Matéria Prima 2019.1

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Revista laboratรณrio dos alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitรกrio 7 de Setembro

Olhares sobre a cidade de Fortaleza


O portal QUINTO ANDAR é voltado para o corpo discente do Centro Universitário 7 de Setembro e aos membros externos, interessados nos projetos publicados. O nome faz referência ao andar dos alunos criativos da instituição, dos cursos de Publicidade e Jornalismo.

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Caro leitor, REITOR Ednilton Soárez VICE-REITOR Ednilo Soárez PRÓ-REITOR ACADÊMICO Adelmir Jucá PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Henrique Soárez COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO Margela de Lima COORDENADORA DO CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA Nila Bandeira

p issuu.com/npjor/docs EDITOR CHEFE Paulo Júnior

PROJETO GRÁFICO Humberto de Araújo DIREÇÃO DE ARTE Diego Henrique & Humberto de Araújo ESTAGIÁRIOS DO NÚCLEO DE DESIGN EDITORIAL Aldemir Neto e Lara Silveira EDITORIAL Lara Silveira COLABORARAM NESTA EDIÇÃO texto  Arthur Gadelha, Brenda Mamede, Lara Silveira Letícia Marques, Regina Soares, Thainá Duete e Vitória Yngrid diagramação  Aldemir Neto, Brenda Mamede e Lara Silveira

COM diferentes histórias dos mais diversos personagens, os estudantes desta edição da Matéria Prima trazem para você, leitor, novos olhares sobre a cidade de Fortaleza. De Norte ao Sul da capital, há pessoas que encontraram e até hoje encontram uma forma de ocupar o espaço com diversão, história, preservação à natureza, arte e muita sabedoria. Das narrativas ao silêncio, da boemia aos mangues. É a perspectiva de conseguir enxergar a cidade de uma outra forma no Fortaleza Bus, que narra em diversos idiomas os pontos turísticos da capital. Por outro lado, temos o retrato de uma Fortaleza sem diálogo, onde parte para a desconfiança de uma comunidade que ainda espera por respostas. São as mais variadas manifestações culturais presentes na Praça do Ferreira, que é usada diariamente como palco para apresentações artísticas. São desde palhaços, músicos, pintores, estátuas-vivas, artesãos à malabaristas. É a história de vida do vaqueiro que virou vendedor de queijos. É a boemia e as infinitas histórias de vida contadas através dos espetinhos e bares do diversificado Benfica, onde pessoas tomam o bairro como forma de pertencimento à cidade. É a simples lagoa do Lago Jacarey, que dá luz, vida e movimenta a população aos finais de semana. São as dunas e manguezais da grande Sabiaguaba, que resistem em meio ao caos urbanístico de Fortaleza. Ótima leitura!

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Revista laboratório dos alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitário 7 de Setembro

NOSSA C APA Concepção  Humberto de Araújo Montagem  Aldemir Neto Olhares sobre a cidade de Fortaleza Publicidade e Propaganda

Fotografia  Aldemir Neto

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Para você 12 Artistas utilizam espaços públicos como palco para apresentações 16 De vaqueiro a vendedor de queijos 22 Lago Jacarey mantém clima agradável de praça no lado Sul 18 O Benfica dos bares, espetinhos e histórias de vida

6 Sobre quatro rodas, qual cidade que você vê?

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10 O suspense de uma Fortaleza sem diálogo


24 Uma Fortaleza que

resiste entre dunas e manguezais

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Sobre quatro rodas, qual cidade que você vê? Projeto iniciado no fim de 2018 leva turistas a um passeio de ônibus pela cidade do sol, contando e descobrindo suas histórias

Texto Brenda Mamede Diagramação Lara Silveira

Em uma manhã nublada e com baixas expectativas para ser turista, eu me propus a conhecer Fortaleza, a minha cidade, de uma perspectiva diferente, no “Fortaleza Bus”. Para quem não conhece, este é um ônibus que circula pelos principais pontos turísticos narrando a história de cada um. »

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↔ Pessoas apreciam vista da orla da cidade, no Fortaleza Bus [Foto: Brenda Mamede]

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↔ Passeio Público — Centro de Fortaleza [Foto: Brenda Mamede]

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“Eu me lembro muito bem do dia que eu cheguei, jovem que desce do Norte pra cidade grande”, diz a música “Fotografia 3x4” de Belchior, que abriu meu passeio, caminhando comigo junto de diversos outros artistas, como Elba Ramalho, Luiz Gonzaga, Fagner e Ednardo. Confesso que isso tornou aquele momento ainda mais confortável e me deixou disposta para passar duas horas olhando a cidade que eu nunca percebi. Não sei você, mas eu sempre ouvi comentários, como “Fortaleza é uma cidade feia”, “Fortaleza é uma cidade sem atrações”, “Fortaleza não tem muita graça”. E eu sempre concordei. Sempre, inclusive, me perguntei o porquê de as pessoas virem até aqui para passar as férias. Fortaleza é mais do que eu pensava. O importante da experiência é você se abrir para o momento. Então, vamos juntos começar o nosso passeio por essa cidade em movimento. Iniciamos por um espaço que sempre foi especial para mim. Sempre gostei de ir, de contemplar, de sentar na areia: a Beira-Mar. Atravessamos todo aquele mundo de prédios ricos, passamos pela estátua de Iracema, uma exaltação à José de Alencar; pela feirinha, pelo Jardim Japonês e pelo incrível Mercado dos Peixes. Achava que aquele era o momento alto do passeio porque sentar próximo daquele mar sempre me transmitiu conforto. Quando chegamos no final da Beira-Mar, nos deparamos com uma das mais famosas comunidades de Fortaleza, o Serviluz. Eu, estudante de jornalismo, sempre preparada para as críticas, esperava que o som gravado em quatro línguas (português, inglês, espanhol e francês) ignorasse aquele local. Mas a moça da narração, que contava a história de cada lugar, falou dos que, geralmente, são deixados de lado. Eles foram lembrados em diversos idiomas. Isso me tocou. Seguimos pelo Porto do Mucuripe, passamos por diversos caminhões e caminhoneiros. Pessoas pobres dormindo no chão, lixo espalhado. Eles mostraram a realidade de diversos brasileiros. Eu, preconceituosa como fui, achava que iríamos conhecer apenas o

