Memória em Pauta #1 (2018.2)

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P Fragmentos e histรณria da imprensa cearense

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Na Matéria Prima #19, você encontrará a história de pessoas de outros lugares que descobriram em Fortaleza e no Ceará um lugar para viver e amar. Leia em quintoandar.uni7.edu.br


Caro leitor,

Reitor Ednilton Soárez VICE-REITOR Ednilo Soárez PRÓ-REITOR ACADÊMICO Adelmir Jucá PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Henrique Soárez Coordenador do Curso de Jornalismo Margela de Lima

P Coordenadora do Curso de Design Nila Bandeira

issuu.com/npjor/docs Editor Chefe Miguel Macedo

Projeto Gráfico Humberto de Araújo & Julia Havt Direção de Arte Humberto de Araújo Estagiários do núcleo de design editorial Gabriel Weyne, Julia Havt & Talita Vital Editorial Miguel Macedo COLABORARAM NESTA EDIÇÃO texto  Gabriel Barbosa, Gabriel Rodrigues, Iago Monteiro, Ítalo Falcão, Jéssica Castro, Lívia Carneiro, Magno Paz, Neto Ribeiro, Suelen Mendonça & Virna Magalhães diagramação  Gabriel Weyne & Julia Havt

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Registrar e divulgar a história de vida de profissionais do jornalismo cearense. Com esta proposta, o Projeto Memória em Pauta estreou com um webdoc enfocando os jornalistas Eliézer Rodrigues e Inês Aparecida. Para assisti-lo acesse o portal Quinto Andar. Como projeto de comunicação em todas as plataformas e em diferentes tipos de mídia, a segunda edição do Memória em Pauta chega em formato de revista digital, como edição da Matéria Prima, do curso de Jornalismo do Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7). Fomos beber na fonte de cinco profissionais da imprensa cearense: Isabel Pinheiro, Luciano de Paiva, Márcia Gurgel, Sérgio Pires e Wilame Moura. Com eles, os estudantes da disciplina Projetos em Mídias Convergentes, semestre 2018.2, coordenados pelo professor Miguel Macedo, idealizador do projeto, praticaram o exercício de jornalismo, em formato pingue pongue, com entrevista de perguntas e respostas. Cada qual com sua competência, eles compartilham as experiências profissionais e histórias na prática do fazer jornalístico nas redações e fora delas. Assim como tantos companheiros e companheiras de profissão, são jornalistas que ajudaram a construir a imprensa cearense. E as entrevistas seguem na perspectiva de valorização dos jornalistas, em diferentes aspectos: histórias de vida, opiniões, relação com trabalho, com a família, forma de ver o mundo, no que acreditam ou não, em tempos de fake news e redes sociais. Valorizam, enfim, o profissional do jornalismo cearense. Méritos da revista para a proposta de design gráfico do professor Humberto Araújo, com a colaboração de Julia Havt e Gabriel Weyne, então estudantes do curso de Design Gráfico da Uni7. Confira e boa leitura!

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Fragmentos e história da imprensa cearense

NOSSA C APA Concepção & design  Humberto de Araújo Produção  Iara Fontes Fotografia  Jari Vieira

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6 W I L A M E M O U R A Um fazedor de jornal 10 I Z A B E L P I N H E I R O Para além de jornalista, uma redatora 14 S É R G I O P I R E S Menos versões e mais notícias 18 M Á R C I A G U R G E L Jornalista só é bom se vor verdadeiro 22 L U C I A N O D E P A I V A As boas perguntas levam a um nocaute certeiro SUMÁRIO

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Entrevista  Wilame Moura

Um fazedor de jornal O diagramador contava os caracteres e montava as páginas dos jornais de maneira totalmente analógica, em um período onde a tecnologia dos computadores e o auxílio de programas de edição estavam longe de ser uma realidade Texto Gabriel Rodrigues e Suelen Mendonça Diagramação Julia Havt

