Revista Matéria Prima 2012.2

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ÓRGÃO LABORATORIAL DO CURSO DE JORNALISMO DA FA7 - 6a EDIÇÃO - 2012

Diversidade de Sons


Edit

orial Palavras para ouvir

EXPEDIENTE

Matéria Prima abril 2012

DIRETOR-GERAL: EDNILTON SOÁREZ DIRETOR ACADÊMICO: EDNILO SOÁREZ VICE-DIRETOR: ADELMIR JUCÁ COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO: DILSON ALEXANDRE PROFESSOR ORIENTADOR E EDITOR: MIGUEL MACEDO PROFESSORA ORIENTADORA DE DESIGN E EDIÇÃO DE ARTE: ANDREA ARAUJO

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PROJETO GRÁFICO: CARLOS COSTA ILUSTRAÇÃO DA CAPA: GABRIEL OLIVEIRA EDITORIAL E REVISÃO: SORIEL LEIROS TEXTOS: DAYANNE FEITOSA, TATIANA GIRÃO, ELAYNE COSTA, IZOLDA RIBEIRO, JEFFERSON OLIVEIRA, ELRICA MARA, LYVIA ROCHA, RAONI SOUZA, IURY COSTA, SAULO LOBO, AMANDA NOGUEIRA, GIL DE SOUSA, SORIEL LEIROS, GABRIEL MAIA, LARA COSTA, HIBRAEL MARTINS SOUZA, LUCAS MOURA, RUBENS DE ANDRADE, ROSANE GURGEL, VICENTE NETO DESIGN E ILUSTRAÇÕES: GABRIEL OLIVEIRA, MARCUS BRAGA, CARLOS COSTA, ORLANDO VIANA, NAIANA, ANA PAULA XIMENES, MARCELO BASTOS, PATRÍCIA MONTENEGRO, JONAS XAVIER, RICARDO LIRA, TITO, AMARILDO TAVARES, IVAYR SARAIVA, DIMITRI BASTOS, FÁBIO CAFÉ, JULIANY SIQUEIRA. PARTICIPARAM, DESTA EDIÇÃO, OS ALUNOS DE PLANEJAMENTO E EDIÇÃO DE REVISTAS, DESIGN EDITORIAL E DIREÇÃO DE ARTE

Desafio. Esta palavra talvez resuma esta edição da revista Matéria Prima. Como transformar a Diversidade de Sons, um tema aparentemente abstrato, em reportagens reais. Mais que isso: como seduzir nossos leitores com a promessa da diversidade proposta pelo tema. O começo foi árduo para todos, mas, ao percorrermos todas as etapas da produção, desde a definição das pautas até a diagramação das produções textuais, pudemos perceber que a temática é tão rica e abrangente como jamais poderíamos imaginar. O desafio foi posto e deveríamos seguir em frente. Esta diversidade se traduz nos textos da revista. Apresentamos o som em diferentes contextos. Mostramos medos, problemas e apontamos alternativas. Fomos críticos e observadores. Especialistas foram ouvidos. Valorizamos projetos e unimos gerações. Não esquecemos o rádio, os fones de ouvido e tampouco a música com ou sem paredões. Conhecemos a dublagem, os sotaques e os jingles. O museu, a feira, a igreja e os palcos foram lembrados. As crianças tiveram vez, ou melhor, voz. O silêncio fez parte como também os instrumentos e afinadores, e até mesmo uma partida de futebol. Alunos e alunas, na condição de repórteres, puderam conferir de perto como funciona o som em diferentes situações, por meio de pesquisas e entrevistas, coletando dados, conhecendo personagens e espaços, elementos fundamentais para a realização deste produto. O projeto gráfico da Matéria Prima também é outro diferencial. As ilustrações deram um toque a mais nas reportagens contribuindo para contar as narrativas de cada aluno/repórter. Nesta edição, tivemos a oportunidade de reunir esforços dos alunos e professores de Jornalismo, Design Gráfico e Publicidade da Faculdade 7 de Setembro. O material está pronto e convidamos você, leitor, a fazer um passeio pelas próximas páginas utilizando um único sentido: o som da palavra. Boa leitura!


SUMÁRIO

Sum

ário

4 Como uma onda de som 6 A memória do som 10 Rádio: o meio de comunicação do som 12 A sonoridade em propagandas 14 Instrumentos musicais: som do coração 18 A diversidade em um lugar 20 O som que vem das arquibancadas 22 O som da adoração 24 Vamos comprar, freguesa? 26 Rua, silêncio, fora paredão! 30 Silêncio x Barulho 32 Fones de ouvido: mocinho ou vilão? 34 O som do silêncio 36 Fonofobia: o medo do som 38 Uma voz de princesa 42 Música para ouvidos infantis 44 A voz do palco principal 46 Da ponta dos dedos à magia do som 48 A música como oportunidade 50 ¡Adiós, soledad!


SONORIDADE Matéria Prima abril 2012

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COMO UMA ONDA DE SOM

UM GRITO, UM RUÍDO, O CANTO DE UM PÁSSARO, OS PASSOS DE ALGUÉM ANDANDO DE SALTO ALTO. O LIQUIDIFICADOR LIGADO, A SIRENE DE UMA AMBULÂNCIA, O CHORO DE UM BEBÊ, A CHUVA BATENDO NO CHÃO. O APITO DO TREM, A TURBINA DE UM AVIÃO, A BUZINA DOS CARROS, A VOZ DE UM SOPRANO, TUDO ISSO NOS REMETE A UM SÓ PENSAMENTO: O SOM TEXTO: DAYANNE FEITOSA ILUSTRAÇÃO E DESIGN: CARLOS COSTA


O SOM, NA VERDADE, NÃO FOI SIMPLESMENTE criado. Desde os primórdios da vida na Terra, ele já estava por aqui. Segundo o professor de Física, Nildo Loiola, da Universidade Federal do Ceará, e doutor em Física pela University of London, a definição do som é muito simples. É simplesmente a vibração da matéria, seja ela líquida, sólida, gasosa. Define-se como som, aquilo que o homem pode perceber com sua audição. “Qualquer coisa na Terra pode produzir som. Basta apenas que ela vibre mais de 20 vezes por segundo, para que o homem possa perceber”, esclarece o físico. A propagação só irá existir se houver uma matéria. E as vibrações é que vão definir que tipo de som será produzido. Para que o ouvido humano possa perceber um som, ele terá, no mínimo, 20 vibrações por segundo. Essas vibrações por segundo são mais conhecidas como frequência que são medidas em Hertz (Hz). Abaixo desse valor, o ouvido não poderá captar. Para a produção de um som, portanto, basta que o ar passe pela matéria e vibre mais de 20 vezes por segundo, para que seja percebido pela audição humana. O máximo de som que o ouvido humano pode captar é de 20 mil vezes por segundo. Acima desse valor está o ultrassom. Quando o ar vibra poucas vezes, isso não é denominado som, apenas é chamado de vibrações. Ou, às vezes, é chamado de infrassom, que tem a característica de possuir vibrações abaixo de 20 Hz. O que diferencia o som agudo do grave é a frequência das ondas. O grave possui poucas vibrações por segundo e o agudo tem mais vibrações. Há diferentes formas de medição de ondas sonoras. Uma delas é o osciloscópio, que é parecido com um tubo de televisão, onde é possível ver o formato das ondas. A intensidade do som é medida em decibel, unidade criada para a medição da intensidade sonora. O mais importante dos sons que produzimos é a voz. A voz humana é produzida a partir da respiração, logo a respiração é à base da voz. O ser humano possui cordas vocais, e quando o ar da respiração passar por essas cordas elas vibram, saem pela boa e, assim, as palavras ganham som. As cordas vocais são encontradas na laringe. A voz é utilizada para a comunicação. É por meio dela que podemos perceber características dos emissores como nacionalidade, estado emocional, idade, nível de escolaridade e qual a mensagem que será transmitida.

Segundo a fonoaudióloga do Núcleo de Apoio à Saúde da Família, Nasf, Suelle Freitas, o som de voz é qualquer som produzido na área da laringe. “Não necessariamente quer dizer que esse som possa ter um significado pra uma língua. Mas qualquer som produzido na laringe em nível de cordas vocais é considerado voz.” O som vai sendo produzido desde quando o ar entrou nos pulmões e passa nas cordas vocais. Quando ele vai chegando à região da boca, do nariz, começa a ganhar outros significados. A fonoaudióloga explica que é a partir desse momento que o som da voz ganha a participação das articulações e, assim, serão formadas palavras que tenham um significado. “Quando utilizo os lábios, os dentes, a língua e as articulações pra articular o som da voz, ele se transforma também em linguagem”, diz Suelle, acrescentando que a linguagem também tem um significado, “por isso que a linguagem está dentro de uma língua, que são códigos que vão dar significado a determinadas palavras”. Uma das características determinantes do ser humano é a voz. Cada um possui uma voz própria, pois, os órgãos pelos quais o ar vai passar e será transformado em voz, e são diferentes de pessoa para pessoa. Nossa voz é considerada um instrumento único. Suelle explica o porquê dessas diferenças. “O som da voz começa a ser produzido no pulmão, depois sobe para a laringe, vai passar pela faringe e até esse canal é diferente de pessoa para pessoa. Algumas pessoas vão possuir uma faringe e laringe mais largas ou menores e mais finas. E quando a voz chega na boca já é tudo diferente também, pois, o céu da boca de cada individuo é de um jeito, o tamanho das bochechas, os dentes e a boca também serão diferentes”. As cordas vocais também ajudam na diferenciação das vozes de cada um de nós. O tamanho, a espessura e a forma de vibração também irão influenciar na produção. A especialista também explica que em determinados casos, o falar pode ser muito parecido, mas será raro encontrar pessoas que possuam a mesma voz. Pode haver algo de parecido, mas não haverá a possibilidade de um individuo possuir a mesma que outro. “Todas as cavidades onde são produzidos o som são especificas em cada pessoa. O timbre também vai ser característica daquela fonte sonora”, observa a fonoaudióloga.

“QUALQUER COISA NA TERRA PODE PRODUZIR SOM. BASTA QUE VIBRE MAIS DE 20 VEZES POR SEGUNDO, PARA QUE O HOMEM POSSA PERCEBER.” NILDO LOIOLA, FÍSICO

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ACERVO HISTÓRICO Matéria Prima abril 2012

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HÁ MAIS DE 20 ANOS O SOM E A IMAGEM DO CEARÁ SÃO PRESERVADOS NO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM TEXTO: TATIANA GIRÃO ILUSTRAÇÃO: MARCELO BASTOS DESIGN: PATRÍCIA MONTENEGRO


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ACERVO HISTÓRICO

ARQUIVO NIREZ 141 MIL ITENS - ENTRE ELES, ESTÃO 22 MIL DISCOS DE 78 RPM BRASILEIROS,

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REPRESENTANDO 44 MIL MÚSICAS.

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A PALAVRA MUSEU REMETE À ANTIGUIDADE, faz lembrar história, relíquias. No museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS), a história começa bem antes de encontrarmos os arquivos presentes no acervo e na exposição de equipamentos antigamente utilizados. O MIS respira história, assim como os que lá se dedicam a trabalhar. Ao dar os primeiros passos em direção à entrada, a arquitetura do espaço, que abriga a memória do som e da imagem do Ceará, já fala do passado, das antigas estruturas e casarões. No silêncio, é possível perceber a antiguidade, a preservação do que já foi. Em princípio, o olhar crítico até julga o merecimento do local por mais cuidados. Só depois de conhecer o que por detrás do empoeirado existe, é possível admirar e até viver um saudosismo do que nunca se viu. “Nem sempre foi aqui”, conta Paulo de Tarso, responsável pelo acervo de 150 mil arquivos, entre discos de música brasileira e internacional (de 78, 45 e 33 e ½ rotações), CDs, fitas de áudio, de rolo, cassete e microcassete, além do grande acervo de imagens, incluindo fotos da antiga Fortaleza. Não é difícil perceber a paixão e o envolvimento dos colaboradores com o museu. Eles contam com entusiasmo os pormenores do tempo em que tudo teve início, em 1980. “Foi no governo de Virgílio Távora quando tudo começou”, acrescenta Saul Melo, que trabalha no acervo, e de longe escutava a conversa e contextualizava na história do Ceará, a história do MIS. Mas os primeiros passos foram dados antes do primeiro abrigo, o subsolo da Biblioteca Governador Menezes Pimentel.

“SEM PASSADO NÃO SE CONSTRÓI O PRESENTE, QUE SERÁ O CAMINHO PARA O FUTURO.” NIREZ, HISTORIÓGRAFO A união de alguns intelectuais dos anos 1970 deu origem ao Centro de Referência Cultural (Ceres). Lá eles reuniram um grande acervo de registros históricos, e todos eles foram doados ao Museu da Imagem e do Som que surgiria na década seguinte. Além dessas doações iniciais, o MIS recebeu uma coleção de filmes da TV Educativa, atual TV Ceará, canal 5. Colaborações essas significativas para a ampliação do acervo e da memória física do som e da imagem. O museu, vinculado à Secretaria da Cultura do Ceará, é responsável, desde sua fundação, pela preservação, difusão e pesquisa da memória audiovisual do estado. Foi somente em 1996 que a história do MIS uniu-se à história contida na atual sede, um dos pontos mais tradicionais de Fortaleza, na avenida Barão de Studart, em frente ao Palácio da Abolição. Saul lembra, em uma de suas intervenções à conversa, que por conta da proximidade com o palácio do governador, a casa, que hoje dá lugar à memória audiovisual do Ceará, foi projetada nos anos 1950 pelo arquiteto José Barros Maia (Mainha), para ser a residência do senador Fausto Augusto Borges Cabral. De lá até os anos 1970, tornou-se a residência oficial do governo. Deixando mais um vestígio de que o som e a música caminham lado a lado com a história, o registro de um povo, de uma cultura, de um tempo. Unir o MIS a um prédio que abrigou o governo em um tempo que não havia liberdade de expressão, onde as músicas cantavam suas revoltas nas entrelinhas da poesia, poderia ser até mesmo ironia. Em seu acervo, o registro de valor inestimável da sociedade, de um tempo, tudo isso por meio do som. E no lugar onde moraram os que comandaram um dia a repressão do estado, a pura manifestação da democracia, da expressão, do querer de um povo. Tudo gravado, eternizado, em frios acervos, que mais lembram os tempos atuais, onde o som nada mais é do que a ausência de um valor que um dia alguém entendeu: precisa ser preservado. Quem sabe prevendo os dias maus da cultura enfrentados hoje.


NIREZ COSTURA E BORDA O SOM ARQUIVO DO MIS 150 MIL ARQUIVOS, ENTRE DISCOS DE MÚSICA BRASILEIRA E INTERNACIONAL, CDS, FITAS DE ÁUDIO, DE ROLO, CASSETE E MICROCASSETE. RECEBE TODO MÊS CERCA DE 400 VISITAS, ENTRE ESTUDANTES, PESQUISADORES E CURIOSOS.

