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ERGONOMIA MÓDULO III

ERGONOMIA COGNITIVA SESSÃO 1 www.nova-etapa.pt


Mód. III – Sessão 1: Ergonomia Cognitiva

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ÍNDICE

Módulo III – Sessão 1 - Ergonomia Cognitiva

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Objetivos Pedagógicos

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Conteúdos Programáticos

3

1. Definição

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2. Cargas de Trabalho Mental

7

3. Desempenho Especializado

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3.1. Consequências Sociais

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3.1.1. Natureza dos Conhecimentos

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3.2. A Memória no Comportamento dos Homens no Trabalho

16

3.2.1. Os Diferentes Tipos de Memória

16

3.2.2. Memória do Trabalho

20

3.2.3. A Memória Operacional

20

3.2.4. A Estrutura dos Conhecimentos

21

3.2.5. Filtragem Cognitiva na Situação do Trabalho

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3.3. Experiência e Competência

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3.3.1. A Experiência Como Base Para a Competência

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MÓDULO III: SESSÃO 1 – ERGONOMIA COGNITIVA

OBJETIVOS PEDAGÓGICOS No final desta sessão deverá ser capaz de: • Identificar o conceito de Ergonomia Cognitiva; • Definir conceito de Cargas de Trabalho Mental; • Reconhecer os fatores que originam as cargas de trabalho mental; • Enumerar as características associadas ao Desempenho Especializado.

CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS • Definição de Ergonomia Cognitiva; • Cargas de trabalho mental; • Desempenho especializado.

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DEFINIÇÃO

A Ergonomia Cognitiva está relacionada com os processos mentais, como a perceção, memória, raciocínio, e resposta motora, afetando as interações entre humanos e outros elementos de um sistema. Tópicos pertinentes incluem carga de trabalho mental, tomada de decisão, qualificação, interação Homem-computador, confiabilidade, stress e formação, integrando-os na conceção da relação Homem-sistema. Nesta perspetiva, o trabalhador é visto como um agente competente e organizado num sistema de produção.

Objetivo da Ergonomia Cognitiva O objetivo da Ergonomia Cognitiva não é tentar compreender a natureza da cognição humana, mas descrever como a cognição humana afeta o processo de trabalho e como é afetada por ele. No exercício da sua atividade profissional, o Homem executa tarefas que lhe são atribuídas desenvolvendo, para o efeito, uma atividade, que se manifesta por meio de gestos e movimentos. Estes, por sua vez, ocorrem segundo um plano de cooperação muscular, que constitui uma condição necessária à execução motora. A organização da ação motora envolve um processo, no qual se distinguem três fases: 

Planificação;

Programação;

Execução.

As duas primeiras etapas são anteriores ao desencadeamento da ação: a planificação tem a ver com o objetivo da ação e a programação envolve a sua execução. No decurso de uma etapa de planificação, depois de ser tomada a decisão de agir, o indivíduo decide globalmente sobre a estratégia a adotar; na fase de programação, são especificados alguns parâmetros do programa, de forma a adequá-lo ao seu objetivo em

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função das condições do envolvimento. Quando estão preparados os comandos suficientes, o indivíduo desencadeia o movimento - é a fase de execução. No entanto, todo este processo decorre do tratamento de informações sensoriais, desde o estímulo que o irá desencadear até às mensagens necessárias a uma motricidade adaptada e eficaz. Para tal, são necessárias duas categorias de informações sensoriais:

1. Informações sobre o meio envolvente (exterocetivas, fundamentalmente de natureza visual, auditiva, olfativa), que permitem apreender o envolvimento, identificar e localizar os objetos aí colocados, sendo essenciais à determinação do objetivo da ação (planificação) e dos meios de ação (escolha e especificação do programa); 2. Informações sobre o espaço do corpo (propriocetivas), que permitem agir de forma pertinente, informando o indivíduo sobre a posição inicial dos diferentes segmentos corporais e a sua variação no decurso da execução motora.

A importância relativa destes dois tipos de informações sensoriais depende do tipo de movimento. Assim, a execução de uma técnica corporal de dança, por exemplo, requer fundamentalmente informações de natureza propriocetiva, enquanto que, para a realização de um gesto utilitário, como pegar num garfo para comer, são essenciais as informações relativas ao meio envolvente, particularmente as de origem visual. A tarefa do mecanismo percetivo consiste, primeiro, em organizar e classificar a informação proveniente dos recetores e, depois, dirigir uma série de respostas percetivas ao mecanismo seguinte.

