Memória em Pauta #2 (2019.1)

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2019.1

O olhar por diferentes lados


Na Matéria Prima #19, você encontrará a história de pessoas de outros lugares que descobriram em Fortaleza e no Ceará um lugar para viver e amar. Leia em quintoandar.uni7.edu.br


Reitor Ednilton Soárez VICE-REITOR Ednilo Soárez PRÓ-REITOR ACADÊMICO Adelmir Jucá PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Henrique Soárez Coordenador do Curso de Jornalismo Margela Lima

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Coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda Nila Bandeira

issuu.com/npjor/docs Editor Chefe Miguel Macedo

Projeto Gráfico Humberto de Araújo & Julia Havt Direção de Arte Humberto de Araújo Estagiários do núcleo de design editorial Aldemir Neto & Lara Silveira Editorial Carlos Holanda COLABORARAM NESTA EDIÇÃO texto  Bianca Kethulen, Carlos Holanda, Eduardo Almeira, Erika Chagas, Gerliane Viana, Iara Fontes, Juliane Cavalcante, Khelvya Carvalho, Lya Cardoso, Marcela Benevides, Paloma Negreiros & Vitória Barbosa diagramação  Lara Silveira

Publicidade e Propaganda

Caro leitor, Reportar um pensamento sobre o processo de feitura do Jornalismo. O alvo da revista MEMÓRIA EM PAUTA foi, desde o início, um tipo de imersão que pudesse alcançar os porões da atividade. Que conseguisse estampar, nessas páginas, emaranhados de reflexões que resultaram e ainda resultam no que é consumido em jornais impressos, televisões e rádios, mas que, ao mesmo tempo, não fazem parte do que é veiculado cotidianamente. Foi possível que isso se materializasse por meio da escuta atenta dos donos das diferentes percepções sobre o mesmo assunto. Aqui, aparece quem registrou e construiu a história pelo texto, pela imagem, pelo vídeo ou pelo som. Quem esteve atento ao dinamismo e aos segredos do poder público, da cidade de Fortaleza, da produção cultural e do futebol. Espalhados, treze alunos-repórteres reuniram esforços para sugar de oito profissionais, os da chamada ‘velha-guarda’, o máximo que eles poderiam fornecer de respostas. O caminho entre revista e leitor - e vice-versa - foi pavimentado pelo projeto gráfico cuidadoso do professor Humberto de Araújo e Julia Havt, com a diagramação da estudante Lara Silveira. Daí surgiu memórias, causos e avaliações sobre a produção jornalística do passado, por vezes em comparação com a prática do presente. Na esteira disso tem-se, principalmente, a reafirmação de valores atemporais que regem a profissão. Comportamentos que pedem, como se fossem mantras, a prática repetida. E talvez sejam mesmo. É uma forma de dizer que, apesar de a maré vir contra os que gostam de estar com o gravador ligado, sobreviverão a apuração responsável, o texto límpido, a checagem rigorosa e o conteúdo que mergulha. Resistirão, portanto, as boas recordações. É o que oferecemos!


6 I G I N O P E R E I R A O contador de histórias cinematográficas 10 F R E D E R I C O F O N T E N E L E A realidade do dia a dia e a fantasia do cinema 12 P A U L O T A D E U Memória cultural de um jornalista político 16 P A U L O V E R L A I N E Notas de um “romântico” 20 A D E O D A T O J R O homem multifuncional 24 F Á T I M A B A N D E I R A Cenas do jornalismo na memória 26 L U I Z P E D R O N E T O Jornalismo, esporte e vida: paixão por escrever 30 G E R A L D O J E S U Í N O Sustos que despertam SUMÁRIO



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Entrevista  Igino Pereira


O contador de histórias cinematográficas Muito mais do que gravar reportagens, é ter coragem para enfrentar os desafios da vida cotidiana para produzir uma boa imagem

Texto  Bianca Kethulen e Marcela Benevides Diagramação  Lara Silveira

Trabalhava no sertão desde os sete ou oito anos de idade, não se recorda com precisão. Aos 16 anos decidiu que queria vencer na vida e, por isso, saiu de Morada Nova, cidade do interior do Ceará, com destino à capital alencarina. Passou um ano servindo ao Exército, mas foi no jornalismo onde se encontrou profissionalmente, mesmo com todas as dificuldades impostas pela profissão. No currículo, 34 anos de trabalho como fotógrafo e repórter cinematográfico, além, claro, de muitas histórias. Igino Pereira começou em televisão. Trabalhou na TV Tupi ou como era mais conhecido; canal 2. Ele não quis revelar a idade. Não disse isso com todas as letras, mas sempre que perguntado, fugia da indagação com uma história que prendia mais atenção do que qualquer resposta meramente numerológica. Igino acredita que, para um trabalho ser compensador, ele precisa ser feito com amor, pois é dessa forma que se tem orgulho de quem é. ← Repórter cinematográfico começou a fotografar por conta própria e artesanalmente [Foto: Jefter Neri]

