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Uma cidade, vรกrios olhares
Nรฃo deixe de ler! Agora com novo projeto grรกfico www.quintoandar.fa7.edu.br
EDITORIAL Um retrato para cada Fortaleza
REITOR Ednilton Soárez VICE-REITOR Ednilo Soárez
Desigual, violenta, bela, plural, marítima, urbana, boêmia, artesanal. As facetas da cidade parecem correr pelos nossos olhos durante o dia a dia. São tantas as experiências que compõem a vida citadina que, observar seus fragmentos dispersos, parece uma espiada no microscópio – cada vivência é um universo particular. Dentro dessa multiplicidade de circunstâncias, a fotografia se mostra não só como uma ferramenta de observação, mas como uma captura de essências. A imagem devora os sentidos da vida e nos entrega com minúcias que só a sensibilidade pode contemplar. Em uma proposta de captar concepções acerca da capital cearense, a revista Matéria Prima, do segundo semestre de 2017, produto da disciplina Jornalismo Especializado I, apresenta a visão dos principais fotógrafos do mercado local sobre Fortaleza. Da Aguanambi ao Passeio Público, as fotografias nos mostram ângulos diferentes da cidade alencarina, com suas expressões distintas. Como poses para retratos, a mesma Fortaleza sorri, se angustia, se mostra serena e se entrega ao caos. A graça de cada um dos registros é a diferença. De como um mesmo ambiente se modifica a cada atravessar de rua. E de como a perspectiva influi no conteúdo. Nesta edição, cada fotógrafo escolheu uma imagem que representa o seu olhar diante da Terra da Luz. O leitor vai encontrar confissões, inspirações e relatos, além de conhecer mais o trabalho dos que se dedicam a ilustrar o pulso fortalezense em jornais, revistas, publicidades, galerias, portais, enfim. Celso Oliveira, Evilázio Bezerra, Gentil Barreira, George Braga, Iana Soares, Igor de Melo, Jarbas Oliveira, Jari Vieira, Kid Júnior, Nely Rosa, Ricardo Schmitt, Silas de Paula e Tatiana Fortes foram os escolhidos para compartilhar suas fotografias e se debruçar sobre a capital que percebem e acreditam. É através das lentes que esses profissionais do olhar constroem sua relação com Fortaleza. Seja por afetividade, inconformidade ou estética, cada pedaço dessa cidade se fragmenta em retratos que só quem estabelece uma conexão de convivência, se relacionando com o espaço e enxergando belezas por onde passa, é capaz de registrar.
PRÓ-REITOR ACADÊMICO Adelmir Jucá PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Henrique Soárez COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Dilson Alexandre COORDENADORA DO CURSO DE DESIGN Nila Bandeira EDITOR CHEFE Miguel Macedo PROJETO GRÁFICO Tarcísio Bezerra DIREÇÃO DE ARTE Diego Henrique, Humberto Araújo e Lima Jr. ESTAGIÁRIOS DO NÚCLEO DE DESIGN EDITORIAL Wesley Galdino Thyago Diniz Robson Marques EDITORIAL Karol Saldanha COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: TEXTO Alexia Marinho, Ariella De Sá, Camilla Rodrigues, Carina Barreira, Carlos Holanda, Davy Andrade, Dyego Viana, Erika Chagas, Gabriel Rodrigues, Karol Saldanha, Luana Érica, Suelen Mendonça e Victor Mendes DESIGN Eli Naftali, Gerson Barbosa, Matheus Castro, Mirla Nobre, Neyliana Maia, Rayanne Aragão, Thyago Diniz, Vitória Yngrid e Wesley Galdino
Boas imagens!
Uma cidade, vários olhares] 201 7. 2
Uma cidade, vários olhares
Não é a câmera que faz de alguém um fotógrafo. Como disse Ansel Adams, a foto nasce antes, na visualização na mente do fotógrafo. Para o grande fotógrafo americano, a câmera, o filme escolhido e o processo de passagem da foto para o papel (ou nos tempos de hoje, os ajustes da câmera e a edição digital da imagem) são os instrumentos e os processos para chegar a essa imagem pretendida. A foto da capa e a do sumário desta edição, ambas de Humberto Araújo, fotografam os instrumentos. O que artistas fazem com eles ao olhar nossa cidade, você confere nas próximas páginas!
SUMÁRIO Ricardo Schmitt Um carioca atraído por Fortaleza Evilázio Bezerra Fotojornalismo em uma cidade de luta George Braga A foto como elemento social e hobby místico
I gor de Melo Tranquilidade em meio ao caos da cidade
6 Celso de oliveira 14 Gentil Barreira 18 Iana Soares 26 Jarbas Oliveira 28 Jari Vieira 32 Kid Júnior 34 Nely Rosa 38 Silas de Paula 42 Tatiana Fortes Contracapa Alcides Freire
CELSO DE OLIVEIR A
VOLTA ÀS ORIGENS e uma relação com a cidade As experiências e olhar fotográfico de uma fotojornalista em relação à capital cearense. Sua trajetória e influência pelo Brasil. O encanto permanente pelo Norte e Nordeste TEXTO Alexia Marinho | DESIGN Neyliana Maia / Wesley Galdino FOTOS Celso de Oliveira
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Filho de mãe nordestina, radipara evitar o imediatismo da mensagem cada no Rio de Janeiro, Celso de Oliveira, e ressaltar o aguçamento da tensão e do desde os 13 anos, trouxe consigo o decontraste sobre a luz do Ceará. sejo de reencontro com as raízes. Em Para ele, o preto e branco se sobressai 1972, uma matéria publicada na revista mais que o colorido. “Acho que o preto e Realidade sobre a seca do Nordeste, no branco chama mais atenção porque ele Ceará, com fotos de Walter Firmo, teve recorta um pouco a realidade, já que o uma importância fundamental para que normal é colorido.” Celso decidisse pela carreira de fotógraSegundo Celso, a sua foto que mais reprefo. “Quando vi essas fotos, senta Fortaleza é a de um pespensei: um dia quero ir cador na praia do Mucuripe, para o Nordeste”. pois ele considera um local de Apesar dessa vontade de paixão e resistência. conhecer para fotografar, O preto branco “Acho incrível como os pesnão foi inicialmente a foto- se sobressai cadores conseguem se mangrafia que o fez querer mo- mais porque ter ali, mesmo não tendo mais rar em Fortaleza. “Eu vim ele recorta a tanto espaço, já que atualmenespecialmente pelo movite é um local habitado pela realidade mento musical da época, ia classe alta.” muito para os shows do Fagner. Depois Celso de Oliveira se dedica, sobretué que fui percebendo o forte movimento do, a projetos de fotografia documental. fotográfico daqui.” Diferente do fotojornalismo diário, em De início, em 1980, o encanto pela luque o profissional registra acontecimenminosidade do Ceará é expressa por meio tos pontuais e não tem controle sobre de uma fotografia colorida. Em 1986 faz a o que será publicado, o fotodocumentaopção pela fotografia em preto e branco, rista escolhe o assunto, aborda-o num
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A fotografia documental é como se fosse uma linguagem universal”
tempo alargado e edita as próprias imagens. Com o intuito de afirmar um ponto de vista pessoal, para ele as questões estéticas são tão importantes quando a representação do referente. O trabalho é visto como uma junção de arte e jornalismo e seu objetivo é quase sempre a realização de livros e exposições. Na capital cearense, junto com o fotógrafo Tiago Santana, criou a agência e editora Tempo D’Imagem, em 1994, premiada.” Celso tinha o foco em fotografar a questão da religiosidade. A foto feita em Fortaleza - que Celso considera que registrou isso da melhor forma - foi a de pescadores na festa de São Pedro. “Para mim, os pescadores são bons representantes do trabalho coletivo que a sociedade precisa, pois os pescadores não trabalham para si, e sim para os outros. Sem contar que são personagens ícones da cidade.” A viagem internacional mais recente foi para Havana, capital de Cuba. Fez
uma expedição fotográfica com alunos. Havana retrata uma vida simples, algo que combina com o seu estilo, já que a simplicidade é sua peculiaridade. Apesar de serem realidades diferentes, Celso se deparou com uma grande semelhança em relação à Fortaleza. “Assim como aqui, o movimento musical de Havana é muito forte.” E a maior diferença que conseguiu analisar, além da questão do capitalismo, foi a supervalorização dos prédios públicos. “Em Havana, você não encontra uma pichação; aqui elas estão em todo canto.” Celso não considera a fotografia documental um testemunho imparcial, mas uma forma de intervenção social. Por ela poderiam revelar realidades pouco conhecidas e denunciar injustiças. “A fotografia documental é uma espécie de serviço à população, pois ela tem o poder de passar uma mensagem para todos. É como se fosse uma linguagem universal.”