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Relativamente aos estímulos provenientes do meio envolvente, ainda se coloca a questão dos limiares de deteção, que são influenciados por:

Variáveis relativas ao meio envolvente 1. Variáveis individuais, tais como, o estado de ativação, que, por sua vez, varia em função da fadiga, da idade, da formação e da experiência; 2. Variáveis relativas à tarefa, como sejam, a sua natureza e as imposições temporais; 3. Variáveis relativas ao envolvimento, que podem ser representadas pelas características do posto de trabalho, pelas condições ambientais e pelo seu enquadramento no meio.

Ideia Chave A Ergonomia Cognitiva pretende descrever em que medida o processo de trabalho é afetado pela cognição humana e vice-versa. A organização da ação motora envolve um processo com três fases: planificação, programação e execução. Os limiares de deteção dos estímulos dependem de variáveis individuais, de variáveis relativas à tarefa e relativas ao envolvimento.

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CARGAS DE TRABALHO MENTAL

Historicamente, o trabalho tem-se constituído num dos principais modos de produção da existência social, com repercussões diretas nas condições de saúde dos trabalhadores. Desde o final do século XIX, no auge da elaboração de uma teoria social das doenças e, durante todo o

século

desenvolvimento

XX, das

com

o

pesquisas

sobre as doenças profissionais, a necessidade cientificamente

de ao

responder crescente

avanço dos problemas de saúde no trabalho, criaram um campo fértil para o desenvolvimento de teorias, conceitos e métodos de investigação sobre o sofrimento humano no trabalho. As exigências impostas aos trabalhadores são designadas por cargas de trabalho, sendo que tanto são consideradas cargas físicas como mentais. Assim, e tendo em consideração este pressuposto, verifica-se que, atualmente, muitos trabalhadores estão submetidos a cargas de trabalho mais árduas do que acontecia no período da industrialização. Se no início do século XX, as exigências eram mais físicas do que mentais, ultimamente, verificamos que os trabalhos de cunho mental sobressaem sobre os de cunho físico. Toda a atividade, inclusivamente o trabalho, tem pelo menos três aspetos: físico (fisiológico e ambiental), cognitivo (percetivo) e psíquico (significado do sofrimento atribuído), que estão inter-relacionados, podendo determinar-se uma sobrecarga e uma subcarga, em cada um deles.

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O conceito de carga de trabalho mental foi apresentado e desenvolvido na revista americana “Human Factors” no final dos anos 70 e início da década de 80. Nesse período, tarefas com alto grau de complexidade, como as executadas pelos controladores de tráfego aéreo, chamaram a atenção da comunidade científica para a questão da carga de trabalho mental. Desde então iniciaram-se as questões: “Quão ocupado está o operador?”; “Quantas tarefas é que pode executar com segurança?”; “Qual o esforço que o operador terá que despender para atingir um determinado nível de performance?” Podem evitar-se muitos erros e acidentes a partir das questões respondidas através do conhecimento, medição e avaliação da carga de trabalho mental. Um método eficaz, simples e barato que pode ser utilizado para avaliar as cargas de trabalho mental, é o NASA-TLX (NASA Task Load Index). Este é um procedimento de taxa multidimensional que prevê uma pontuação global da carga de trabalho baseada na média ponderada da avaliação de seis exigências:

Avaliação das seis exigências do Método NASA-TLX • Exigência Mental, • Exigência Física, • Exigência Temporal, • Performance, • Nível de Esforço total, • Nível de Frustração. Este método permite-nos levantar questões acerca de qual o componente que contribui com maior peso para uma dada carga mental, permitindo-nos estudar o posto de trabalho e alterar os componentes que estão a sobrecarregar o profissional, no que respeita aos aspetos mentais. A melhoria nesses índices faz com que o número de erros, acidentes e doenças dos profissionais seja reduzido drasticamente. Para que possamos compreender o método referido passemos à análise do exemplo 7 apresentado nos anexos. 8 www.nova-etapa.pt