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Entrevista IginoPereira


Memória em Pauta  Como foi que você entrou para a fotografia? Igino Pereira  Comecei a trabalhar com fotogra-

fia em 1969, depois com fotografia particular. Fui depois para a Foto Sales, depois fui para a TV Tupi, em seguida para a Aba Film e depois para a TVE, que fazia parte da fundação, Fundação Educacional do Ceará (Funeduce), com o professor Martins Filho. MP  Qual a diferença entre exercer a profissão na sua época e hoje? Ip  Na época não existia filme colorido, era preto e

branco, negativo. A câmera era totalmente artesanal. Você dava corda para poder funcionar. Além disso, era só eu para levar a câmera, não tinha auxiliar, só o motorista. Às vezes, nem o repórter ia. Ele só assistia ao filme e fazia o texto na redação. Hoje a coisa é um pouco diferente, bem mais prática, não precisa ir para o laboratório revelar filme, por exemplo. Quando era filme colorido eram sete reveladores e assim você aprendia a revelar, secar e depois editar o vídeo. MP  Como era a sua rotina? IP  Na Tupi era um trabalho

mais artesanal. Eles diziam, “olha, vai ali e faz o filme assim e assim, sem repórter e o restante a gente faz aqui na redação”. Se havia uma posse de um vereador, por exemplo, eu fazia a filmagem e alguém da redação fazia o texto só por informações, sem que o repórter acompanhasse. Uma vez fui filmar a prisão de um prefeito. Um camarada era suspeito de ter matado o prefeito, ele era o vice-prefeito, e tinha que se apresentar à polícia. O tempo passava, era um monte de cinegrafista, repórter e fotógrafo e como o advogado era um camarada famoso, começava o obstáculo. “Não, eu vou trazer o

homem, porque a hora tá se passando”, ele dizia, e só chamava os repórteres para se reunirem em uma sala e eu dizia, “não, eu vou” e acompanhava e participava. MP  Quais foram os maiores desafios que você passou dentro da sua profissão? IP  Teve uns bons e outros ruins. A gente vivencia

muito coisa perigosa. De andar pendurado em um helicóptero sem porta, fazendo imagem aérea ou passar três dias e três noites em alto mar, em um barco, sem ver sinal de terra. Dentre as gravações de filmes que fui fazer, teve “A Ostra e o Vento”, em Jericoacoara, em frente à Pedra Furada, essa foi interessante. Eu estava com a Carla Soraya (repórter) e quando chegamos, pedi logo ao comandante para tirar a porta do meu lado, porque me pediram imagens aéreas de toda orla marítima de Caucaia até Jericoacoara. Então, quando cheguei lá, estava acontecendo a filmagem desse filme e pedi ao comandante para dar umas três voltas para eu fazer as imagens aéreas. Na segunda volta, tinha alimentado meu auxiliar e não sabia que ele enjoava, porque eu não enjoo e ele calado, sem dizer nada. Acabou me dando um banho. Foi gargalhada desse comandante e da Carla, e eu disse: “homem, pousa aí de qualquer jeito, que não quero nem saber” e fui tomar banho no mar de roupa e tudo. MP  Qual o significado do jornalismo cinematográfico na sua vida? IP  É ter feito àquilo que gostava de fazer e de ter

participado dessas ações de trabalho jornalístico. Tenho muito orgulho disso. Dos meus filhos, só um quis seguir a minha profissão. Por mim, não colocava nenhum, porque é uma área que só vai quem gosta e quem tem muita coragem, caso contrário desiste no meio do caminho. Porque, infelizmente, não é bem reconhecida.

← Igino relembra as histórias de quando exercia a profissão [Foto: Jefter Neri]

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Entrevista  Frederico Fontenele

A realidade do dia a dia e a fantasia do cinema Apontando para fotografias antigas, Frederico Fontenele Farias ou Fred, como prefere ser chamado, lembra que a experiência no jornal começou quando ainda era um adolescente Texto  Juliane Cavalcante e Khelvya Carvalho Diagramação  Lara Silveira


Aposentado há 5 anos, Fred cultua hábitos antigos como devorar livros e conversar sobre cinema. No interior do seu quarto, onde montou uma mini biblioteca, encontra um lugar silencioso e aconchegante. A cada livro mostrado, um sorriso e uma boa resenha. Fred se formou na Universidade Federal do Ceará, na turma de 1977. Começou sua trajetória no jornal O Povo fazendo críticas de cinema, uma carreira dedicada que lhe rendeu um público fiel, atuando como jornalista durante 42 anos. O cinema de hoje já não lhe traz mais tantas palpitações, mas Fred relembra, com emoção, os dias em que o Cineteatro São Luiz era a sua segunda casa. Durante a carreira não se prendeu ao cinema, trabalhou também como colunista, copydesk (trabalho de um redator que consiste em corrigir e aperfeiçoar textos) e cobriu acontecimentos históricos. Lembrado pelos colegas de redação como a enciclopédia do jornal, Fred construiu um mar de histórias entre o cinema e as notícias. Memória em Pauta  Como era ser crítico de cinema dentro de um jornal? Frederico Fontenele  Na minha época havia

uma turma que só aceitava filme tipo “cinema de arte”, que é diferente do cinema cult, que hoje é um termo muito abrangente. Eu sempre procurei ser bem liberal. Às vezes o filme não era uma obra prima, mas a ideia dele era boa e eu levava por esse enfoque. Minhas preferências no cinema são muito diversificadas. Gostava de escrever sobre tudo. MP  Como comunicador e crítico na área do cinema há 18 anos, como você vê hoje o fato de que qualquer pessoa poder ser um crítico de cinema? FF  Em geral, quando você começa a ir ao cinema,

naturalmente você já inicia uma formação de “crítico”. Mas, é claro, que é sempre bom se aprofundar e saber quem é quem, entender sobre movimentos de câmera e fotografia, por exemplo. Desde menino que gosto muito de cinema e naturalmente fui escrevendo sobre o assunto. MP  Você acompanha algum blog de cinema, ou canal no Youtube? FF  Acompanho o blog do Werterncinemania, é bem

interessante. No Youtube não vejo muita coisa, a não ser uma cena e outra, uma coisa vista numa telinha daquelas (risos). Gosto mesmo é de ir ver no cinema. ← Fred é apaixonado por história e geopolítica [Foto: Khelvya Carvalho]