A identificação é longa e traduz a estreita ligação com a memória do som. Em seus registros, Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, é jornalista, pesquisador, historiógrafo, colecionador, proprietário do Arquivo Nirez e, atualmente, dirige o Museu da Imagem e do Som, do Ceará. E mais, é membro efetivo do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico), membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce). “Comecei como uma pessoa comum, comprando discos para mero deleite”, conta Nirez. Hoje, o diretor do MIS possui vasto acervo na própria casa. São 141 mil itens cultivados durante longos anos de dedicação e estudo do som e da história do Ceará. Entre eles, estão 22 mil discos de 78 RPM brasileiros, o que representa 44 mil músicas, para orgulho do colecionador. Para Nirez, muito mais do que simples músicas, o som, que está em seu acervo, faz parte de um alicerce para a construção do futuro de uma sociedade. “Sem passado, não se constrói o presente, que será o caminho para o futuro”, diz aquele que canta na vida a palavra saudade. Saudade de um tempo onde os registros sonoros tinham valores, propósitos. “O som que o Brasil abrigou em sua fase áurea já não existe. Então, não há mais nada a preservar”, afirma, com ar de tristeza. Mas se alegra ao lembrar-se de tantas canções como: “Rosa”, “Chão de estrelas”, “Taí”, “Mamãe eu quero”, “Brasil pandeiro”, “Linda lourinha”, “Aurora”, “Aquarela do Brasil”, “Abre alas”...Algumas até com mais de um século. Essas, sim, são lembradas e estão eternizadas entre as gerações. Como um tecido, suas ideias vão costurando e bordando o pensamento sobre os sons atuais. “A música, como todas as artes, é o retrato de seu tempo. Ela tem o sabor da época, de sua produção.” E, para Nirez, o tempo presente não tem pintado belas artes. “A música atual canta e retrata exatamente sua época. Uma época de afastamento da família, do oportunismo, falta de sensibilidade, ausência completa do romantismo, desprezo total pelo respeito ao próximo, abandono das artes”, sentencia.

SERVIÇO O MUSEU DA IMAGEM E DO SOM ESTÁ ÀS 17H. A ENTRADA É GRATUITA E, PARA VISITAÇÃO EM GRUPOS DE PESQUISA OU ESCOLAS, É NECESSÁRIO AGENDAR PELO TELEFONE: (85) 3101.1206 (ACERVO)

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ABERTO DE SEGUNDA A SEXTA DAS 8H

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RÁDIO

RÁDIO

O MEIO DE COMUNICAÇÃO DO SOM

O RÁDIO COMO MEIO DE INTERMEDIAR ENCONTROS POR MEIO DAS ONDAS SONORAS TEXTO: ELAYNE COSTA ILUSTRAÇÃO E DESIGN: JONAS XAVIER O RÁDIO POSSUI SIMPATIA única e forte interação entre locutores e ouvintes, diferentemente de qualquer outro meio de comunicação. E esta história vem de longa data, mais precisamente em 1919, quando Recife, capital pernambucana, tornou-se a primeira cidade a fazer uma transmissão radiofônica. Este período foi tão marcante que passou a ser chamado de “Era do Rádio”. A primeira emissora de rádio instalada no Brasil, porém, só veio em 1922, no Rio de Janeiro. No Ceará, a primeira rádio surgiu em 1924, a Rádio Club Cearense, uma associação de cidadãos interessados em rádio. Dentre


eles, um nome merece referência: João Dummar, que logo percebeu o potencial da radiodifusão no Ceará. Daquele tempo para cá, grandes profissionais comunicadores fizeram e continuam fazendo história e levando informação para os ouvintes. O jornalista, radialista e apresentador de TV, Nonato Albuquerque, é um deles. Profissional de diferentes mídias, conta que começou sua carreira no rádio ainda menino, com apenas 14 anos de idade, após deixar Acopiara, onde nasceu. A convite do redator e programador João Gualberto, Nonato começou a trabalhar na rádio Iracema de Iguatu, pioneira na região Centro-Sul do Ceará. “Ainda era estagiário na rádio e a minha prova de fogo foi ir para a rua e voltar com três notícias. Como não tinha experiência, fiquei um pouco receoso, mas consegui e assim fui efetivado”. Assumiu, então, o cargo de redator da rádio. Antes de tornar-se locutor, porém, aconteceram muitas situações inusitadas que marcaram o início da carreira. Uma delas foi anunciar erroneamente que

“TRABALHAR NO RÁDIO É ENVOLVENTE E PODEMOS TER MAIS LIBERDADE PARA INTERAGIR COM OS OUVINTES”. NONATO ALBUQUERQUE, JORNALISTA

carreira na Rádio Dragão do Mar como discotecário. “Eu era o antigo ‘Macaco de Rádio’.Passava o dia ouvindo os programas, ligando, participando, até que um dia passei no concurso para trabalhar na Rádio Dragão do Mar”, lembra.

“O RÁDIO SERÁ O ÚNICO VEÍCULO A TRANSMITIR A NOTÍCIA DO FIM DO MUNDO”. ADOALDO COSTA, RADIALISTA Depois de alguns anos, Adoaldo foi para a Rádio Verdes Mares, onde trabalhou por nove anos como operador de áudio, diretor de TV e programador. “A primeira rádio FM quem colocou no ar fui eu, a 93,9. Os programas eram na maioria gravados e vinham de São Paulo”. E completa: “As rádios novelas tinham saído do ar há pouco tempo, e já tínhamos recursos mais modernos. Os sons naturais que usávamos no rádio eram gravados em discos de acetato, um disco de alumínio coberto por cera de carnaúba”, diz o sonoplasta. Antigamente, alguns programas de rádio eram gravados em auditórios com plateias. As pessoas gostavam de participar. “Quando eu ia apresentar alguns programas de rádio na Rádio Iracema de Sobral, por exemplo, nossa equipe era recebida com muito carinho, como se fôssemos pessoas famosas”, lembra o radialista. O rádio possui muitas características e, segundo os profissionais, a mais importante é a de poder transmitir as notícias mais rápido do que qualquer outro meio de comunicação. Segundo Adoaldo, o rádio é um veículo imediato, onde as pessoas podem ter contato direto. “É como se os locutores estivessem com o som das suas vozes dentro da casa dos ouvintes”. E completa: “Li uma vez uma frase, mas não lembro de quem é, que diz: ‘o rádio será o único veículo a transmitir a notícia do fim do mundo’, quem sabe?”.

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a Rainha Elizabeth havia morrido. Na época, os profissionais ouviam as rádios nacionais e transcreviam as notícias para a leitura dos locutores.“Uma vez estava chovendo e não conseguíamos ouvir bem o noticiário. Ouvimos apenas que havia morrido alguém na Inglaterra. Com a falta de experiência que eu tinha, acabei

passando para o locutor que quem havia falecido era a rainha Elizabeth”, lembra o apresentador do Barra Pesada, da TV Jangadeiro. Mesmo com alguns atropelos, Nonato iniciou a carreira de locutor logo depois, na mesma emissora. “Sempre ouvi rádio, é um hábito bom que eu tenho. Escuto todas as emissoras AM, dificilmente escuto as FMs, porque tenho um verdadeiro prazer em ouvir vozes. O rádio é um fortificante diário e para mim o veículo de comunicação mais importante”, enfatiza o radialista. Como meio de comunicação, o rádio resiste até hoje e pode ser encontrado em outros veículos como nos novos aparelhos de televisão, na internet, nos celulares, entre outros. Segundo Nonato, o rádio é o meio de comunicação mais democrático, permitindo que pessoas de diferentes níveis sociais e culturais opinem sobre determinados assuntos. “Trabalhar no rádio é envolvente. Podemos ter mais liberdade para interagir com os ouvintes”, garante. A maioria dos programas de rádio não para de ir ao ar, nem em dias de feriado. Para Nonato, é importante estar na vida do ouvinte. “Há ouvintes que passam os feriados sozinhos, em casa. Será que eles querem mesmo somente ouvir música? Para alguns deles, o locutor é um amigo que está sempre presente na casa deles”, afirma o apresentador. Nonato diz que conheceu uma senhora há muitos anos. E depois dela ter ficado viúva, caiu em depressão profunda por conta da solidão. O remédio que o médico dela recomendou foi que escutasse os programas de rádio. Achou aquilo sem fundamento, mas acabou seguindo a indicação do médico. “Ela encontrou nos sons e nos programas de rádio o fim da solidão. Ouvia todos os dias, participava e chegava até a pautar”, recorda o radialista. Depois de ter convivido tanto com som, Nonato não consegue mais ficar em silêncio. “O silêncio me sufoca. Deve ser por isso que eu amo tanto os programas de rádio e estou sempre ouvindo, seja em casa ou no carro”, conclui. Outro apaixonado pelo rádio é José Adoaldo Costa, economista, radialista, publicitário e, atualmente, professor de Sonoplastia. Com 38 anos de experiência na área de comunicação, ele iniciou a

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JINGLES

A sonoridade em propagandas TEXTO: IZOLDA RIBEIRO

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NÃO É APENAS NA CRIAÇÃO DE LETRA E DA MELODIA DA MÚSICA QUE ELE PODE SER PERCEBIDO, MAS, SIM, NA PUBLICIDADE. OS JINGLES SÃO A UNIÃO DA MÚSICA COM A PROPAGANDA

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“NO NÍVEL DAS PESSOAS QUE SE VAI ATINGIR, SE COLOCA UMA MELODIA PARA AQUELE PÚBLICO. AINDA BEM QUE O CEARENSE É MUITO BOM NISSO.” DILSON PINHEIRO, CANTOR E COMPOSITOR

sou por um processo natural na composição de uma propaganda. “A música é uma forma de humanizar a marca, de acordo com a pessoa”, contextualiza o publicitário. Para entender o que significa um jingle, é preciso saber que ele é como um estilo, para que aquele conceito da marca seja fixado na mente da massa, do público. “Jingle é uma estrutura de música bem repetitiva pra poder se fixar mais.” Na criação de um jingle é preciso ter a união de muitos setores como o artista que vai criar a música e produzi-la, um estúdio e a empresa de publicidade para passar o que deseja transmitir, ou seja, aquilo que o cliente deseja construir para a sua imagem e o objetivo que o produto pode trazer. “O jingle é o mesmo que música. E a agência tem de passar o breafing, que é a peça inicial para a elaboração de uma proposta de pesquisa de

mercado. Caso o público seja adulto, o jingle vai ser mais calmo. Caso seja para o público infantil, o produto terá uma dimensão mais lúdica”, exemplifica Picanço. Já na visão de compositor, cantor, poeta e apresentador Dilson Pinheiro, redator há 25 anos, que participou de campanhas como redator para rádio de humor, encenando, compondo músicas para jingles comerciais e políticos, a experiência sempre foi única, e cada uma, mais envolvente do que a outra. “Acho bem interessante, pois cada caso é um caso. Já ganhei um prêmio quando foi instalada a telefonia celular. Fiz um jingle por meio dos sons de celular”, conta Pinheiro. Para ele, o processo sempre acontece depois que o breafing é passado para o compositor. Nele, consta o que deve ser feito, para que público deseja atingir, que classe social, qual o gênero, a idade do público que é desejável atingir, além da empresa para a qual está fazendo esta ação. “A criatividade é baseada na situação do cliente. Não se pode criar um jingle antes de ser entregue o breafing. Porque nele será sabido o que se pode fazer na campanha”, enfatiza o compositor. Dilson conta que muito mais interessante e motivador é fazer jingle para crianças por ser mais inusitado, no qual é possível ir além, em busca do fantástico. Porém, uma de suas criações que mais se lembra, foi a que ganhou premiação em 2001, pela Universidade de Fortaleza (Unifor). “O jingle sai dependendo do interesse do que o cliente pede. Na Unifor, por exemplo, tinha de falar em ar condicionado, ventilador, fogão. Objetos que não soam poético... mas então fui tentando formar frases que saiam assim: ‘condicionando ar que nos envolve... divisórias do coração... as divisórias do meu coração... me deixa assim contente como as bocas do fogão’. No final, ficou uma poesia muito bonita”, recorda. Para a criação de um jingle é preciso de tempo, concentração, inspiração. Não é fácil. É um processo desafiador, segundo Dilson Pinheiro. “A criação é algo que motiva muito como desafio. Aquele estalo irreverente ou não. Tem de haver muita psicologia. Porque é preciso ser pensando no público que se vai atingir. Dependendo no nível das pessoas que se vai atingir, se coloca uma melodia para aquele público. Ainda bem que o cearense é muito bom nisso”, reconhece.

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QUEM NUNCA PENSOU ou ousou imaginar como é o processo da criação de jingles na publicidade? Como é incrementado o som, a música, um ritmo numa publicidade, numa propaganda para uma marca, uma empresa? Vale lembrar que o som surgiu praticamente desde que o homem passou a habitar a Terra, ousou criar música para galantear a dama, para prestar louvores a deuses, festejar comemorações. Na mitologia grega, constantemente são mencionadas canções que dizem respeito às datas especiais daquela sociedade, como também foi “criado” um deus da música. Já a publicidade pode ser tida como tão ou mais velha do que a música, já que surgiu desde meados do mercantilismo. Segundo autores de livros da história da humanidade, o mercantilismo foi a primeira etapa para o surgimento do sistema capitalista. Para comercializar produtos, era preciso fazer troca entre especiaria e outra, imaginando que não existia moeda de troca. Por este ponto, a publicidade começou a nascer. Pessoas tinham de trocar por outros produtos, e para comprar esta ideia, elas tentavam vender seus produtos para conseguir aquilo que visavam. Como pauta de abordagem, o objetivo é discutir como ponto de partida, a criação de sons para ações publicitárias, como jingles. Os jingles, segundo o professor do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade 7 de Setembro (FA7) e publicitário Erick Picanço, são uma música poética que falam sobre a marca, a empresa, para vender algo. Na época do Brasil Colonial, os poetas eram encarregados de fazer a criação. Foram, portanto, os primeiros publicitários da história do Brasil. “Eram os poetas do período colonial quem faziam os panfletos”, explica Picanço. A publicidade e a música tinham de se unir, seguindo o caminho delas na história da publicidade brasileira. Já que parte da publicidade veio da poesia, um ritmo que cadencia a palavra, um momento de transformar a música em publicidade foi o rumo. Segundo o publicitário, a música é um componente vivo na nossa cultura. Viemos dela e por isso não poderia deixar de ser um componente na publicidade. “O brasileiro tem a música arraigada na sua cultura”, argumenta Picanço. E já que nossa história é arraigada em nossa vivência, a música pas-

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INSTRUMENTOS MUSICAIS


Instrumentos musicais:

som do coração

O QUE LIGA AS VIDAS DO MAESTRO ARTUR BARBOSA, DOS PIANISTAS HÉBER DANIEL E FELIPE ADJAFRE E DO AFINADOR DE SANFONAS FRANCISCO CHAGAS? O SOM, A MÚSICA. O SOM QUE SAI DO INSTRUMENTO E QUE TRADUZ OS ENSEJOS DO MÚSICO, SEJA ELE ERUDITO OU POPULAR Matéria Prima abril 2012

TEXTO: JEFFERSON OLIVEIRA ILUSTRAÇÃO: RICARDO LIRA/TITO DESIGN: AMARILDO TAVARES/ RICARDO LIRA

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INSTRUMENTOS MUSICAIS Matéria Prima abril 2012

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A MÚSICA FAZ PARTE do cotidiano da humanidade. O músico une-se ao instrumento como numa relação de simbiose, onde o músico dá vida ao instrumento, e este, como que por gratidão, produz o som. A música nasce do relacionamento entre o músico e o seu instrumento. O maestro cearense Arthur Barbosa, regente da Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho, sabe bem dessa intimidade com o instrumento. “A minha relação com o violino é primária. Praticamente desde os oito anos de idade tenho um violino nas mãos, tocando. Mas como compositor tu te obrigas a conhecer toda a dinâmica dos outros instrumentos”, comenta. Ele vive essa duplicidade de ora reger e ora tocar e compor. Mas confessa: “O que gosto mesmo é de compor, porque a gente coloca a nossa alma, a nossa verdadeira alma. É como se no arranjo, tu tivesses decorando a casa que não é tua. E o compositor, ele está decorando a casa que é dele”. O maestro lembra que se tem por costume afirmar-se que o instrumento acaba sendo um prolongamento do corpo, enquanto o cantor usa o próprio corpo para soar. “O instrumentista tem um instrumento, que é algo inanimado, e só acontece alguma coisa se ele interage. Então, ele tem que sentir o instrumento como prolongamento do corpo”, ressalta Arthur Barbosa. O pianista Felipe Adjafre, toca desde os nove anos de idade. Começou com o teclado e aos 19 passou a estudar piano, mas nunca teve interesse em aprender a afiná-lo. Segundo Adjafre, quem toca piano não precisa necessariamente afinar. Para ele o músico deve tocar com o sentimento. O certo é sentir o instrumento. Adjafre comenta ainda a relação que há entre quem fabrica instrumentos (luthier) e o próprio instrumento: “O luthier acaba desenvolvendo outra sensibilidade. O afinador sente de uma forma e o luthier de outra. São formas distintas, mas que se encontram”.