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Mesmo trabalhando com uma população pequena e utilizando um recurso estatístico simples como a média aritmética, é possível observar a influência do conteúdo das atividades nos resultados de carga mental. A pressão do tempo é um fator gerador de sobrecarga observado tanto no aspeto qualitativo como no quantitativo e a flexibilidade organizacional é um fator redutor de sobrecarga. Contudo, a aplicação destes métodos, ainda

que

acompanhada

de

outros

instrumentos, não dá acesso a conclusões imediatas sobre a regulação da Carga. Observamos que o aspeto de regulação, considerando ou não o conceito de carga é por demasiado complexo para ser equacionado num levantamento rápido. Existe uma associação do conceito de carga ao de desempenho, servindo este de parâmetro para avaliar o modo como o indivíduo lida com a própria carga. Do ponto de vista da fundamentação teórica, vemos algumas vantagens na adoção do conceito de Carga de Trabalho que não devem ser desprezadas. Imaginamos que com os métodos de acesso à Carga que existem hoje, se possa fazer a sua gestão, tanto física como mental, nos locais de trabalho. Assim, se uma população tem a sua carga mental mais associada a um fator como frustração em vez de exigência mental, isso já direciona a intervenção na situação de trabalho. A partir do conceito de Carga de trabalho podem realizar-se discussões acerca de pausas, divisão do trabalho, remuneração, organização das decisões, e muitos outros aspetos do trabalho. Entende-se que novos campos de pesquisa se apresentam aos ergonomistas, especialmente na interação entre as arquiteturas cognitivas e aspetos da carga mental. Pode pesquisar-se, por exemplo, que tipo de raciocínios produzem mais carga mental em determinada situação de trabalho. Outro campo de interesse é aquele que associa aspetos da saúde à carga mental de trabalho – vejamos ainda nos anexos o exemplo 8. 9 www.nova-etapa.pt


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Ideia Chave A necessidade de solucionar os problemas de saúde emergentes do trabalho, traduziuse no desenvolvimento de teorias, conceitos e métodos de investigação sobre o sofrimento humano no trabalho. A partir de finais do século XX verifica-se uma maior incidência do trabalho de cunho mental. Ao conceito de Cargas de trabalho mental encontram-se associadas várias perguntas. As cargas podem ser determinadas pela média ponderada dos valores de exigência mental, física, temporal, da performance, do nível de esforço mental e do nível de frustração. Existe ainda uma relação entre carga e desempenho. Uma solução ergonómica só será efetiva se considerar por um lado a empresa e por outro o trabalhador.

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DESEMPENHO ESPECIALIZADO

Várias disciplinas abordam este assunto, sendo o sentido dado a este termo também bastante variado. Enquadramento Cognitivo Há muitos modos de cognição, isto é, muitas formas diferentes de raciocínio. Uma perspetiva particularmente relevante nesta análise define dois modos de cognição: experimental e reflexivo. Ambos os modos são essenciais ao desempenho humano, apesar de requererem suportes tecnológicos muito diferentes. Muitas ferramentas falham por fornecer suporte reflexivo em situações experimentais, ou suporte experimental em situações reflexivas. Para criar produtos tecnológicos adequados às pessoas, é preciso um bom entendimento das diferenças entre estes dois modos, bem como da compreensão da perceção e cognição humanas. Vejamos as principais diferenças:

Cognição Experimental: O modo experimental conduz a um estado no qual percebemos e reagimos aos eventos que nos rodeiam, eficientemente e sem esforço. Este é o modo do comportamento especializado, e é uma componente chave no desempenho eficiente. O pensamento experimental é essencial ao desempenho especializado: surge rapidamente, sem esforço, sem a necessidade de planeamento na resolução de problemas. Mas o prazer do modo experimental é também o seu perigo. Seduz o participante a confundir ação com raciocínio. Podem ter-se novas experiências desta forma, mas não novas ideias, novos conceitos, avanços na compreensão humana. Para isso, é preciso o esforço da reflexão.

