Jornal o escritor 135

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UBE

O ESCRITOR

Jornal da União Brasileir de Escritores | Edição 135 - Abril 2014

UBE indica Moniz Bandeira ao Prêmio Nobel de Literatura O poeta Fernando Coelho escreve sobre a mulher Diretoria da UBE prorroga mandato Um panorama da literatura contemporânea em Guiné-Bissau Página 3

MinC abre editais de fomento à literatura Página 20


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CONVERSA COM O ESCRITOR

Mandato Provisório É fato – de se lamentar – que não surgiram chapas candidatas à diretoria da UBE para o biênio 2014-2016. Houve alguns ensaios de grupos interessados em dar prosseguimento ao trabalho da nossa gestão, em seus dois mandatos; por uma ou outra razão, porém, não foram concretizados. Assim, a Assembleia Geral Ordinária, convocada para o dia 10 de março de 2014, para eleger uma nova diretoria, perdeu o sentido. Por isso, tomei a decisão de reconvocá-la, no uso das atribuições do cargo e na forma de Assembleia Geral Extraordinária, com o objetivo exclusivo de ratificar a prorrogação de mandato da atual diretoria pelo período de um ano (até 15 de março de 2015) ou até que surja uma chapa candidata, o que ocorrer primeiro. Razões éticas me levaram a tomar essa decisão, porque a entidade não pode fenecer, nem mesmo pela falta de apoio dos próprios associados. Estendo, assim, o meu mandato, em sacrifício pessoal e sem qualquer intenção de permanecer no cargo, a não ser para dar sequência a iniciativas em andamento, que passarei alegremente ao sucessor que se apresentar e for eleito, conforme os Estatutos. Portanto, a diretoria da UBE está

em mandato provisório. E declaro aberta permanentemente a inscrição de candidatos, seja para presidir o grupo recém-empossado, seja para presidir equipe que haja por bem inscrever. Nesse ínterim, apoiado pelo grupo que se dispôs a trabalhar pela união dos escritores, denominação mais do que simbólica de nossa entidade, tratarei de envidar esforços para resolver as pendências judiciais que nos atormentam: bloqueio injusto de contas pelo Banco Central e cobrança indevida do Ministério da Cultura, como expliquei neste mesmo espaço, na edição anterior de O Escritor. Faremos publicar, em novembro, depois de novas negociações com a Global Editora, uma antologia menos robusta, com 75 autores (25 num volume de contos, 25 num volume de crônicas e 25 num volume de poesias). Autores não contemplados nessa seleção integrarão outra antologia, cuja publicação está sendo negociada com outra editora, para lançamento durante a 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em agosto. A UBE também se faz representar, na minha pessoa, na Comissão de Organização da participação do Brasil, como país homenageado, no Salão do

Livro de Paris de 2015. O convite foi feito pela DNLL – Diretoria Nacional do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura e pela Fundação Biblioteca Nacional e ratificado em portaria do Ministério da Cultura, publicado no Diário Oficial da União. Outra motivação que influenciou minha decisão de permanecer à frente da UBE foi a perspectiva de realizar, ainda neste ano, nova edição do Congresso Brasileiro de Escritores, prosseguindo a nossa iniciativa de 2011, em Ribeirão Preto. Temos projeto aprovado pelo ProAc, da Secretaria de Estado da Cultura, que permite captação de recursos por meio de renúncia de ICMS devido pelas empresas. Até o momento não logramos êxito em nossos périplos em busca de patrocínio, e por isso rogamos aos associados que porventura tenham contato com empresas que recolham ICMS que nos indiquem como beneficiários de patrocínio. Temos assuntos importantes a discutir, pelo bem da nossa União Brasileira de Escritores. Aceitem os cumprimentos do, por enquanto presidente, Joaquim Maria Botelho

