo. O “disco da capa amarela” é matador, com músicas como a já citada “Rock Lobster”, a frenética “52 Girls” e a primeira do disco, “Planet Claire”, que remete a uma trilha de filme de ação, com guitarra intensa do genial e inesquecível Rick Wilson. Felipe Cordeiro

JOÃO DONATO Quem é Quem (1973)

Nascido no Acre, João Donato é um gênio da síntese. Teria sido sua “sensibilidade de fronteira” que o levou aos sons de Cuba e América Central? Compôs com meu conterrâneo paraense Paulo André Barata o clássico “Nasci Para Bailar”, onde se consuma a ideia de que boa música é música com suingue. No álbum Quem é Quem João Donato traz canções que viraram clássicos do repertório nacional como “A Rã”, música que mais tarde ganharia letra de Caetano Veloso. Tem também “Amazonas”, “Até Quem Sabe” e “Terremoto”, essa última com letra de Paulo César Pinheiro inspirada num abalo sísmico que Donato presenciou durante sua morada em Los Angeles. Além disso o disco reúne um naipe impressionante de arranjadores: Laércio de Freitas, Dori Caymmi, Ian Guest e mestre Gaya. Também reúne um elenco de letristas incríveis: além do já citado Paulo César Pinheiro, traz letras do irmão Lysias Ênio, Geraldo Carneiro e do produtor do disco Marcos Valle. Foi o primeiro álbum de João a trazer músicas cantadas, uma “sugestão” da gravadora Odeon. Manoel Cordeiro

OS INCRÍVEIS

Mingo , Nenê e Risonho (1973) Um dos meus discos favoritos de todos os tempos. Produzido por Tony Campello (irmão da Celly) e feito pelos remanescentes d’Os Incríveis. Apesar de ser uma das maiores bandas de rock do Brasil, nunca teve sua real importância passada a limpo. O disco começa com uma versão de “Estrada do Sol” de Tom Jobim e Dolores Duran, originalmente feita em ritmo 3 por 4 e passada brilhantemente pra 4 por 4, com baixo Moog e guitarras. Obra-prima que mistura samba e rock com arranjos brilhantes, deles e do maestro Salinas, que é um capítulo à parte. Alexandre Kassin


Renata Pires/Divulgação

MAS DEVERIa_


_Por Leonardo Baldessarelli

PLIM www.plimmusic.com Que loucura é essa? É o PLIM, projeto que se inspira muito em trilhas sonoras de filmes e desenhos animados para criar um som que vai do jazz ao hip hop, ao soul, ao eletrônico e à MPB. Tem violino, guitarra e batuque. E dá pra pirar demais ouvindo. E quem está por trás? Um tal de Sérgio Machado, baterista que já tocou com gente como Dominguinhos, Ney Matogrosso, Céu e Emicida. Hoje, é o dono das baquetas do Metá Metá e lançou o disco MM3 com o grupo no fim de maio. Mas o cara faz tudo sozinho? Nem sempre. Ele faz um pouco de tudo, mas tem muita gente tocando com ele. Tem seis pros metais, quatro vocalistas e três guitarristas, incluindo Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França, todos do Metá Metá. Nas vozes, também tem os gênios Criolo e Tulipa Ruiz.

Tá, mas parece o quê? Olha, vou te dizer que não parece muita coisa que eu já ouvi! E isso é uma das coisas mais legais do projeto. A influência de compositores de trilhas sonoras é clara, como o próprio Sérgio já definiu. Quincy Jones, Ennio Morricone, Lalo Schifrin. Mas o som vai bem além disso. Tem um quê de jazzy e instrumental, o tom épico das trilhas toma conta uma hora ou outra, mas as vozes quase sempre aparecem e o arranjo vai deixando as coisas cada vez mais contagiantes. No fim, rolam até uns sons com toques de techno! Ok, fiquei a fim de ouvir. Começo por onde? O primeiro álbum se chama PLIM e já está disponível pra audição no site do projeto. São 10 músicas e as composições vêm de muita gente. Do próprio Sérgio, dele em parceria com Tulipa e Criolo e de nomes como Michel Leme e Kiko Dinucci.


EXPEDIENTE

#69 // ANO 10

NOIZE COMUNICAÇÃO Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha Gerente Financeiro Pedro Pares Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha Diretor de Arte Jaciel Kaule Diretor de Arte Jr. Brian Mello Isabela Nunes Daudt Assist. de Arte Felipe Navarro Produção Francine Azevedo Thiago de Albuquerque

Fotos de capa Rafael Rocha

NOIZE FUZZ Editores Isadora Gasparin Marcel Maineri Coordenação de Projetos Carolina Cottens Fernanda Lessa Giovani Barbieri Redação Camila Piccinini Guilherme de Carvalho Heinz Boesing Ingrid Flores Joana Barboza Leonardo Baldessarelli Rodrigo Laux Planejamento Bernardo Costa Danielle Karnas Dionisio Urbim Julia Brito Juliano Mosena Krespo Ferraz

Vídeo Ádamo Ovalhe Denis Carrion Emília Abel Lucas Neves Mateus Roese

Mídia Kathiry Veiga

REVISTA / SITE / RECORD CLUB

GRITO

Editora Marília Feix Repórter Ariel Fagundes

Community Manager Amanda de Abreu

Redação Carina Schröder Jéssica Teles NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn

Você está no começo do Lado B. Pode entrar em uma viagem brilhante junto com Lanny Gordin, um herói da guitarra brasileira. Depois, se perder em uma noite sem fim com as Páginas Negras e descobrir o que mora nas vitrolas de Kassin, Felipe Cordeiro, Luiz Chagas, Tulipa e Gustavo Ruiz. Por fim, aprender a colocar cílios postiços e alumbrar por aí. Marília Feix


TULIPA RUIZ

Uma das cantoras mais expressivas de sua geração. Voz, luz e som da Noize #69.

Gustavo ruiz

Irmão, guitarrista, compositor e produtor. Assinou os três álbuns da Tulipa e também compôs junto com ela a maioria das músicas de sua carreira. Menos tradição, mais contradição.

LUIZ CHAGAS

Sexagenário e milenar, jornalista e músico, marido da Mônica, pai do Gustavo e da Tulipa, a work in progress. Dragão no chinês e beterrabófobo.

CLAUDIA ASSEF

Claudia Assef, 41, é jornalista de música desde 1996 e já passou por muitas redações antes de fundar seu próprio site, Music Non Stop. É de autoria dela o livro Todo DJ Já Sambou - A História do Disc-Jóquei no Brasil.

ALEXANDRE KASSIN

Produtor musical, cantor, compositor e multi-instrumentista carioca. Já produziu discos para nomes como Caetano Veloso, Jorge Mautner, Los Hermanos e Erasmo Carlos. Em Dancê é dele a sonoridade fitness conferida à música “Físico”.

manoel cordeiro

Bruno Shintate e Breno Moreira

Os fotógrafos registraram uma noite sem fim para a sessão “Páginas Negras”

Leonardo Baldessarelli

Jornalista, social media e comentador no hospício facebook™. Daqueles ecléticos que realmente ouvem (e gostam) de tudo. E um apaixonado por música brasileira.

Músico paraense em atividade desde 1966. Um dos pioneiros da lambada, contribuiu para a difusão nacional do ritmo. Já trabalhou em quase mil discos, como maestro, produtor, músico e arranjador. Em Dancê toca junto com o filho, Felipe Cordeiro, na faixa “Virou”.

#69

felipe cordeiro





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