MP  Você também escreveu sobre acontecimentos internacionais, como era cobrir essas notícias sem o uso da internet? FF  Trabalhei muito com agências de notícias. Na-

quela época, as notícias vinham por telex. Eu tinha que ter uma ótima memória para entender tudo que estava acontecendo no mundo, e também muita leitura. Como sempre gostei muito de história, era mais fácil de contextualizar tudo. Hoje, com certeza, é bem mais simples. MP  Na década de 1970, quando escrevia sobre cinema e política internacional, você sofreu algum tipo de censura? FF  Em relação ao cinema não. A gente até podia citar

alguns filmes que eram proibidos, mas era pisando no fio da navalha. Nunca fui chamado atenção sobre os filmes, mas, em 1979, tive um editor que tinha uma visão política bem conservadora, e aí eu fiz uma manchete sobre a guerra civil na Nicarágua e ele falou. “até você a serviço do comunismo internacional”? (risos). MP  Se você fosse colunista de política hoje, acha que seria mais complexo? FF  O pessoal está sabendo lidar bem com o fenô-

meno “Bolsonaro”, mesmo com todas as mancadas. Uma coisa curiosa é que ele inspira muitos colunistas, mas se eu ainda escrevesse, ficaria de escanteio. Sobre a situação política atual do país, costumo dizer que estou em órbita, esperando pousar na Terra. MP  Comente um pouco sobre a função de copydesk, e o fato dela ter deixado de existir. FF  Antigamente não tínhamos o Google para ter

acesso a informações facilmente, por isso a função de copydesk exigia muito conhecimento de mundo e de gramática. Em geral pegava textos bons, a maioria das pessoas na redação lia muito. Hoje quem tem essa função é o editor, mas de um jeito diferente. MP  Qual momento histórico marcou a sua carreira jornalística? FF  Teve a história do Tancredo Neves, uma grande

esperança nacional que, de repente, na noite anterior à posse, foi hospitalizado. Foi uma grande movimentação. Quem era admirador dele ficou frustrado. Eu, como jornalista, passei sufoco. Ligaram para o jornal avisando que ele havia sido hospitalizado em Brasília. Notícias por telex começaram a chegar, foi um alvoroço na redação, por alguns dias.

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Entrevista  Paulo Tadeu ↔ Casal de bonecos pretos. Representação de personagens do maracatu [Foto: Eduardo Almeida]


Memória cultural de um jornalista político União de paixões pelo maracatu e jornalismo em um personagem que exala cultura e entusiasmo ao relembrar sua história Texto  Eduardo Almeida e Paloma Negreiros Diagramação  Lara Silveira

Paulo Tadeu pode ser descrito como jornalista, professor, membro da Academia Cearense de Letras e um saudosista que respira cultura. Nascido em Palmácia, a 73 quilômetros de Fortaleza, onde chegou com 13 anos de idade para concluir os estudos. Neste período, despertou a paixão pelo maracatu que, até 1990, desfilava na Av. Duque de Caxias, posteriormente transferido para a Av. Domingos Olímpio, por “uma questão de espaço”, ressalta. Diversas vezes, quando se lembrava das viagens que fez mundo afora, parava a entrevista e agradecia por termos desarquivado seus pensamentos, histórias, ele. Não se consegue arquivar cultura, ela transforma-se por meio do homem cultural e, como tal, Paulo Tadeu nunca esteve tão desarquivado.

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Entrevista  Paulo Tadeu

↑ Parte da coleção de máscaras e adornos te,áticos pretos [Foto: Eduardo Almeida]

Memória em Pauta  O senhor veio para Fortaleza muito novo para estudar. Naquela época já existia um interesse pelo maracatu ou isso aconteceu após a sua chegada à Capital? Paulo Tadeu  Quando cheguei, fui morar no Jar-

para empurrar as alegorias do Jardim América até o Centro da cidade, todos iam a pé. Quando entrei no jornalismo, comecei a fazer matérias sobre maracatu e ajudei a levar as apresentações para o interior.

dim América. Lá existe, ainda hoje, o maracatu Az de Ouro, que é o mais antigo daqui, de 1936. Via a dedicação do Mestre Juca, que viria a tornar-se o Mestre Juca do Balaio. Via o sacrifício que ele tinha