AFINADOR ESCUTA COM A ALMA Ele é Francisco Chagas dos Santos, mais conhecido como “seu Chagas”, cidadão de Iguatu, que afina e conserta sanfonas há 22 anos. Quando criança, usava as costelas do corpo como se fossem botões da sanfona e os botões da camisa como teclas do acordeon. Nascido num sítio no Município de Iguatu, desde pequeno ansiava por tocar sanfona, mas o pai queria que ele fosse poeta repentista. Começou a tocar a partir dos sete anos, mas parou aos 10, quando o pai faleceu. “Aprendi as músicas na vitrola. Andava assobiando nas estradas. Meu tio me chamava de ‘a vitrola da cumade Tereza’, o nome da minha mãe. Eu não podia comprar o instrumento. Aí, com 20 anos, um tio meu comprou uma sanfona de 24 baixos”. Ele chegou a ser o sanfoneiro da cidade, sendo convidado para todo tipo de evento. Desde aniversário às grandes festas. Começou a afinar sanfonas na década de 1990 e quatro anos depois deixou de tocar, passando a dedicar-se apenas à afinação. Ele comenta que geralmente as pessoas confundem a sanfona com o acordeon, e explica que a primeira é composta por 21 botões e o segundo por 41 teclas. Hoje, aos 70 anos, Seu Chagas ensina o segredo da profissão: “Todo afinador só é bom afinador se tiver um diapasão. O diapasão da alma é que não aceita nota desafinada. Pra ser afinador mesmo tem que ter um diapasão na alma”. Já Héber Daniel de Araújo, 21, filho de missionários norte-americanos, toca piano desde os seis anos e também afina, além de tocar outros instrumentos como violão, guitarra e flauta doce. Para ele, a relação músico-instrumento é em toda música. “A relação do cantor com o seu instrumento vocal, de conhecer qual o limite dele, o que ele pode fazer e o que não pode. Isso é uma intimidade que ele tem que ter com o instrumento dele. Tem que conhecer seu instrumento”, indica Héber.

“O DIAPASÃO DA ALMA É QUE NÃO ACEITA NOTA DESAFINADA.” FRANCISCO CHAGAS SANTOS, AFINADOR DE SANFONAS

“O COMPOSITOR É COMO UM ALQUIMISTA, COMO UM QUÍMICO QUE VAI MEXENDO TUDO PRA QUE O RESULTADO SONORO SEJA INTERESSANTE PRA QUEM OUVE.” ARTHUR BARBOSA, MAESTRO


NÚMEROS

88

É o número de teclas de um piano moderno. Sendo 50 teclas, que variam dos tons médios aos agudos e 38 de som grave

150

É a quantidade de cordas de um piano

21

É o número de botões de uma sanfona

41

É o número de teclas de um acordeon

5

Ou 6 horas é o número de horas que um afinador de pianos iniciante leva para concluir seu trabalho

SERVIÇO M. MARTINS LUTHIERIA RUA METON DE ALENCAR 805 LJ 795 CENTRO TEL.: (85) 3091.4569

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Matéria Prima abril 2012

INTERARTE MUSICAL -

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SOTAQUE

A DIVERSIDADE EM UM LUGAR TEXTO: ELRICA MARA ILUSTRAÇÃO: ORLANDO VIANA DESIGN: CARLOS COSTA

O SOTAQUE É UMA IDENTIDADE cultural de um povo. Uma marca linguística que varia de acordo com cada região. Graças à influência de colonizadores no tempo antigo, nosso país possui uma enorme variação de sotaques. Em cada pedacinho do Brasil, existe um povo com características diferentes, um falar próprio, mais puxado, outro mais aberto, marcado por sotaques ou regionalismos. No Rio de Janeiro, com a transferência da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, o falar da cidade sofreu forte influência da pronúncia de Portugal, com ‘chiado’ das letras “s” e “x”. Já em São Paulo, a oralidade e o ritmo da fala vêm de uma forte influência italiana no modo de falar, com a letra “r” mais puxada, não só nas frases, nas palavras, mas também no jeito de se expressar do paulistano. Mas, sotaques cantados, e próprios, são os nordestinos, sobretudo os cearenses. Assim mesmo, no plural. Não vem ao caso de serem bonitos ou feios. O Estado do Ceará possui diferentes falares internos, principalmente nas regiões de Jaguaribe, Iguatu e Cariri. A cidade do Crato, por exemplo, possui uma maneira de falar bem parecida com o sotaque pernabucano. O /t/ e o /d/ têm um som com uma entonação mais próximas

dos dentes quando seguidos da letra /i/. Um exemplo disso é quando alguém da região fala: “Isso é ‘di’ Maria”. Já em Fortaleza, e outras regiões ao norte do Estado, as letras /e/ e /o/ são mais abertas ou mais fechadas dependendo da letra seguinte. Como exemplo a palavra “hotel” e “loteria”, respectivamente. E o que dizer de “gasolina”, com a letra /o/ pronunciada com carregado som de/u/?! A jornalista Indyra Tomaz, que nasceu em Iguatu e mora em Fortaleza há dez anos, conta que é apaixonada pelo seu sotaque e, inclusive, gosta de enfatizá-lo em momentos de alegria. “A minha fala é uma forte característica minha. O meu sotaque é minha marca registrada”, afirma. A jornalista diz que é comum encontrar pessoas com brincadeiras de mau gosto, que gostam de imitar o jeito como pronuncia algumas palavras, mas que ela não liga. Apenas ignora e isso não faz com que tenha vergonha de falar. Não importa se é “sutaque” ou sotaque, a maneira como você fala, mas que a mensagem seja entendida. Nosso Brasil é o país da diversidade cultural, gastronômica, intelectual, musical e, é claro, o sotaque não poderia deixar de fazer parte dessa heterogeneidade.

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O SOTAQUE É UMA IDENTIDADE CULTURAL DE UM POVO. UM DNA SOCIAL.

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A IMPORTÂNCIA DO SOTAQUE ESTÁ NA MANUTENÇÃO DE UMA IDENTIDADE CULTURAL.


“A MINHA FALA É UMA FORTE CARACTERÍSTICA MINHA. O MEU SOTAQUE É MINHA MARCA REGISTRADA.” INDYRA TOMAZ, JORNALISTA

MODELO PADRÃO DE FALA PARA PROFISSIONAIS

REGIÃO TEM SUA MANEIRA DE FALAR, E POR MAIS ESTRANHO QUE ISSO PAREÇA PARA UM CARIOCA, DEVEMOS RESPEITAR AS DIFERENÇAS. EXISTEM COISAS AINDA MAIS ESQUISITAS. NO SERTÃO DO NORDESTE AS PESSOAS TÊM A TENDÊNCIA DE TROCAR O /V/, OU /J/, OU /G/, POR /RR/. CERTA VEZ, VI UM SERTANEJO DIZENDO O SEGUINTE NA TELEVISÃO: “QUANDO ARRENTE (A GENTE), RRAI (VAI) PRA RRAQUERRADA (VAQUEJADA) ARRENTE (A GENTE) LERRA (LEVA) O CARRALO (CAVALO).

O poeta da roça Patativa do Assaré Sou fio das mata, canto da mão grossa, Trabáio na roça, de inverno e de estio. A minha chupana é tapada de barro, Só fumo cigarro de paia de mío. Sou poeta das brenha, não faço o papé De argun menestré, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola, Cantando, pachola, à percura de amô. Não tenho sabença, pois nunca estudei, Apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre, E o fio do pobre não pode estudá. Meu verso rastero, singelo e sem graça, Não entra na praça, no rico salão, Meu verso só entra no campo e na roça Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

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Com a diversidade de falares existentes no Brasil, é comum vermos muitas pessoas com culturas diferentes, sotaques diferentes. Ao ligar a TV em um telejornal, porém, é possível perceber profissionais da área, com um jeito de falar diferenciado. Esse “falar diferenciado” não é nada mais que um padrão usado por muitas emissoras, para que o sotaque de determinada região não seja percebido. Em algumas faculdades, já existem disciplinas preparatórias para ensinar a falar de uma forma correta. Essa forma correta é a neutralização do sotaque para repórteres e âncoras de telejornais. Quando se tem um sotaque muito carregado, a atenção do telespectador se desvia. Ele passa a reparar na forma como as palavras são faladas, e não na notícia que deveria ser o foco principal. Esse desvio não acontece no caso das novelas. Pois na dramaturgia televisiva não há compromisso de ser jornalístico, de ser realidade. Mesmo assim, ocorrem casos onde muitos atores exageram no papel de um personagem, para enfatizar o sotaque, para mostrar que têm um falar regional. Já outros atores, fazem um esforço enorme para esconder o impulso de um falar que lhe é natural. Apesar de muitas opiniões e contradições em relação à perda ou não do sotaque, a verdade é que muitos profissionais do meio jornalístico e de outras áreas também, deixam de lado uma identidade cultural e/ou regional que é o sotaque, e passam a se adequar a uma padronização de um falar elitizado, teatralizado.

É VERDADE. MAS CADA POVO DE UMA

(...)

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ESTÁDIOS

O SOM QUE VEM DAS

ARQUIBANCADAS

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TEXTO: LYVIA ROCHA ILUSTRAÇÃO: ORLANDO VIANA DESIGN: CARLOS COSTA

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QUANDO SE UTILIZA A FORMA técnica de falar do som, ele não soa nada familiar. Fica, aliás, até bem esquisito. Mas, se formos imaginar as consequências que um simples som pode fazer, é possível dar-se conta de que ele é bem mais importante do que se pode imaginar no frenético dia a dia. E, como em outras situações do cotidiano, no estádio de futebol isso não é diferente. O som é um dos elementos mais utilizados nesse ambiente. Algumas vezes no futebol foi utilizado como forma de punição a alguns clubes, com o jogo passando a ser realizado sem as torcidas. A emoção não é a mesma. O barulho, a pressão, o estímulo para os atletas, quem leva é a torcida. Com isso, então, os clubes perdem bastante, principalmente com o lado financeiro. Em Fortaleza, o Estádio Presidente Vargas, construído em 1941, é um dos xodós dos amantes da bola. A localização no bairro Benfica proporciona aos torcedores fácil acesso, aliado ao seu tamanho, com o jeito aconchegante do estádio, é visto com simpatia pela torcida. Com a atual capacidade para 20.166 pessoas, o PV, como é carinhosamente conhecido, traz também o poder de caldeirão para o estádio. E é nesse misto de emoções, no universo de um estádio de futebol, que o som tem papel essencial. Na verdade, nem sempre isso é sentido no calor de uma partida. Para o torcedor do Ceará, Thiago Braga, 30, a torcida tem papel fundamental de empurrar o time nas partidas mais decisivas. “Neste ano, na partida contra o Paraná, a torcida vibrou os últimos 15 minutos e essa empolgação refletiu dentro de campo, com o empate no final da partida”, lembrou o torcedor. “Ah! Sai do mei...; sai que a carroça tá sem frei”. Essa frase, se vista apenas sozinha em um cartaz, não teria a mesma repercussão que teve quando foi cantada pela torcida do Ceará. A música ganhou as ruas, teve repercussão nacional e virou hit na internet, com a disponibilidade do acesso para download.


“ELES TÊM ALGUNS LÍDERES PARA PUXAR, MAS ENTRE AS MÚSICAS DE TORCIDA ORGANIZADA, DE DEZ CANTADAS, SÓ DUAS ESCAPAM.” ELENILSON DANTAS, TORCEDOR Mas, nem sempre acontece de músicas famosas virarem paródias nas vozes dos torcedores. Um dos exemplos clássicos é a música “Sorte Grande”, da cantora Ivete Sangalo. Cantada por várias torcidas no Brasil, em Fortaleza não foi diferente. Se o time estivesse em crise, era provável você escutar. “Vergonha, vergonha, time sem vergonha...”. E assim o protesto da torcida acontecia. Essa nova onda musical nas arquibancadas é um acontecimento recente e que vem ganhando cada vez mais força entre as torcidas. Ninguém sabe ao certo como surgiu, quem começou, mas o que se sabe é que dependendo da letra da música, ela engrandece ainda mais o espetáculo fora de campo. O que lamenta Elenilson Dantas, 38, torcedor do Fortaleza, é que muitas das

“AMBULANTES AINDA VENDEM PILHAS NO ESTÁDIO. OS MAIS JOVENS PREFEREM CELULAR.” ALISSON FREIRE, MECÂNICO INDUSTRIAL

músicas que são cantadas no PV, não são com letras bonitas. E que sempre há uma pessoa que lidera o início da música. “Noto que eles têm alguns líderes para puxar, mas entre as músicas de torcida organizada, de dez cantadas, só duas escapam”, completa. Nem só de músicas, contudo, vive uma partida de futebol. Há sons sucintos que traduzem o que está acontecendo durante a partida. O grito de “Uhhhhhhh” para o gol perdido, para a bola na trave, a super defesa de um goleiro... Em todos estes lances, tudo é substituído por um simples, uhhhhh! da torcida. E o silêncio? Essa falta de som é uma das piores sensações que pode acontecer dentro do estádio. Pois mostra tensão, nervosismo, expectativa. Mas não há qualquer momento que seja tão esperado, um som que não seja desejado, como o grito de Gol! O ápice da partida de futebol é resumido com um som puro de gol. E esse é o som que provoca emoções para os torcedores. Já na torcida adversária, contudo, o som emitido é totalmente o oposto. São palavrões, xingamentos, ironias e também, dependendo do momento, o nada agradável: silêncio.