que é considerado rico na cidade. Mas não, eles me mostraram também o que muitos preferem esconder de baixo do tapete. E aí chegamos na Praia do Futuro. Com um olhar diferente, eu vi aquele local como um bairro e não apenas como a praia que eu vou para curtir com amigos. E eu nunca tinha percebido isso. Temos uma estranha mania de julgar tudo apenas a partir do nosso ponto de vista. Mas no instante que resolvemos não julgar e experimentar, conhecemos o novo. Saímos então na Praia do Futuro, passamos pela praça Dom Helder Câmara e entramos na Avenida Santos Dumont. Até então eu estava bem familiarizada. Depois de certo tempo na grande avenida, chegamos ao Shopping RioMar. Nesse ponto, tenho uma crítica a fazer. Para quem não sabe, este shopping foi construído no entorno da comunidade Verdes Mares e valorizou aquela área, inclusive. Senti um pouco de descaso com o local. Poderiam ter exaltado a comunidade. A moça das quatro línguas, ao contrário, falou apenas “Shopping RioMar”. Me perguntei: “é só isso?”. A Fortaleza que estava me sendo apresentada eu ainda conhecia. Achava bonita, andava por aqueles locais e eu estava me sentindo representada. “Aldeia, Aldeota, estou batendo na porta pra lhe aperriar”, já cantava Ednardo e, então, entramos na Aldeota. Rio Cocó, Praça Portugal, Palácio da Abolição e Mausoléu do Presidente Castelo Branco. Foi aí, depois desses pontos, que despertei: eu não conheço minha cidade direito.

Chegamos ao Estoril. Seguimos para Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, Mercado Central e Catedral da Sé. A visão panorâmica do ônibus me garantia uma vista ampla e privilegiada da cidade, do Mercadão, seus vários andares e aquela pintura imensa da Raquel de Queiroz. As ruas do Polo de Moda José Avelino cheias de pessoas procurando comprar o mais barato mesmo, andando quilômetros, olhando tudo. Seguimos pelo Passeio Público e pela Emcetur. Dois locais onde nunca desci, nunca conheci, nunca coloquei os pés. Aquela Fortaleza não me representava mais. Ou será que era eu que não representava mais Fortaleza? Achei engraçado que na parada de ônibus da Emcetur tinham vários gigoletes na coberta. Chegamos na Praça do Ferreira e fomos incrivelmente valorizados. Falaram do delicioso pastel do Leão do Sul e do famoso Hotel Iracema, contaram um pouco a história que rondava aquele local. Mostraram também o comércio amplo, lotado, as pessoas na praça sentadas, conversando, em plena terça-feira. Fomos ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e finalizamos com a Avenida Monsenhor Tabosa. Ufa. Que passeio extenso, mas rico. Voltamos à Beira-Mar. Finalizei aquele trajeto do “Fortaleza Bus” com um sentimento de conhecimento, de interesse, de “quero mais”. Aí, coincidentemente ou não, Fagner finalizou no som “eu só queria que você fosse um dia ver as praias bonitas do meu Ceará, tenho certeza que você gostaria dos mares bravios, das praias de lá…”. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu desci do ônibus.

Conexão com o Centro

O principal do passeio foi a conexão Praia de Iracema - Centro da cidade. Ali foi a parte mais rica em história. Só fazendo um adendo: antes de começar, o Lucas de 21 anos, Comercial do Fortaleza Bus, falou para mim a seguinte frase: “acho que a parte mais importante é o Centro porque a Fortaleza praia todo mundo conhece, mas a Fortaleza história não”. E ele tinha razão.

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SERVIÇO

Fortaleza BUS .. Seg - Sáb (consultar horários no site) .. R$65-R$90 UU www.fortalezabus.com.br EE reservas@fortalezabus.com.br tt (85) 9 9434.3008 / (85) 9 9437.689

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O suspense de uma Fo Desde 2011, o bairro Serviluz convive com a falta de informações sobre o projeto “Aldeia na Praia”, que prevê a realocação de 300 famílias para a “revitalização” da área.