Indenpendentemente da geração, Celso considera os pescadores como autêntico, ícone de Fortaleza 8 // MATÉRIA PRIMA 2017.2
Foto do livro “Mar de Luz” de pescadores reunidos no dia da festa de São Pedro
Carioca adota Ceará para morar Celso de Oliveira da Silva nasceu em 1957, no Rio de Janeiro, e começou a fotografar em 1975, enquanto trabalhava como assistente de laboratório no Estúdio Fotografismo e Artes. Em seguida, transfere-se para São Paulo e inicia a carreira de fotojornalista, colaborando em diferentes jornais e revistas como Veja, IstoÉ, Visão, Tênis Esporte e O Globo. Em 1980, muda-se para Fortaleza, onde integra a equipe coordenada por Chico Albuquerque no jornal O Povo e participa do grupo de fotógrafos Dependentes da Luz.
SERVIÇO Editora Tempo d’Imagem Avenida Dom Luís, 906, sala 802, Aldeota, Fortaleza - Ceará. T (85) 3261-2398 E tempodimagem@uol.com.br I @editoratempodimagem
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EVILÁZIO BEZERRA
Fotojornalismo em uma
cidade de luta Há 30 anos, caminhando entre uma rua e outra da cidade, ele deu de cara com o fotojornalismo. Hoje, além de ser um dos profissionais mais premiados de Fortaleza é também um homem de luta TEXTO DYEGO VIANA | DESIGN Eli Naftali FOTOS EVILÁZIO BEZERRA
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Assim como a moça que toma água de coco na ponte metálica em plena chuva, Fortaleza resiste. É por meio dos olhares do fotojornalista Evilázio Bezerra que a cidade surge e ganha vida nas páginas da nova edição da revista Matéria Prima. Ser fotojornalista? Isso nunca passou pela cabeça dele. Foi entrando em uma rua por engano que descobriu o que é ser um fotojornalista na cidade de Fortaleza. Para contar essa história há que se voltar a 1987. Servidor público concursado, Evilázio trabalhava como contínuo no Instituto de Previdência do Estado do Ceará (IPEC). Uma de suas tarefas diárias na profissão era o pagamento de contas em bancos da cidade. Na época, a fotografia era apenas um passatempo. Quando escolhido para realizar pagamentos, partia para o Centro da cidade, sempre acompanhado de sua câmera a tiracolo. Foi em uma dessas tarefas diárias que um acidente de percurso o fez encontrar o fotojornalismo. Ao entrar por engano na Rua Guilherme Rocha, no Centro, se deparou com um assalto ao antigo Banco de Fortaleza, o Banfort. Com a câmera em mão e o fascínio pela fotografia, não poderia deixar escapar um registro daquele episódio que parou a cidade.
Como você pode ver nas imagens, Fortaleza é uma cidade de manifestações e de luta, muito mais que turismo, Praia de Iracema e Beira-Mar
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Aquelas seriam suas primeiras imaQuando comecei gens veiculadas em um jornal: as fonão havia o tos estamparam a capa do vespertino JD - a Coragem de Dizer, extinto jor- devido cuidado nal do jornalista e empresário Dorian com as imagens Sampaio. As imagens correram “ligei- das pessoas em ro”, furando os principais jornais da situações de cidade, como ele mesmo descreve. A vulnerabilidade. partir do episódio, Evilázio largou o Por muitas vezes serviço público e mergulhou de vez no fotojornalismo, onde até hoje desem- me questionei e me senti culpado penha seu trabalho. Embora Evilázio não atue espePassaram-se 30 anos desde o acon- de estar expondo cificamente como jornalista, seus tecido. Hoje, profissional consolida- presos ou mais de 30 anos ligados diretamente do, Evilázio permanece vivendo o moradores de rua ao jornalismo dão a ele propriedade dia a dia da cidade que o viu nascer para falar sobre o assunto abertapara a profissão. Para ele, Fortaleza é um exemmente. Enumera as principais mudanças que tem plo para o Brasil. “Como você pode ver nas imanotado. O cuidado com a exposição de pessoas é um gens, Fortaleza é uma cidade de manifestações e deles. “Quando comecei não havia o devido cuidado de luta, muito mais que turismo, Praia de Iracema com as imagens das pessoas em situações de vule Beira-Mar. Fortaleza é a Barra do Ceará e a Praia nerabilidade. Por muitas vezes me questionei e me do Farol com seus pescadores”, referindo-se à Praia senti culpado de estar expondo presos ou moradodo Titanzinho. res de rua. Naquela época não se tinha esse cuidaRefletindo sobre as principais diferenças na cido, hoje é diferente”, afirma Bezerra. dade, desde que iniciou na profissão até hoje, o foMas, nem só de flores vive o jornalismo. Evilázio tojornalista destaca a violência. “Na minha época, também destaca as dificuldades dos jornais imandava Fortaleza toda a pé com câmera e tudo. Hoje pressos atuamente. “Olha só que loucura. Na mivocê não pode mais se arriscar a isso, não que no nha época, o editor derrubava uma matéria paga meu tempo não existisse violência, mas é compleou anúncio de uma página. Hoje, se o cara fizer tamente diferente”. Segundo ele, a mídia e os proisso, ele perde o emprego. Não que a publicidade gramas polícias também são responsáveis por pronão seja importante, mas desde que trabalhe em pagar o medo na população. sintonia com linha editorial jornalística”, completa o fotojornalista. Para ele não há uma fórmula mágica para fazer ou reinventar o jornalismo, basta seguir o que já é feito há 300 anos. “Acho a maior babaquice essa história de reinventar o jornalismo. Ele está aí e é só fazer como é, o feijão com arroz, ouvir a outra parte e o contraditório”.
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Em defesa da comunicação Antes de qualquer coisa, Evilázio se vê como uma pessoa que defende e luta pelos direitos dos profissionais de comunicação. Sua história à frente dos movimentos em defesa dos trabalhadores é tão antiga quanto seus anos de carreira. “Não sou santo, tenho meus defeitos e momentos de loucura, mas sou um cara que brigo muito pelo direito do trabalhador, principalmente na comunicação”, garante o repórter fotográfico. E uma frase que o define o Evilázio? “A minha melhor foto não é hoje, vou fazer amanhã”.
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GENTIL BARREIR A
O revoar dos pássaros sob a luz da Catedral Metropolitana Sempre buscando inovar e ter sensibilidade ao visualizar uma imagem, ele procura produzir fotos que estimulem a imaginação das pessoas TEXTO Suelen Mendonça | DESIGN Thyago Diniz FOTO Gentil Barreira Cenário para diferentes cartões postais, graças às suas belezas e particularidades, assim é Fortaleza. Praias, praças, igrejas ou mesmo detalhes da arquitetura, sempre atraem fotógrafos e amantes da fotografia de todos os lugares, que buscam por um “clique” ideal da capital da “Terra da Luz”. O fotógrafo Gentil Barreira, autor do livro “Coração Sertão”, escolheu
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uma de suas fotos para representar a cidade e mostrar por meio desta imagem sua interpretação de Fortaleza. A arte de fotografar é apreciada por todos, desde seu primeiro reconhecimento em 1826, com o francês Joseph Niépce, até hoje, com as mais diversas maneiras e artifícios para fazer uma foto. A possibilidade de deixar um momento registrado de
modo físico, além da memória, encanta e torna possível guardar as lembranças. Dentre seus registros, Gentil selecionou um que chama muita atenção. A foto foi feita em setembro de 2016, na Catedral Metropolitana, templo católico e monumento histórico, da Arquidiocese de Fortaleza. No dia em que Barreira capturou a imagem, ele havia saído com
o intuito de fotografar o Centro da ci- O prédio ocupa a maior parte da Praça dade, e passava de carro nos fundos da Pedro II, também conhecida como Praça catedral no momento em que os pombos da Sé, se destacando pela beleza arquivoavam em sincronia. A luz e o cenário tetônica com elementos góticos e româchamaram a atenção do fotógrafo que, nicos assinados pelo arquiteto francês por usa vez, eternizou aquele momento. George Maunier. “Gosto desta foto da catedral, porque a Trabalhar com fotografia é um sonho gente sempre reza para as coisas melho- para muitos. Gentil comenta que essa prorarem por aqui, apefissão nunca foi e nem sar de acreditar que será fácil. Segundo o só rezar não adianta fotógrafo, um erro conada. Esta foto passa mum de quem está cobem isso, ” justifica Gosto desta foto da meçando a fotografar Gentil Barreira, que catedral, porque a é iniciar com pretentem uma relação boa gente sempre reza para são de ganhar muito com a capital cearen- as coisas melhorarem dinheiro. “É preciso se. Ele reconhece as gostar de fazer fotos e belezas locais e compartilha constante- fazer isso por prazer. Dinheiro é uma conmente imagens da cidade em seus perfis sequência do esforço, assim como tudo na na internet. Sua conta no Instagram tem vida”, ressalta. mais de duzentas fotos publicadas e muiAo analisar o mercado para fotógrafos tas delas são de Fortaleza. em Fortaleza, Barreira acrescenta que não O Centro, onde a catedral está localiza- há uma receita para ingressar, ou manda, cenário para a foto selecionada, é um ter-se nele. Mas, confessa que estudar, ter dos locais mais frequentados de Fortaleza. vontade de aprender e ser dedicado, ainO coração da cidade pertence ao roteiro da são grandes aliados. Ele cita situações turístico local e é lá, no Centro, onde es- como entender de física, por exemplo, tão localizados os prédios mais antigos podem ajudar. “Um flash pode quebrar, da capital cearense, incluindo a Catedral uma luz no estúdio pode dar problema, a Metropolitana. gente tem que consertar, né?” Além disso, A catedral foi construída no lugar da Barreira recomenda entender de psicoloantiga igreja da Sé e demorou cerca de gia, por ser indispensável para compreen40 anos para ficar pronta. O monumen- der as pessoas. “Trabalhar com pessoas é to tem capacidade para 5 mil pessoas e difícil, é preciso ter sensibilidade, entensuas torres chegam a 75 metros de altura. dê-las e viver bem. ”
A arte de fotografar é paixão Gentil Barreira viveu parte de sua vida no Sertão, onde fez registros para seu livro “Coração Sertão”. Autodidata, sempre demonstrou interesse pela fotografia, desde a infância. Chegou a cursar arquitetura e urbanismo em São Paulo. Mas, a paixão pela comunicação e fotografia, influenciou o fotógrafo a cursar comunicação, onde aperfeçoou sua arte. Hoje, vive de fotografia e viaja constantemente a trabalho. Para atender aos segmentos de publicidade, moda , arquitetura e retratos montou um estúdio e vem atuando neste mercado até o momento. Apaixonado pelo que faz, revela uma frase que sempre usa: “Eu não fotografo só com a câmera, uso também o coração”.