MP  Como o senhor analisa a leitura do maracatu pela imprensa local? PT  No passado existia mais interesse. As emissoras de

rádio instalavam palanques – tanto a Rádio Iracema


valescas do Ceará, poderia pensar para que o projeto já tivesse verba publicitária, pois esperar pela cobertura espontânea fica muito fraco. As pessoas são ligadas em propaganda, que é mais profissional. Não adianta esperar pela cobertura espontânea das mídias atuais, pois não é algo naturalizado, de raiz. MP  Sua passagem pelos maracatus Az de Ouro, Vozes da África e Nação de Iracema lhe trouxeram muitas experiências. Qual a importância de ter passado pelos três grupos na sua história no maracatu? PT  Acabei me envolvendo muito e consegui fazer al-

guma coisa porque via que o folclore estava desaparecendo. Os maracatus tradicionais já não existiam. Quando comecei a ajudar o Az de Ouro, peguei interesse pelo folclore e vi a importância. Como era do jornal O Povo, dei muita visibilidade, pois era repórter político, mas com um ‘pé’ na cultura. Introduzi o Maracatu na universidade como dissertação acadêmica e, à época, não fui entendido. Mas fui estimulado pelo professor que disse que deveríamos escrever sobre aquilo que amamos. Com isso, ganhei destaque. MP  Em que momento da sua vida houve intercessão entre o jornalismo e maracatu? PT  A partir do trabalho acadêmico que mencio-

nei, meu professor me fez o convite para trabalhar no Jornal O Povo, inicialmente como repórter de política, mas produzia algumas pautas de cultura e entregava para o editor da coluna – pautas não necessariamente assinadas por mim. Entre elas, estavam várias sobre o maracatu, claro. MP  Como estudioso, hoje há maior interesse dos jovens pelo maracatu? E quais os principais motivos para esse interesse? PT  Existe interesse, sim. Quando fundei o maracatu

Vozes da África, só sobreviviam quatro das dezenas que já tinham existido. Hoje, são 14. Então o interesse dos jovens tem crescido, mas eu vejo que a publicidade ainda tem um pé atrás com o maracatu porque o visual é tão bonito, mas não há publicidade nem de cachaça de quinta categoria. quanto a Rádio Uirapuru e Rádio Clube faziam e transmitiam direto, ao vivo. Hoje não tem mais isso.

MP  Durante 17 anos como jornalista do jornal O Povo, qual matéria produzida mais lhe marcou? PT  A cobertura da constituinte local foi muito impor-

MP  Quais métodos poderiam ser implementadas para que a cultura do maracatu pudesse ser enfatizada? PT  Ainda hoje se fala sobre a história da verba para

tante porque era preciso estar ligado com a constituinte federal. Essa foi muito marcante. Nas eleições locais, ficávamos de plantão na porta do palácio do governo para ver quem seria o candidato a governador ou prefeito. Não são fatos tão marcantes, mas ficaram na memória.

o carnaval. Isso acontece não só em Fortaleza, mas com todas as escolas de samba. Penso que quando a prefeitura fosse acordar com as Entidades Carna-

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Entrevista  Paulo Verlaine

Notas de um “romântico” Com ativa participação na profissão, o jornalista reflete sobre os valores éticos que precisam ser preservados. Também resgata episódios marcantes e cita as características que um bom repórter deve ter Texto  Carlos Holanda e Iara Fontes Diagramação  Lara Silveira


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Entrevista  Paulo Verlaine → Verlaine ingressou no cenário jornalístico em 1975, aposentando-se em 2010 [Foto: Everton Silva]

Aos 69 anos, o jornalista Paulo Verlaine traz no tom da voz, assertiva e, ao mesmo tempo, ponderada, o reflexo de uma trajetória permeada por frustrações e boas memórias. Desapontou-se ao verificar que a censura não calçava os coturnos do militarismo que mandou no País de 1964 a 1985, mas sapatos como os seus. De jornalista. Na cobertura de Política, resgatou episódio em que o impuseram uma condição, diga-se, inusitada para que uma entrevista ocorresse: tomar uísque com o entrevistado. Após ter exercido funções de repórter, editor e ombudsman, tendo passado pelo sindicalismo e pelo Movimento Estudantil, Verlaine constata: o romantismo na profissão acabou.

federal. O padre solicitou ajuda para a quermesse e ele disse que sim, mas só estava com cheque. O padre aceitou. Era mais ou menos R$ 10 mil que ele teria dado, mas queria R$ 5 mil de troco. Dizem que até hoje, se ainda estiver vivo, o padre, está procurando reaver esse cheque. Isso eu perguntei. Já tinha tomado uns três uísques. Ele começou a citar os podres de políticos famosos, quase todos com fundamentos de verdade. Quase que confirmou a história.

Memória em Pauta  O que não pode faltar na cobertura política? Paulo Verlaine  Principalmente o compromisso

MP  Se arrepende de alguma investida jornalística dessas? PV  O coronel Adauto Bezerra, já

com a verdade. Isso é algo relativo, porque ninguém é isento. A pessoa pode tentar ao máximo. Isto é obrigação do jornalista, fazer uma coisa imparcial, mas a pessoa dirige a notícia da maneira que lhe é conveniente. Isso é um direito de qualquer um. O erro é ser tendencioso.

fora do poder, recebeu uma roda de jornalistas: eu, Cláudio Ribeiro e Demitri Túlio. Desde o início ele se queixava de pressão alta. Ia perguntar sobre a história que aconteceu nos anos 80, do século passado, sobre o assassinato de um vigia, em que a família Bezerra foi apontada pela revista Veja como envolvida. “Se eu fizer a pergunta e esse cidadão passa mal e morre?”, depois vou ser responsabilizado pela morte dele. “Não vou, não”. A gente tem que ver o lado humano também.