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texto  Arthur Gadelha DIAGRAMAÇÃO  Brenda Mamede 2019.1


Na tarde do dia 03 de fevereiro, os moradores da comunidade Titanzinho, localizada no bairro Serviluz, recebiam convite no WhatsApp para uma reunião que aconteceria no dia seguinte com a Prefeitura de Fortaleza no número 28 da Rua Titan, sede da Associação dos Moradores fundada em 1986. Esperavam entender quais os planos da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) para o que o prefeito Roberto Cláudio chamou de “revitalização”. Estava claro que a minúcia na aproximação do poder público com a população local era fruto de um plano que precisava realocar as habitações cujas histórias se misturam com a ocupação da praia no Cais do Porto. A reunião, porém, não revelou muito nem para os muitos que teriam suas vidas transformadas. O encontro mudou de hora e local, e poucos moradores puderam tirar suas dúvidas e expor suas opiniões sobre as propriedades. Em nota divulgada no mesmo dia, a Assembleia Popular da Associação disse que a sensação foi de desentendimento e perplexidade. “O Habitafor deixa o local às pressas e as pessoas ainda mais confusas sobre o projeto que já está sendo executado totalmente fora da lei”, acusa prontamente. Quanto mais perto se ouve a voz da comunidade, mais a situação parece destinada ao caos da ausência de diálogo. Aos poucos, vai se tornando claro que há muito mais objetos e personagens em conflito nessa história que está prestes a completar 10 anos. Pedro Fernandes, coordenador da

Associação há três anos, conta que além da aflição dos moradores de se distanciar do ambiente paradisíaco em que cresceram e enfrentar a realocação de suas moradias, o principal conflito é jurídico e toca numa ferida de desamparo por parte da Prefeitura. A área habitada no Serviluz é identificada como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). A criação dessas zonas data da década de 80 em Recife (PE) como lei municipal e se tornou federal apenas em 2009, durante o Governo Lula, atendendo dezenas de cidades brasileiras. “A cidade tem o chamado Plano Diretor de Fortaleza, sancionada em 2009, e um dos principais pontos dessa lei é reconhecer as ZEIS da cidade. Essas zonas foram pensadas para implantar melhorias urbanísticas e sociais. Não é diferente com o Titanzinho. O problema é que hoje, em 2019, a Prefeitura não quer mais considerar que fazemos parte disso”, conta Pedro. Em 2018, a Prefeitura empossou 137 conselheiros das ZEIS e a respectiva do Serviluz foi firmada em parceria com a Universidade de Fortaleza, instituição privada pertencente ao grupo Edson Queiroz, que também assinou a responsabilidade de outras duas Zonas, do Mucuripe e Praia do Futuro. Sentados à espera do início de uma nova reunião na sede, moradores conversam entre si sobre quais melhorias alcançaram suas relações de moradia após essa oficialização de manutenção. “A impressão é que não houve nada. Correram com essa preocupação só para que hoje possam pressionar a reforma

justamente onde a gente vive. Mas estamos conscientes da legalidade do nosso espaço e do nosso direito de defesa. O Titanzinho é nosso”, conclui a moradora Roberta Tavares com a frase que guiou a resistência da comunidade nos encontros pontuais com o poder público. “O Titanzinho é nosso”, ecoava na Câmara dos Vereadores quando o grupo foi discutir a existência da ZEIS. Em 2013, com o orçamento de R$ 104 milhões, com participação de 15% da esfera municipal, o projeto previa a construção de um calçadão de 1,7 quilômetros ao redor da comunidade, requalificação de vias e urbanização do espigão do Serviluz. Salmito Filho, que na época era Secretário de Turismo, disse que a ideia era a construção de uma “nova Beira-Mar”. Procuramos a Prefeitura de Fortaleza e as secretarias citadas para comentar a abordagem e os planos públicos para a região, mas não recebemos resposta via e-mail ou telefone. A ausência de resposta, para a imprensa e para os moradores, deixa aberta as feridas causadas pela falta de comunicação direta. “A Prefeitura nunca nos disse diretamente o que faria, sempre meias-verdades e decisões que seriam tomadas em breve. Não é assim que se discute a realocação de mais de 300 famílias”, conclui Pedro. O Serviluz, a comunidade do Titanzinho e as secretarias da Prefeitura de Fortaleza seguem num conflito cujo futuro parece invadido por uma névoa de desconfiança. Enquanto o lado gestor não expor todos os interesses, não haverá ferramentas para o diálogo.

ortaleza sem diálogo ↖ Farol do mucuripe [Ilustração: Diego Henrique]

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↑ Praça do Ferreira — Centro de Fortaleza [Foto: Vitória Yngrid]

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Artistas utilizam

espaços públicos como palco para apresentações Manifestações culturais nas praças de Fortaleza possibilitam a exposição de trabalhos desenvolvidos por artistas de rua

Texto  Vitória Yngrid Diagramação  Lara Silveira

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Os grandes centros urbanos são compostos por um conglomerado de pessoas que transitam rotineiramente pelas principais ruas. Na Praça do Ferreira, coração de Fortaleza, não é diferente. Todos os dias diversas pessoas caminham pelo local, onde se observa a frequente apresentação de artistas de rua que manifestam seus talentos nos espaços públicos. São músicos, artesãos, pintores, acrobatas, malabaristas, estatuas-vivas, palhaços, atores e muitos» outros que costumam realizar suas apresentações no local.