SERVIÇO Estúdio fotográfico: Rua Rocha Lima, 1707 - Centro, Fortaleza - CE I @gentilbarreira F: Gentil Barreira www.gentilbarreira.com
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GEORGE BR AGA
A foto como elemento social e hobby místico Numa capital frenética, uma história que une o prazer e a arte de fotografar, contrastando com a busca por oportunidades aos profissionais do ramo, tudo sob a pespectativa de um jovem TEXTO DAVY ANDRADE | DESIGN VITÓRIA YNGRID FOTOS GEORGE BRAGA
O personagem da vez é George Braga, 23: negro, jovem estudante, fotógrafo, dedicado, sonhador e que redescobriu o mundo e a maneira de viver através das maravilhas de fotografar. Antenado com seu tempo e tudo aquilo que o cerca, a conciência e análise crítica sempre estiveram presente no discurso de George. Sob suas frases, o singelo ar de serenidade de mais um jovem trabalhador que está se firmando no mercado. E, apesar de toda a mística que costuma marcar o olhar fotográfico, percebe-se algo diferente em George. Por meio da UNI7 (Centro Universitário 7 de Setembro), o jovem começou a tomar
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gosto de verdade em 2015. Paixão que veio por meio de um processo de transição e muita pesquisa. Ele ainda revelou ter estudado fisioterapia, anteriormente, e que procurou pesquisar a fundo sobre a fotografia. Com muito empenho, decidiu-se a respeito do que iria seguir. Mesmo com todas as dificuldades, entregou-se à doce aventura de “clicar’’ e até hoje sente-se grato por isso. Aos que não entendem muito sobre ser um fotógrafo, George deixa claro uma de suas críticas, lembra que na visão de muitos, o simples fato de comprar uma máquina e sair por aí fotografando, torna a pessoa uma profissional do ramo. Para o
universitário, a geração atual está muito presa ao comodismo, peca pelo pouquíssimo conhecimento da área, também. Como afirma, o comodismo parece ser o grande malefício da sociedade atual, que quer ou se acostumou a ter tudo nas mãos, e aqui entram as relações do fotógrafo com a cidade. Com o passar dos anos, o jovem universitário vem focando mais nesse quesito, os pontos mais belos de Fortaleza e, sobretudo, nas praias, onde busca se aperfeiçoar. Em um mercado cada vez mais competitivo, qualquer diferencial pode significar uma conquista, sobretudo um aspecto tão relevante quanto o de conhecer a fundo o “quintal de casa”.
Mercado esse que, cada vez mais, transforma-se em um funil cruel. Com o passar dos anos, a concorrência cresce, as exigências triplicam e as oportunidades não são muitas, o que nunca deixou George desanimado. Ele sempre soube da realidade para a sua área. “A fotografia é um universo gigantesco. A cada dia me apaixono mais por ele”, revela com a frase que deixou explícito o desejo da vida do estudante.
A fotografia é um universo gigantesco. A cada dia me apaixono mais por ele Aprofundando mais, descobre-se que a arte de fazer uma foto e captar momentos não se resume apenas ao achismo, ou o próprio ego. George trata sobre isso, argumentando que o fotografo tem uma arma poderosíssima nas mãos: dar voz ao fraco, ao pobre ao que não tem vez e voz. Além disso, há toda uma didática por trás, filosofia, psicologia, e semiótica.
Deve-se “pensar” antes de “clicar” e, acima de tudo, saber o que você está querendo transmitir por meio dessa ação. Além da base intelectual, o estudante também busca sempre estar melhorando como profissional, pois estreita as relações com a a cidade, onde tanto trabalha. Ele se diz encantado por Fortaleza. Também se alegra por já ter tido a oportunidade de fotografar em locais agradáveis. Tudo isso serviu e serve como experiência extremamente importante. Mas, de todos os locais de Fortaleza, o que mais encanta o profissional, são as praias. Ele afirma trabalhar pertinho da orla marítima e que quase todos os dias marca presença na expectativa de um registro. Interessante no discurso de George é a forma como é possível usar o contraste das cores, principalmente no pôr do sol. Pode-se fazer algumas imagens da lua e de qualquer paisagem do ambiente O contraste de luz é “perfeito”, segundo ele . Todos esses grandes e pequenos detalhes tornam, na visão do universitário, a região praiana de Fortaleza o ponto ideal para captar fotos especiais. Um Hobby gratificante, que não tenha preço
Trabalho e lazer no paralelo das fotos George, 23, cearense, é estudante de Publicidade e Propaganda e também fotógrafo. Há dois anos decidiu-se por esse ofício. Sua paixão pela fotografia começou quando ingressou na UNI7, onde se firmou no curso. Ele cita a moda e os documentários como suas áreas de maior preferência no trabalho, destacando o fotojornalismo. Entre as regiões que frequenta, a praia é sua maior admiração. George gosta de ir a campo, estar perto do fato, do evento, de “sentir”, e registrar, é claro.
Visão periférica da praia da beira mar, pegando o m ovimento, ao entardecer
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IANA SOARES
O ESPÍRITO FLÂNEUR QUE A MOVE PELAS VÁRIAS FORTALEZAS Do envolvimento com o MST à pesquisa sobre a afirmação étnica dos índios Tremembés. Das Ciências Sociais de volta ao Jornalismo, da UFC ao O Povo, um pouco das perambulâncias da jornalista até aqui TEXTO Carlos Holanda | DESIGN Rayanne Aragão FOTOS Iana Soares
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O acaso é amigo, daqueles do peito, das histórias que as três, a mulher, a fotógrafa e a jornalista Iana Soares traz debaixo dos caracóis dos seus cabelos. Escolheu o Jornalismo pela sede de conhecer e contar boas histórias. Pensava que, para isso, seu principal recurso seriam as letras, que formam palavras, que formam frases, que fazem leads, que se desenvolvem e acabam por virar matérias, dessas que se lê todos os dias na fila do pão ou antes de ir ao emprego. Iana nem imaginava o que a luz viria a lhe propiciar como pessoa e profissional.