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Cognição Reflexiva: Enquanto o modo de cognição experimental pode ser praticado simplesmente pela vivência da experiência, a reflexão é mais difícil. O modo reflexivo é feito de comparação, de contraste, de raciocínio, de tomada de decisão. Este é o modo que conduz a novas ideias e respostas inovadoras. A reflexão é um estado natural no ser humano. Mas a reflexão eficaz requer alguma estrutura e organização. A Ergonomia coloca em evidência a "qualificação operativa" (especialização) empregada numa determinada atividade de trabalho. A qualificação operativa representa apenas uma parte da qualificação pessoal do trabalhador, adquirida ao longo da sua vida, da sua formação, da sua experiência, das suas atividades fora do trabalho. A qualificação operativa não tem relação direta com a classificação profissional (remuneração). Existe um modelo para analisar a dinâmica dos comportamentos do Homem no trabalho, a partir deste interessa referir os tipos de comportamentos por ele classificados:

Tipos de comportamentos no Trabalho Os comportamentos baseados em habilidades (skills): essencialmente sensóriomotores, que são acionados automaticamente por situações rotineiras e são desenvolvidos segundo um modelo interno não consciente e adquirido previamente; Os comportamentos baseados em regras (rules): que são sequências de ações controladas por regras interiorizadas por aprendizagem. Essas regras apresentam um certo grau de variabilidade; Os comportamentos baseados em conhecimentos (knowledge): que aparecem nas novas situações, para as quais não existem regras pré-construídas. As habilidades (skills) são pouco sensíveis às condicionantes do meio ambiente e permitem reações rápidas, podendo desenrolar-se paralelamente com outras atividades. Podem, certamente, originar uma ação que seja uma resposta inadequada ao estado do sistema.

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Por exemplo, um susto ao volante de um veículo pode provocar uma reação do motorista que o leve a pisar o acelerador mais a fundo podendo gerar um acidente. Por outro lado, a experiência permite que se conduza um carro, ou se reaja a uma situação de emergência, quase de forma inconsciente. Os comportamentos baseados em regras (rules) são sequências de ações controladas por normas memorizadas pela aprendizagem. Contrariamente às anteriores (baseadas em habilidades), estes comportamentos supõem uma execução e uma coordenação das mesmas, pois correspondem a situações familiares, mas que têm um certo grau de variabilidade. A interpretação desses comportamentos varia segundo os autores. Para alguns, o controlo da sequência da ação é automático e inconsciente, pois existe, por parte do sujeito, a interiorização de procedimentos complexos. Para outros, o sujeito é suscetível de verbalizar esses tipos de comportamentos, o que permitirá uma explicitação das regras: ele tem "consciência do que faz". Veremos, na sequência, que esta oposição pode ser proveitosa no plano da pesquisa em ergonomia cognitiva. Os comportamentos baseados em conhecimentos (knowledge) aparecem em situações novas para as quais não existem regras pré-construídas. Estão mais ligadas aos esquemas do sujeito do que à própria tarefa. Uma mesma tarefa pode ser familiar para um sujeito experiente e totalmente nova para um aprendiz. A linearidade de um esquema não significa que a atividade também seja linear, o sujeito pode fazer ajustes sobre as diferentes etapas, completar dados, rever sua categorização, rever as suas escolhas de estratégias e procedimentos. A primeira vez que a pessoa realiza uma tarefa sente mais dificuldade do que quando já está acostumada, havendo, por isso mesmo, maior probabilidade de ocorrência de erros e sensação de fadiga. Com o tempo a coordenação motora e muscular vai melhorando, o consumo de energia irá reduzir-se, a fadiga diminui e a produtividade aumenta.

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Por exemplo, durante o processo de aprendizagem de condução de um automóvel, ocorrem algumas modificações:

Etapas do processo de aprendizagem (exemplo) • Aprendizagem da sequência da atividade (aprende as instruções, imita o instrutor); • Ajuste dos canais sensoriais - olhar o pedal antes de acionar; • Ajuste dos padrões motores - velocidade, trajetória, ritmo; • Redução da atenção consciente - automatismo. Para podermos compreender melhor o desempenho especializado interessa introduzir outros conceitos:

3.1

CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

A competência dos sujeitos é considerada como um conjunto de recursos disponíveis para fazer face a uma nova situação no desenvolvimento de uma atividade de trabalho. Estes recursos são constituídos por conhecimentos armazenados na memória e por meio da ativação e de coordenação desses conhecimentos. A noção de competência é, portanto, colocada no seu senso clássico (as potencialidades do sujeito), sendo oposta à noção de performance "que é a tradução total ou parcial da competência de uma determinada tarefa.” Os "conhecimentos" são regras permanentes, armazenadas na memória do sujeito. Neste sentido, falaremos de conhecimentos, distinguindo diferentes tipos.