Contador de histórias, apreciador de café e, como gosta de ser chamado, “fazedor de jornal”, Wilame Moura, estreou sua caminhada no jornalismo cearense em janeiro de 1961. Passou pelos Diários Associados, trabalhando também na TV Ceará, Canal 2, emissora do grupo. Fez parte da equipe de implantação do Diário do Nordeste, em 1981, e, atualmente, é vice-presidente da Associação Cearense de Imprensa (ACI), onde está há 50 anos. Quanto à vivência no jornal, não se prendia à diagramação. ”A única coisa que não fazia era botar a impressora para rodar, mas mexia em tudo…, tudo eu sabia. Era capaz de substituir qualquer operário que faltasse, pois gostava muito daquilo que fazia”, ressalta o jornalista que, além da diagramação, conta as experiências na profissão. »

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↑ Wilame observa que as capas precisam ser atrativas nas bancas para vender “Alguns estão muito simples” [FOTOS: Deisa Rocha]

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Entrevista  Wilame Moura

Memória em Pauta  Como funcionava a diagramação antes dos computadores? Wilame Moura  A gente fazia uma marcação de

até 25 linhas na página. Na parte de cima escrevia o nome do jornal, redação, editoria, repórter e fotógrafo. Na pauta se escreviam as linhas. Havia um limite de 63 caracteres, quando chegava à mão do diagramador. Se tivesse escrito até a vigésima linha, bastava multiplicar o 20 por 63, dando o número de caracteres no texto. MP  O que são e de onde vêm os tipos das letras de imprensa? WM  Funcionava da seguinte forma: você tirava da

caixa e ia criando as palavras. Isso se chama “caixa francesa”, onde as letras ficam alojadas na caixa. Elas são uma combinação de chumbo com estanho, porque esse material recebe prensa e não estraga. Na caixa francesa, os gráficos de oficina trabalhavam com um aparelho chamado componedor, onde as letras funcionavam como carimbos e tinham cortes e relevos, para identificar e facilitar o processo de composição das palavras, apenas utilizando o tato. MP  Como era feita a tiragem de papéis para o jornal na época e como funcionavam os anúncios? WM  O papel para jornal produzido no Brasil não

dava para abastecer o estado de São Paulo… Então, o jornal rodava com papel importado, como ainda hoje é. Mas, vamos supor que vocês são corretores de anúncio; ela [Suelen] vem me vender um anúncio do jornal e diz que o jornal dela tira 20 mil exemplares por dia. Você, [Gabriel] para vender o anúncio, diz: “O meu vende é 25 mil” e o que vendesse mais, de acordo com a tiragem, recebia o anúncio. MP  Como é feito o cálculo? WM  A média de leitor é

contada pelo exemplar, levando-se em conta quatro pessoas. O cálculo é feito para que quatro pessoas leiam aquele jornal diário. Quem são? O marido, a mulher, os dois filhos. Esse cálculo foi feito pelos publicitários. Juntam ali dez famílias e no fim dava um percentual de quatro por exemplar. Aí, veja bem, para vender um anúncio,

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você chegava no meu escritório e dizia “Meu jornal tem 20 mil exemplares”. MP  Sabe-se que você é diagramador, gráfico, radialista, jornalista. Por que se identifica como “fazedor de jornal”? WM  No jornal, só nunca botei a impressora para

rodar, mas mexia em tudo. Tudo eu sabia, gostava de fazer aquilo. Aí, quando as pessoas diziam: ‘Quer


↔ Durante a entrevista, o jornalista ilustra detalhes sobre a diagramação

dizer que você é jornalista?’, dizia que não. Eu era um fazedor de jornal, ajudava a construir o jornal.

algumas edições, e isso antigamente não funcionava, pois, a capa precisava ser atrativa nas bancas para venda. Vou dizer um exemplo: Uma das maiores MP  Como você avalia atualmente os jornais impressos, manchetes que eu vi na minha época, foi a de uma questão editorial, diagramação? moça assassinada pelo namorado. E, o secretário WM  Houve um avanço muito grande na diagrama- queria vender jornal, portanto a manchete no Corção, isso ninguém nega. Mas observo também que reio do Ceará foi “Mulher nua morta a pau”, isso não alguns jornais estão com capas muito simples em pega bem, é de mau gosto, mas vendeu.