Exposição “A face desnuda do Maracatu ou uma declaração de amor ao Zé Rainha”
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Ao contrário daquilo que se pode supor, não foi em salas de aula, em que se ouve termos como “lead”, “construção da notícia”, “apuração” e outros termos do gênero que Iana encontrou a luz. São necessários alguns passos - anos - para trás, meados da década de 2000. Iana passou com um semestre de diferença em Ciências Sociais, na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e, em seguida, em Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC). Conciliou os cursos o quanto pôde até largar o segundo em que foi aprovada, mas só por um tempo... Na UECE, tinha uma bolsa de extensão no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Trabalhava vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) com a educação de jovens e adultos, motivo que a levou para Canindé, frequentemente, durante dois anos. Lá, fotografava aquela realidade de modo despretensioso. Na monografia, debruçou-se sobre o processo de afirmação étnica dos Tremembés São José e Buriti, do município de Itapipoca, em meio ao avanço do empreendimento turístico no local. Com uma câmera modelo cyber-shot, distante de ser profissional, continuou a fotografar. Na defesa de sua monografia, fez uma pequena exposição com as fotos feitas: a coisa começava a tomar forma. A sensibilidade de Iana com a luta dos trabalhadores rurais pela reforma agrária acabou por lhe dar um terreno de atuação. Voltou para a UFC decidida. Encontrou a luz! Mais do que isso, descobriu que poderia escrever com ela. E brincar, e trabalhar e criar... E que milhares de possibilidades de narrativa poderiam sair dali. Integrou o Grupo de Estudo da Imagem Técnica (GEIT), onde foi orientada pelo professor Silas de Paula, o seu “mestre ignorante”, como o definiu em um perfil feito para a Revista nº 24, da própria UFC. Faziam fotos pelos vários pontos da cidade. Criança socialmente vulnerável
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Eis que surge uma oportunidade de responsabilidades sobre a imagem do vazias, os objetos que tem na cidade...”, estágio no Grupo de Comunicação O jornal. sente. Povo. O portfólio, deixou debaixo de um E nessa fortaleza que é a capital alenLugar onde o sentimento de pertencidos braços. A coragem foi carina, Iana, embora en- mento transborda? Centro da Cidade. O função delegada ao outenda as várias menções mapa afetivo e comercial está na palma tro. Funcionou. O jornal, à Praia de Iracema como da mão. Vem à mente o brilho das meavalia, foi fundamental Me interessa pensar um dos principais pon- mórias afetivas, das compras que fazia na construção de um tos da cidade, à Ponte com a mãe, do oculista, do Cine Teatro nesses dias normais olhar não pautado soMetálica, ao mar, “que São Luiz, onde assistiu Rei Leão, das fesmente na espontaneidade do momento, realmente encanta”, gosta mesmo das tas no Lions. Sabe onde encontrar essa mas, também, na reflexão sobre o gesto pequenas epifanias oferecidas pelo ba- ou aquela coisa que precisa comprar. fotográfico. Foi estagiária e após um ano nal, de descobrir beleza no que é ordi- Resolve tudo lá. Por óbvio, odeia o tercontratada. A partir daí, repórter foto- nário. “Me interessa pensar nesses dias mo “revitalização do Centro” por dar o gráfica, função que lhe deu a oportuni- normais, o que acontece nessa Fortaleza entendimento de que algo está morto. dade de descobrir as várias Fortalezas – quando parece que não está acontecen- “E não está”, exclama. em 2012, passa a ser editora e a ter mais do nada, sabe? As pessoas na rua, as ruas Iana pensa que a relação do jornalista, seja ele de texto ou de imagem, com a cidade requer um espírito flâneur, que, se para o poeta boêmio francês do século XIX, Charles Baudelaire, era esse que fazia andar pela cidade a fim de experimentá-la, Iana coloca em termos práticos com um verbo afeito pelos cearenses: perambular. “Estar sempre aberto a ser surpreendido”, perambula Iana.
Saiba mais sobre Iana Soares
Ipê em flor na Avenida Domingos Olímpio
Ao lado do também editor Francisco Fontenelle, o “Fonte”, Iana orienta uma equipe de fotógrafos e cuida da imagem do O Povo. Além disso, delega quais as pautas que têm mais necessidade da presença dos fotógrafos. No seu time, conta com os renomados e até mais velhos do que ela: Mauri Melo, 60 anos dedicados ao jornal, sendo 45 deles ao fotojornalismo da casa, além do premiado Fábio Lima. Iana também é mestre em Criação Artística Contemporânea pela Universidade de Barcelona e já teve passagem pelo Porto Iracema das Artes.
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IGOR DE MELO
Tranquilidade em meio ao caos da cidade Como um profissional sensível, concebe com admiração sua cidade natal em um clique fotográfico TEXTO Victor Mendes | DESIGN Mirla Nobre FOTOS Igor de Melo
Foto que concedeu a Igor o terceiro lugar no Concurso Leica Fotografe
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O sol forte tropical deu ao Estado do Ceará o codinome “Terra da Luz” Brasil afora. Com paisagens cinematográficas dentro dos seus 315 mil km2, a capital, Fortaleza, é o espaço ideal para os amantes da fotografia. Mas, cada fotógrafo tem um jeito diferente de ver a cidade. Cada um tem um universo diferente dentro de suas lentes fotográficas. Como é o caso de Igor de Melo, 34, profissional da área que revela como se sente ao retratar o cotidiano: “quando penso em Fortaleza, não me vem na mente um lugar, mas, sim, as pessoas que vivem na cidade. Quem faz a cidade são as pessoas, que nela vivem ou passam. Cada um é uma história singular”. Foi assim, fotografando pessoas, que Igor, em 2013, conquistou o terceiro lugar na categoria Cor do Concurso Leica Fotografe, o maior concurso do gênero no país em número de participantes. A foto ganhadora é de um garoto no canal que divide a Avenida Aguanambi, integrante de matéria feita pelo jornal O Povo na época. Igor tinha sido pautado para fazer uma reportagem sobre trânsito e não estava satisfeito com os resultados até determinado momento. Na foto, é notada a tranquilidade do menino em meio ao caos da metrópole. “Ele percebeu que eu estava batendo foto e continuou brincando. Quando abriu os
braços brincando, foi uma das últimas fotos que tirei dele e foram as que mais gostei”, revelou. Após fazer a foto que ganhou o prêmio, Igor desceu o canal para mostrar ao menino e relatou o momento engraçado que também valia uma foto. “Após bater as fotos do menino, desci o canal e fui mostrar para ele, todo orgulhoso. Depois que viu, ele virou para mim e disse: “Não aparece nem minha cara em nenhuma foto?” Igor disse que a cara que fez nessa hora merecia uma fotografia. “O garoto me lembrou que não temos o controle sobre a obra depois que expomos. Cada um recebe e decodifica de uma forma”. Desde 2013, sempre quando passa no cruzamento ele fica em busca do menino para lhe devolver as fotos e agradecer pelo registro. O interesse pela fotografia começou em Igor ainda em 2003, quando cursava a faculdade de Publicidade e Propaganda e teve em sua grade curricular a disciplina de Introdução à Fotografia. “Quando vi a imagem surgindo na bandeja com os químicos no processo de revelação, fui fisgado na hora e sabia que ali havia algo que mexia comigo”. Quando começou profissionalmente, só tinha as referências de fotógrafos do surfe - esporte que pratica - e do seu professor de fotografia, Jari Vieira. O tempo amadurece a
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Igor também já foi fotógrafo da editoria de esportes
todos. Hoje, Igor é repórter de fotojornalismo da Revista VÓS. Além de fotógrafo é tatuador nas horas vagas. “A tatuagem é algo que admiro desde a adolescência. Tenho muitas no corpo”. E dessa admiração, criou o projeto Siará Tattoo, que busca documentar, por meio de imagens, a história da tatuagem no Ceará. Ele diz que a ideia “estava em uma feira e conheci um senhor de uns 90 anos com várias tatuagens bem antigas. Conversei com ele sobre elas e pedi para fotografá-las. Na hora senti que deveria registrar isso, pois elas são a história dessa cena cearense que hoje é bem forte,
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não pode se perder”. As fotos das tatuagens que têm seus registros são postadas na plataforma de fotos Instagram. Até o momento desta entrevista o perfil @siaratatoo tinha nove fotos documentadas por Igor de Melo. Além de adorar fotografar pessoas, ele busca, em cada foto que fez, passar o sentimento de honestidade. “Tento transmitir para a foto a sensação de honestidade com o fotografado”. Outro sentimento que diz ser fundamental para o processo é o respeito. “Temos que ter respeito tanto pelo fotografado quanto pelo ritual que é a fotografia”, finaliza.
Fortaleza para mim não é um lugar, são as pessoas que moram nela
O perfil de um senhor contador de historias Surfista desde a infância, tatuador nas horas livres e praticante de jiu-jitsu, foi na fotografia que Igor de Melo se achou. É fotografo profissional desde 2008. Já passou pela fotografia de esportes, social, fotojornalismo, documental e autoral. Ainda continua em todas, mas não importa qual for a editoria, poder fotografar gente é seu tema e assunto predileto “. A fotografia de retrato é o que mais gosto de fazer. Os encontros são um grande presente da fotografia para mim”. Ao ser perguntado quem é o fotógrafo Igor de Melo, ele completou “é um trabalhador” uma resposta simples e humilde de um contador de histórias.