ORGANIZADAS: GRITOS DE INCENTIVO

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As torcidas organizadas são as responsáveis pelo grande número de músicas que o estádio canta. Bem ensaiadas, elas conseguem controlar a multidão e trazer sintonia aos torcedores para qeu a música não saia do tom. Francisco Wellington da Silva Braga, 26, é um dos puxadores da torcida organizada Cearamor. Ele é um dos responsáveis para animar a galera na arquibancada e fazer com qeu todos os torcedores cantem a mesma música. Para conseguir controlar a multidão, ele usa uma mesa para ficar mais alto e assim ser visto por todos. “Para toda música a ser cantada na arquibancada, faço uma contagem, tipo o Hino do Ceará... 1,2,3 e todo mundo entra em sincronia para começa a cantar”, afirmou o puxador. Wellington disse ainda que o repertório de músicas pode ser variado. “Temos um repertório de incentivo ao Ceará e temos músicas que provocam nossa rival que geralmente usamos mais em clássicos”, destacou o torcedor, lembrando que em uma só partida podem ser cantadas até 25 músicas. E haja cordas vocais...

Há um som que causa muita polêmica. É o apito. Qual o torcedor que nunca xingou o árbitro? A resposta é unânime: nenhum! O juiz é um dos grandes responsáveis pela reação da torcida, seja boa ou ruim. A marcação de um pênalti provoca gritos de alegria e vaias nas duas torcidas. O barulho é imediato. Em relação ao Presidente Vargas, Thiago diz que não é em todas as áreas do estádio que se ouve bem o apito do árbitro. “Com certeza, há lugares no estádio em que não se ouve o apito do árbitro.” Já Elenilson entende que o som do apito é escutado bem em todos os setores do PV. “Sim, escuto perfeitamente o som do apito, em todos os lugares”. Um dos meios mais tradicionais e antigos no estádio ainda é o radinho de pilha. O torcedor tem que assistir ao jogo e ouvi a transmissão pelo rádio. Com a tecnologia, no entanto, os famosos radinhos de pilha estão sendo substituídos, aos poucos, pelo aparelho celular. “Ambulantes ainda vendem pilhas no estádio. Os mais jovens preferem celulares. Por isso, acho que se uma FM investisse em transmissão de futebol, ganharia audiência fácil”, sugeriu o mecânico industrial Alisson Freire. É interessante perceber quanto valor tem o som durante uma partida de futebol. Quando as músicas são cantadas, é possível que nem mesmo a torcida saiba que proporção ele pode tomar. Assim como um xingamento que pode desestimular bastante um jogador, ou um técnico que quase sempre é um dos alvos preferidos da torcida, principalmente se o time estiver passando para uma má fase. Mas esse som que une pode exercer um poder muito maior que é levar a tão sonhada paz aos estádios. E isso pode começar através dos sons que são escutados e cantados dentro de um campo de futebol.

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LOUVOR Matéria Prima abril 2012

O SOM DA ADORAÇÃO 22

A MÚSICA SEMPRE FEZ PARTE DA VIDA E DAS MANIFESTAÇÕES MAIS PRIMITIVAS DO SER HUMANO, EM TODOS OS PERÍODOS E ÉPOCAS, DESDE OS PRIMÓRDIOS TEXTO: RAONI SOUZA ILUSTRAÇÃO: MARCELO BASTOS DESIGN: CARLOS COSTA


DAS MAIS DISTINTAS FINALIDADES, o som vem sendo utilizado para celebrar fatos da realidade, como vitórias em guerras, descobertas e diversão, da rua para ambientes fechados, como dentro das igrejas. No Brasil, não foi diferente. Formada principalmente a partir da fusão de elementos europeus e africanos, a música tem sido cultivada como expressão musical das igrejas, onde cada qual aperfeiçoa sua liturgia musical particular. Há milênios a música tem feito parte do encontro do homem com Deus, data da época de Abrãao, ou até antes dele, veio para os Templos e fez parte da formação das primeiras comunidades da Igreja de Jesus Cristo. Ela tem o poder de ensinar, acalmar, animar, reunir, com já dizia Platão a música dá: “...asas ao pensamento, saída à imaginação, encanto à tristeza, alegria e vida a todas as coisas. Ela é a essência da ordem e eleva em direção a tudo o que é bom, justo e belo, e do qual ela é a forma invisível, mas, no entanto, deslumbrante,

SUGESTÕES DE LEITURA

POR QUE A MÚSICA CATÓLICA ESTÁ UMA BAGUNÇA? JEFFREY TUCKER ORIGINALMENTE EM INGLÊS

A ESSÊNCIA DA ADORAÇÃO MATT REDMAN ORIGINALMENTE EM INGLÊS

colocando em contato com o sagrado. É a expressão do espírito criador em cada um de nós. Quando um padre está sendo preparado no seminário, há momentos voltados para a instrução musical, mas, mesmo assim, não é o suficiente. “O fato é que a nossa abordagem ainda é distante e teórica”, ressalta o religioso. Em tempos modernos, não é surpresa encontrar instrumentos e ritmos fora dos padrões normais do catolicismo ortodoxo, o mais tradicional. Quem já participou de uma celebração religiosa e nunca bateu palmas? Pois é, a utilização desses aparatos é cada vez mais valorizada, mas ainda encontra resistência por parte de alguns fiéis. “Não acho que seja certo para louvar a Deus ou Nossa Senhora, utilizar guitarras e bateria”, reclama Cilene Duarte, 56, vendedora. A música litúrgica possui uma índole própria por ser voltada à celebração do mistério pascal de Jesus. Os novos ritmos e instrumentos, porém, podem ser bem acolhidos respeitando essa finalidade. Como as religiões têm muitas vertentes, não é fácil apresentar um padrão, pois cada tem sua peculiaridade. Seja adorando, louvando ou batendo palmas, o som está sempre presente. SERVIÇO

PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA SALETE - RUA JOSÉ FAÇANHA, 735, BELA VISTA IGREJA PRESBITERIANA DA MARAPONGA - AV. GODOFREDO MACIEL, 681-A, MARAPONGA

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“NÃO É, NA VERDADE, APENAS UMA BOA OPÇÃO, MAS COMO UM INSTRUMENTO PODEROSO PARA CHEGAR ATÉ O CORAÇÃO DA JUVENTUDE.” PADRE FERNANDO

apaixonada, eterna”. A música como forma de adoração na pré- história estava ligada a sons que se faziam dentro das cavernas, na maioria das vezes imitando sons da natureza, e era dado um sentido religioso como forma de agradecer aos deuses pela chuva por exemplo. Ainda hoje utilizamos a música como forma de agradecer a Deus por algo, ou pela luta de um sofrimento diário. Assim, a música tem se tornado cada vez mais presente nas missas, cultos e em qualquer manifestação religiosa. Segundo Otávio Souza, 26, arquiteto, é uma honra fazer parte como músico e cantor do grupo de louvor na da Igreja Presbiteriana da Maraponga (IPM). Ele diz sentir o clamor da elevação espiritual por meio das letras das músicas. “Não basta estar de corpo presente, é preciso que haja um compromisso espiritual com o momento”, ressalta, contudo, que como uma banda não religiosa, os músicos têm compromisso com a qualidade do som. Diácono da IPM, Otávio afirma que “algumas pessoas de mais idade, não gostam da forma como conduzimos o louvor”, como Francisca Severina, 65. Ela entende que o louvor é para ser cantado de forma tranquila, como os antigos hinos. Atualmente na música evangélica, é possível encontrar diferentes vertentes musicais como o pop, o reggae, o rock, dentre outros. A música não é exclusividade de quem frequenta cultos evangélicos, ou de qualquer outra religião. Na Paróquia Nossa Senhora da Salete, na Bela Vista, onde o pároco padre Fernando Antônio é responsável, a música também tem espaço. A música litúrgica (aquela executada dentro da igreja) ou a música religiosa, servem para convocar e segurar os fiéis. “Não é, na verdade, apenas uma boa opção, mas como um instrumento poderoso para chegar até o coração da juventude”, diz padre Fernando. Segundo o religioso, a música é de fundamental importância para a consagração do momento da adoração. Ela promove uma ponte entre o ser supremo e o ser humano,

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SOM NAS FEIRAS

AH, O SOM! PRESENTE NA VIDA DE TODOS, COMPANHEIRO EM QUALQUER HORA E LUGAR. E NADA INDICADO PARA FALAR SOBRE O SOM DE UM LUGAR EM QUE O BARULHO JÁ ESTÁ ENRAIZADO E CHEIO DE TRADIÇÃO: A FEIRA LIVRE. E MELHOR AINDA: FALAR DA MAIS MOVIMENTADA DO ESTADO, QUE É A FEIRA DA CIDADE DE CASCAVEL TEXTO: IURY COSTA ILUSTRAÇÃO E DESIGN: CARLOS COSTA


NO RELACIONAMENTO COM OS moradores, frequentadores e feirantes da cidade, uma descoberta: a de Cascavel é a segunda maior feira livre da Região Nordeste, perdendo apenas para a feira de Caruaru, em Pernambuco. Aos sábados, além do seu espaço no centro da cidade, ela vai tomando ruas, fechando cruzamentos, até chegar a um lugar cheio de nada, que se transforma em um formigueiro gigante de gente. Pois bem, som lá é o que não falta.

O LINGUAJAR CASCAVELENSE AO CAMINHAR E CONVERSAR COM AS PESSOAS PELA FEIRA, VOCÊ SE DEPARA COM CERTAS EXPRESSÕES QUE NÃO PASSARAM DESPERCEBIDAS PELOS OUVIDOS AGUÇADOS DESTE ASPIRANTE A FALA. CASCAVELENSE SÓ PARA TER UMA BASE, MAS O CEARÁ TODO AINDA CARREGA ESSA CULTURA.

cor, arroz, feijão. O som que mais chamou atenção, não partiu nem dos produtos nem dos vendedores, mas das clientes gritando com medo das abelhas que fazem a festa no meio dos doces e do farinhal... Passando pelas frutas e verduras, chegase ao fim: a feira foi feita! Nem repórter, nem fotógrafas conseguiram se segurar diante das lindas maçãs, laranjas e acerolas. Bom também era o ovo de galinha caipira. E tudo baratinho. O que encontramos também foi o ápice da cultura das feiras: o grito. Os vendedores levam a sério a grande arte de estremecer o ambiente. O GRITO

Já dizia a tradição que quem gritasse mais alto, ganharia a satisfação do freguês. Então partimos a procurar o nosso ‘gritante

ARRIÉGUA: DITO EM MOMENTOS DE RAIVA. MARMOTA: REFERE-SE A ALGUÉM FEIO. AVIA: APRESSE-SE! AVIA QUE VAI CHOVER! No abafado da feira, um calor bom (calor no modo de falar, pois estava chovendo demais naquele dia), todos juntos naquela interação. Dá para ver a alegria nos olhos das pessoas que fazem a feira. Estão por satisfação. Muitos estão lá desde crianças e aprenderam com os pais o ofício. Já outros viram em Cascavel a oportunidade de ser seu próprio chefe. Mas, verdade seja dita, era tanto barulho que, às vezes, havia hora em que dava vontade de sair correndo de lá. E o que não se faz, porém, por uma boa pauta? Então, para descansar os ouvidos, chega-se na parte mais “calma” da feira, onde vendem as roupas, e os vendedores não precisam gritar (tanto) para conseguir seus fregueses. Saindo das confecções, a próxima parada foi no setor das carnes e peixes. O cheiro muito forte é a marca registrada. Mas, e o som? Corta aqui, amola acolá e tritura osso mais a frente. Depois tinha a parte dos cereais e miudezas. Farinha de todo jeito e

oficial’. Nas bancas de frutas e verduras não foi difícil encontrá-lo. A boa prosa foi com o seu Luís Pereira, 59 anos, e que há 38 faz do grito a sua principal ferramenta de trabalho. Além do poder de persuasão, é claro. Ele realmente confirma que tem que usar de todos os seus dotes para persuadir o cliente. Tem que ser o que grita mais alto, e que não pode perder tempo, senão perde o cliente. “Aqui a concorrência é muito grande, meu filho. Se eu não gritar pelo cliente, vem outro e leva ele”, conta, se referindo a uma brutal concorrência que os vendedores têm uns com os outros. Muitos, segundo seu Luís, nem se falam, e já tiveram desentendimentos no passado. Casado e pai de três filhos, seu Luís tira todo o seu sustento e da esposa, pois os filhos já trabalham, e não o seguiram na arte feirante, das suas bancas. Atualmente, já possui seis. Mesmo sendo uma vida difícil, ele diz que não trocaria por nada nesse mundo. E todos já conhecem o seu bordão: “Vamo comprar freguesa!”

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REPÓRTER QUE VOS

Bem no comecinho do espaço da feira, há uma fila de barbeiros cortando o cabelo do pessoal na rua mesmo. As máquinas não param. Mais adiante tem a venda de gado, porco, cabra e galinha, onde os animais fazem uma verdadeira sinfonia, chegando às vezes a ser ensurdecedor. E os vendedores? Disputam os clientes no grito. Mas, isso é assunto para daqui a pouco. Na sequência, a área é ocupada por redes, bancas de comidas, com as grelhas assando a todo vapor, bancadas dos eletrodomésticos, eletrônicos, CDs e DVDs, com os liquidificadores ligados, batedeiras, televisores, rádios tocando do forró à Bossa Nova, e, é claro, o povo gritando toda hora, vendendo, comprando ou somente passeando.

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POLUIÇÃO SONORA


RUA, SILÊNCIO,

TEXTO: SAULO LOBO ILUSTRAÇÃO: MARCUS BRAGA DESIGN: CARLOS COSTA

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FORA PAREDÃO!