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Entrevista  Izabel Pinheiro

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Para além de jornalista, uma redatora Com vista nostálgica do 11.º andar do apartamento em que mora no bairro José Bonifácio, uma prosa sobre vivências e experiências no jornalismo cearense

Texto Magno Paz e Virna Magalhães Diagramação Julia Havt

↖ Embora esteja afastada da profissão, Izabel mantém o hábito de leitura diariamente [FOTOS: Magno Paz]

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Entrevista  Izabel Pinheiro A jornalista Izabel Pinheiro, 70, nasceu MP  O que te fez passar tanto tempo no jornal impresso? no Acre, na cidade de Tarauacá. Ainda criança, veio IP  Costumo falar que fui muito mais redatora do para o estado do Ceará com a família. Na juventude, que repórter. O meu texto era muito legal. Às vezes estudou em São Paulo, quando despertou interesse tinha mais dificuldade de apurar do que de escrepor jornalismo. O tempo passou e, por 35 anos, exer- ver. Tanto é que em um período trabalhava como ceu a profissão nos principais veículos de comu- repórter e em outro como revisora, antigamente, nicação de Fortaleza. Começou como repórter no chamava de copydesk. Três anos depois, meu chefe, jornal O Povo em 1974 e, três anos depois, assumiu Flávio Ponte, faleceu e eu assumi a função dele de a função de chefe de redação. Em 1987, foi para o chefe de redação. No Diário do Nordeste fui editora Diário do Nordeste, convidada para assumir a editoria de Cidades e só depois chefe de reportagem onde de Cidades e depois chefia de reportagem. Durante passei 17 anos e me aposentei nessa posição. Passei a entrevista, relembrou momentos da época em pouco mais de 17 anos no Diário e 13 no O Povo. que chegou ao Ceará e recordou, saudosamente, de colegas de profissão que marcaram sua vida pessoal MP  Você tinha ou tem alguma inspiração quando se fala e profissional, além de narrar desafios e expectativas em jornalismo? que teve e tem do ofício. IP  O Flávio Ponte [chefe de redação do jornal O Povo] além de ter sido meu chefe, foi um grande amigo. A Memória em pauta  Quando você veio morar no Ceará? Adísia Sá [jornalista e professora universitária] tamIzabel Pinheiro  Vim pra cá com seis anos, em bém se tornou uma grande amiga. A Ivonete Maia foi 1954. Meu pai morreu em 1952. Na época, tinha qua- uma colega de profissão [professora universitária], mas tro anos. Ele era amazonense e minha mãe cearense. também não deixa de ser referência. O Alencar Araripe O que planejavam era que nós, eu e meus cinco ir- [jornalista e professor universitário], o Durval Aires mãos, viéssemos estudar aqui. Ele morreu, mas meu [jornalista e editorialista] e Frota Neto [escritor e joravô, pai da minha mãe, que já era velhinho, insistiu nalista] foram muito marcantes, acolhedores e amigos. que ela viesse para o Ceará porque seria melhor para a gente. Então, dois anos após a morte do meu pai, MP  Na trajetória como jornalista, qual foi o seu maior viemos e moro aqui desde então. desafio? IP  O maior desafio foi ser chefe de reportagem. MP  O que lhe motivou a cursar jornalismo? Porque acho que é uma função que esgota você, IP  Quando morei em São Paulo, fiz o ginasial e por sempre passar por uma carga de estresse. Na conheci duas meninas que também gostavam de redação, cheia de repórteres e você precisa pautar escrever e passamos a produzir o jornalzinho da aquele povo e acompanhar o desdobramento dessas escola e pregávamos no mural. Minha mãe sempre pautas, chega o final do expediente e você começa a me incentivou a ler. Naquela época, não havia te- se desesperar, será que sai ou não sai (risos)... Então, levisão, internet, Whatsapp nem Facebook. Peguei acho que o maior desafio foi ser chefe de reportagem. gosto e me dediquei. MP  Qual foi sua primeira experiência como jornalista? IP  Em 1974, estava sendo construído o teleférico

MP  Como você analisa a importância do jornal impresso em tempos de tanta tecnologia? IP  Entendo que o jornal impresso está sendo con-

de Ubajara e olha (risos), aquilo era uma novela. Fui fazer a matéria e acompanhar a construção. Já chegamos ao final da tarde, com o clima bonito para chover e havia apenas um equipamento improvisado que transportava material da construção. Pegamos uma chuva fenomenal, só voltei no dia seguinte para Fortaleza para escrever a matéria.