Valeria e Rossicleia. Cada pessoa é uma história si ngular
Serviço Para acompanhar o trabalho do fotógrafo e de seu projeto: Igor de Melo I @igordmelo Projeto Siará Tattoo I @siaratattoo
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JARBAS OLIVEIR A
Uma pausa no tumulto da cidade marginal Ele é um fotógrafo que enxerga uma Fortaleza abandonada e entregue ao desassossego. Nas circunstâncias cotidianas, acredita que ainda há como encontrar beleza em meio à negligência TEXTO Karol Saldanha | DESIGN Wesley Galdino FOTOS Jarbas Oliveira Viver em Fortaleza é, de certo modo, um dilema, assim como tentar definir a vida na cidade. Os ciclos urbanos são contradições que apertam a consciência de quem vem de longe e tem que se acostumar. Quando Jarbas Oliveira, 52, deixou para trás a serena relação menino-sertão que tinha com o município onde nasceu, Cedro – a 408 km de Fortaleza –, se deparou com o fervilhão de movimentos sindicais e democráticos em 1985, no fim do regime militar. Descobriu não só a realidade urbana, mas também a vocação para a fotografia. Entre causos e retratos da vida urbanizada, o fotógrafo relata uma visão que expressa certa inconformidade com a capital cearense. “Minha relação com Fortaleza é conflituosa. Acho a cidade feia, mal cuidada, desordenada. Mas a
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Só acho Fortaleza bonita todos os dias no final da tarde. É uma luz bonita culpa não é dela. É de quem cuida. Da gente mesmo”, dispara. Ainda assim, como uma pausa na desordem citadina, cai uma luz na superfície do território fortalezense que parece amenizar suas dores e encantar os profissionais do olhar, inclusive Oliveira. “Só acho Fortaleza bonita todos os dias no final da tarde. É uma luz bonita. Até nos lugares mais detonados. Aquela luz bonita, aquela sombra, aquela luz amarelada”, reconhece. Uma dessas paisagens que transbordam a situação de uma
Fortaleza marginal é a Praça do Ferreira, de acordo com Jarbas. O lugar que já foi batizado de “Coração da Cidade”, hoje convive com o descaso e virou abrigo de centenas de pessoas em situação de rua. Entretanto, em certo momento em que Oliveira lançou sua lente sobre a praça, conseguiu capturar um fenômeno tão brando quanto o amarelo do fim da tarde. A inocência e a simplicidade de garotos que corriam e brincavam ao redor do relógio, sem nunca terem vivido os dias pulsantes da Praça do Ferreira, deslocaram a marginalidade do ambiente por alguns instantes, trazendo o imaginário da infância e suas cores para o local. O acontecimento chamou a atenção do fotógrafo, que registrou a ocasião. A imagem ilustrou a obra “O Livro das Horas da Praça do Ferreira”, lançada em 2008
A imagem de um dos meninos foi publicada na obra “O Livro das Horas da Praça do Ferreira”, de José Mapurunga
É uma relação conflituosa. Eu tenho medo mais queria fotografar mais com textos de José Mapurunga. As palavras e fotografias do livro abordam o cotidiano do Centro e todas as figuras que fazem (ou faziam) parte da movimentação diária daquele espaço. Dentre elas se destaca o poeta Mário Gomes, que trazia consigo a reclusão social e o sentimentalismo lírico por meio de sua linguagem. Os ossos do ofício fotográfico em Fortaleza também marcam bastante o trabalho de Jarbas. Para ele, um dos grandes desafios de fotografar a capital é ter que coexistir com a violência que amedronta os cidadãos diariamente. “Tenho medo porque já fui assaltado à mão armada na calçada do Palácio do Governo. Se até mesmo ali tem assalto, é porque isso existe em qualquer lugar”, comenta. Por conta da onda de violência na cidade, levanta a questão de circular com os equipamentos – que são caros – pela cidade. Por outro lado, a fotografia
através de celulares tem crescido. Jarbas fala que já teve foto de celular que virou capa da revista VEJA Fortaleza. “É uma relação conflituosa. Eu tenho medo, mas queria fotografar mais”, revela. Apesar da inquietação com a realidade de Fortaleza, Jarbas acredita que a fotografia possui um papel capaz de transformar e diz já ter realizado trabalhos que ajudaram a mudar a vida de comunidades. Ele cita uma palestra do fotojornalista Yan Boechat, que já cobriu conflitos na Síria e Venezuela, na qual relata que suas fotos não mudam a situação do país porque as pessoas continuam a fazer as mesmas coisas. Oliveira discorda do colega. “Já aconteceram coisinhas pequenas nos jornais daqui, de você ir num lugar falar do esgoto, e quinze dias depois as coisas mudarem, sabe?”. O jornalista comenta uma experiência de cobertura sobre bons resultados em educação para o jornal O Globo e a forma como aquilo se refletiu. “Isso repercute de tal forma que acaba criando uma rede extensa de informação. Só o fato de sair num jornal grande e depois na internet, a professora já foi convidada para dar uma palestra no Rio de Janeiro e aquilo ali se multiplica”.
Do Sertão Central para a vida alencarina Jarbas iniciou sua conexão com Fortaleza quando foi estudar Agronomia na capital cearense, por influência da vida no campo e da família de agricultores. Após os primeiros trabalhos como fotógrafo, percebeu que essa era sua vocação e decidiu cursar Jornalismo. Hoje, atua como freelancer e já teve trabalhos publicados em grandes jornais e revistas do Brasil. Afirma que prefere registrar retratos porque existe um caminho até esse clique. É um processo de aproximação, um encontro com o universo do fotografado.
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JARI VIEIR A
A visão de Fortaleza pelos olhos de um juazeirense
Apesar de nunca ter esquecido sua cidade natal, foi na capital cearense que o fotógrafo adquiriu seu conhecimento sobre a fotografia e passou a compartilhar com outras pessoas TEXTO Erika Chagas | DESIGN Matheus Castro FOTOS Jari Vieira
Uma visão privilegiada de um dos principais pontos turísticos, a Beira Mar
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para seus alunos que a fotografia é algo Nascido em Juazeiro do Norte, simples, apesar de ser um campo muito na Região Metropolitana do Cariri, Jari vasto dentro da comunicação. E tenta Vieira, 38, se mudou para Fortaleza ainpassar também a diferença entre bater e da criança. Com apenas 8 anos se viu deitirar uma foto. Fazer uma foto, de acorxando suas raízes para acompanhar seus do com Jari, é você apenas apertar o boirmãos mais velhos para a capital, e foi tão da câmera ou do celular. Já fazer uma aqui que ele encontrou a fotografia na foto, é pensar em várias outras coisas. “É sua vida. Apesar dela estar presente em preciso pensar na composição, no ângulo sua história desde que nasceu, o fotógrae na informação que está na foto”, comfo e professor universitário só descobriu pleta o professor. seu amor por ambas as profissões duÉ essa visão que ele, como fotógrafo, rante a sua graduação em Comunicação tenta passar nas suas fotos de Fortaleza. Social, na cidade de Fortaleza, a que deApesar de cada foto ter dica um carinho especial. uma mensagem diferente, Vivendo na capital ceano geral, Jari tenta reverense há exatos 30 anos, ele lar o seu olhar e sua visão diz que Juazeiro foi e continua sendo fundamental É preciso pensar sobre o mundo, dentro da capital. Seu objetivo nas na base da sua formação na composição, fotos realizadas na cidade como pessoa. Quando ain- no ângulo da criança pôde absorver e na informação é mostrar para as outras a cultura popular da reque está na foto pessoas certas coisas que normalmente passam desgião, influenciando direpercebidas aos olhos. Algo tão simples tamente na sua personalidade. Mas, foi como uma gota d’agua em uma janela ou em Fortaleza que aprendeu a ser profisuma mulher sentada em uma calçada, sional, tanto fotógrafo quanto professor apoiando os braços. Jari conta que, em universitário. geral, o fotógrafo quer mostrar aquilo Desde pequeno teve sua vida ligada à que nem todo mundo percebeu. E seu fotografia de algum modo, como narra objetivo é causar uma certa surpresa. ao recordar com carinho as primeiras Mostrar para as pessoas, uma coisa que lembranças que tem da fotografia em sua já conhecem, mas que, por algum motivida, quando sua mãe procurava um fotovo, não perceberam como ele percebeu. grafo de Juazeiro para tirar fotos suas e ele As fotos que mais marcaram profisacabou absorvendo isso de algum modo. sionalmente o fotógrafo foram tiradas “A fotografia está na minha vida desde no Centro de Fortaleza, sendo uma deque nasci, então acabei me envolvendo las para a 1ª edição da revista Matéria nisso”, finaliza. Prima, quando o coordenador do curApesar de ter feito vestibular para diso pediu uma foto que mostrasse as versos cursos, foi na Comunicação que gerações que frequentavam o Centro Jari entendeu que aquele era o seu camida cidade. Jari confessa, por conta da nho. Como professor, tenta transmitir
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insegurança, que sente falta da liberdade de poder pegar a câmera e sair pela cidade para fazer fotos. Por isso, no dia a dia, faz a maior parte de suas fotos no celular, por ser um aparelho pequeno e de menor custo, comparado a uma câmera profissional. O que mais chama sua atenção é a cidade como um todo, tanto as pessoas que a habitam como a cidade em si. E é isso que tenta mostrar. Jari destaca que não sabe se suas fotografias conseguem mostrar a real Fortaleza, mas cita uma frase do fotógrafo francês, Robert Doisneau, para explicar seu objetivo: “não faço foto do mundo como ele é, mas sim, como eu gostaria que fosse”, e acredita que o mais importante é ver a beleza em algo que as vezes a olho nu não é percebida.