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↔ A arte que dá vida à Praça [Foto: Vitória Yngrid]

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A arte é uma criação humana que busca expressar aquilo que inspira, por meio de valores estéticos. É apresentado de diversas formas, produzida e exposta em diferentes locais. A arte é um reflexo do ser humano e muitas vezes representa a sua condição social. O artista de rua é um trabalhador que faz uso de suas habilidades artísticas para promover o acesso à arte ao público. Já a rua é um grande palco aberto em que sempre cabe mais um, e o público é toda e qualquer pessoa que se dispõe a ver as manifestações de artistas que compõem o ambiente. Todos os dias os grandes centros urbanos são roubados por uma cena, um artista que canta, outro que pinta e cria seu ateliê no chão da praça. São rapazes e moças que fazem malabarismo no sinal, cada um a seu modo, sem pedir nada, mas com o intuito de que seu trabalho seja visto e valorizado. O artesão Francisco Carlos Ferreira, 36, piauiense, deixou a cidade natal devido às dificuldades que enfrentava e veio para Fortaleza na esperança de ter melhores condições de vida. Atualmente, mora e trabalha na Praça do Ferreira, onde produz peças artesanais da palha de coqueiro, arte que aprendeu com sua esposa há cinco anos e, desde então, passou a viver dela. Ainda sem moradia fixa tendo que dormir na rua, o que ganha garante apenas a sua alimentação. Quando não estão na praça, o outro destino é a praia de Iracema. Atraído pelos locais de maior movimento ele diz: “a gente trabalha com todo tipo de público, tem gente que dá valor à nossa arte, mas tem gente que não valoriza”. Já o pintor Naja, 62, pseudônimo que utiliza para assinar as obras, vive como nômade percorrendo o Brasil e o mundo, expondo seu trabalho. Há 35 anos no mercado, vive da arte que pro-

“A “ gente trabalha com todo tipo de público, tem gente que dá valor à nossa arte, mas tem gente que não valoriza Carlos Ferreira duz. Atualmente em Fortaleza montou seu ateliê na Praça do Ferreira, onde realiza suas pinturas apenas utilizando a ponta dos dedos. Ex-funcionário público, Naja aprendeu a pintar sozinho, com obras que demostram do nascer ao pôr do sol, pintadas em cerâmica. Um itinerante, paisagista, artista, Naja não é apenas pintor, mas também professor. Ensinou seu filho todo o conhecimento artístico que adquiriu ao longo da sua jornada. A arte de rua é essencial, pois se torna acessível para todas as pessoas. Ela está disponível, pois não é preciso pagar ingresso, não há interrupções no espetáculo e o público pode contribuir com a quantia que o bolso permitir e o que o coração desejar. São manifestações que transmitem mensagens por meio da sociedade, tendo a colaboração do povo para compor a mensagem que deseja passar. Os semáforos, as praias, as ruas, esquinas, frente de loja são todos possíveis locais para se encontrar um artista. Tudo o que for livre, for amplo, for coletivo e for de todos é um propício cenário para apresentações culturais. Arte que se aprende na rua

Quando o intuito é aprender, não importa a hora e o local. Para os artistas que trabalham na Praça do Ferreira, não há obstáculos que impeça o aprendizado da arte. Bruno Rodrigues, 36, cearense, vive da arte há dezesseis anos. Produz desde pulseiras, colares, artigos para decoração e muito mais.O

artesão aprendeu a fazer suas peças na rua vendo os companheiros de trabalho produzir. Motivado pela vontade de viajar, trabalha em praças, na praia e em frete aos shoppings centers. Todas as peças são feitas a mão, cada uma é única e apresenta uma variedade de cores, formatos e tamanhos que encantam os olhos dos consumidores atraídos pela beleza. Quando o trabalho é voltado para algo mais simples e pequeno o tempo para confecção pode durar entre 5 a 8 minutos. Rodrigues diz que a maior dificuldade são os camelôs, pois compram os produtos por um preço bem baixo para revender. Isso gera uma competitividade e dificulta a venda dos artesões. Quem trabalha na rua, nem sempre tem o poder de alcançar um grande público, de ter recursos necessários para realizar um melhor trabalho, de poder expor sua arte e ser remunerado da forma que deveria ser. O espaço aberto também é um palco, sem estruturas grandiosas, sem paredes e os equipamentos necessários. É por meio do improviso e das dificuldades que uma obra ou uma apresentação é desenvolvida. Viver da arte é para quem ama a profissão, ser artista não é apenas um trabalho, mas sim um dom e cabe ao público apenas aplaudir e admirar essas manifestações culturais que ganham cada vez mais espaço nas cidades. Para ser artista não precisa ter padrão, seguir normas e regras. O talento, a criatividade, o improviso de cada um se torna diferencial, pode ser algo pequeno, mas grande na qualidade, ser algo modesto, mas que encante pela simplicidade, pode ser a rosa feita da palha, o desenho pintado na cerâmica ou até mesmo a brinco artesanal. Os formatos são diversos, os artistas são múltiplos e o público sempre terá arte na vida.