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3.1.1 A NATUREZA DOS CONHECIMETOS Os conhecimentos gerais Estes conhecimentos não são específicos a uma determinada tarefa, num dado momento. O teorema de Pitágoras, cujo conhecimento geral específica que "o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos", não permite ao carpinteiro resolver diretamente o problema de ortogonalidade entre o forro e a aresta do telhado. É necessário salientar que a especificação não depende do conhecimento em si, mas da tarefa. A vantagem desses conhecimentos é que podem ser aplicados em várias situações, assim o teorema de Pitágoras permite resolver problemas de mecânica, ótica, arquitetura, etc. Os conhecimentos operativos São conhecimentos específicos para um tipo de trabalho. Resultam do armazenamento na memória de longo prazo de traços e características de situações que já encontrámos anteriormente. A representação circunstancial da situação já encontrada torna-se várias vezes numa estrutura permanente que será aplicada assim que a situação acontecer novamente. Não se trata de uma memória episódica, no sentido em que não nos lembramos de um acontecimento, mas sim de uma memorização operativa, no sentido em que são elaboradas regras que serão ativadas em situações específicas. Esses conhecimentos podem ser (ou não) uma instância particular de conhecimentos gerais, mas sem que o sujeito tenha, forçosamente, consciência disso. Esses conhecimentos caracterizam-se, em primeiro lugar, pela sua abreviação, que corresponde a uma seleção de traços pertinentes em relação aos objetivos usados numa tarefa particular e, em segundo lugar, por deformações funcionais, que consistem numa acentuação dos elementos salientes e pertinentes para a ação e, ao mesmo tempo, uma ocultação dos elementos inúteis. Os conhecimentos rotineiros caracterizam-se por uma grande repetição. Quando um sujeito mobiliza frequentemente um conhecimento operativo numa situação onde as características variam pouco, constrói-se um verdadeiro automatismo, como vimos no exemplo da aprendizagem da condução de um automóvel. 15 www.nova-etapa.pt


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Automatismo e inconsciência A distinção entre as três formas de conhecimento é interessante, mas coloca dois tipos de problemas. O primeiro é de ordem terminológica. Os conhecimentos rotineiros (as habilidades) e operativos (as regras) são inconscientes, não controláveis ou automáticos. O termo inconsciente tem um estatuto particular em psicologia, significa que o sujeito não tem acesso direto ao significado do seu comportamento. Segundo esta perspetiva, os conhecimentos operativos podem ser inconscientes, no sentido em que o sujeito é incapaz, por um lado, de ter um acesso direto aos mesmos e, por outro, determinar em que condições estes podem ajudá-lo a tomar decisões. Com o desenvolvimento da inteligência artificial e dos sistemas especialistas, verificouse que a aquisição dos conhecimentos é um problema difícil, cuja solução está condicionada, não por soluções técnicas, mas por uma conceptualização dos conhecimentos.

3.2

A

MEMÓRIA

NO

COMPORTAMENTO

DOS

HOMENS

NO

TRABALHO A memória, considerada como um lugar

de

armazenamento

das

representações e dos conhecimentos, constitui um domínio importante da atividade do sujeito. A compreensão dos processos e dos mecanismos envolvidos

é

importante

para

a

psicologia do trabalho. Avaliar as capacidades mnésicas de um sujeito no momento da sua adaptação ao trabalho e das estratégias para recuperação de informação, pode ser extremamente importante nalgumas situações.

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3.2.1 OS DIFERENTES TIPOS DE MEMÓRIA Distinguiremos vários tipos de memória, antes de consideramos a forma como a psicologia do trabalho as utiliza. 1.

Os registos sensoriais: caracterizam-se pela conservação de informações por

um dos órgãos dos sentidos durante alguns décimos de segundo. A informação percebida não é transformada e é totalmente volátil. Não se trata, por isso mesmo, de memória no sentido estrito, pois não existe nem armazenamento, nem tratamento. 2.