O caminho percorrido pelo jovem de Juazeiro Jari Vieira, 38, fotógrafo e professor da UNI7 (Centro Universitário 7 de Setembro). Saiu de Juazeiro do Norte ainda criança, com apenas 8 anos, mas leva até hoje a cultura da região consigo. Por volta de 1986 se muda para Fortaleza com os pais e os irmãos mais velhos. É o caçula de quatro irmãos, filho de um bancário com uma professora. Sempre gostou muito de arte, mas foi só durante a sua graduação em Comunicação Social que descobriu o amor pela fotografia. Além de fotógrafo, Jari também é professor nas principais faculdades de Fortaleza.
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A imensidão da Beira Mar é democrática: abraça a diversidade social da cidade
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KID JÚNIOR
O crescimento de Fortaleza como cidade, representado pela muralha de prédios
Fortaleza apresentada pela escrita da luz A cidade retratada de outra forma, por meio do visual, por um profissional de fotojornalismo. Exibindo sua visão sobre ela, opinando a respeito de assuntos relevantes e falando de seu histórico. TEXTO Gabriel Rodrigues | DESIGN Wesley Galdino FOTOS Kid Júnior
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A fotografia se faz presente em di- passando a noite toda no centro da ciferentes momentos da vida, seja para a dade. Quando o dia estava amanhecencaptura de momentos importantes, do- do, teve a ideia de ir para a antiga estacumentos de identificação, ilustrações ção João Felipe. Subiu no muro e fez a de livros e afins. No jornalismo não é di- foto de uma multidão saindo do local. ferente. A imagem ajuda a compor o tex- Posteriormente, o editor viu a imagem to e, na maioria das vezes, é a razão pela e disse: “A partir de hoje, você vai ser requal o leitor lê a matéria. Ao observar pórter fotográfico”. uma gravura que lhe chama a atenção, Fortaleza, além da violência, se mostra por exemplo, a pessoa vai procurar sa- um mercado difícil para os fotógrafos lober o motivo e o contexto daquela ima- cais, de acordo com Júnior. “Vejo de dois gem aparecer ali. Esse é o emprego de aspectos. Um crescimento absurdo como Sérgio Cunha, mais conhecido como Kid cidade, e, junto disso, a violência”. Por só Júnior, 56, repórter fotográfico do Diário ter dois grandes jornais em Fortaleza, os do Nordeste, que iniciou a carreira como profissionais não conseguem espaço fixo laboratorista, revelando fotos, filmes, para trabalhar e não encontram fonte ampliando os coloridos e os de renda garantida. “Quem que eram em preto e branco. tá empregado, tá beleza. O trabalho do fotógrafo Quem não tá, se vira como não é só capturar uma imafreelancer, alguma coisa. gem. Ele tem que pensar em A cada pauta Mesmo assim tá difícil com como fotografar, de acordo que trabalho, essa crise”, afirma Júnior. com a pauta que recebe, es- é como se fosse No quesito de fotos mecolhendo bem o ângulo, o moráveis, Júnior possui váa primeira vez elemento humano. “Achava rios prêmios que justificam legal, sabe, começar a copiar as fotos, a essas imagens. Já ganhou prêmio interno querer entender a linguagem da fotogra- do O Povo, do presídio, em uma rebelião; fia. Sempre perguntava aos profissionais, possui dois Prêmio Gandhi, sobre adoe eles tiveram muita paciência de me ex- ção de crianças e outro sobre arte cirplicar tudo que sei hoje”. cense; um da OAB; foi finalista nacional O apelido de Kid Júnior surgiu em uma do HSBC, com uma matéria sobre seca, brincadeira no jornal O Povo, quando era onde um fazendeiro via o gado morto, e, laboratorista. Estava sempre a cantar a no Diário já ganhou sete geladeiras, prêmúsica Fuscão Preto, e os repórteres mio interno da melhor foto do mês, além fotográficos começaram a chamá-lo de das menções honrosas. “São 30 anos deKid Cantor. “Na época, não gostava, fi- dicados ao fotojornalismo. Adoro minha cava com raiva”. Durante esse tempo, fez profissão e espero que Deus me dê mais uma viagem para Itaiçaba, onde estava 100 anos pra continuar exercendo”. acontecendo uma enchente. Fez uma E o fotógrafo termina com uma lição foto do acontecido e saiu na revista Veja para todos os profissionais envolvidos. com o nome de Kid Júnior. E uma das pri- “A cada pauta que trabalho, é impressiomeiras saídas que fez para o jornal foi de nante. É como se fosse a primeira. Como esporte, colocando o mesmo nome, en- se tivesse aprendendo ainda, tá ententão seus amigos falaram: “Pegou! Agora dendo? É por isso que no fotojornalisvai deixar como Kid Júnior”. E até hoje mo, você tá na crista da onda. Se passa a o mantém. onda e você cai, você fica. Ou você acomSua transição de laboratorista para fo- panha o desenvolvimento ou então fica tógrafo foi quando, um certo dia, estava pra trás”, reflete, mostrando que nunca é havendo greve de ônibus em Fortaleza. tarde para aprender mais, quando se faz Júnior saiu à caça de alguma pauta, aquilo que gosta.
Fotografia e história: a união com Kid Júnior José Sérgio da Cunha Júnior tem 56 anos e assina como Kid Júnior. Iniciou a carreira no jornal O Povo, em 1982, como laboratorista. Passou a ser repórter fotográfico em 1984. Saiu do jornal em 1987. Em 1991 foi editor de fotografia na Tribuna do Ceará e em 1998 foi para o Diário do Nordeste, onde continua até hoje. Antes de ir para o jornal O Povo, trabalhava em uma livraria e queria ser fotógrafo de voo, fazendo até curso. Sua primeira ex-mulher tinha uma irmã que era chefe de departamento, juntamente com Chico Albuquerque. Ela é a responsável por levá-lo ao jornal. Fortaleza exposta como selva de pedra
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NELY ROSA
As gerações que o Passeio Público carrega Fotografia e percepção: o que pode captado através de uma câmera, em lugar como a Terra do Sol e seu povo TEXTO Camilla Rodrigues | DESIGN Wesley Galdino FOTO Nely Rosa
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Fortaleza, com seus 291 anos de existência, carrega em seu brasão o significado de força. Como a maioria das cidades do país é rica não só de belas paisagens, mas, principalmente, de gente. Para a fotógrafa e publicitária, Nely Rosa, 51 anos, a Cidade da Luz é mais do que apenas capital do Ceará. É seu lar. É onde nasceu e vive a sua história, sua fotografia, sua paixão. O entorno da Praça dos Mártires ou como é conhecido pela maioria, Passeio Público, é um lugar de grande importância em Fortaleza para a fotógrafa. Construída em 1890, o local onde hoje é a praça presenciou a execução de cinco revolucionários brasileiros da Confederação do Equador, em 1825. Com o passar dos anos a Praça dos Mártires sofreu diversas reformas. Em uma delas, a arquitetura do patrimônio foi inspirada no Passeio Público do Rio de Janeiro. Sendo a praça mais antiga da capital cearense, a região já presenciou muitas Fortalezas. Para Nely, esse é o grande motivo da fotografia do Passeio Público e sua vizinhança ser tão marcante: a diversidade histórica que ele carrega. “Eu não vou escolher uma foto que todo mundo faz, no sentido de ser bonito. Essa é uma Fortaleza antiga e uma Fortaleza nova”, explica a publicitária. A Praça dos Mártires e seus arredores já foi o lugar de pessoas com grandes
riquezas, mas também já foi lugar de pobreza. Já foi local de lazer para famílias, mas também ponto de prostituição e de tráfico de drogas. Já teve em seu interior bares, restaurantes, cafés, entre outros. E o que a diferencia, segundo a fotógrafa, é que essa imagem para muitos pode ser apenas uma foto comum, mas para ela lhe remete a memórias dos seus anos vividos em Fortaleza.