MP  Quais os cuidados que os repórteres têm que ter? PV  Primeiro, ele tem que baixar a bola, saber que

está ali como um profissional qualquer. Outra coisa, a questão da fonte ainda existe. O bom jornalista tem que ter suas fontes. E se é coisa em off, ele deve resguardar as fontes. E também não se comprometer com ninguém. MP  O jornalismo impõe situações desconfortáveis. Como era fazer perguntas incômodas? PV  A gente tem que ter um certo cuidado com a

MP  O romantismo no jornalismo acabou? PV  Acabou tem muito tempo. Isso foi no início. Era

maneira de fazer pergunta. Uma delas foi até engraçada. Era o Sérgio Filomeno (1941-1987), um empresário que se candidatou a prefeito em 1985. Fui entrevistá-lo. Ele disse: “na minha casa, é outra coisa: eu bebo e o entrevistador tem que beber”. Corria uma conversa que, em uma das campanhas, ele procurou um padre e se apresentou como deputado

bom o contato com os colegas. Havia gente que nos intervalos dizia que ia “tomar” um sanduíche, mas era bebida e rolava uns papos interessantes. Esse comportamento hoje é impossível. Se alguém for flagrado bebendo no intervalo, é demitido. Era um tempo de bom convívio. A concorrência era das empresas. Na fase mais recente, como repórter político,


convivia bem com os concorrentes. Jamais neguei informação pública. Não ia dar detalhes e jamais dei pauta exclusiva. Isso é sagrado.

de meningite nos jornais, era proibido. Isso foi tão terrível que contribuiu para a morte de milhares de crianças. Eu preferia ter visto censores na redação...

MP  Como foi fazer jornalismo num cenário de Ditadura? PV  Infelizmente para nós, “nós” como categoria,

MP  Estes tempos apresentam que tipos de desafios? PV  Hoje vivemos uma fase triste. Fico muito de-

os censores eram os próprios editores de redação, que eram pessoas boas. Na época da meningite, de repente, veio a ordem do Governo para não se falar

primido com o País de hoje. Os grandes desafios estão aí, as fake news, as redes sociais dominadas pelo ódio.

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Entrevista  Adeodato Jr

O homem multifuncional

Há quem passe a vida inteira em busca do emprego dos sonhos, mas não foi o caso desse jornalista que se apaixonou e começou na profissão antes mesmo de atingir a maioridade Texto  Pedro Saraiva e Vinicius Braga diagramação  Lara Silveira


↔ Lamento que muitos jovens não gostem de jornal. O impresso ainda tem seu valor   [Foto: Pedro Saraiva]

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Entrevista  Adeodato Jr

Fernando Adeodato Junior é sinônimo de versatilidade. Com apenas 16 anos entrou numa redação de jornal pela primeira vez e, por lá, permaneceu. Foi da editoria de Esportes para a de Nacional e Internacional. Passeou também pela música, sua outra paixão, onde se orgulha ter entrevistado mais de cem cantores de todo o país. “Na marra” aprendeu de tudo um pouco sobre o fazer jornalismo, se aventurando até pela diagramação. Em uma leve e agradável conversa, Adeodato nos contou como foi sua vida no jornal.

Memória em Pauta  Como começa a sua história com o Jornalismo? Adeodato Junior  Comecei no jor-

nal O Povo na editoria de esportes. Sou um jornalista das antigas. Naquele tempo não tinha faculdade de jornalismo, a gente já começava logo com muita prática e, com o passar do tempo, ia adquirindo mais experiência e adequando a teoria. O jornal O Povo ficava na


Rua Senador Pompéu, a sede antiga, e comecei lá com 16 anos, a cada ano ia evoluindo. Naquele tempo era muito difícil fazer jornalismo: não havia internet, o Telex era muito escasso ainda e a gente trabalhava com rádio escuta. Como era da editoria de esportes, ficava ouvindo as rádios de São Paulo e Rio de Janeiro, colhia a notícia ali e redigia. Fui evoluindo, ganhei uma coluna, depois uma página, e comecei a diagramar. Aprendi no dia a dia mesmo. Tornei-me editor de Esportes e depois de Brasil e Internacional. São coisas bem diferentes, mas consegui me adaptar a essas duas realidades tão diferentes uma da outra.

MP  Como foi a transição do Telex para o computador? AJ  Não foi muito traumática. A gente fez curso de

MP  Como era fazer jornalismo naquela época? AJ  Era mais difícil que atualmente. Hoje tem

muito dinâmico. Antigamente as pessoas esperavam o dia amanhecer para ir à banca comprar o jornal. Hoje a coisa é muito rápida. A notícia nada rapidamente, mas o jornal continua sendo aquele que tem mais conteúdo, com mais profundidade. Apesar das pessoas dizerem que jornal é coisa de aposentado, acho que não é. Lamento que muitos jovens não gostem de jornal. O impresso ainda tem seu valor.