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De vaqueiro a vendedor de queijos Raimundo Veras ficou famoso por vender carnes e queijos em um local histórico, no centro de Fortaleza Texto  Leticia Marques

Diagramação  Regina Soares

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Carismático, sorridente e com assim como o pai. Seu pai não aceitava olhar tímido, seu Raimundo Araújo Ve- a ideia. Mesmo assim, Raimundo largou ras, mais conhecido como “Raimundo a escola para subir no boi, conciliando a dos Queijos”, é dono de um dos esta- atividade com o trabalho. Com o passar belecimentos mais movimentados, aos do tempo, ele se casou com Claudia e dedomingos, em Fortaleza. Nascido em cidiu se mudar para Fortaleza. Era 1975. Chaval, município localizado no ex- Em Fortaleza, ele decidiu abrir um tremo norte do Ceará, no limite com frigorifico no mercado e ficou por lá o Piauí, Raimundo (ainda Araújo), co- por dez anos. O movimento fraco o promeçou, aos 18 anos, sua rotina diária vocou para uma nova mudança: alugar de trabalho duro com os pais. outro ponto em Fortaleza, no centro, Vendo os gados ao redor de casa, Rai- em uma das ruas mais movimentadas mundo sentiu vontade de ser vaqueiro, por turistas e cearenses. O agora bar


“Raimundo dos Queijos” ficou tão co- o Raimundo dos Queijos é ponto de nhecido, que famosos como a apresen- referência para quem quer encontrar os tadora Angélica (da TV Globo) chegou a amigos, comemorar datas importantes, fazer uma matéria no bar. No cardápio, como o aniversário, ou simplesmente além do queijo, paçoca, cajuína, mel, desopilar, saboreando o carro-chefe, o rapadura, molho de pimenta e cerveja. queijo fresco. Essa trajetória de relacionamentos Entre os amigos antigos, frequentapode ser vista nas fotos expostas na pa- dores habituais como o cliente Romeu rede. Estão lá o comerciante, o vaqueiro, Duarte. Professor de arquitetura e os amigos e as primeiras matérias de urbanismo, da Universidade Federal jornais impresso feitas com ele. Entre os do Ceará (UFC), Romeu frequenta o destaques, o quadro com o título de Ci- bar há 12 anos e conheceu “Raimundo dadão de Fortaleza, dado a ele em 2010. dos Queijos” pelos comentários emSeu Raimundo é bastante conhecido. polgados dos amigos próximos a ele. “Não sei dizer a felicidade que eu tenho”, “Rapidamente me senti contagiado e ressalta, numa rotina ainda intensa e fazendo parte da casa”, diz ele. que conta com a ajuda da esposa Claudia Outro dos frequentadores, Pedro e, aos finais de semana, do filho Adriano. Carlos Alvares, decidiu registrar, em “É difícil falar dele. Para mim ele é exem- vídeo, toda a importância do local para plo de vida e de pessoa. Um homem de o resgate e a valorização do centro da caráter e honestidade e muito trabalha- Capital cearense. Os trabalhos do dodor”, diz Adriano, emocionado. cumentário “Raimundo dos Queijos - A Raimundo afirma que nunca imagi- Confraria do Centro” começaram em nou que faria tanto sucesso. “Nunca 2011 e pretendem registrar com imaesperei ficar tão famoso assim e foi bom gens e depoimentos todos que fazem ter acontecido”. Aos finais de semana, parte da história do lugar, na relação

que estabelecem também com o centro de Fortaleza. Alimento produzido aqui mesmo no Ceará, o queijo manteiga é um dos mais conhecidos como “tira-gosto”. Vem da região do Vale do Jaguaribe. No Raimundo dos Queijos o quitute é servido em peças pequenas, cortadas delicadamente. Com pouco sal e um sabor mais leve, chama bastante atenção do público frequentador. Quando servido, vem acompanhado de muita história, uma bebida bem gelada regional das boas. Um permanente convite ao retorno.

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Serviço:

Bar Raimundo do queijo .. Rua General Bezerril, 151, Centro .. Segunda a Sexta: 07 às 17h Sábado e Domingo: 08 às 16h tt (85) 3226-9351 FF Raimundo-dos-Queijos II @raimundo_do_queijo

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O Benfica dos bares, espetinhos e histórias de vida Muita simplicidade e boemia nos bares que ajudam a contar a história de Fortaleza

Texto  Lara Silveira diagramação  Aldemir Neto

Ilene Machado Moura, 52 anos, é uma mulher guerreira e simpática, que nasceu no Maranhão e, bem jovem, aos 16 anos, veio para Fortaleza. Passado algum tempo, começou a trabalhar na cidade. Mas como “nem tudo são flores”, ficou desempregada pouco tempo depois. Foi a partir daí que resolveu montar o próprio negócio. E não é que deu certo? O tão conhecido pelos universitários do bairro, o Pitombeira, está há 29 anos fazendo parte da cena boêmia do Benfica. O bar leva esse nome justamente porque a árvore que fica na calçada é um pé de pitomba, servindo de sombra para quem chega no começo do dia. Ela declara que no bar não mudou nada, continua tudo simples e modesto. “O bar é muito importante na minha vida porque é o meu meio de vida, o meu ganha pão. E pretendo ficar aqui, já estou acostumada”, ressalta. »

↖ Cantinho Acadêmico na Avenida Trezede Maio [Foto: Lara Silveira]

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↓ Alan administra diariamente o bar com a família [Foto: Lara Silveira]