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POLUIÇÃO SONORA Matéria Prima abril 2012

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“A ‘CARTA ACÚSTICA’ OU ‘CARTA DE RUÍDO’ SERÁ UM MAPA PARA O CONTROLE SOBRE A POLUIÇÃO SONORA DA CIDADE.” AURÉLIO BRITO, EX-COORDENADOR POLUIÇÃO SONORA SEMAM

NUNCA FOI TÃO DIFÍCIL SAIR OU FICAR em casa e curtir a mais absoluta tranquilidade. Cada vez mais, o direito do cidadão cearense vem sendo violado por motivos de poluição sonora. O Código de Obras e Posturas do Município, no artigo 617 da Lei Municipal 5530/81 afirma: “É proibido perturbar o bem estar e o sossego público ou da vizinhança com ruídos, algazarras, barulhos ou sons de qualquer natureza, produzidos por qualquer forma que ultrapassem os níveis máximos de intensidade fixados por Lei”. Infelizmente, ultimamente essa não é a nossa realidade. O trânsito, as indústrias, o aeroporto e as linhas ferroviárias são os grandes fatores que causam esse problema de utilidade pública. Fortaleza, atrelada ao seu desenvolvimento, não suporta as condições básicas para uma vida em harmonia. Segundo estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/CE), a frota de veículos de Fortaleza, no período de dezembro/2011 até fevereiro/2012, teve um acréscimo de 1,51%, contabilizando 1.972.480 veículos em todo o Estado. A população precisa de mais consciência acerca desse problema, tanto no quesito denúncia, como saber o que realmente está lhe prejudicando. A Lei Municipal de Combateà Poluição Sonora 8097/97, é bem rígida, e relata que, depois das 22 horas, ninguém é obrigado a suportar mais do que 60 decibéis de ruído. Para fazer alguma denúncia, o órgão responsável na capital é a Secretaria de Meio

Ambiente e Controle Urbano (Semam). E o trabalho realizado é fazer a fiscalização dos lugares que estão irregulares e infringindo essa Lei. Atualmente, com um quadro de vinte fiscais, esse número ainda é pouco para a quantidade de bares, igrejas, restaurantes e casas de show. Importante salientar que, até 2009, a Semam contava com apenas três fiscais, segundo Aurélio Brito, ex-coordenador da Equipe de Combate a Poluição Sonora do órgão. O trabalho dos fiscais consta primeiramente de uma notificação e se ainda o estabelecimento persistir na infração, o seu alvará de funcionamento é cassado. Uma parceria foi firmada com a Companhia de Policiamento Militar Ambiental e o Grupo de Gestão Integrada (GGI), do Gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Ceará, juntamente com o Ronda do Quarteirão, para fazer essa fiscalização e um trabalho de educação nas escolas. Na prática, porém, não se pode contar ainda efetivamente com esse trabalho. Pensando nisso, a jornalista Júlia Lopes e um grupo de pessoas que partilham da mesma ideia, passaram a relatar suas experiências e seus desabafos na rede social Facebook, em um grupo denominado Fortaleza Tranquila. Segundo a jornalista, “o grupo surgiu como resposta, mobilizado pelo descontentamento de um número incontável de pessoas. E o objetivo é fazer pressão suficiente para que o governo (municipal e estadual) faça sua parte”. A partir daí, nasceu a necessidade de se adotar ações mais eficazes. O grupo que formou uma rede de força visa discutir o problema da poluição sonora e trazer para mais perto da sociedade essa realidade. “Precisamos acabar com os paredões, fazer com que os empresários entendam o respeito ao tratamento acústico dos bares, também que as igrejas entendam essa necessidade, precisamos fazer o vizinho entender o direito de silêncio do outro”, diz Júlia. Outro instrumento de respaldo ao combate da poluição sonora em Fortaleza será a “Carta Acústica” ou “Carta de Ruído”. De acordo com Aurélio Brito, trata-se de um mapa da cidade com todo o impacto de ruído, “pois se faz necessário ter um controle maior sobre a poluição sonora”. O intuito é de analisar todos os aspetos de trânsito, de aviões, de trem, de


“PRECISAMOS ACABAR COM OS PAREDÕES. PRECISAMOS FAZER O VIZINHO ENTENDER O DIREITO DE SILÊNCIO DO OUTRO.” JÚLIA LOPES, JORNALISTA indústrias, áreas de entretenimento e diversos outros fatores que causam um impacto no meio urbano ou na cidade. O documento vai servir para o poder público dar informações à população e para que este gerencie da melhor forma possível essa situação. Para Aurélio, as políticas públicas, com base no conhecimento daquele problema, “verifica as possibilidades de alguma construção ruidosa em determinado local, e antecipa os estudos de impacto para uma correção”. Com a redução desse problema, espera-se uma melhoria na qualidade do ambiente sonoro do município e, consequentemente, na vida de toda a população. Na Europa, a “Carta Acústica” é uma obrigação legal para cidades com mais de cem mil habitantes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), de julho de 2011 aos dias atuais, a poluição sonora já é o segundo causador de morte no mundo. Em primeiro lugar, está a poluição atmosférica. Para a professora do curso de Fonoaudiologia da Universidade de Fortaleza (Unifor) e perita da Justiça do Trabalho, Magnólia Diógenes Bezerra, a poluição sonora pode trazer consequências de dois tipos: o desconforto

acústico e a lesão. O nível de tolerância depende do tempo de exposição e torna-se cumulativo. As causas básicas para quem está exposto aos ruídos de nível da pressão sonora elevado por longo tempo, depende da frequência, da intensidade, do tempo e da suscetibilidade do indivíduo. As pessoas estão perdendo a noção desse tempo de exposição. E em consequência, está havendo uma alteração auditiva, já que a perda é progressiva, irreversível e causa um envelhecimento precoce da audição. Segundo Magnólia, os sintomas da perda de audição caracterizam-se por uma divisão otológica e não otológica. Os sintomas otológicos referem-se ao ouvido, que acarreta zumbido, sensação de incômodo, hipersensibilidade e, dependendo da vibração em que a pessoa se exponha, o ruído pode causar tonturas. Os sintomas não otológicos também podem ser chamados de extra-auditivos e o ruído causa uma alteração maior no sistema endócrino, sistema cardiovascular, sistema cerebral, psicológico e digestivo. O ruído aumenta a quantidade de cortisona, uma classe determinada de hormônios que deixaa pessoa “insensível” à dor, libera mais adrenalina e, por conseguinte, a deixa mais agitada. A poluição sonora é um grave problema, cuja solução envolve informação, fiscalização efetiva do poder público e sensibilização da população. O divertimento é algo necessário para o ser humano, porém tem que caminhar lado a lado com o bom senso, para que esse lazer seja harmonioso e não implique em problemas para o conjunto da sociedade.

SERVIÇO DENÚNCIAS: SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DE FORTALEZA – SEMAM LOCAL: AVENIDA PAULINO ROCHA, 1343 CAJAZEIRAS TELEFONE: (85) 3452.6901

COMO USAR CORRETAMENTE OS FONES DE OUVIDO? Segundo a fonoaudióloga Magnólia Diógenes, os fones de ouvido concentram grande energia sonora, e faz com que a cóclea (a porção do ouvido interno) receba uma energia grande. O certo é usá-lo em meia potência. Se o fone possui o volume em número 20, o correto é regular o volume na metade, ou seja, dez. Se antes de sair de casa, o volume estiver regulado corretamente e você não conseguir ouvir nada, o correto é desligar o aparelho.


CONTRASTES Matéria Prima abril 2012

O SILÊNCIO QUE DESAGRADA E O BARULHO QUE PREJUDICA TEXTO: AMANDA NOGUEIRA ILUSTRAÇÃO: MARCELO BASTOS DESIGN: PATRÍCIA MONTENEGRO


ENQUANTO A MANIA POR PAREDÕES VAI CRESCENDO E A IDEIA DE QUE QUEM POSSUI O SOM MAIS POTENTE E O MAIS PODEROSO VAI SE INTERIORIZANDO NOS JOVENS DA CIDADE, A POPULAÇÃO VAI FICANDO CADA VEZ MAIS REVOLTADA COM A PERTURBAÇÃO virando mania. As lojas de montagem deste equipamento vêm crescendo, assim como os proprietários e os locais de disputa entre paredões. Mas, de mãos dadas com a diversão, está o problema. A cada dia, o número de pessoas insatisfeitas com o barulho dos paredões cresce, assim como cresce o número de adeptos desta nova prática.

“AMBIENTES COM SOM ALTO SÃO MAIS PROPÍCIOS PARA BRIGAS E CONFUSÕES.” EURIANO SANTABAIA, SUBTENENTE DA PM Segundo o comandante do Ronda do Quarteirão, tenente-coronel John Roosevel de Alencar, o problema é o que há por trás do som em volume ensurdecedor dos paredões. O comandante afirma que o equipamento, na maioria dos casos, está relacionado à embriaguez, uso de entorpecentes, desordem e violência.

NO ANO DE 2011, FORAM CONTABILIZADOS, PELA SEMAM, 747 AUTOS DE INFRAÇÃO. DESTES, 339 FORAM POR POLUIÇÃO SONORA, 396 POR FALTA DE AUTORIZAÇÃO SONORA E 12 POR EQUIPAMENTO SONORO EM VIA PÚBLICA, OU SEJA, AS DENÚNCIAS FORAM MILHARES E AS NOTIFICAÇÕES SÃO MÍNI. FATOS COMO ESTE TENDEM A DEIXAR A POPULAÇÃO CADA VEZ MAIS DESCRENTE E ABORRECIDA.

Em entrevista, o vereador e criador da Lei do Paredão, Guilherme Sampaio, conta o que o motivou para a criação da lei: ”Constantemente recebia no meu gabinete, denúncias de poluição sonora na cidade, e quando eu ia averiguar na Semam, eram decorrentes de paredão. Em função disso, fui investigar e entender por que a ‘lei do silêncio’ não estava sendo eficaz. Percebi que havia uma falha na lei, então criei uma regra simples: ‘proibir o funcionamento dos equipamentos em locais públicos, independente do volume’, pois eu não posso impor o meu gosto musical aos outros”. O interessante é que a Lei também se aplica aos chamados “carros volantes” e a qualquer tipo de ruído acima dos decibéis permitidos. Mas o vereador teve o cuidado de criar uma definição de paredão e também o cuidado de citar algumas exceções, por exemplo: eventos do calendário oficial da Prefeitura, campeonato de som automotivo (desde que seja autorizado e isolado acusticamente), manifestações políticas, religiosas e sindicais. Já a moradora da Avenida Leste-Oeste, a dançarina de forró Suzana Bernardo, faz um contraponto: “O paredão de som é uma fonte de diversão barata e que agrega a comunidade. Muita gente não tem condições”.

Matéria Prima abril 2012

O SILÊNCIO, NO MEIO EM QUE VIVEMOS, é algo muito raro e constantemente buscado, principalmente por pessoas que trabalham em lugares agitados e barulhentos. Isto ocorre porque o ser humano está sempre desejando algo que não tem, algo difícil de alcançar. Mesmo sendo tão querido, tão desejado, quando alcançamos o silêncio absoluto, sentimos uma sensação desagradável. O silêncio nos dá impressão de suspense, de medo, de solidão. O silêncio também está relacionado com a paz de espírito, intimidade, proximidade e razão. “Geralmente, quem mais fala é quem não tem razão”, diz o Juiz Walberto Luiz de Albuquerque Pereira, do 17º Juizado de Pequenas Causas. Ou seja, quando estamos relaxados, falamos pacificamente; quando queremos dizer algo íntimo, baixamos o tom de voz; quando estamos perto de alguém, não gritamos; e quando não temos razão, nos alteramos para tentar convencer. Já o barulho em excesso, pode ocasionar dores de cabeça, insônia, deficiência auditiva, irritabilidade, tendências a comportamentos agressivos, e, até mesmo, distúrbios gástricos. “Ambientes com som alto são mais propícios para brigas e confusões”, diz o subtenente da Polícia Militar, Euriano Santabaia. O barulho, para os jovens, é meio de diversão. Atualmente, na cidade de Fortaleza, os paredões de som estão

NÚMEROS

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FONES

FONES DE OUVIDO:

MOCINHO OU VILÃO? Matéria Prima abril 2012

TEXTO: GIL DE SOUSA

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VOCÊ IMAGINA QUE UM ACESSÓRIO TÃO SIMPLES E ADORADO PELA MAIORIA DAS PESSOAS PODE SE TORNAR SEU PIOR INIMIGO?


OS TRANSPORTES COLETIVOS JÁ LIDERAM COMO AMBIENTES ONDE SE UTILIZAM MAIS FONES DE OUVIDOS POR MUITO MAIS TEMPO. balho, simplesmente se isola e coloca o volume no máximo. Geovane conta ainda que no trabalho não é permitido usar esse tipo de acessório, por motivo de segurança. Mas, sempre que pode, ele foge para o banheiro e se conecta de novo com o seu som. O curioso é que o rapaz rejeita a carona dos colegas de trabalho, pois alega que já está acostumado a voltar para casa, ouvindo música dentro de um ônibus lotado. “Tenho consciência de que dessa forma estou prejudicando minha saúde, mas foi uma maneira que encontrei para fugir dos problemas e do estresse. Não consigo largar mais”, afirma o auxiliar de produção. E quando ele chega a sua casa, toma um banho, come umas bobagens e se tranca no quarto. Seleciona uma música relaxante no celular e dorme, sempre com os fones pendurados nas orelhas. Assim como Geovane, existem outras pessoas que usam esse tipo acessório de forma irregular. Sempre é bom ouvir músicas em qualquer lugar sem incomodar quem está perto. E esse é um dos benefícios que fazem com que outras pessoas se tornem adeptas dos fones. Não há qualquer problema usar fone de ouvido, mas o exagero é que pode prejudicar sua saúde. O volume pode ser o principal vi-

lão, e, se combinado com várias horas de uso desse acessório, pode levar a um problema mais grave. Médicos orientam que para ouvir músicas utilizando os fones de ouvidos sem causar riscos à audição, é recomendado nunca colocar no volume máximo e nem passar horas com os fones no ouvido. Segundo especialistas, o correto seria ir no máximo a 60% da capacidade do volume de qualquer aparelho portátil, por no máximo uma hora de exposição, com um período de repouso acústico. Não utilizar os fones em locais barulhentos, pois a nossa reação seria aumentar ainda mais o volume do som para competir com o barulho externo. Outra dica seria não utilizar o fone apenas de um lado da orelha, pois corre o risco de perda assimétrica da audição. Então, já sabe, comece a analisar a maneira como você utiliza os fones de ouvido, é uma questão de saúde. Caso não identifique qualquer problema, é só aproveitar e curtir.

Solução ou mais um problema para os ouvidos? Em Florianópolis, vereadores aprovaram uma lei que proíbe o uso de equipamentos de som ou celulares para ouvir música no transporte público. O projeto de lei, criado pelo vereador César Faria, permite que os usuários dos coletivos só utilizem seus equipamentos de som desde que usem fones de ouvidos. Caso não obedeçam, sofrerão penalidades. De acordo com o vereador, o projeto de lei foi criado devido o apelo da população, que estava cansada de ouvir músicas de todos os estilos e com o volume alto dentro dos ônibus.