a internet. Você começa a fazer a matéria e, se tem uma dúvida, vai ao Google e pesquisa. Antigamente não havia nada disso. Tinha que buscar uma pasta no departamento de pesquisas, que vinha cheia de poeira, e você pesquisava ali, coisa por coisa. E mais, tinha que saber primeiro a data, sem a data você não chegava lá. Hoje tem as facilidades da informática. Outra coisa: na época havia revisores. Você tinha que compor a matéria e eles repassavam tudo pra uma mesa enorme cheia de revisores. Eles iam fazendo as correções e passavam para outra equipe que fazia as emendas. Hoje já vai pra impressão revisado. Sai da redação pronta. MP  Como era trabalhar com o Telex? AJ  Era uma fita, tipo correia, e você

ia datilografando. Não podia demorar muito se não ela fugia de você. Vinham folhas e mais folhas. Depois vinha um funcionário para cortar, separar as matérias e entregar nas editorias e dali você fazia a triagem.

informática por uns 45 dias, só que aprendemos coisas que não precisávamos: fazer planilha, por exemplo. Na redação tivemos que nos adaptar. No começo parecia complicado, havia códigos pra decorar, pra fazer títulos e manchetes, mas depois ficou automatizado. Ficou mais prático. MP  Comparando o jornalismo de antigamente com o de atualmente, como você analisa esse novo perfil do jornalista? AJ  É bom, você trabalha em várias mídias, tudo

MP  Como foi sua experiência com a música? AJ  Comecei com uma coluna e depois uma

página semanal. Eu fazia concomitantemente com a editoria de esportes. O esporte era mais à tarde e, à noite, saia pra entrevistar os cantores. Foi muito enriquecedor pra mim. Entrevistei mais de 100 cantores: Roberto Carlos, Milton Nascimento, Erasmo Carlos, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Fagner, Belchior... Eu era muito preso à redação, e com a música tive mais liberdade de ir pra rua, entrevistar cantores. Uma vez entrevistei o Milton Nascimento no Rio de Janeiro, foi uma reportagem exclusiva. Isso a gente guarda sempre na memória.

← Na cobertura musical, Adeodato entrevistou mais de 100 cantores brasileiros [Foto: Pedro Saraiva]

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Entrevista  Fátima Bandeira ↔ Como professora, ela se envolveu mais com a política e movimentos sociais [Foto: Emanuele Timbó]

Cenas do jornalismo na memória A emoção com o depoimento de uma criança durante uma matéria e as cenas fortes de um acidente fatal marcam as lembranças da jornalista

Texto  Vitória Barbosa Diagramação  Lara Silveira


Entre ser educadora física ou jornalista, Fátima Bandeira, 62, optou por contar histórias. Sua escola foi a TV Ceará e seus professores, profissionais com quem trabalhou. Durante a carreira, a jornalista conta ter a sorte de ter trabalhado com cinegrafistas que a ensinaram como se portar diante de uma câmera e diretores que a incentivaram em seus projetos. Fátima findou a carreira onde começou: na universidade, contribuindo na formação de outros jornalistas. Atualmente está à frente da Secretaria de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT) do Ceará. Memória em Pauta  Como você entrou no jornalismo? Fátima Bandeira  Quando resolvi fazer vestibular

só gostava de jogar e escrever, e então, resolvi fazer vestibular para Educação Física, na Universidade de Fortaleza (Unifor) e para Jornalismo, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Quando saiu o resultado da UFC, desisti de fazer Educação Física. Era o que gostava de fazer. Gostava de escrever, gostava de ler e era extremamente curiosa, então fiz jornalismo. MP  Onde você atuou durante a carreira? FB  Meu primeiro estágio foi no jornal

O Estado. Naquela época, a gente já começava a trabalhar estudando. E depois fui para a TVC, mas só quando me formei assinaram minha carteira como jornalista. Trabalhei lá de 1976 a 1990. Pontualmente trabalhei com o jornalista Luís Carlos Martins, como repórter da coluna de economia dele e na rádio Verdes Mares, mas sempre trabalhei muito mesmo na televisão. MP  O que você fazia na TV? FB  Na televisão fazia de tudo.

Era a melhor escola que a gente tinha de jornalismo aqui no Ceará. Naquela época, a faculdade não tinha os laboratórios que tem hoje. A aula era olhando para o quadro e o professor dizendo como era a televisão. Então, entrei na TV sem saber de nada, e lá, aprendi quase tudo que eu sei. Por ser um quadro muito pequeno de profissionais, fazíamos tudo. Tínhamos um jornal de meio-dia que durava uma hora e a gente editava, fazia reportagem, redigia, montava o jornal, ou seja, fazia tudo. A TV era pouco valorizada, e a gente só tinha a mão de obra, mas era uma mão de obra dedicada à televisão.

MP  Em sua opinião, quais as mudanças que a tecnologia proporcionou ao jornalismo? FB  Com o advento da internet, a gente tem uma

mudança radical no processo de comunicação. Antes existiam somente emissão e recepção. Hoje, você vê uma mudança nesse processo. O lugar de fala é ocupado por qualquer um. Os meios de comunicação tradicionais vêm para internet e a gente passa a ter uma relação diferente com eles. E para, além disso, temos as redes sociais que colocam o jornalismo em xeque. Naquela época também não havia essa facilidade que a gente tem hoje. A câmera do meu cinegrafista pesava 17 quilos! E era filme! Não havia esse negócio de gravar de novo. Você tinha que fazer sem errar porque era filmado e não podia estragar. Tinha que acertar de primeira. MP  Quais as principais diferenças do jornalismo daquela época e o de hoje? FB  Não existe uma diferença do jornalismo. Jor-