sumido por pessoas de mais idade, por terem mais dificuldade com a tecnologia. Acho que outras tecnologias surgirão, porque o progresso não para, o avanço não para, a evolução não para. As pessoas que não têm familiaridade com as tecnologias tendem a preferir o impresso. Acredito que deva haver oferta para todos os públicos. ↗ Izabel segura foto da época em que começou a trabalhar no jornal O Povo feita por Manuel Cunha, em 1974

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Entrevista  Sérgio Pires

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Menos versões e mais notícias O profissional acredita que o jornalismo deixou de explorar o contraditório e passou a concentrar em versões e não em notícias Texto Gabriel Barbosa e Lívia Carneiro Diagramação Gabriel Weyne

Se há uma palavra que possa descrever o jornalista e advogado Sérgio Pires seria inquietude. Durante a entrevista, o “bruxo”, como era conhecido entre os colegas, estava atônito em relação às mudanças ocorridas no jornalismo. De cabelos grisalhos, camisa social azul marinho e com barba por fazer, ele mantém o visual vanguardista das redações. Recorda o tempo em que morou no Rio de Janeiro e da aproximação com o carnaval carioca. Mesmo estando fora do jornalismo diário, Sérgio não se arrepende de ter migrado para o serviço público. Hoje, trabalha com licitações publicitárias, mas não hesitou em relembrar durante a trajetória nos trilhos jornalísticos.

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↖ Jornalismo deixou de explorar o contraditório. “Os jornais se concentram em versões e não em notícias. Não há um confronto de opiniões” [FOTOS: Lívia Carneiro]

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Entrevista  Sérgio Pires

Memória em Pauta  Como se deu essa sua transição do direito para o jornalismo? Sérgio Pires  Sou de uma família de advogados.

Fiz o curso direito entre 1964 e 1968. Quando saí da escola, meu interesse sempre foi o direito. Tentei atuar como advogado, mas não vingou. Depois de um tempo, um amigo que tinha uma coluna de esportes no jornal Tribuna do Ceará teve que sair

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de férias e me perguntou se eu queria substituí-lo durante os 30 dias. Como já praticava esportes e tinha contatos do vôlei e basquete, aceitei. Esta foi minha primeira experiência no jornalismo. MP  Sérgio, como foi sua vivência no Rio de Janeiro? Como isso acrescentou no seu conhecimento e experiência? SP  Minha experiência no Rio foi interessante por-


↔ Sérgio Pires: “A grande questão de se trabalhar nos setores público e privado ao mesmo tempo é o conflito de interesses”

somente Copacabana, ou Estados Unidos e Europa. Até que resolvi documentar no sertão de Canindé e as práticas do vaqueiro. Peguei um gravador e uma câmera fotográfica. Coloquei o gravador sob um pé de aroeira e registrei imagens do vaqueiro laçando o boi. Documentei tudo e levei para os colegas no Rio. Eles achavam que atividade do vaqueiro era mito e provei o contrário. MP  Do período que começou como jornalista até os dias de hoje ocorreram mudanças. Como você as encarou? SP  Percebo que hoje se agregaram maravilhosas

possibilidades ofertadas pela tecnologia. Então, veja bem, nos dias atuais um jornal pode trabalhar dentro de um tempo menor, que pode explorar cores e há duas coisas no jornal impresso que acho fantástico, são infográficos e a tabela de cores, que antes não havia. Na época que morava no Rio havia uma crença de que o jornal mais lido era o Jornal do Brasil, até que um professor nos pediu para fazer uma pesquisa. Salvo engano, o jornal mais lido era O Dia. Ele tinha o mesmo estilo de narrativa das matérias sensacionalistas que consagrou a revista Veja. O jornal não seguia a regra da pirâmide invertida. Era um texto narrativo em que o repórter pegava à notícia e contava como se fosse uma história. Hoje em dia, isso faz falta! MP  E sobre o lado investigativo, o jornalismo de contradições. Como você analisa o que é feito nos dias de hoje? SP  Então, percebo que hoje o jornalismo deixou de