Já foi importante, já perdeu a importância... e isso é muito emblemático “O Passeio Público continua lá, vendo Fortaleza em torno dele se modificar, tentando se renovar. Já foi importante, já perdeu a importância... e isso é muito emblemático”, conta Nely sobre a sua escolha da fotografia. Ela explica que cada pessoa vê a cidade de forma única e que a arte de fotografar também é isso. O olhar dela em suas lentes vai além de fotos da praia, quando se trata de ver a transformação por ela vivida, apesar de ser uma amante do mar. A publicitária se preocupa com a falta de segurança que vem se instalando na cidade. Se autodenominando uma mulher muito urbana, Nely percebe a perda
do contato, da prosa e de história que ocorre em Fortaleza. “Acho que a nossa cidade é feita de pessoas, não de monumentos, de terras, de casas. Pra mim, Fortaleza é uma cidade sem memória, porque o que é uma casa hoje, amanhã será um estacionamento e isso é muito triste. Ela é feita de pessoas que deixam rastros, como dizia minha avó”, desabafa Nely sobre a situação atual da capital e um dos motivos de ter se tornado mais caseira. Apaixonada por gente e por fotografia, sempre preferiu fazer fotos de pessoas. Cercada de amigos, ela fala que eles são exemplos de pessoas que, de alguma forma, fizeram um trabalho. A publicitária lembra com carinho de coisas que viveu e conquistou com seu trabalho, como, por exemplo, os amigos que ela cultivou durante toda sua jornada. Em especial ter se tornado amiga pessoal de Arnaldo Antunes, músico que ela sempre admirou. “A fotografia me trouxe coisas maravilhosas. Foi ela que me fez chegar até ele”, acrescenta Nely. Como admiradora da Terra do Sol, a fotógrafa trabalha com sua paixão, a fotografia, há 27 anos, mas a conhece desde que se entende por gente. A arte de fotografar é o oxigênio de Nely, é o que lhe motiva, a grande afinidade que ela tem com a câmera. “Ele é meu ofício, é minha cachaça, é minha paixão”, reconhece.
A arte da fotografia e a artista Nely Rosa Filha de fotógrafo e irmã de fotógrafo. Nely nasceu vivendo a fotografia. Em casa, cada dia do primeiro mês de vida foi registrado pelo pai, José Rosa, seu grande mestre. Mas, mesmo com tanta admiração, ela não queria ser comparada ao pai em sua arte. Formada em publicidade, Nely não quis seguir carreira na área e apenas aos 25 anos começou a fotografar profissionalmente. Após 20 anos de fotografia, Nely decidiu trabalhar para si. Abriu sua galeria chamada Mestre Rosa, em homenagem ao pai.
Galeria Mestre Rosa Funcionamento: Segunda à sexta, das 8 às 20 horas Rua Ana Gonçalves, 342, São João do Tauape. T (85) 99639-1080 F Galeria Mestre Rosa
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RICARDO SCHMITT
Um carioca atraído por
Fortaleza
Ao invés de esperar uma oportunidade, ele criou seu momento enquanto fotógrafo. Teve o reconhecimento merecido durante a realidade cruel que se deixava passar sem perceber, diante das belas praias do Ceará TEXTO Carina Barreira | DESIGN Wesley Galdino FOTO Ricardo Schmitt
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Cearense por adoção, nascido no Rio de Janeiro, Ricardo Schmitt, 68, é jornalista, fotógrafo e documentarista. Antes de fincar suas raízes em alguma cidade, no litoral do Nordeste, veio até três vezes a Fortaleza, por curtas temporadas. Foi em um destes períodos que o carioca escolheu a capital cearense para morar e, há 40 anos, foi abraçado por todo o Ceará. Em 50 anos de profissão, foi no interior cearense, enquanto fotojornalista, que viu a chance de crescer e ser reconhecido por seu talento. Foi entre 1979 – 1983, quando Ricardo se deparou com
a seca, a desnutrição e o descaso com o Nordeste. Em suas palavras: “Para sair alguma reportagem no jornal do Ceará, era preciso cair um avião” Ricardo esteve por trás da fundação do Iprede - Instituto da Primeira Infância. Com mais duas amigas, recolhiam crianças dos hospitais para tratamento de quatro a seis meses, por conta da subdesnutrição. Naquela época, a situação das crianças era cíclica, pois se tratavam de famílias sem recursos financeiros para mantê-las saudáveis.
A coisa mais incrível que aconteceu comigo foi ter vindo morar no Ceará Como tinha vínculos com revistas nacionalmente reconhecidas, Ricardo encaminhava sugestões de pautas e fotos de algumas das situações presenciadas. Foi assim que surgiu “O desejo da adoção”. Famílias eram sensibilizadas com as matérias publicadas e adotavam outras famílias, já que não conseguiam oferecer saúde de qualidade e todos sofriam com a desnutrição. Foi com ações como esta, que os índices de mortalidade infantil começaram a cair no Ceará. A decisão de morar em Fortaleza foi durante uma conversa com amigos na beira mar de Fortaleza. “Vim para o Ceará com a cara e com a coragem, pensando em passar uns seis meses. Nos primeiros já pensei: ‘Não vou mais embora daqui de jeito nenhum’”, acrescentou o fotojornalista. Quando se deparou com pessoas que tiravam água que não tinham, para oferecer café, - que segundo Ricardo, “Estava uma maravilha!”-, a partir de tal sensibilidade, se viu na obrigação de escrever matérias e matérias, buscando ajuda do governo para acabar com a miséria, e ainda lembrou: “Seca: uma palavra que parece que as pessoas tinham medo dizer”. Ao chegar a Fortaleza, se deparou com um obstáculo profissional em relação às
dificuldades como fotógrafo. “Quando cheguei aqui não havia suporte técnico, em relação à própria chegada de produtos. Para um fotógrafo, tudo era muito difícil para resolver. Era preciso ajuda do Rio de Janeiro e São Paulo, para equipamento. Faltava autonomia de trabalho. Tudo a gente tinha que dar um ‘jeito’ para resolver. Era uma realidade bem cruel”, recorda. Embora tenha passado por uma série de contratempos durante suas viagens ao interior do estado e também na capital, o fotojornalista diz como um cearense nato: “Não sei se só Fortaleza, mas o Ceará modificou a minha vida completamente. Eu era um fotógrafo comum no Rio de Janeiro. Foi Fortaleza e o Ceará, em si, que me fizeram ser quem eu sou hoje. A coisa mais incrível que aconteceu comigo foi ter vindo morar aqui no Ceará”, reconhece.
50 anos de experiência e muita água para rolar Ricardo Schmitt já teve seus dias como free lancer. Também passou por redação de jornal, foi convidado por fotógrafos de ponta, trabalhou em estúdios e, depois de muito esforço e dedicação, montou o seu onde estava abrindo portas para o mercado publicitário e fotografando novas modelos. No momento, Ricardo está trabalhando, junto com uma amiga, na construção de um blog fotográfico.
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SIL AS DE PAUL A
Uma cidade
SOLAR O fotógrafo “cearense”, natural do Espírito Santo, fala de sua história com Fortaleza, cheia de movimento, que apaixona quem a vê e intriga quem vive aqui, e como se apaixonou pela fotografia TEXTO Luana Érica | DESIGN Wesley Galdino FOTOS Silas de Paula
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Conhecida como Cidade do Sol, Fortaleza vem transformando sua paisagem natural por construções imobiliárias e arquitetônicas. As paisagens naturais estão contracenando com os prédios e viadutos, e a cidade vai ganhando outro cara. Cada pessoa carrega consigo suas próprias particularidades da cidade, do leste ao sul. Fortaleza é vista sob vários olhares, cada ponto da cidade há uma luz diferente para fotografia. Diante de tantos olhares, começa o bate-papo com Silas de Paula, fotógrafo nascido no Espírito Santo, que já se considera cearense, pois vive em Fortaleza há mais de 40 anos. Chegou à cidade em
1972 como mochileiro, vendia artesanato e morava no Castelo Encantado. Logo depois, o produtor da agência publicidade Terraço Com. e Marketing soube que ele fotografava e lhe chamou para fazer free lancer. Foi a partir daí que começou sua carreira como fotógrafo e, desde então, não parou mais, e por aqui mesmo ficou. Suas fotos já viajaram o mundo e já percorreu quase todo o país. Ele tem a cidade como aconchego. Suas fotografias revelam o cotidiano do povo com um toque de afetividade. Para ele, as cidades turísticas são compostas por marcos referenciais nas quais costumamos visitar; o Centro da cidade, o Theatro José de
Alencar, a Praça do Ferreira, os Mercados. São esses marcos da cidade, e é deles que saem suas inspirações. Com reflexões teóricas e um olhar contemporâneo, Silas vê Fortaleza com um
O centro é um lugar caótico e, ao mesmo tempo maravilhoso olhar humano e crítico. Entretanto, o que lhe agrada mesmo é o cotidiano da cidade. Já o lado crítico, meio político, militante da cidade, é o que ele quer que as pessoas percebam, porém muito afetivo.