nalismo é jornalismo. Você tem uma modificação dos meios, da tecnologia, mas isso não muda os princípios do jornalismo; não é para mudar. Obviamente a gente amadureceu muito na compreensão do jornalismo. A gente vem de uma escola americana que tentava nos dizer que o jornalismo era neutro, e a gente sabe que não é. Também não havia, na época, uma reflexão mais profunda sobre o papel da imprensa e, hoje, creio que a gente já tem. O jornalismo não mudou, mas nossa reflexão sim. MP  Quais os principais desafios que você enfrentou, enquanto jornalista? FB  Nós sabemos ou somos obrigados a saber de tudo

um pouco. Eu, enquanto jornalista, transito em um universo enorme de assuntos e não sou capaz de falar sobre aquilo que eu não entendo. Então, a gente acaba tendo que saber alguma coisa sobre tudo. E a gente também está exposto a tudo na nossa profissão. Às vezes você se depara com coisas muito difíceis para fazer. MP  O que o jornalismo representa para você? FB  Resolvi sair da TV e fiquei só na universidade

levando essa discussão para os alunos. Cheguei à conclusão de que iria ajudar mais estando só na faculdade com os jornalistas que a gente iria formar. Talvez fosse uma tarefa mais importante do que continuar como jornalista naquele momento.

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Entrevista  Luiz Pedro Neto

Jornalismo, esporte e vida:

paixão por escrever

A curiosidade quando criança o levou a escolher a profissão e foi no rádio que deu seus primeiros passos. Os 23 anos de carreira na comunicação dão ao jornalista, a convicção de sua realização profissional e pessoal Texto  Gerliane Viana e Lya Cardoso Diagramação  Lara Silveira


↔  Há 40 anos trabalhando no Governo do Estado, Luiz Pedro Neto carrega o amor pela escrita dentro de si [Foto: Lya Cardoso]

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Entrevista  Luiz Pedro Neto Pernambucano, Luiz Pedro Neto chegou ao Ceará com 5 anos de idade. Desde criança, a curiosidade pelo rádio, em especial o programa Repórter Esso, o chamou atenção. Aos 19 anos entrou para o mundo da comunicação, de onde carrega até hoje o prazer e a paixão por escrever. Sua carreira profissional é extensa; A primeira experiência, na rádio Iracema, em 1976, começou a moldar seus caminhos que foram sendo levados a uma paixão descoberta: o jornalismo esportivo. Os 23 anos de atuação profissional se deram em um dos jornais mais tradicionais do Ceará – O Povo; 1979 a 2001, passando por diferentes cargos, onde começou como limpador de telegrama durante a trajetória. Hoje, Luiz Pedro exerce função pública no Governo do Estado. A paixão por escrever ele carrega dentro de si e o amor por jornalismo cresce cada vez mais. Memória em Pauta  Por que escolheu o jornalismo? Luiz Pedro Neto  A minha trajetória do jorna-

lismo, como aluno, começou em 1975 quando ingressei no curso de Comunicação na Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde pequeno sempre fui apaixonado por jornalismo, especialmente por rádio e por jornal. Minha vida profissional começou no rádio, depois migrei para o jornal impresso e não tive experiência em televisão. Atualmente, sou servidor público do estado, onde sempre trabalhei na área de assessoria de comunicação e imprensa. Tenho 63 anos de idade e me recordo o quanto me encantava antigamente a vinheta do Repórter Esso, que estimulou a minha curiosidade desde criança no jornalismo. Diferente de hoje, quando comecei a fazer comunicação, o pessoal perguntava – Quem faz comunicação vai fazer o quê da vida? As pessoas não sabiam exatamente o que era. Aí eu dizia: há vários caminhos; jornal, TV e rádio. MP  Como você resume sua carreira profissional? LPN  Comecei a trabalhar no departamento de jor-

nalismo da rádio Iracema de Fortaleza ainda no 4º semestre da faculdade e, no mesmo período acadêmico, também trabalhei no jornal O Estado, na área de esportes. Então, trabalhava na rádio Iracema pela manhã, tinha faculdade pela tarde e saía, à noite, para o jornal. Após concluir o curso, o José Raimundo Costa, que era diretor do jornal O Povo, me convidou para fazer parte da equipe, onde passei 23 anos da minha vida, de 1979 a 2001, na maior

parte como redator e atuando na área do esporte, mas também tive experiências na rádio tanto AM como FM. No entanto, entrei com a função de limpar telegrama, depois fui chamado para editoria de Esportes, estive um período na editoria de Cidade, edição da primeira página e depois retornei ao esporte. É por isso que digo que o esporte foi a minha porta de entrada e saída. MP  O esporte sempre foi sua paixão? LPN  Fui muito ligado ao esporte

desde pequeno. Segui também por outros caminhos. Sempre falo que tenho três paixões na minha vida: família, jor-


nalismo e o esporte. Em maio de 1979 entrei para o Governo do Estado sempre na área de comunicação. Posso dizer que trabalhei nos dois lados do balcão, por ter atuado em redação e depois em assessoria.

coloquem na cabeça que o aprendizado é sempre. A profissão do jornalismo requer muita responsabilidade e o que falta na geração atual é motivação.