explorar o contraditório e o lado substantivo. Tanto é que os jornais só ouvem o lado oficial e não quem vai ser atingido com aquela medida. Os jornais se concentram em versões e não em notícias. Não há um confronto de opiniões! MP  Você também ingressou no serviço público, trabalhou para nove governadores. Como faz esse paralelo entre trabalhar no setor público e privado? SP  Nunca trabalhei ao mesmo tempo nos dois lados

que fui morar na Rua Marechal Pontrowski, que ficava justamente entre os morros do Borel e dos Macacos. Foi a partir dali que tive meu primeiro contato com o carnaval, isso me proporcionou uma vivência que depois iria exercer no jornalismo. Primeiro, tinha que apresentar aos meus colegas coisas que estavam fora da realidade carioca, pois eles não tinham um conhecimento de Brasil. Uns conheciam

do balcão. Quando trabalhei no setor público, me dediquei a isso e vice-versa. Tive que me licenciar do O Povo em 1979 para ajudar na elaboração da coordenadoria de Comunicação Social no governo Virgílio Távora. A grande questão de se trabalhar nos setores público e privado ao mesmo tempo é o conflito de interesses. MP  Qual conselho você daria para os novos jornalistas? SP  O que digo para os jornalistas da nova geração

é que não percam o senso do contraditório e o lado substantivo!.

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Entrevista  Mårcia Gurgel

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Jornalista só é bom se for verdadeiro Em tempos de fake news e redes sociais, uma das profissionais mais premiadas do jornalismo cearense falou sobre as novas formas de fazer jornalismo Texto Iago Monteiro e Ítalo Falcão Diagramação Julia Havt

↔ Ao longo da carreira, foram mais de 20 títulos conquistados que guarda em anonimato [FOTOS: Iago Monteiro]

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Entrevista  Márcia Gurgel Sentar e ouvir pessoas com maior bagagem profissional do que nós é sempre um enorme prazer. Não só pelas histórias de juventude, mas também pelo o quão renovado e norteado saímos daquela conversa. Com a jornalista Márcia Gurgel não havia de ser diferente. Somando 31 anos de jornal impresso, com mais de 20 premiações, o tempo como funcionária da Universidade Federal do Ceará (UFC), um título de ombudsman e histórias do ofício para dar e vender, descobrimos como o jornalismo vem se modificando, deixando de ser em essência para ser em necessidade. Hoje aposentada, casada com o jornalista Fernando Adeodato e também formada em Letras, lembrou o início da carreira, as dificuldades dos anos 80, fez um panorama do jornalismo atual e ainda encontrou espaço para falar da vida. Memória em Pauta  Num comparativo, na perspectiva de uma profissional com bastante experiência e tempo de ofício, como você vê o jornalismo de hoje e o do período em que esteve em redação? Márcia Gurgel  Mudou tanta coisa. Outro dia

encontrei uma menina que trabalhou comigo na UFC e perguntei se ainda estava no jornal O Povo, e ela respondeu: “Não, Deus me livre. Muito tempo você não aguenta, não”. Aí falei: “Aguentei 31 anos. Quando saí, entraram três no meu lugar e, com um ano, não havia mais nenhum.” É tudo diferente atualmente. Você olha na internet e tem tudo. Antes, íamos para a rua com cinco pautas. Hoje, o repórter recebe uma e, às vezes, duas. Nem sei se ele dá conta de fazer as duas. Outra coisa que noto, é a ausência do texto autoral. Não se identifica quem fez o texto, sem a assinatura. Está tudo mecânico. MP  Ainda fazendo um link do jornalismo de outras décadas com o atual, temos uma questão muito forte, que é a do imediatismo. Você acredita que hoje, mesmo com essa necessidade, ainda é possível fazer um jornalismo bem apurado? MG  Na pressa, acaba dependendo muito do jornalista,

embora não seja fácil. Acho que hoje ainda tem um ponto que torna fácil, que é a internet para, sempre que possível, ajudar a confirmar. Hoje se busca na internet e tem-se tudo, muita coisa. Quando estava no jornal O Povo, houve a queda do avião da Vasp [Em 8 de junho de 1982, o boeing 727-200 da Vasp se chocou contra a Serra da Aratanha, em Pacatuba, e explodiu, matando os 137 ocupantes] e foi a única vez que vi o jornal tirar duas edições diárias, por muitos dias! Eu era chefe de reportagem na época, e foi uma loucura. Cheguei a trabalhar 20 horas por dia!! Hoje, vou à internet e vejo as informações. Na época, o que ajudou muito foram as fontes. Eu tinha muitas fontes de confiança.