Além do horizonte

Saindo do Pitombeira e caminhando por mais ou menos cinco minutos, podemos chegar no Cantinho Acadêmico. São exatamente 17:30 de um sábado e o Alan Pereira, 37, mergulhador e um dos que tomam conta do negócio, nos recebe no bar. Com muito bom humor, ele começa a contar que o pai, Gil, e o cunhado do Gil, o Pereira, tiveram e idealizaram a história do estabelecimento. O bar teve início na Waldery Uchôa, número 2, início da rua, colado com o muro da Universidade, por isso se chama Cantinho Acadêmico. “O Gil e o Pereira não tinham ideia que ia tomar a proporção de empresa que tomou, há 23 anos”, ressalta. Em 1999, o bar mudou para a movimentada esquina da Avenida Treze de Maio, e, de lá para cá, eles vêm trabalhando entre família. Se, para muitos, sentar numa mesa e começar a beber é um meio de se divertir, para Alan é a fonte de renda da família. Não só da família dele como pai, mas do pai dele, do tio e de todos os familiares. Hoje, o estabelecimento conta com 13 colaboradores diretos, que sustentam suas famílias através do que ganham no bar. Muito feliz, ele lembra que no mês de março um dos clientes fez 20 anos de bar, o boêmio Narcílio Costa.

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Do churros ao espetinho

Muitos acontecimentos na nossa vida nos fazem dar dois passos para trás para podermos dar dois passos para frente e seguir adiante. Foi o caso do piauiense nascido na Parnaíba Cristiano Fontenele, 43. Na virada de 2005 para 2006, Cristiano estava em São Paulo, quando se envolveu em um acidente de carro gravíssimo, que o impediu de continuar em terras paulistas. Foi aí quando voltou para o Nordeste, escolhendo o Ceará para viver. Como precisava trabalhar com alguma coisa leve, percebeu que não haviam churros sendo comercializados nas ruas da capital, apenas em shoppings, e com preços mais altos. Seu Madruga diz que se não foi o primeiro, foi um dos primeiros a colocar o doce à venda no meio da rua. No primeiro dia, alguns ambulantes não queriam a presença dele, achando que era concorrente, mas depois de muita “peleja” conseguiu pôr o carrinho de churros na porta do antigo Cefet, hoje IFCE. O apelido “Madruguinha” começou com os alunos do Cefet, devido a um inesquecível episódio do programa de TV mexicano Chaves. “Seu Madruga, me dê um churros”. Essa frase pegou entre a garotada e deu nome ao comercio ambulante: “Churros do Madruguinha”. Após dois anos, ele se mudou e abriu uma marmitaria, vendeu comida durante um ano e parou, pois não viu vantagem financeira. Foi o tempo que o cunhado, Antônio Borges, veio de São Paulo. Antônio deu a ideia de montar um “churrasquinho”, e deu certo. Madruguinha ficou uns quatro anos trabalhando na calçada de casa, mas a fiscalização da prefeitura disse que ele só poderia trabalhar dentro da garagem, que é o que ele faz atualmente.

“O “ comércio, para mim, é uma arte. Ele é para todo mundo, mas nem todo mundo é para ele Cristiano Fontenele

“Os bares estão cheios de almas tão vazias”, contrariando Criolo, o que não falta são almas cheias de alegria no Espetinho Madruguinha. Seu Madruga reinventou-se. Hoje tem caipirinha, coquetéis e pão de alho. São novidades que ele implementou durante os 10 anos do tão saudoso bar. Madruga fala que o público do início era 80% juvenil-estudantil. Hoje 30% é estudantil e o restante é formado por pessoas de lojas, empresas, clínicas, que passam no bar para fazer um happy-hour. Ele revela que não consegue se enxergar trabalhando em um emprego, batendo o ponto todos os dias, cumprindo horário. Chamado de “Seu Lunga de Fortaleza” por algumas pessoas, ele é tido por uns como arrogante, por outros como engraçado. Uns adoram, outros amam, porém todos respeitam. “O comércio, para mim, é uma arte. Ele é para todo mundo, mas nem todo mundo é para ele”, enfatiza. Com um enorme significado, a importância do espetinho para ele é a aquisição de uma vida social dentro do bar, como se os fregueses fossem seus amigos. Um exemplo disso é Madalena, 50, uma das primeiras clientes do tempo em que o espetinho era na calçada. Ela se tornou amiga da família e madrinha da Lara, filha do Madruguinha.

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Lago Jacarey mantém clima agradável de praça no lado Sul Lagoa urbana que do lado sul da cidade cresce constantemente, movimenta comerciantes, diverte moradores e se torna ponto turístico Texto  Regina Soares diagramação  Aldemir Neto

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Um local para quem busca tranquilidade ou quer experimentar comidas diferentes, o Lago Jacarey está localizado no lado do Sul e atrai fortalezenses de diferentes regiões da cidade, especialmente nos finais de semana. De sexta a domingo, o espaço conta com várias barracas de produtos artesanais, muitas opções de gastronomia, brinquedos, roupas e maquiagens. Um trenzinho leva crianças e adultos para dar uma volta na área, de onde é possível ver o movimento e as pessoas praticando exercícios físicos, das caminhadas em grupo ao uso dos aparelhos postos na praça. Nas manhãs, a movimentação geralmente é de adultos e idosos. São várias as pessoas se exercitando, algumas sozinhas, outras acompanhadas de amigos e educadores físicos. Crianças e adolescentes dominam às noites, quando a diversão chega à praça. Apesar do clima quente da cidade, as árvores e a lagoa deixam o lugar mais fresco, extremamente agradável para passear, inclusive, com animais de estimação. As pessoas de fora se aproximam porque querem conhecer algum restaurante visto na internet ou uma barraquinha sobre a qual alguém falou bem. As indicações, no melhor estilo boca a boca, elevam as buscas, aumentando a circulação. Os novos pontos de encontros se tornam frequentes e são várias as cele2019.1