As duas memórias (M.C.P. e M.L.P.): salientam-se dois tipos de memória: a

memória de curto prazo (M.C.P.) e a memória de longo prazo (M.L.P.). A M.C.P. designa o conjunto dos processos que permitem conservar uma informação durante o tempo necessário para a execução de uma ação. Na M.L.P. é armazenado o conjunto de acontecimentos que um sujeito acumulou no decorrer do tempo. Se a diferença temporal aparece claramente entre as duas memórias, em compensação, a diferença de natureza é menos evidente, pois algumas informações da M.C.P. estão na M.L.P. A noção de memória de trabalho pode substituir a de M.C.P. pois traduz melhor o facto de que existem dois processos dentro desta memória, um de armazenamento e outro de tratamento. Diferentes tipos de memória de longo prazo A memória de longo prazo pode ser caracterizada em função de diferentes modos de representação da realidade: uma primeira distinção opõe uma memória procedimental e uma memória preposicional ou declarativa. A primeira é constituída pelo conjunto dos nossos conhecimentos sobre a maneira de cumprir as nossas atividades, sobre a nossa maneira de fazer. A memória procedimental, cujos mecanismos são difíceis de compreender, foi objeto de poucas investigações. A memória preposicional é constituída pelo conjunto dos conhecimentos que nós possuímos sobre o estado do mundo que nos rodeia (os acontecimentos, as casas, as pessoas, etc.). Corresponde aos conhecimentos gerais. Esta está subdividida em dois grandes sistemas: a memória episódica e a memória semântica.

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Dentro da primeira estão armazenadas as lembranças, acontecimentos pessoais, que estão organizados em função das suas relações temporais e contextuais com outros acontecimentos. A memória semântica é mais geral e mais abstrata, contendo conceitos que formam estruturas organizadas em rede. Considera-se que esta memória contém informações essenciais na utilização das linguagens. Os dois sistemas de memória referidos funcionam diferentemente. Por exemplo, o esquecimento é mais importante dentro da memória episódica (um acontecimento procura o outro) ao passo que o conteúdo da memória semântica é bem mais estável, mesmo que esta se enriqueça continuamente. No entanto, os dois sistemas estão em forte interação: os acontecimentos são percebidos através do filtro dos conceitos e a recordação de um acontecimento marcante, reforçará a retenção de um conceito. Codificação e recuperação: a organização e a estruturação da memória estão dependentes de dois processos: a codificação, que transforma uma informação num traço mnésico, e a recuperação que permite ir procurar e identificar as propriedades de um objeto semelhante àqueles existentes na M.L.P. Uma segunda fase consiste num processo de organização, baseada numa codificação relacional, reagrupando os traços memorizados numa rede, já constituída na M.L.P. Esta organização conta com redes hierárquicas, no sentido em que se organizam do geral para o particular, passando por classes intermediárias ligadas por relações de inclusão. Estas redes semânticas da M.L.P. não são reprodução de taxionomias formais. Elas resultam de relações que se articulam com a atividade do sujeito. As redes semânticas fundadas sobre as relações funcionais ou sobre relações percetivas (cor, forma, tamanho), apresentam inúmeros problemas sobre a atividade do sujeito. É ilusório, então, acreditar que a apresentação do material sob forma de taxionomia formal, seja uma solução. 18 www.nova-etapa.pt


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Um segundo problema consiste na distinção entre relações percetivas e relações funcionais. As primeiras não conduzem a um nível menor de competência pois os critérios percetivos podem ser funcionais (Exemplo: nos trabalhos de controlo os critérios percetivos são, funcionalmente, muito eficazes). A recuperação das informações que permitem investigar e identificar as propriedades de um objeto, causará uma interação entre o reconhecimento (objeto presente), ou a lembrança (objeto ausente). A codificação exerce um papel fundamental na recuperação, determinando assim as atividades de trabalho. Sugerimos uma ligação entre os tipos de codificação e a recuperação. O reconhecimento parece pertencer a uma codificação percetiva, ao passo que, para a lembrança, os dois tipos de codificação seriam igualmente necessários.

3.2.2 A MEMÓRIA DO TRABALHO A memória de trabalho tem uma capacidade de armazenamento

limitada.