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↔ Fake news não vão deixar de existir nunca: “O boato sempre existiu. De boa ou má fé, sempre foi divulgado”

MP  É impossível não falar do jornalismo atual e não chegar ao tema “fake news”. Em outros tempos, já existiam? Era essa denominação? E como lidar com esse grande problema que atinge o jornalismo na atualidade? MG  A “fake news” era uma coisa que ficava tão desca-

rada, que terminava por si só. Um tempo atrás, acho que você não era nem nascido, inventou-se em uma época, o ‘monstro da Lagoa Verde’. O jornal [O Povo] faturou, colocou na capa e nunca nem existiu esse monstro! Foram dois colegas da redação, um deles o Assis Tavares, que estavam tomando uma cervejinha num barzinho perto da Lagoa de Messejana e pensou: “Rapaz, vamos inventar uma história aqui nessa lagoa, vamos?” Em seguida, ele chegou ao jornal e escreveu a matéria. Logo depois as pessoas


estavam comentando o fato, jurando que tinham visto o monstro na Lagoa! [risos]. Essa história de “fake news”, não vai passar nunca! A diferença é que agora utilizam o computador, mas o boato sempre existiu, de boa ou má fé, sempre foi divulgado.

MP  Muito se fala na nova era do jornalismo, do jornalista 3.0, que é aquele que está na TV, no rádio, na web, no impresso etc. Queria saber de você, o que é preciso para ser um jornalista completo? MG  Em certo aspecto, os jovens que saem da uni-

versidade atualmente, vão melhor preparados para o mercado. O contato e a facilidade com a tecnologia faz com que eles entendam mais essa linguagem. Independentemente do tanto que saibam, eles só fonte confiável e que saber o que está por trás da vão ser bons se tiverem leitura, se se especializarem, informação. É confiar, mas desconfiando. Deve bus- descobrirem novas linguagens e procurarem outras car conhecer qual o interesse da fonte em passar a qualificações. A faculdade de Letras, por exemplo, informação, o que ela vai “ganhar” passando isso, me ajudou demais! O jornalista também tem que ser especialmente quando vem com aquelas notícias verdadeiro. Ele só é bom se for verdadeiro e também imperdíveis e bombásticas. não adianta querer abraçar o mundo com as pernas.

MP  Qual o cuidado que o jovem jornalista deve ter em relação às “fake news”? MG  Ele deve confiar na fonte! Tem que ser uma

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Entrevista  Luciano de Paiva

As boas perguntas levam a um nocaute certeiro Nascido no centro de Fortaleza, Luciano de Paiva quer viver mais dois anos e chegar aos 78 anos. Para ele, o fim do jornal impresso está próximo e o papel do jornalista vem mudando por conta do mercado e da atuação das assessorias de comunicação Texto  Jéssica Castro e Neto Ribeiro Diagramação  Gabriel Weyne

Com passagens pelos dois maiores jornais do Ceará, Diário do Nordeste e O Povo, Luciano de Paiva começou a trabalhar bem cedo, logo aos 18 anos. E mesmo após três décadas dedicadas ao periodismo, ele não sabe como isso aconteceu. Também não sabe explicar porque que escolheu a profissão. “Se eu quisesse ser médico, teria sido”, disse Luciano à Amanda, secretária do Centro de Estudos da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, endereço do jornalista nas manhãs de terças e sextas-feiras. Ele também foi “ver a neve cair em Curitiba”, termo utilizado para explicar sua mudança para o jornal Estado do Paraná, de Curitiba. Depois, chefiou a redação da Folha de Boa Vista. Já que quer viver apenas mais dois anos, Luciano não verá o fim dos jornais impressos, pois, de acordo com suas concepções,