↓ Vista panorâmica do Lago Jacarey, no lado Sul de Fortaleza [Foto: Regina Soares]

brações de aniversário nos restaurantes. O ar de tranquilidade e segurança, vem tornando mais intenso o ritmo de abertura das novas lojas e restaurantes. Obedecendo a esse ritmo, uma sorveteria que começou pequena, sem espaço para muitas pessoas, tornou-se um comercio de dois andares e muito frequentado. Uma doceria mudou de local e uma assistência técnica ficou com o espaço. Uma loja de games mudou de localização no próprio Lago e na área anterior uma loja de presentes abriu. Vários salões de beleza ocuparam o espaço, ampliando as opções. Evandro Cordeiro da Silva, 57, é dono da Panificadora Iolanda, estabelecimento em funcionamento na região há 18 anos. Decidiu abrir o comercio

quando percebeu que não haviam padarias no Lago Jacarey. Atualmente, a Panificadora ocupa um grande espaço, servindo todas as refeições e com uma estante de livros para quem quiser ler. Pessoas que passeiam e fazem exercícios no Lago, entram para conhecer, o que faz a panificadora ter mais fluxo. Trabalhando desde 12 anos, Evandro treina os funcionários para saberem conquistar e fidelizar os clientes. “Viver de comércio não é fácil. Não é todo mundo que nasceu para isso”. Ele ressalta que o bom atendimento é fundamental. Aberto todos os dias, inclusive feriados, é comum receber muitas encomendas em datas comemorativas. Denylson Braga,34, mora em frente ao Lago e em sua casa comanda o Espaço

Herbalife. Na ativa desde 2014, Denylson preferiu trabalhar em casa para ficar mais próximo da família e acompanhar o crescimento do filho. Ele divulga os produtos pelo Instagram, tanto que cerca de 80% das pessoas que chegam viram na rede e em média são 75 clientes por dia, em grande parte na hora do almoço. O empreendedor relata que para conquistar as pessoas em uma área de muitos comércios, é necessário criar um ciclo de amizade. “Há pessoas que fazem amizades no espaço e vêm para se desconectar”, diz. Quando aparece um novo cliente, Denylson puxa conversa, no clima que os clientes e moradores do Lago tanto valorizam. É entre uma conversa e outra, que explica como os produtos funcionam.

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Uma Fortaleza que resiste entre dunas e manguezais

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↔ Pôr do sol em Sabiaguaba [Foto: Gustavo Costa]

É na ocupação dos espaços e no resgate de registros culturais que os jovens nativos de Sabiaguaba resistem em um bairro em constantes transições Texto  Thainá Duete Diagramação  Lara Silveira

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Entre o mar e o rio, o som distante dos ventos que fazem as dunas dançarem. No almoço, peixe. Para o café da tarde a despedida do sol que, timidamente, vai se escondendo por trás da penumbra de uma cidade distante que se deixa revelar. Para o jantar, um céu infinitamente estrelado. É com essa mansidão e tranquilidade que os moradores do bairro Sabiaguaba, situado ao litoral leste de Fortaleza, vivem uma vida simples, seguindo o ritmo da natureza, preservando o mangue, a comunidade e as memórias. Inquilina da “casinha dos cactos”, localizada na Rua Bernardo Feitosa, Jéssica Santos mantem uma relação visceral há 26 anos com o bairro. Irmã do “Papito” e da Erbênia, nasceu brincando nos manguezais e subindo nos pés de caju. “Na verdade, nasci em outro bairro. Antigamente em Sabiaguaba existia uma maternidade, mas essa maternidade não deu continuidade e eu acabei tendo que nascer em Messejana. Aí depois de nascida voltei novamente para cá e me criei aqui mesmo.” Nessa natureza cíclica de vida e morte, renascer é preservar. Em uma fragmentada viagem à ancestralidade, a neta da Dona Mocinha mostra nas profundezas das raízes os motivos para ficar. “Quando minha avó veio morar aqui era só uma trilha. Isso em 1970, sabe? Minha avó nasceu em Itaitinga, mas acabou vindo morar aqui pra cuidar

das terras de uns portugueses. Ela e meu avô eram caseiros. Aí teve um dia que minha avó pediu um pedacinho de terra pra construir uma barraca pra ela, pra, se um dia passasse um carro ou pescador, ela poder vender um peixe ou uma cachacinha.” Lugar onde as águas do Rio Cocó se agarram ao mar, Sabiaguaba se doa dando vida para tantas outras vidas, fazendo das suas artérias uma morada para a subsistência local. “Minha mãe, a Gerusa, logo que casou, comprou um pedacinho de terra. Lá mesmo montou uma barraca. Passou a vender peixe, caranguejo e ostra. E eu, muito piveta, ficava vendo ela fritar os peixes, matando os caranguejos, fazendo as peixadas. Depois minha mãe se separou do meu pai e acabou montando uma barraca sozinha”, conta Jéssica. Sendo a barraca mais tradicional de Sabiaguaba, “Gerusa e Família” carrega na história e no paladar a melhor peixada da região. O que antes parecia ser uma leve distração do acaso, morar em “Sabi” virou sinônimo de amor e resistência. Hoje casada com seu amigo de infância, Berg, Jéssica divide uma vida entre ajudar a mãe no restaurante e cuidar dos seus pequenos, Rudá Luz, de dois anos e, Noé, de seis meses. A nativa tornou-se raiz. “Se eu morasse em outro lugar, eu não ia me sentir bem. Aqui é muito aberto, a gente respira o ar puro. Se eu resisto ao tempo é por amor. Eu pretendo ficar aqui. Eu