O

número

de

unidades retidas, assim como o seu tempo de conservação,

depende,

por

um

lado,

do

significado das unidades a memorizar e, por outro, de uma atividade de autorrepetição que permite conservar as informações. Para o projeto de mensagens num terminal de vídeo, alarmes, suportes de informações temporários, consideramos as seguintes regras: 1. Não ultrapassar um grande número de informações; 2. Não dissociar (no tempo), a deteção de uma mensagem, do momento em que ela deve ser tratada; 3. Evitar (no caso de forte solicitação da memória) recobrir, ocultar tarefas que possam bloquear o processador central de repetição mental. Quanto à estrutura das mensagens, estas devem considerar o efeito de ordem das unidades a serem memorizadas. As unidades colocadas no início e no final de mensagem são melhor retidas do que as unidades colocadas no meio. 19 www.nova-etapa.pt


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3.2.3 A MEMÓRIA OPERACIONAL Não devemos confundi-la com a noção de memória de trabalho. A memória operacional é uma memória específica para a realização de uma tarefa ou de uma subtarefa particular. Ela tem, portanto, uma duração de vida transitória ligada à duração desta tarefa. Quando esta termina, ela volatiliza-se. EURÍSTICA E RACIOCÍNIO Se dentro de um grande número de situações, os comportamentos do Homem no trabalho são baseados em habilidades ou em regras, o sujeito deve, às vezes, elaborar procedimentos para resolver problemas não habituais, pouco comuns na produção. Com a evolução dos sistemas técnicos de produção, esta exigência pelo raciocínio do sujeito, será cada vez mais frequente.

3.2.4 A ESTRUTURA DOS CONHECIMENTOS A diferença essencial dos conhecimentos advém do facto de que foram formalizados dentro de diferentes campos disciplinares. De uma maneira geral esses conhecimentos são construções mentais que permitem, a partir de um reduzido número de informações, elaborar hipóteses sobre a situação vivida pelo sujeito. Uma vez elaboradas, estas hipóteses guiam os trabalhadores na procura de informações sobre os pontos que conduzam ao reforço da hipótese, ou à sua rejeição. Neste último caso é iniciada uma nova construção mental.

Os esquemas são diferentes dos conceitos, as suas relações não são então conceituais, mas pragmáticas e estatísticas. Se, um valor observado está fora dos limites, (por exemplo, todos os comensais têm menos de 20 anos), ou se não existe correlações entre certas variáveis (por exemplo os 20 www.nova-etapa.pt


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comensais têm mais de 20 anos mas são 11h30) então o esquema (restaurante) é rejeitado e um outro esquema é ativado (cantina ou restaurante universitário). O restaurante é um esquema quando, definido por um cenário, associa pragmaticamente vários elementos, ao passo que é um conceito quando definido por um certo número de propriedades físicas e funcionais, situando-se numa rede semântica. Os esquemas são especificados pelos valores limites e pelas suas inter-relações. Neste sentido, essas diferentes unidades são ditas valores constantes do esquema. Desses valores restritos decorre um primeiro aspeto interpretativo dos esquemas. O segundo aspeto dos esquemas é que eles permitem inferir variáveis ausentes, atribuindo a estes valores correspondentes aos valores restritos, (por exemplo, o preço, as modalidades de escolha, os possíveis clientes). Eventualmente o esquema pode conduzir à pesquisa de novas variáveis e valores. Esta poderá ser acentuada pela existência de subesquemas, isto é, pelo entrosamento dos esquemas entre si. (por exemplo, restaurante universitário, cantina, "fast-food", podem ser subesquemas de restaurante). Os esquemas permitem ao sujeito compreender a situação e formalizar hipóteses, fazer inferências. Eles participam, portanto, no raciocínio e no modo de funcionamento. Parecem ter um duplo filtro: seleção de informações sobre a situação de trabalho, seleção e ativação dos blocos de unidades armazenados na memória interna.