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OS FONES DE OUVIDO continuam na moda e na vida de milhares de pessoas, principalmente entre os jovens e os usuários de transporte coletivo. Esse acessório, que vem junto com os aparelhos portáteis, está se popularizando cada vez mais. Os aparelhos celulares tiveram grande importância nessa difusão, por serem mais acessíveis para grande maioria. Hoje eles estão presentes nas ruas, nos ônibus, nas academias, nos trabalhos e até mesmo em casa. Utilizado principalmente para ouvir músicas, estudar e ficar por dentro de tudo com seus programas favoritos. Além de divertir, relaxar e distrair. Uma forma de fugir do estresse rotineiro e viajar por meio do som. Esse acessório aparentemente inofensivo, porém, pode estar prejudicando a saúde dos usuários, sem que eles percebam. Se você usa e abusa dos fones diariamente e percebeu que frequentemente ocorrem situações em que não consegue ouvir o que outra pessoa está falando, mesmo em ambientes com pouco som, é um forte sinal de alerta de que a sua audição não vai bem e merece cuidados. Outros sintomas de perda de audição são ouvir zumbidos e aumentar o volume da televisão ou do rádio com frequência em períodos curtos. Além dos sintomas secundários, como tontura, surgimento da labirintite e dores de cabeça em excesso. Essas são consequências perigosas que confirmam que o uso excessivo de fones de ouvido prejudica a audição de forma lenta e progressiva, além de causar danos irreversíveis aos ouvidos. A dependência é outro problema que está relacionado aos fones de ouvidos. São pessoas que não conseguem fazer nada sem que eles estejam posicionados nas orelhas. Como é o caso de Geovane Moura, 22 anos, auxiliar de produção. O rapaz conta que ao acordar pela manhã para ir trabalhar, pega o celular junto com os fones e já os coloca nos ouvidos, curtindo as músicas favoritas. “Dentro do ônibus, viajo com meu som; entro em outro planeta, no meu mundo”, diz Geovane. Ele explica que quando usa os fones de ouvido, é como se estivesse em outro lugar, não ouve mais nada além de suas músicas, se torna egoísta, disperso, e até mesmo mal educado. Não quer papo com ninguém durante o trajeto para o tra-

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O SOM DO SILÊNCIO

SURDEZ Matéria Prima abril 2012

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OS DESAFIOS, A SUPERAÇÃO E O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NO DIA A DIA DOS SURDOS TEXTO: SORIEL LEIROS ILUSTRAÇÃO: TITO DESIGN: PATRÍCIA MONTENEGRO


“De tudo que aprendi e vivi ao longo da minha existência só não se vislumbra a comunicação em silêncio, aqui comigo sempre existiu um canto afinado de vida em tom maior”. Vanessa Vidal, Miss Ceará e segunda colocada no Miss Brasil 2008 FAÇA UMA PAUSA POR ALGUNS INSTANTES.

de setembro é o dia Nacional do Surdo

526.805 é o número de portadores de algum tipo de deficiência auditiva no Ceará*

9.717.318 é o número de portadores de algum tipo de deficiência auditiva no Brasil, que corresponde a 5,1% da população brasileira* *Fonte: Censo 2010/IBGE (dados distribuídos em três categorias: deficiência auditiva – de modo algum, grande dificuldade e alguma dificuldade).

esse, alunos de instituições privadas também podem receber todo o suporte necessário. O foco do núcleo é a educação, com base na inclusão dos surdos na sociedade, por isso Rejane salienta que no CAS “o nosso atendimento não é clínico. O nosso atendimento é educacional, visa fortalecer a aprendizagem”. O que se observa é que a grande dificuldade encontrada pelo surdo e pelos seus familiares é a falta de informação, ou seja, muitos deles não sabem onde buscar apoio e, com isso, acabam sofrendo preconceito. Desse modo, os papeis do intérprete e do professor são fundamentais para garantir uma maior acessibilidade aos seus alunos. A intérprete Tânia Santos, 31, é um exemplo de profissional com experiência no ensino de Libras. Atuando na área há alguns anos, ela acredita que ainda há muito por fazer pelos deficientes auditivos e afirma que o trabalho é árduo, mas é muito gratificante. Para Tânia, o intérprete de língua de sinais “não é uma profissão fácil, requer dedicação, exclusividade, estudo”. Ela ainda reforça dizendo que há um processo criterioso de formação deste tipo de profissional, e que, apesar de todas as dificuldades, o mercado para o ensino de Libras está em expansão.

SUPERANDO LIMITES Vanessa Vidal, 28, resume todos os sentimentos num só: superação. Ela foi a primeira deficiente auditiva a participar de um concurso de Miss Brasil, realizado em 2008, quando ficou em segundo lugar na disputa. Atualmente trabalha como servidora pública da Prefeitura Municipal de Fortaleza e viaja pelo Brasil realizando palestras, participando de encontros e coordenando concursos de miss para surdas. “Espero que meu exemplo se aplique universalmente, tenhamos ou não uma deficiência a superar. E acredito sim, que é possível transformar dor em superação”, afirma Vanessa. Ela já está organizando a segunda edição de seu livro, uma biografia intitulada “A Verdadeira Beleza”. SERVIÇO CENTRO DE CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO E DE ATENDIMENTO ÀS PESSOAS COM SURDEZ (CAS) – (85) 3101.7011 FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DE SURDOS (FENEIS) WWW.FENEIS.ORG.BR

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O silêncio é provocante, não é mesmo? Agora, imagine se esta pausa é constante. Que reação você teria? Para os surdos, certamente, conviver num mundo marcado pela diversidade de sons não é uma tarefa fácil. Somos sonoros por excelência. Basta lembrar o choro de um bebê ao nascer. O primeiro contato com a vida real tem som. E olha que não estou falando de música, uma das manifestações artísticas mais sublimes do ser humano. A deficiência auditiva no Brasil ainda carece de recursos e informação. A realidade no Ceará não é muito diferente dos demais estados. E o caminho mais seguro seria o acesso à educação inclusiva. Em Fortaleza, há um órgão situado dentro do Instituto de Educação do Ceará (IEC) que trata exclusivamente de questões relacionadas às deficiências: o Centro de Referência em Educação de Atendimento Especializado do Ceará (Creaece). Ele é formado por alguns núcleos e, um deles, o Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), é referência no atendimento a pessoas portadoras de algum tipo de deficiência auditiva, além de promover a qualificação de profissionais que queiram atuar na área de surdez. O CAS oferece cursos de formação de professores e intérpretes voltados ao aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Segundo a coordenadora do CAS Ceará, Rejane Moreira, 46, só com o curso de Libras, o núcleo atende em média a 1.500 alunos, a cada semestre. “Além dos cursos de Libras, ofertamos o atendimento educacional especializado para crianças surdas: psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia, psicomotricidade e informática educativa”, completa Rejane. Um dos requisitos para o atendimento de crianças é que elas estejam matriculadas regularmente na escola. O serviço é gratuito e, embora seja direcionado a estudantes de escola pública, que, teoricamente teriam menos possibilidades de acesso a um serviço como

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DEFICIÊNCIA E O PAPEL DA TV A falta do uso mais abrangente de recursos, como o closed caption (legendas ocultas), na programação e da própria figura do intérprete, por exemplo, mostram o desinteresse das grandes emissoras brasileiras em tornar seus produtos acessíveis a uma parcela da população que possui algum tipo de deficiência auditiva. No Ceará, a TV Assembleia mostra que se pode realizar um trabalho de qualidade para os que não podem ouvir. Diego Leão Melo e Diná Souza são os intérpretes que se revezam a cada quinze minutos no estúdio, repassando todos os discursos realizados no plenário da Assembleia Legislativa. Segundo Diná, trabalhar nessa área, que é tão nova, tão recente, “é sentir-se estimulada a cada novo sinal”. Daí a importância para comunidade acadêmica descobrir um pouco mais sobre esse universo.

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FOBIA

Fonofobia O medo do

Som TEXTO: GABRIEL MAIA ILUSTRAÇÃO E DESIGN: GABRIEL OLIVEIRA

O ESTOURAR DE UM BALÃO CAUSA, em muitos, apenas pequeno susto. Mas, para um fonofóbico pode provocar, além do receio habitual, um grande pavor. A fonofobia, ou simplesmente o medo de alguns sons, é uma hipersensibilidade auditiva. O atrito do giz na lousa, o ranger de uma porta, de alarmes, o barulho do vento e de altofalantes para muita gente são desagradáveis e irritantes. Mas, para essas pessoas mais sensíveis, eles são insuportáveis. Como toda fobia, ela é um transtorno psicológico e não tem cura. Esta doença, na maioria das vezes, aparece na infância e perdura por toda a vida. Para o otorrinolaringologista João Flávio Nogueira, algumas crianças começam a falar tarde “por sentirem medo do som da própria voz”. Parece loucura um individuo não suportar ouvir a própria voz, por isso mesmo deve-se deixar claro que os fonofóbicos não são loucos. Há preconceitos que cercam a vida de pessoas com qualquer tipo de pavor, e a loucura é um exemplo. Por não suportarem os sons que cercam uma grande cidade, como as habituais buzinas dos carros em engarrafamentos, o soar de máquinas perfurando o chão e quebrando concreto nas obras, ou até mesmo o barulho de carros que promovem propagandas publicitárias, os dependentes deste transtorno procuram locais onde o silêncio predomina. A vida de uma pessoa com esse problema pode ser cercada de muitas dificuldades, como não sair na rua, não ir a uma balada, à igreja, dirigir, entre outras atividades. Eles evitam todos os locais considerados barulhentos, que


possam estar vulneráveis a ruídos. Dessa forma, os sofredores desta aversão tendem a se tornar pessoas solitárias e estressadas, o que compromete muito sua qualidade de vida. Alguns dependentes deste mal acreditam que sons intensos, ou seja, altos e pesados, podem prejudicar sua audição definitivamente. Sabe-se que a exposição diária a qualquer tipo de barulho pode acarretar em problemas graves de saúde e levar inclusive a perda da audição. Vale salientar que os prejuízos causados ao ouvido de uma pessoa acontecem a médio e longo prazo, contrariando o pensamento dos fonofóbicos. Dentre os vários sintomas deste pânico, os principais são: tremores, palpitações, dor de cabeça, náuseas, falta de ar e crise de choro. Sendo que esses traços variam de acordo com cada caso. O tratamento desta patologia pode ocorrer com o auxílio

“ALGUMAS CRIANÇAS COMEÇAM A FALAR TARDE POR SENTIREM MEDO DO SOM DA PRÓPRIA VOZ.” JOÃO FLÁVIO NOGUEIRA, OTORRINO

de profissionais como otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e psiquiatras. É indicado nesses casos medicamentos que apenas amenizam os sintomas. No entanto, existem psicoterapias que ajudam os fonofóbicos a conviverem melhor com seus transtornos por meio de técnicas de autoajuda. A fonofobia, assim como outras hipersensibilidades auditivas, ainda é pouca conhecida pela sociedade e pouco estudada pelo meio cientifico. No Brasil e em todo o mundo, não existem estatísticas que possam dar o número exato de pessoas que sofrem deste desconcerto psicológico. Por ser uma doença muito rara, não é fácil encontrar alguém com esse perfil. Durante os oito anos de atuação profissional, o médico João Flávio afirmou que só teve um paciente com essa fobia. Justamente por ser considerada rara, ele acredita que a doença deveria ser estudada com maior intensidade pelo meio acadêmico. Pesquisas científicas feitas por faculdades de medicina sobre a fonofobia ajudariam a sociedade a conhecê-la e entendê-la melhor.

AS CRIANÇAS E O MEDO DE ALGUNS SONS Pode-se dizer que entre as três principais fases da vida é na infância que sentimos mais medo. Um exemplo é o barulho causado pelos fogos. O filho da jornalista e professora de jornalismo, Ana Cesaltina, de seis anos, sempre teve medo de sons muito intensos. O réveillon para Ana é sempre uma data complicada, devido ao grande número de rojões soltados para comemorar o ano novo. Na virada do ano de 2010 para 2011, quando ainda tinha quatro anos, Ana disse que seu filho chorou muito de medo. Outra situação inusitada ocorreu no dia da instalação de um móvel na casa de Ana, quando foi necessário o uso de uma furadeira. A família teve de sair enquanto o móvel seria instalado, pois a criança não suportou ficar dentro daquele ambiente, com um som tão alto. Outra criança que sofre com barulho intenso é a filha da dona de

casa Nágila Cassundé, de apenas três anos. Situações como ir à escola, às vezes, é muito difícil para a menina, principalmente por causa do barulho que os coleguinhas fazem dentro da sala de aula. Nágila revela que evita sair de casa com a filha para locais com muita gente, porque o barulho incomoda muito a menina. Recentemente foram a uma festa de aniversário infantil, local com muitas crianças, e a filha se sentiu muito incomodada com o barulho do ambiente. Elas permaneceram pouco tempo na festinha e tiveram que ir embora. Como muitas pessoas, as duas mães ainda não conheciam a fonofobia. A professora sempre se preocupou com esse incômodo sentido por seu filho. Assim como Nágila, que sempre suspeitou que sua filha tivesse algum problema com sons intensos. Agora, elas pretendem levar seus filhos a um especialista.


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DUBLAGEM


Uma voz de

PRINCESA AOS SETE ANOS DE IDADE, A MENINA SONHAVA EM EMPRESTAR A VOZ ÀS PERSONAGENS DA DISNEY. NÃO APENAS SONHAVA COMO AFIRMAVA QUE ESSE DIA IRIA CHEGAR. O TOM SUAVE E A FALA RITMADA REVELAVAM, DESDE A INFÂNCIA, O TALENTO DE ITAUANA CIRIBELLI TEXTO: LARA COSTA ILUSTRAÇÃO E DESIGN: CARLOS COSTA Matéria Prima abril 2012

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DUBLAGEM Matéria Prima abril 2012

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A REALIZAÇÃO NÃO FOI COMO um passe de mágica. Foram anos dedicados à música e ao teatro, não necessariamente nessa ordem. O teatro surgiu na vida de Itauana em 1996, quando iniciou com o grupo Comédia Cearense. O timbre garantiu a presença em musicais infantis, onde interpretou princesas e mais princesas. Era o tal jeito “princesístico” de cantar, como a própria define ao ser questionada sobre o seu estilo. A oportunidade de dublar veio por meio de outra oportunidade, a de participar da 4ª edição do programa Fama, reality show musical da Rede Globo. Apesar de ser atriz e não cantora, o estímulo dos amigos a convenceu a se inscrever. Lá, teve a voz revelada para o Brasil, e seu desejo também. Itauana “gritava” pelos corredores do Fama, a vontade de trabalhar com dublagem. Cantou pela primeira vez na televisão o tema de um desenho da Disney, com direito a performance de “A bela e a fera”. Um participante do programa indicou o contato de Felix Ferra, maestro e diretor musical da Disney. Pouco tempo depois, já estava cantando a música de abertura do filme Bambi. O desempenho fez sucesso e implicou a permanência na “casa”, além da realização do sonho de infância, nunca abandonado. A partir de 2006, Itauana Ciribelli passou a ser a voz oficial da Cinderela nas canções do clássico. De dublagem em dublagem, redobrou o cuidado com as cordas vocais, evitando estripulias e repetindo antes de cada trabalho, os exercícios anotados no

EM MUSICAIS INFANTIS, INTERPRETOU PRINCESAS E MAIS PRINCESAS. ERA O TAL JEITO “PRINCESÍSTICO” DE CANTAR caderninho. Aliadas, técnica e disciplina a ajudaram a encarar o maior desafio de sua carreira: assumir a voz de cinco personagens em um mesmo filme. “Foi uma loucura!” A maternidade, em 2010, a trouxe de volta a Fortaleza, aonde nasceu e viveu a maior parte do tempo. Hoje está um pouco afastada das dublagens por imposição do mercado, já que os estúdios se concentram no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ainda é convidada para alguns trabalhos da Disney, mas a remuneração não tão atraente e os custos do deslocamento tornam a oferta inviável. Além das canções no chuveiro, de três em três meses solta a voz nas gravações do seriado infantil “Floricultura da Nana”, protagonizado por ela, que também participa da direção de dublagem. As filmagens acontecem em Buenos Aires, Argentina, na central da Disney na América Latina.

O MAIOR DESAFIO DE SUA CARREIRA: ASSUMIR A VOZ DE CINCO PERSONAGENS EM UM MESMO FILME: “FOI UMA LOUCURA!”


20 ESPETÁCULOS TEATRAIS. 6 PARTICIPAÇÕES NA TV. CANTOU EM MAIS DE 10 PRODUÇÕES DA DISNEY

CANTORA COM FORMAÇÃO EM BELTING E CANTO LÍRICO (SOPRANO) DUBLADORA E DIRETORA DE DUBLAGEM (DO PERSONAGEM SABIDO, NA FLORICULTURA DA NANA). IDIOMAS QUE FALA: PORTUGUÊS, INGLÊS E ESPANHOL (DA ARGENTINA).