“Para mim esses dois lados brigam. Eles têm que ser vistos. Quando desenvolvo um projeto, geralmente, ele tem um lado conceitual muito forte. É uma ideia teórica que tem que se adequar às imagens que eu faço, ou as imagens têm que se adequar aos meus projetos teóricos.” Atualmente somos bombardeadas por várias informações, cada pessoa, com seu smartphone, produz suas imagens, e por meio dos aplicativos, são criadores imagéticos dessa nova urbe. A fotografia tem um impacto forte. Muitas vezes a foto não contextualiza o processo, ela precisa ser acompanhada texto. O poder da fotografia consegue expressar, emocionar e comover, de acordo
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com o ponto de vista do fotógrafo. A foto do menino sírio que morreu na praia, é um exemplo disso. É uma imagem impactante que retrata a situação das guerras naquela região. Para Silas “ela não resolve, essa é a questão. Mas impacta o mundo de tal maneira que faz com que a gente pense sobre essas questões, e isso é fundamental. A fotografia estando bem contextualizada pode transmitir de fato aquilo que ela apresenta”. Fortaleza apoia os fotógrafos a sintetizar essa imensidão de coisa que é nossa cidade para os cearenses. Silas tem um olhar muito afetivo da cidade. Suas fotos são representações de como ele ver a cidade. “Em alguns momentos tenho um
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olhar muito zangado com a cidade que vivo. Então, dependendo do meu estado de espírito, e de onde estou vendo, tenho
O centro da cidade. Acho que a urbe está exibida lá, e carrega muita história um olhar mais crítico e mais zangado sobre a cidade, que me afeta de alguma maneira. O lado ruim que ela tem, como grande metrópole e todos os problemas que uma cidade tem, mas por outro lado há o cotidiano de Fortaleza, das pessoas que eu gosto muito.”
Silas diz: “a fotografia e o jornalismo andam juntos. Se forem bem casados, formam um par perfeito. A fotografia e o jornalismo precisam de uma postura crítica e bem contextualizada. Se houver esse casamento, vamos ter uma informação mais clara e concisa”. Ele ressalta a frase de Didi Hurbeman: “a perversão não está na coisa, a perversão está no olhar.” E completa: “você pode achar uma foto violenta, mas, se não divulgá-la, pode esconder tudo. O Rui Barbosa queria esconder a escravidão debaixo do tapete, isso apaga a história”. Para Silas, a fotografia tem hoje, com a tecnologia, o poder de fazer qualquer coisa. E, por isso, todo mundo faz fotografias.
Um olhar para pessoas e as percepções da vida Serviço: Doutor pela Universidade de Loughbourough, Inglaterra, Silas de Paula é professor aposentado do Curso de Comunicação e do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Ceará – UFC. Foi co-fundador e diretor do IFoto – CE, participou da organização e da curadoria de todas as mostras do DiVerCidade em Fortaleza. Tem dois livros, fez exposições no Brasil e no exterior, ganhou alguns prêmios e textos publicados em revistas científicas e jornais. Atualmente coordena o Museu da Fotografia de Fortaleza. Tem no Centro seu grande estúdio de experimentações, captando as percepções das pessoas no vai e vem contínuo de vidas e sentidos.
Museu da Fotografia R. Frederico Borges, 545 - Varjota T 3017-3661 Quarta a domingo, das 12h às 17h Ingresso: R$ 10,00 Gratuidade: menores de 18 e acima de 60 Quarta-feira grátis para todos (cortesia da Simpex Incorporações)
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TATIANA FORTES
De produtora à fotojornalista Fotógrafa por inspiração e jornalista por decisão. Tatiana faz arte no jornalismo, registrando a realidade de Fortaleza. Seja em periferia ou em bairros nobres, sua paixão é fotografar pessoas TEXTO Ariella de Sá | DESIGN Gerson Barbosa FOTOS Tatiane Fortes
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Produtora há onze anos em cinema e vídeos, Tatiana Fortes decidiu estudar jornalismo e mudar sua carreira profissional. Ela conta que foi muito complicado a transição de um meio para outro totalmente diferente, justamente porque já estava estabilizada. Tanto financeira como profissionalmente, não foi nada fácil. De profissional à estagiária, logo foi contratada pelo jornal O Povo, seguindo seus passos como profissional da área. Sua formação no Jornalismo foi muito difícil de ser concluída por causa do trabalho e afins. Chegou a trancar a faculdade por dois anos, fazer poucas cadeiras por semestre... Prolongando o tempo de sua formação. A jornalista afirmou que escrever nunca foi seu forte. Escrevia bem, mas não era o que queria fazer profissionalmente. Queria contar histórias, mas não por meio da escrita. Sem saber segurar uma câmera direito,
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média alta em suas residências, noutro em bairros simples, sentindo realmente a realidade da cidade, presenciando gente de verdade, que sente na pele as Nada melhor do que dificuldades da vida e que sabe o real pessoas como essas para significado de problemas e dificuldades. estarem nos lugares “E nada melhor do que pessoas como esonde representam algo sas para estarem nos lugares onde repara mim presentam algo pra mim, humanizando a fotojornalista confessa que se inspirou os momentos registrados”. em seu pai, fotógrafo, seu maior incenSeu trabalho tornou-a “fria” e ao mestivador. Descobriu que fotografar fatos, mo tempo mais humana com as pessoas. pessoas, paisagens, contar acontecimen- Porque ao mesmo tempo que tem gente tos através de imagens, era o que que- querendo passar por cima de você tamria para sua vida e continua querendo bém tem gente ali que não quer nada em até hoje. troca, mas, que vive uma vida medíocre, Tatiana ressaltou várias vezes que disse a fotojornalista. E essas pessoas ama o que faz, ama contar histórias e, que fizeram-na enxergar a realidade da principalmente, registrar pessoas. É a nossa capital cearense. A situação da sua paixão, é o que dá forças e vontade maioria da população, como vive, como para continuar todos os dias de traba- leva a vida. “Só vendo de pertinho, conlhos e desafios. Glamour não existe. Um vivendo, que conseguimos ter noção da dia é fotografando pessoas de classe situação”.
A Barra do Ceará, encontro do rio com o mar, lugar que é ícone de Fortaleza, onde as pessoas adoram frequentar a praia ou até mesmo admirar a paisagem na travessia pela ponte, Tatiana particularmente tem um sentimento especial pelo lugar. Longarinas, antiga ponte, ponte metálica... tudo repesenta felicidade para a jornalista. A Praia de Iracema é, acima de tudo, um lugar de resitência. As pessoas que vivem entorno da praia consomem e frequentam muito esse lugar, não só da comunidade do Poço da Draga mas como pessoas de outros bairros de Fortaleza que
passaram a frequentar o local. Além de representar lazer/felicidade para Tatiana é um lugar que representa resistência. Sabiaguaba é outro local de resistência, com uma vida e uma cor fora do comum. Tem sido difícil para os moradores por conta da preservação ambiental. Uma das atrações do lugar é subir a duna para assistir o espetáculo do pôr do sol. E nada melhor do que essa criança, que mora na região, para representar esse momento, subindo a duna e ao mesmo tempo levando sua bola de futebol, esporte nacional que é muito comum nas comunidades,
Jornalista por opção na arte de fotografar Tatiana iniciou sua carreira na produção de TV, antes mesmo de pensar em começar uma faculdade de jornalismo. Onze anos da sua vida foram dedicados à produção de comerciais, cinema e documentários. Atualmente, fotojornalista do jornal O Povo, no qual atua também como produtora de webdocs. Filha de fotógrafo, a fotografia sempre foi muito presente na sua vida. Logo após desistir da sua carreira como produtora resolveu estudar e se aprofundar na arte de fotografar.
onde passa a ser refúgio da realidade para esses moradores. São três fotos, momentos e três diferentes lugares que Tatiana sente um carinho e sentimento especial. Muito mais do que o seu modo de visualizar a cidade, mas sua visão sobre uma Fortaleza diferente, com pessoas reais, que vivem àquela realidade. Seu trabalho, sua vida, histórias e realidade. Vários aspectos em uma imagem só. Essa é a visão da fotojornalista sobre nossa Fortaleza, lugares que muitas vezes esquecemos de olhar e muito menos de ter a noção da sua realidade.
SERVIÇO Jornal O Povo: Av. Aguanambi, 282, José Bonifacio, Fortaleza - CE T (85) 3254-1010 Tatiana Fortes: T (85) 9908-0834
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Quando migrei para esta Fortaleza, vindo do município de Monsenhor Tabosa, descobri que as ruas, embora em outra dimensão, eram semelhantes às ruas de todas as cidades que conhecia. Eram poucas, àquela época. O diferencial, a imagem que sempre “chocou” foi, e ainda é, o conjunto arquitetônico do Cineteatro São Luiz e a Praça do Ferreira. Esta foto da praça, portanto, emoldurada pela porta do cinema, ainda é uma imagem que desde 45 anos atrás ainda me emociona” Alcides Freire, fotógrafo, trabalha na Assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal da Educação (SME)