← Mangue que preserva a natureza e suas memórias [Foto: Gustavo Costa]

vou ficar aqui, vou lutar pra que os meus filhos tenham um pedacinho de terra pra eles também”, emociona-se. A fotografia como resistência

“Às vezes eu falo muito, me empolgo, deslumbro. As vezes não me considero parte desse mudo, logo vislumbre, que qualquer aposta eu cubro e qualquer pergunta que não goste a resposta vem ao cubo...”. É com esse ímpeto poético que o nativo de Sabiaguaba, Gustavo Costa, de 26 anos, vive uma rotina entre afoitos, fotografias, caos, mangue e geografia. Os mais velhos são o referencial para uma família que reside em Sabiaguaba a mais de 80 anos. Bisneto de um senhor com nome de rua “Rua Elías Francisco”, Gustavo devaneia sobre um passado afetivo de uma vida farta e simples, na base da pesca, agricultura e costura. Nascido e criado em Sabiaguaba, tem o bairro como inspiração para um conjunto de projetos que, sutilmente, vêm comunicando uma vida cercada de natureza e com um toque de civilização moderna. Morador da Rua José Parente, ele tem a fotografia como um projeto de vida. Foi aos 16 anos, quando ganhou seu primeiro celular com câmera, que Gustavo começou a escrever a beleza dos primeiros registros fotográficos. “Eu queria mesmo uma câmera, mas como minha família não tinha condições de comprar uma,

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→ Foto do ensaio AFOITOS [Foto: Gustavo Costa]

eles acabaram me dando um celular. Aí eu comecei a usar esse celular para fotografar. Foi onde eu me encontrei com a fotografia pela primeira vez.” Depois de se aventurar por quatro anos com um celular, Gustavo ganhou sua primeira câmera compacta. Assim, Sabiaguaba passou a ser o principal personagem desse elo. “No início, quando eu passei a fotografar, eu não saía muito por aí, sabe? Então meu primeiro encontro foi com as paisagens de Sabiaguaba. Eu acabava capturando lugares que estavam dentro da minha memória afetiva.” Em 2015, o futuro geógrafo conseguiu comprar sua primeira câmera profissional. Com ela, vieram grandes inspirações: retratar uma “pivetada” afoita que se deleita em um rio que transborda “paisagens oníricas” e a “pluralidade de um povo bonito e potente que segue em resistência nas diferentes periferias de Fortaleza.” Seu primeiro ensaio levou o nome de “Sabiaguaba verde em transição”, com fotografias que retratavam o lugar em suas constantes mudanças ambientais, sejam elas naturais ou artificiais. “ODOYÁ: A FESTA DA RAINHA” é o nome do seu segundo projeto. Banhado nas co-

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res da mãe do mar, o ensaio releva a magia e os encantos quase que indescritíveis dos festejos que acontecem tradicionalmente, há mais de 50 anos, em Fortaleza. “Lanço olhares para mostrar não só a grandeza da festa, mas também como representação da minha própria fé e, como filho de Iemanjá, ofereço-lhe este projeto como forma de amor e gratidão. Axé.” Além das metamorfoses de “Sabi” e da fé em Iemanjá, Rainha do Mar, Gustavo evoca uma infância que até hoje revive em sua memória. Seu terceiro projeto é um trabalho em conjunto. Realizado pelo Coletivo Zoio, o ensaio “AFOITOS” é uma série de solturas sobre água, manguezais, pulos e alegria dos jovens nativos. “Esse trabalho só acontece quando a Lagoa da Precabura 'sangra'. Aí os meninos aqui do bairro se reúnem na Rua Sabiaguaba e ficam pulando da ponte. É bom ressaltar que esse momento só existe porque a geografia de Sabiaguaba permite que isso exista. É um fenômeno alinhado a uma questão totalmente geográfica.” E com muita autonomia e alegria, ele completa: “Eu gosto de morar aqui e não pretendo sair. Há não ser que seja por questões de trabalho. Eu acho que

permanecer em Sabiaguaba vai além de um ato de resistência, é ancestral sabe? Meus bisavós vieram morar aqui. Meus avós e pais nasceram aqui e agora tem um sobrinho que está chegando. Então, me sinto na responsabilidade de permanecer e lutar por esse espaço.”


Gustavo gosta de definir a sua fotografia como um grande “ato que envolve a vida”. As fotografias são o resultado da vivência que, se compartilhadas, são capazes de gerar outros tantos encontros. “Eu faço parte de um nicho chamado Fotografia Periférica. Esse tipo

de fotografia não tem ainda uma definição ao certo, mas é muito atravessada pela fotografia de rua, fotojornalismo e, acima de tudo, algo muito cotidiano, por isso se envolve com as pessoas e lugares”. Ou seja, uma fotografia mais humanizada”, explica.

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