CURIOSIDADES SOBRE A PROFISSÃO

PRINCIPAIS TRABALHOS: � HIGH SCHOOL MUSICAL 2: LONGA DA DISNEY. CANTOU A VERSÃO EM PORTUGUÊS DA CANÇÃO “ YOU ARE THE MUSIC IN ME” (VOCÊ É A MÚSICA EM MIM) COM O ATOR THIAGO FRAGOSO. � CINDERELA 3: LONGA DE ANIMAÇÃO DA DISNEY. CANTOU A VOZ DA CINDERELA EM PORTUGUÊS. � BAMBI 2: LONGA DE ANIMAÇÃO DA DISNEY. CANTOU A MÚSICA TEMA DO FILME EM PORTUGUÊS (VAI BROTAR). � CANTOU EM: IRMÃO URSO 2, TINKERBELL, ZACK & CODY (VOZ DE ASHLEY TISDALE), AS VISÕES DE RAVEN, PHINEAS & FERB, DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO, DEU A LOUCA NA CINDERELA E PADRINHOS MÁGICOS, ENTRE OUTROS. � A CASA DO MICKEY: DESENHO ANIMADO DA DISNEY. CANTOU A ABERTURA EM PORTUGUÊS.

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Para atingir o timbre e o timing das personagens, é preciso, além de voz, uma boa interpretação. O que pouca gente sabe é que ser ator não só agrega valor à dublagem como é um dos pré-requisitos da profissão. A dublagem só pode ser realizada por quem possui registro profissional de ator na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), adquirido por meio da formação em Artes Cênicas ou cinco anos de trabalho comprovados. Os atores podem se especializar em dublagem, por meio de cursos específicos na área. Postura diante do microfone, técnicas de respiração, dicção, interpretação e sincronismo labial são alguns dos pontos contemplados na especialização. Itauna Ciribelli é graduada em Letras, mas possui carteirinha de atriz profissional pelos trabalhos realizados. Em seu currículo também constam cursos de canto e dublagem. No Brasil, os poucos estúdios que realizam dublagens profissionais estão concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Itauana já fez trabalhos nas duas cidades, e revela a preferência pela dublagem carioca. “No Rio, eles adaptam o texto para a nossa língua e realidade. Fica mais natural, mais caprichado.” De acordo com ela, assim como a qualidade, os preços em São Paulo também são inferiores. “Eles priorizam a rapidez, o que acaba prejudicando o resultado final”, completa.

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INFÂNCIA

MÚSICA PARA OUVIDOS INFANTIS HOJE OS GOSTOS MUSICAIS INFANTIS SÃO MOTIVADOS DESDE O NASCIMENTO

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TEXTO: HIBRAEL MARTINS SOUZA ILUSTRAÇÃO: NAIANA DESIGN: ANA PAULA XIMENES

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MUITO JÁ SE OUVIU SOBRE CANÇÕES DE NINAR e músicas para crianças. Temas infantis que relacionam música ao desenvolvimento afetivo da criança. Nos dias de hoje, porém, este padrão vem se diversificando. Aos sete anos, crianças já escutam grandes artistas e bandas como Renato Russo, Beatles, U2, entre outros. Esta relação pode vir da influência dos pais, que colocam os filhos para escutar as suas músicas favoritas, fazendo que o gosto passe a ser hereditário. A mídia, por sua vez, pode influenciar também nas crianças o gosto musical por programas, como o TV Xuxa, onde a apresentadora recebe convidados musicais, que podem servir de exemplo. Se a criança estiver assistindo, possivelmente também assistirá a apresentação dessas bandas e cantores. Um fator negativo que muitos pais reclamam é que no Brasil, atualmente, qualquer hit musical, já se transforma em fenômeno como a canção ’’Ai se eu te pego’’, do cantor Michel Teló. Para muitos, a canção não é adequada para crianças. Neste aspecto, muitos levam em conta e tentam fazer com que o gosto musical do filho seja outro. Há, porém, outros pais que nem ligam e deixam o livre arbítrio para os filhos decidirem. Segundo a psicóloga Maria Fátima de Souza, 53 anos, a música é importante na formação das crianças. Mas, também, tão importante é o filho ouvir a voz da mãe para criar laços afetivos desde cedo. “Melhor o som de uma música do que o som de uma televisão. A TV pode estressar o bebê, e a música, se o som não for tipo de heavy metal, pode tranquilizá-lo”, disse Fátima de Souza. Ela destaca, também, a importância dos pais selecionarem o gosto musical dos filhos. E também critica as letras de hoje em dia. “É dever dos pais selecionar desde cedo o gosto musical. Se a criança ouve uma boa seleção musical, aumenta a probabilidade do bom gosto para música. Hoje, as letras das músicas são muito apelativas e eróticas. Muitas vezes as crianças não sabem (não têm a consciência) do que estão escutando. Hoje é fácil você ver uma criança de 10 anos se interessando por bandas como Beatles, Coldplay, Rolling Stones, devido à influência dos pais”, acredita a psicóloga.

INFLUÊNCIA ‘’ACHO QUE NÓS PAIS, HOJE EM DIA, TEMOS QUE INCENTIVAR O GOSTO MUSICAL DOS FILHOS DESDE CEDO. LÓGICO QUE QUEM VAI DECIDIR É ELE FUTURAMENTE.” DÉBORA COLARES

Não há idade para se ouvir música. Com um mês, uma criança já pode escutar, normalmente, músicas classificadas para crianças. Um fato, porém, tem chamado a atenção: uma coleção de CDs com título “Baby Style”, recomendada para crianças de 0 a 18 meses. De acordo com especialistas, é nesta fase que a influência que uma criança recebe, ajuda a determinar suas particularidades. Nessa coleção, há músicas instrumentais de bandas consagrados como The Beatles, Pink Floyd, U2 e Queen. A coleção já alcançou grande escala de vendas e repercussão tanto em adultos quanto em crianças e bebês. Para Débora Collares, mãe de Victor Hugo, de apenas um mês, a coleção diversifica a variedade para músicas, ao contrário de antigamente que nunca existia nada do tipo. “Isso demonstra que não há faixa etária para ter bom gosto musical”, afirma.


SE A CRIANÇA OUVE UMA BOA SELEÇÃO MUSICAL, AUMENTA A PROBABILIDADE DO BOM GOSTO PARA MÚSICA.

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Aos 17 anos, Débora é tia de três crianças: Marcela, de 4 anos; Ana Zélia, de 8, e Sophia, de 3 anos. Todas elas escutam músicas desde que tinham meses de idade, como as músicas do Queen, já que Débora é fã desta banda. Ela desenvolve o mesmo procedimento com o filho Victor Hugo: coloca música para ele se acalmar e dormir. Embora possua toda a coleção Baby Style, o que chama atenção é que o bebê consegue se acalmar com música vocal da banda Legião Urbana. Ela conta que quando Victor escuta a melodia, fica muito calmo e muitas vezes já parou de chorar ao ouvir. ‘’Acho que nós pais, hoje em dia, temos que incentivar o gosto musical dos filhos desde cedo. Lógico que quem vai decidir é ele futuramente. Quero, porém, acostumálo a ouvir músicas que gosto, quero passar uma influência. O avô dele é fã incondicional da Legião Urbana, curiosamente a banda que ele mais ‘gostou’ de ouvir, ou que se comporta melhor. Vamos, portanto, continuar fazendo com que ele escute nossas influências musicais como Beatles, Queen, Legião Urbana’’, deseja Débora, que também critica bastante as bandas de hoje. “Sou de 1994 e gosto de bandas dos anos 70 e 80”, informa a jovem, considerando que a música vem decaindo cada vez mais. Não me surpreendo vendo crianças de 12 anos vestindo camisetas de bandas consagradas. Um bom exemplo foi a apresentação do Paul McCartney que fez shows no Brasil e teve fãs de oito anos de idade na plateia. Isso mostra que quando se tem um artista de qualidade, devemos estimular as crianças e bebês a ouvir, ajudando a desenvolver a percepção auditiva, estimulado a cognição. Prefiro que meu filho goste das ‘lendas da música’, e que possam contribuir para o desenvolvimento emocional e mental dele”, avalia Débora.

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ARTISTAS DA VOZ Matéria Prima abril 2012

A VOZ DO PALCO PRINCIPAL

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“NÃO USO TÉCNICA, OBSERVO UMA DETERMINADA PESSOA E O TIMBRE DA SUA VOZ. IMITAÇÃO NÃO É SÓ VOZ, MAS TAMBÉM TÉCNICA CORPORAL.” ERY SOARES, HUMORISTA

VOCÊ É CAPAZ DE RECONHECER UMA PESSOA SÓ PELA VOZ? DE ATÉ VISUALIZÁ-LA ENQUANTO CONVERSA AO TELEFONE? ISSO SE DÁ PORQUE AGREGAMOS AO SOM QUE SAI DA SUA BOCA, ELEMENTOS CAPAZES DE ETERNIZÁ-LA NA NOSSA MENTE E, COM ISSO, FAZEMOS UMA ESPÉCIE DE FOTOGRAFIA SONORA DESSAS PESSOAS TEXTO: LUCAS MOURA ILUSTRAÇÃO: NAIANA DESIGN: ANA PAULA XIMENES


“CUIDAR DA MINHA VOZ É IMPRESCINDÍVEL. POR ISSO, TENHO ACOMPANHAMENTO DE FONOAUDIÓLOGO.” VALÉRIA VITORINO (ROSSICLÉA)

VOZ: USE-A COM MODERAÇÃO A voz requer cuidados como os que tomamos com o nosso corpo e a mente. Este bem precioso pode com o tempo, e sem cuidados, ter algumas complicações nas cordas vocais. A fonoaudióloga Eda Queiroga ressalta a importância de alguns cuidados que devemos ter. “Exercícios miofuncionais, respiratórios, alongamentos e relaxação, dentre outros”. Eda lembra que alguns profissionais, como professores, advogados, cantores, cobradores de topic, e religiosos, dentre outros e políticos que utilizam a voz na sua profissional correm mais risco de terem doenças causadas pelo uso excessivo da voz, fazendo com que se desenvolvam patologias relacionadas à voz (disfonia = rouquidão) ou até mesmo perdê-la.

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COMO ESQUECER CERTOS PERSONAGENS da novela, a voz do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, Roberto Carlos? São vozes que tiveram presença marcante na nossa vida. São essas vozes que ouvimos no nosso convívio familiar, trabalho ou na rua que ficam marcadas. É se utilizando do talento, que alguns humoristas encontram na voz uma forma de ganhar dinheiro e tirar seu sustento. Observando o ‘jeito’ de falar de algumas pessoas é que artistas eternizam personalidades pelo som marcante de suas vozes. Quem não se lembra dos diferentes personagens que o mestre do humor, Chico Anysio, criou nos seus 60 anos de carreira, com as mais de 200 caricaturas que nasceram da cabeça desse cearense que soube utilizar como ninguém a sua criatividade e o ‘dom’ para imitar e criar pessoas que vivem até hoje como o Professor Raimundo, Fumaça, Painho e entre outros? Dizem que baiano não nasce, estreia. Esse mesmo dito popular poderia ser empregado aos cearenses também. Prova disso é andar pelo calçadão da Beira Mar ou na Praça do Ferreira, no Centro. É sempre possível encontrar um artista, seja fazendo número de circo ou imitando alguém. Até mesmo nas casas de humor da cidade, que já viraram sinônimo de alegria. O humorista Ery Soares é um deles. O humorista que dá vida a diferentes personagens, começou a carreia fazendo participações em festa colegiais e, em seguida, começou a fazer rádio e TV. Ele conta que sua estratégia de imitação está na observação das pessoas. “Não uso técnica, observo uma determinada pessoa e o timbre da sua voz. Imitação não é só voz, mas também técnica corporal”. São em seus personagens que hoje integram bonecos em programa de TV, que o artista transforma a sua voz em divertidas interpretações. Ery, mesmo tendo a voz como um dos seus carroschefes para vender o seu show, não toma muitos cuidados, mas faz sempre exames para prevenir alguns problemas futuros. No mesmo grupo de Ery, outra artista que se destaca na noite da capital é Valéria Vitorino ou, para o grande público, Rossicléa. Conhecida pelo jeito extravagante e sua voz ‘gasguita’, como ela mesma faz questão de frisar, a humorista, uma das poucas na cidade, leva muita gente a rir com suas piadas e causos do dia a dia da vida. Valéria (Rossicléa) começou nova, aos 23 anos, em casas especializadas e bares em Fortaleza, e logo conquistou seu público. A cearense mostrou a que veio e logo estava em programas nacionais de TV, como Globo Repórter, Jô Soares, Hebe, Xuxa, Vídeo Show. Atingiu a marca das 5.000 apresentações ao longo da carreira e vem se apresentando com sucesso em cidades como Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e outras capitais do Brasil. E já viajou até para o exterior para fazer shows em turnês nos Estados Unidos. Valéria usa a voz para deixar a sua marca registrada. Devido ao grande número de shows, está sempre cuidando da sua voz, uma forma de garantir por mais anos seu ‘instrumento’ de trabalho. “Como tenho uma média de quatro shows por semana, e muitas vezes passando por drásticas mudanças climáticas em shows pelo Brasil inteiro em uma mesma semana, cuidar da minha voz é imprescindível. Por isso, tenho acompanhamento de fonoaudiólogo há mais de seis anos”. Você que está finalizando a leitura dessa matéria, deve ter ouvido em algum instante a voz dos entrevistados em suas falas e até visualizado sua forma de falar. São essas vozes marcantes que se eternizam em nossas mentes e corações.

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AUDIOLIVRO

DA PONTA DOS DEDOS À MAGIA DO

SOM

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TEXTO: RUBENS DE ANDRADE ILUSTRAÇÃO E DESIGN: IVAYR SARAIVA

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O QUE COMEÇOU DE UMA FORMA SIMPLES E DESPRETENSIOSA, BUSCANDO APENAS A LEITURA EM SALA DE AULA, GANHOU FORÇA, NOME E SE TRANSFORMOU NO ‘PROJETO AUDIOLIVRO’


A MAGIA DO MUNDO REAL

preconceito pela sociedade. E, do outro, os participantes do projeto aprendem na prática, talvez da melhor maneira possível, a desmistificar os preconceitos empregados pela sociedade. Questionada sobre o significado do projeto, Ana Paula Rabelo fala sobre as várias possibilidades resultantes dessa iniciativa. “Possibilidade de eu mesma aprender com todos os que eu convivo e ser sempre melhor. Possibilidade para os nossos alunos que aprendem a trabalhar em grupo e a respeitar o tempo dos coletivos; que aprendem as técnicas, mas, fundamentalmente, aprendem outras formas de viver e ver a vida”. A deficiência visual, seja de que grau for, carrega em si, preconceitos associados à incapacidade, sofrimento e desesperança. De uma forma geral, toda deficiência é tratada como uma chaga pela sociedade e, por isso, seu portador é excluído e alguns de seus direitos básicos, como os de educação e dignidade são negados. A cegueira, como é popularmente conhecida, impede muitas vezes que os deficientes cumpram tarefas básicas do dia a dia, não porque eles sejam incapazes, mas pelo receio dos próprios amigos e familiares, que acabam gerando um conformismo generalizado de que é impossível um cego levar uma vida normal.