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↔ O básico do repórter, diz Luciano, é saber perguntar. “Quando jovem,elaborava perguntas para nocautear e eu sabia fazer isso” [Fotos: Neto Ribeiro]


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Entrevista  Luciano de Paiva

a circulação das notícias no papel vai acabar em cinco anos. Entre Diário e O Povo, Luciano escolhe o veículo situado no Dionísio Torres. Memória em pauta  Como está sua rotina atualmente? Luciano de Paiva  Eu trabalho dois dias aqui na

MP  O jornalista está cada vez mais visado e o seu trabalho - bem como sua credibilidade -, está sendo posto à prova. Na sua visão, como o jornalista pode apresentar um fato sem ser tachado ou desmerecido. LP  Tem que saber perguntar. Você pode perguntar

tudo a qualquer pessoa, mas precisa saber como Santa Casa e dois dias na Gráfica Cearense e só tra- perguntar. Tem que dar no meio do entrevistado. balho pela manhã. Às quartas, eu leio. Todos têm um Perguntar o fato e pronto. Jornalismo se trabalha dia para descanso e esse é o meu. Nas horas vagas com fatos e não com suposições. eu leio sobre tudo. Tenho 76 anos e quero viver mais dois anos. Só mais dois. MP  Jair Bolsonaro será o novo presidente do Brasil. Em

MP  Por que apenas mais dois? LP  Não sei explicar. Me apeguei ao número dois. Se

eu chegar até os 80 será um milagre. MP  Como surgiu o interesse em seguir carreira no jornalismo? Há quanto tempo trabalha nesse ramo? LP  Comecei com 18 anos e me aposentei no Diário

quando tinha 50. Até hoje eu não sei o porquê de seguir no jornalismo. Talvez seja porque meu pai escrevia em jornal e eu sempre tive interesse por informação. MP  Em qual área do Jornalismo você mais se identificou? LP  Eu tive a infelicidade de passar em poucas edi-

torias. Queria ser repórter porque queria fazer o que sempre adorei: perguntar. Pra mim, o básico do repórter é saber perguntar. Quando era jovem, saia pensando no que ia perguntar para minha fonte. Eu tinha que elaborar as perguntas para nocautear e eu sabia fazer isso. MP  Como você vê o jornalismo atualmente no contexto mercado? LP  O jornalista evoluiu muito e porque o mercado

de trabalho está cada vez mais exigente. Também por conta da atuação das assessorias de imprensas, que matam os jornalistas. Isso acontece porque o assessor ainda é o defensor do secretário (fonte). Ele tem que tá ali pra assessorar, fazer o meio campo, e não para defender.

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entrevista ao Jornal Nacional, deu a entender que vai cortar verba pública de veículos “mentirosos” (aqueles que publicam informações polêmicas contra ele). O que os veículos devem fazer? LP  Nenhum veículo de comunicação vive sem o

“mensalão” do governo. Os veículos não podem deixar de noticiar, mas eles precisam se basear em fatos e não em suposições. MP  O futuro do jornalismo impresso é alvo constante de discussão. Qual a relevância e o seu valor na sociedade atual? Acredita que um dia ele deixe de circular? LP  Para o leitor é grande, porque pessoas gostam de

ler jornal impresso. Mas daqui a cinco anos acaba. Eles não vão conseguir se manter. Não tem assinantes suficientes e os anúncios estão ficando cada vez menores. MP  O futuro do jornalismo passa pelas edições digitais? LP  Sim e já é uma realidade, na verdade. Mas tam-

bém passa pela redução do número de páginas, periodicidade e do contingente de profissionais nas empresas. MP  Qual é o papel do jornalista em tempos de pós-verdade e fake news? LP  Não muda. As notícias falsas sempre estiveram

presentes no jornalismo. Hoje é porque o termo está na moda, entretanto, elas sempre existiram e sempre atreladas a algum fato político. E só ocorre na política porque sempre trabalha com suposições e ideias.


↗ Jornalista prevê: daqui a cinco anos jornal impresso acaba. “Não há assinantes suficientes e os anúncios estão ficando cada vez menores”

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