MP  Como você enxerga os novos meios de comunicação? LPN  Como forma de agregar valores e facilitar a vida

MP  Antes de entrar já tinha tido algum contato com o jornalismo? LPN  Nasci em Recife e vim para o Ceará ainda ga-

da gente com o advento da internet. As pessoas têm mania de dizer que é o fim da televisão, do rádio, mas a solução é se adaptar ao que vai surgir, se moldando ao novo. A comunicação ganhou muito com o avanço da tecnologia e ainda tem uma dimensão que irá crescer. Vocês que estão começando essa caminhada,

roto. Depois das escolas de bairro, fui estudar no Colégio Cearense, onde conclui o ensino médio e fiz alguns trabalhos. Em um deles entrevistei o professor Cid Carvalho que trabalhava na rádio Uirapuru, tive algumas experiências, mas foi para atender a trabalhos escolares.

↔  Família, jornalismo e esporte são as três paixões de Luiz Pedro Neto [Foto: Gerliane Viana]

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Entrevista  Geraldo Jesuíno

Aos 72 anos de idade, Geraldo Jesuíno, professor aposentador relembra os caminhos que o levaram ao jornalismo e, consequentemente, ao design editorial e a oficina de quadrinhos Texto  Erika Chagas Diagramação  Lara Silveira

Sustos que despertam


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Entrevista  Geraldo Jesuíno Geraldo Jesuíno da Costa, 72, mais conhecido como Jesuíno, é professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC) na área de imagem e produção editorial. Formado em Jornalismo pela UFC, escolheu a profissão por “acidente”, como faz questão de ressaltar. Com o tempo, a profissão logo o conquistou. Apesar de nunca ter sido jornalista de batente, formou muitos daqueles que estão hoje pelas redações do País. Jesuíno é jornalista, professor, fundador da oficina de histórias em quadrinhos da UFC e, por último, mas não menos importante, como vocês poderão perceber a seguir, um ótimo contador de histórias. Memória em Pauta  Como surgiu seu interesse pelo jornalismo como profissão? Geraldo Jesuíno  Na verdade, meu interesse pela

área do Jornalismo foi um acidente super agradável. Na época, trabalhava durante o dia e precisava fazer uma faculdade que funcionasse à noite. Me preparei a vida inteira para fazer Medicina. Quando cheguei à fila da matrícula me perguntaram: “qual é a faculdade?”. Respondi: “olha aí o que só tem aula de noite”. O rapaz disse: “tem uma faculdade aqui: Comunicação Social, que só tem aula à noite”. Respondi: “então é isso”. Até então, confesso, nunca tinha ouvido essas duas palavras juntas, “comunicação” e “social”. Fui ver o que era e descobri que não passava de Jornalismo. Comecei a fazer a faculdade e lá descobri que teria sido um péssimo médico, porque não lido muito bem com a morte. Comecei a perceber que poderia dar uma bela contribuição para esse lado de cá (do jornalismo), embora nunca tenha sido um jornalista de batente. Mas posso dizer que minha carreira no jornalismo foi uma carreira efetiva. Se não dentro da Redação, mas cuidando de quem ia para lá. MP  E o desejo de lecionar, quando e como apareceu? GJ  Antes de entrar na faculdade trabalhava feito um

desesperado numa empresa e, nos finais de semana, dava aula de reforço no quintal da minha casa. Na época não me via como um professor, me via como

uma pessoa que estava tentando sobreviver. Ser professor também foi uma coisa meio acidental. Foi mais um desses milagres acidentais que acontecem na vida da gente que dão certo. Continuei trabalhando na empresa depois de formado. Até que um dia recebi um telefonema do professor Heitor Faria Guilherme dizendo que ele iria assumir a diretoria da UFC do Centro e se afastaria da sala de aula, e que iria precisar de um professor para assumir a disciplina de editoração. Me deu logo uma tremedeira, mas pensei: “quem foi que se interessou pela área até hoje? Eu”. Na segunda-feira me apresentei à faculdade e comecei a dar aula. A partir daí não parei mais. Acabei me tornei professor de verdade. Gostei da brincadeira. Comecei a me dedicar só a isso e larguei qualquer outro tipo de projeto. Transformei a docência como meu dever sagrado. MP  Você é o responsável pela criação da oficina de histórias em quadrinhos da UFC. Como sua história no Jornalismo cruzou com os quadrinhos? GJ  Nunca imaginei que o meu interesse por histórias

em quadrinhos um dia fosse cruzar com o Jornalismo. Outro acidente legal que aconteceu na minha vida. Um dia, uma professora percebendo meu interesse, veio me perguntar se eu topava ministrar uma disciplina sobre quadrinhos. Tomei outro susto. Eu vivi de sustos a minha vida quase toda, e eles são bons, fazem a gente despertar. Então fui estudar de uma forma mais aprofundada e montamos essa disciplina opcional na faculdade, mas só tinha acesso a ela quem estudava lá. Então eu e outros “malucos” dos quadrinhos, pensamos em criar uma oficina onde houvesse mais liberdade. Pedi licença ao departamento, me cederam os sábados e uma sala de programação virtual. Mas a oficina começou a crescer. E percebemos que precisávamos institucionalizá-la. Nessa época, a gente já tinha um time bem razoável. Criamos um projeto de extensão e esse projeto passou a funcionar normalmente fazendo matrículas de alunos e cursos semestrais. Cursos mais informais, nada muito travado, e que tinha o objetivo de fazer as pessoas perderem o medo.

→ Desde que se tornou professor, Jesuíno transformou a docência um dever sagrado [Foto: Erika Chagas]




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