Na edição número seis do Projeto Audiolivro, que teve como tema geral “Fortaleza”, foram selecionados cinco textos escritos por alunos da própria instituição. Um deles, que foi escrito pelo aluno Vicente Neto, estudante do curso de Jornalismo da FA7, que era monitor voluntário, chama a atenção pela magia e sintonia que o texto faz com o mundo real. “O menino que conversava com a cidade”, conta a história de um personagem que recebe de presente do seu Luiz – referência a Louis Braille – um livro mágico que permite a conversa do garoto com tudo aquilo que ele toca. “A história é uma metáfora do acesso ao conhecimento pelo método do Braille”, ressalta Vicente. Essa alusão à magia submetida ao simples toque do menino é retratada no enredo pelas coisas inanimadas que narram suas próprias histórias. A invenção desse sistema, que permite à escrita e à leitura por deficientes visuais, conhecido como código Braille, deu a eles a possibilidade de produzirem conhecimento, realizar projetos e, principalmente, sentir o mundo à sua maneira.

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O AUDIOLIVRO, QUE VISA à educação e o desenvolvimento cultural dos deficientes visuais, sem fins lucrativos, foi criado e é coordenado pela professora Ana Paula Rabelo e Silva, do Curso de Comunicação Social da Faculdade 7 de Setembro (FA7), mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. De cunho sociocultural e educativo, o projeto busca reinserir na sociedade, crianças, jovens e adultos. O projeto conta com a participação ativa de alunos e professores, além de estudantes de outras instituições, que são deficientes, e lidam diariamente com a nova forma de ver o mundo. “Os alunos que participam do projeto são protagonistas desta história. Somos um grupo em que a hierarquia praticamente não existe e que se as responsabilidades não forem assumidas, o produto final ou não fica bom ou não é concluído”, ressalta Ana Paula. Livros como os de Clarice Lispector, “Quase de verdade” e “A vida íntima de Laura”, são textos que fazem parte dessa iniciativa. De início, só o público interno da Faculdade 7 de Setembro era beneficiado com o Audiolivro, enquanto o público externo atuava apenas como ouvinte. Hoje, a troca de material e de experiências vividas entre a produção e os colaboradores externos do projeto – Curumins, Cedeca, Instituto Hélio Góes, UFC, Faced (UFC), Uece, PUCRS, UFRN, Biblioteca Dolor Barreira, além de alguns presídios e asilos – contribuem de maneira significativa para a qualidade e validade dessa iniciativa. Segundo a coordenação do projeto, para colaborar diretamente com essa ação, como bolsista ou voluntário, o aluno interessado deve esperar o processo seletivo interno da FA7, que tem novas vagas previstas para agosto deste ano. Já as instituições que estiverem interessadas em serem parceiras, para receberem os materiais produzidos pelo projeto, devem escrever para a faculdade em atenção à coordenação solicitando o material. Os valores morais, éticos e humanos inerentes ao projeto andam sobre uma linha de dupla significação, onde, de um lado, ajuda as pessoas com deficiência a superarem os desafios de adaptação ao mundo, que ainda não se adaptou à acessibilidade, a serem vistas sem

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OPORTUNIDADE

A MÚSICA COMO

OPORTUNIDADE

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TEXTO: ROSANE GURGEL ILUSTRAÇÃO E DESIGN: GABRIEL OLIVEIRA

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NOS ENSAIOS OU ESTUDANDO conceitos teóricos, a animação é constante. Motivos não faltam para os jovens alunos que convivem com os instrumentos musicais, aliando prática, criação e aprendizagem. Eles fazem parte do Projeto Meu Primeiro Instrumento, onde alunos matriculados na rede pública de ensino em Fortaleza têm a oportunidade de estudar música como arte. O projeto é de responsabilidade da Musimania Escola de Música, que oferta 150 bolsas para estudantes entre 12 a 25 anos, e é financiado pelo Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Os alunos são convocados para fazer uma audição com teste de aptidão. Se aprovados no teste, ganham uma bolsa integral de dois anos para estudar na Escola de Música. Os melhores alunos, além disso, serão agraciados com um instrumento musical. A demanda é tão concorrida que há uma lista de 600 pessoas à espera para ingressar no projeto. A proposta do Projeto Meu Primeiro Instrumento é a formação de grupos entre alunos para terem a prática do ensaio em estúdio. Essa categoria é um curso profissionalizante, as modalidades são: violão, guitarra, baixo, bateria, piano, sax, violino e gaita. Além dos instrumentos, os alunos estudam a parte de teoria musical que é dividida em harmonia, percepção e leitura musical. Os estudantes da rede de ensino público são focados em seus objetivos, muitos têm o intuito de ser músico, têm amor pela música, tocam com o corpo e principalmente com a alma. Oportunidade que conseguiram com batalhas e esperança. “Todos têm uma vida digna, porém sacrificada. E não hesitam de agarrar a oportunidade de estudar em uma escola de nível, sem desembolsar o dinheiro que eles não têm. Diferente do aluno particular que muitas vezes os pais querem que o filho aprenda algum instrumento.”, explica o músico e diretor da Escola Musimania, Eduardo Freire (Dudu Freire). O projeto também dá propriedade para quem quer passar no teste de aptidão para entrar na faculdade de música na Universidade Estadual do Ceará (Uece). O curso oferece aulas preparatórias e exercícios de teoria musical. Muitos alunos conseguiram passar para a carreira


de música na Uece e ainda continuam utilizando o curso como reforço de aula. O projeto já apresentou alunos destaques, como foi o caso do Guilherme Dantas Bassila, que apesar de ser deficiente visual mostrou para todos e para si que para ser músico não existe limitações. Guilherme se apresentou com outros alunos do projeto social no palco principal do Ceará Music 2006, abrindo o show da banda de rock Paralamas do Sucesso. Sua carreira só estava começando, quando

“ELES JÁ CHEGAM AQUI COM TODA A SEDE DO MUNDO DE APRENDIZADO.”

Marcelo Holanda, ex-aluno do projeto que atualmente toca na noite. Alguns são contratados pela escola Musimania para dar aulas, e outros estão na Faculdade de Música Sousa Lima, com a mesma oportunidade que o garoto Guilherme teve. “O projeto nos dar a oportunidade de ter várias aulas, conhecer vários tipos de instrumentos, técnica, teoria musical etc. Tenho certeza que vou ter mais chance de trabalho não só no ramo musical. Mas, também vou tirar uma lição por toda a minha vida.”, comenta Júnior Maia, aluno da rede pública de Fortaleza que está no projeto há um ano. Com a guitarra nas mãos, Júnior tenta lembrar-se de algum momento onde a música não fez parte da sua história, não conseguiu. A lembrança e a sonoridade da boa música deu lugar à saudade de algo que ele nunca teve, mas sabe que um dia terá.

DUDU FREIRE, MÚSICO ganhou uma bolsa de estudo durante dois anos para a Faculdade de Música Sousa Lima, em São Paulo. Logo depois, ingressou na Berklee Colege of Music, a maior faculdade independente de música do mundo, localizada nos Estados Unidos. Atualmente está terminando a especialização em leitura de música braile e pretende voltar para o Brasil. Oportunidade é o que não falta para os estudantes que concluíram o curso. Pessoas que entram crianças e saem adultas montando sua própria escola de música, outros tocam à noite, como é o caso de

QUADRO DE INFORMAÇÕES 6 - QUANTIDADE DE ALUNOS DO ENSINO PÚBLICO QUE FORAM CONTRATADOS PARA TRABALHAR COMO PROFESSORES NA ESCOLA DE MÚSICA MUSIMANIA. 12 A 25 ANOS - É A FAIXA ETÁRIA PARA OS ALUNOS DA REDE PÚBLICA QUE SE INTERESSAM EM ENTRAR NO PROJETO MEU PRIMEIRO INSTRUMENTO. 150 - SÃO AS BOLSAS OFERTADAS PELO O PROJETO PARA OS ALUNOS QUE ESTUDAM NA REDE PÚBLICA DE FORTALEZA. 600 - SÃO OS ALUNOS QUE AGUARDAM NA FILA DE ESPERA PARA A BOLSA DO PROJETO MEU PRIMEIRO INSTRUMENTO.

“VOU TER MAIS CHANCE DE TRABALHO NÃO SÓ NO RAMO MUSICAL. TAMBÉM VOU TIRAR UMA LIÇÃO POR TODA A MINHA VIDA.” JÚNIOR MAIA, ALUNO DO PROJETO

CURIOSIDADE SERVIÇO OS INTERESSADOS DEVEM ENTRAR EM CONTATO COM A ESCOLA DE MÚSICA MUSIMANIA: AV. VIENA WEYNE, 1082 – LAGO JACAREY. TELEFONES: (85) 3271.3125 E 8800.0834. E-MAIL: ATENDIMENTO@ MUSIMANIA.COM.BR

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O som é dividido em propriedades: altura, intensidade, duração e timbre. É na altura onde as pessoas mais confundem. “O som está alto.”, porém o certo é “o som está forte”. Quando o som é mais alto significa que ele está mais agudo, quando o som é baixo ele está mais grave. A intensidade do som é que determina quando ele é forte ou fraco. A duração é o tempo onde se propaga o som e o timbre é a cor do som, como o ouvido identifica. Um exemplo disso é o som da chinela do seu pai e o som da buzina do carro.

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SONS QUE JUNTAM

¡ADIÓS, SOLEDAD!

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TEXTO: VICENTE NETO ILUSTRAÇÃO: TITO DESIGN: ANA PAULA XIMENES

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NOITE DE SEGUNDA-FEIRA. Horário de pico em Fortaleza. Sons de buzina e motor executam a sinfonia que embala o fim de expediente de um mundo de gente. As ruas da cidade estão cada vez mais lotadas de automóveis, muitos deles transportando apenas o condutor. Não é novidade que nas grandes metrópoles as pessoas se sintam cada vez mais sozinhas. São 19h quando Gláucia Bomfim percebe a mudança na trilha sonora de sua noite. Ela está ansiosa quando cruza a última avenida barulhenta do Meireles antes de entrar no prédio que toma um quarteirão inteiro do bairro, o do Círculo Militar de Fortaleza. - Vim ver a aula de tango - diz ao porteiro. Estaciona, desce do carro e, à medida que se dirige ao salão indicado, vai divisando os acordes de um bandoneon. Metros adiante, Gláucia vê casais a riscar sapatos pelo chão. O som toca Carlos Gardel. Ela senta, sozinha, numa mesa da casa de chá anexa ao salão. Veio só pra observar. Depois de um tempo, resolve falar com o rapaz sentado na mesa ao lado: - Você é professor daqui, posso fazer uma pergunta? - Não sou. Vim fazer uma reportagem, respondo. A senhora veio ter aula? - Eu vim mais pra olhar. Não sei dançar não... esse pessoal aí já dança há muito tempo, né? Nessa noite Gláucia terá seu primeiro contato com a turma de cerca de 60 pessoas que semanalmente se reúne para dançar e compartilhar a admiração pelos sons sincopados do tango. Mais antigo grupo a se dedicar ao gênero em Fortaleza, o Fortango começou

no ano 2000. Desde então, o grupo junta gente interessada em aprender a bailar e em conhecer tudo o que se relacione com o ritmo. O grupo organiza até viagens anuais para Buenos Aires, onde os membros participam de congressos com os mestres do tango e vivenciam a cultura tangueira no ambiente original. Por volta das 20h, começa a aula dos iniciantes e sou convidado a participar. Nessa turma, somos quatro homens e doze mulheres. Enquanto troco passos pelo salão, aproveito para conversar com minhas parceiras. Neuza Moreira me conta que começou a dançar depois de viúva. As melodias sentimentais e marcadas do tango a conquistaram. “Quando danço, me sinto uma pessoa importante”, diz. Ruth, minha dama seguinte, descreve como o tango lhe toca: “essa batida, tan... tan... é forte, mas é leve. É intensa”. Ruth é casada e sempre vem com o marido. Diz que a música aproxima os dois. O som toca agora Astor Piazzolla. Gláucia, aquela que apareceu sozinha e veio “só pra olhar”, vem arriscar os primeiros passos comigo. Já está iniciada no grupo. “Agora que descobri isso aqui, toda segunda-feira eu venho”, garante. Se assim fizer, vai trocar a vida solo pelos acordes plurais de uma comunidade que ama a música.

FORTANGO: MAIS DE 60 PESSOAS SE JUNTAM ÀS SEGUNDAS, IRMANADAS EM TORNO DO TANGO

BEATLEMANIA: FÃS SE REÚNEM PARA CELEBRAR A BANDA ATÉ 3 VEZES POR SEMANA


A BANDA SE SEPAROU. ELES SE JUNTARAM Em outra parte da cidade, nem violinos, nem de bandoneons. É noite de sexta no bar Acervo Imaginário, Praia de Iracema. Aqui são rifes de guitarra que fazem a alegria de quase 200 fãs da banda The Beatles. Festa em tom de celebração. Enquanto entoam as canções de John e Paul, cada participante se sente fazendo parte do mundo que sabe o que é bom. Muitos deles repetem semanalmente o ritual de acompanhar as bandas da cidade que imitam os rapazes de Liverpool. Nessa noite, dona Nora Fernandes veio ver a banda cover Rubber Soul, que toca Beatles desde 1991. Nora sai até três vezes por semana para cultivar sua beatlemania. Ela não vai só. Acompanha-se de um grupo que já soma 16 pessoas. Mãe de quatro filhas, ela passou a levar as moças para assistir às apresentações. Duas delas acabaram se apaixonando – pelo roque inglês e por amigos beatlemaníacos que a mãe fez questão de apresentar às filhas. “Gostar de Beatles, virou critério pra entrar pra família”, brinca Nora. Filha de Nora, Renata conheceu o marido Mauro, beatlemaníaco, entre uma balada e outra. Theis, a irmã, foi a um show com a mãe. Lá encontrou o guitarrista Eduardo Neves. Muitas canções depois, nasceu a primeira filha do casal, Júlia, nome escolhido em homenagem à mãe de John Lennon. Uma família inteira que a música uniu.

ESCUTAMOS, LOGO EXISTIMOS Desde que o homem é homem, os indivíduos percebem, organizam e dão sentido ao que escutam. Transformam os sons em música e buscam pares com quem compartilhar significados - para se afirmarem no mundo, para terem um esteio existencial. A psicologia conhece o fenômeno. “As pessoas se reúnem em torno de uma afinidade, tornando-se irmanadas em suas preferências, associadas aos grupos musicais de que participam”, explica a prof. Zulmira Bomfim, da Universidade Federal do Ceará, doutora em Psicologia Social. “É como se a pessoa pensasse - eu gosto dos Beatles, e quem gosta dos Beatles só pode ser gente boa também, sendo assim posso relaxar e confiar nesta pessoa”, diz. A fala da especialista confirma constatação de homens de todas as épocas e lugares: o som, processado e transformado em música pela sensibilidade humana, pode ser recurso dos mais úteis para se escapar à solidão! Matéria Prima abril 2012

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