3.2.5 A FILTRAGEM COGNITIVA NA SITUAÇÃO DO TRABALHO

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A operacionalização destas noções, para considerarmos a atividade do sujeito nas situações de trabalho, ajuda-nos a analisar problemas de confiabilidade, ou seja, a análise dos erros cometidos pelos sujeitos. Um primeiro tipo de erro pode originar-se de um defeito, seja de ativação (ex. um esquema é ativado no lugar de um outro), seja no desenvolvimento da ação. Por ex., esquecer de desenvolver um esquema. Chamamos um médico para uma emergência. Ele precipita-se e percebe que está a caminho do hospital, um trajeto ao qual está habituado e não aquele que o leva ao seu doente. Ele já viu este doente mas, devido à urgência, esqueceu-se da ficha. Um segundo tipo de análise comporta a natureza dos julgamentos efetuados pelo sujeito ao acionar os mecanismos de raciocínio. Existem dois filtros, um do tipo semântico (similary matching) – composição por similaridade - e outro do tipo estatístico (frequency gambling) – especulação sobre a frequência (ver anexos). A distinção destes dois mecanismos responde mais à necessidade de compreendê-los do que ao que acontece na prática. Na realidade nas situações de trabalho, eles são fortemente associados, sendo difícil determinar qual foi impulsionado.

3.3

EXPERIÊNCIA E COMPETÊNCIA

Pode parecer paradoxal abordar a conceito de experiência sob o tema da competência. Se observarmos a experiência como um conjunto de mecanismos mobilizados por um sujeito, com o objetivo de alcançar um alto nível de performance, então a análise da noção de experiência em relação à competência parece justificada.

Nesta perspetiva são possíveis três tipos de análise. Em primeiro lugar os especialistas são considerados como pessoas que apresentam êxito, particularmente. O exame das 22 www.nova-etapa.pt


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suas características permite responder à questão da ligação entre a estruturação dos conhecimentos e a competência. Em segundo lugar, é legítimo perguntar-se sobre o armazenamento e a conservação dos conhecimentos pelos especialistas. A maior parte dos trabalhos sobre a experiência marcam uma forte relação entre o desempenho e a organização mnésica. Enfim, de maneira mais conjuntural, o interesse pela experiência, nas situações de trabalho, manifesta-se cada vez mais, não somente nas situações tratadas pela inteligência artificial (IA) e pelos sistemas especialistas mas, também, na questão da recuperação do saber dos profissionais "que se reformam” ou são substituídos por sistemas automatizados.

3.3.1 A EXPERIÊNCIA COMO BASE PARA A COMPETÊNCIA A eficácia maior do especialista traduz-se por uma maior rapidez e um número menor de erros na execução de tarefas em relação aos menos experientes. Na execução de uma tarefa simples como a digitação, a velocidade resulta de uma motivação na prática diária intensiva que permita a aquisição de habilidades automáticas, movimentos mais rápidos dos dedos, mudanças nas apreensões de informações, e que liberta as capacidades mnésicas para outras tarefas. O digitador torna-se um especialista quando pode fazer várias coisas de uma só vez. Nas tarefas mais complexas, a explicação de maior rapidez deve-se ao facto de que a procura de soluções é menos intensiva num especialista que possui modelos pré-construídos do que nos principiantes. Por exemplo, os taxistas, encontram mais rapidamente uma rua desconhecida, pois possuem esquemas para fazer face a tal dificuldade.

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Mód. III – Sessão 1: Ergonomia Cognitiva

De maneira mais geral, os especialistas são mais lentos nas fases iniciais de resolução de problemas, porém mais rápidos no conjunto da tarefa. A competência é limitada. O especialista destaca-se no seu próprio domínio, mas não está seguro que possa transferir sua competência para outros setores da produção. Essas análises adotam pontos de vista interessantes, porém restritivos.

Ideia Chave O desempenho especializado é tratado em várias disciplinas. É importante ter em conta que há muitos modos de cognição. O pensamento experimental é essencial ao desempenho especializado, pois surge rapidamente, sem esforço nem planeamento, trazendo consequentemente algumas desvantagens. A reflexão eficaz requer alguma estrutura e organização. Existe um modelo que classifica os comportamentos consoante as habilidades, as regras e os conhecimentos. O desempenho especializado está relacionado com as competências, a memória, o raciocínio e a experiência. A eficácia do especialista traduzse por uma maior rapidez e um número menor de erros na execução de tarefas quando comparado com os menos experientes, contudo são mais lentos nas fases iniciais.

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