EXPEDIENTE | DIRETORIA DA UBE 2014 Jornal O Escritor – edição número 135, março de 2014 Publicação de distribuição dirigida para os associados da União Brasileira de Escritores– UBE. Todas as informações podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. ISSN: 1981-1306 Conselho Editorial: Daniel Pereira Helena Bonito Pereira Joaquim Maria Botelho Luís Avelima Marcelo Nocelli Editoração: Leonardo Mathias União Brasileira de Escritores – UBE Rua Rego Freitas, 454 - 12º andar - cj. 121 Diretoria Executiva Presidente: Joaquim Maria Botelho | jmbotelho@uol.com.br

1º Vice-presidente: Ricardo Ramos Filho | rramosfilho@uol.com.br 2ª Vicer-presidente: Helena Bonito Pereira|helena.pereira@mackenzie.br Secretário-geral: Marcelo Nocelli | mnocelli@uol.com.br 1ª secretária: Sueli Carlos|fonosuelicarlos@gmail.com 2º secretário: Roberto Ferrari|roberto@poetadoamor.com.br Tesoureiro-geral: Francisco Moura Campos|fmouracampos@terra.com.br 1º tesoureiro: Djalma Allegro|djalmaallegro@terra.com.br 2º tesoureiro: Nicodemos Sena|nicosena@uol.com.br Assessor da Presidência para Assuntos de Direitos Autorais: Paulo Oliver | adv.poliver@uol.com.br

Durval de Noronha Goyos Jr.|dng@noronhaadvogados.com.br Levi Bucalem Ferrari | leviferrari@uol.com.br Lygia Fagundes Telles | lygiafagundes@uol.com.br Luis Avelima | luisavelima@gmail.com Luiz Alberto Moniz Bandeira | moniz-bandeira@t-online.de Samuel Pinheiro Guimarães|samuelpgn@uol.com.br Rodolfo Konder (emérito) | não opera e-mail

Diretores Departamentais Fabio Lucas | professorfabiolucas@gmail.com Dirce Lorimier | lorimier@uol.com.br Daniel Pereira | daniel07pereira@yahoo.com.br Betty Vidigal | betty@bettyvidigal.com.br José Domingos de Brito | literacria@uol.com.br Antonio de Pádua-Lima | padua-lima@uol.com.br Conselho Consultivo e Fiscal Paulo de Assunção | assuncao@prestonet.com.br Anna Maria Martins | acadsp@terra.com.br Renata Pallottini | rpallott@uol.com.br Audálio Dantas | audalio.dantas@uol.com.br Caio Porfírio Carneiro | administrativo@ube.org.br Cláudio Willer | cjwiller@uol.com.br Thiago Sogayar Bechara | thiagobechara@ig.com.br Carlos Vogt | cvogt@uol.com.br


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DESTAQUE

MONIZ BANDEIRA INDICADO AO PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

Convidada pela Real Academia Sueca a indicar um nome para concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura de 2014, a entidade apoiou seu associado e conselheiro Moniz Bandeira, pelo livro “A segunda guerra fria” Da redação UBE – União Brasileira de Escritores acaba de indicar o nome do cientista político e escritor Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira para o Prêmio Nobel de Literatura da Real Academia Sueca. A indicação atendeu a um convite direto do Comitê do Prêmio Nobel à entidade sediada em São Paulo e que congrega 1.500 escritores de todo o país (em sua história, desde a fundação, em 1958, por figuras como Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Marcos Rey e Lygia Fagundes Telles, entre outros, a UBE já contou com mais de 4.300 associados). Segundo o regulamento do Prêmio Nobel, podem fazer indicações “presidentes de sociedades de autores que sejam representativas da produção literária em seus respectivos países”. Outra entidade brasileira, a Academia de Letras de Minas Gerais, também apoiou a indicação do nome de Moniz Bandeira e oficializou indicação. Um escritor nacionalista

Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, caso seja selecionado pelo Comitê do Prêmio Nobel, em outubro de 2014, será o primeiro brasileiro laureado com o mais importante prêmio mundial da Literatura. Os cumprimentos a ele poderão ser enviados pelo e-mail : Moniz-Bandeira@t-online.de

Foto: Juan Marinello

Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira é cônsul honorário do Brasil na cidade alemã de Heidelberg. Autor de mais de 20 obras, notadamente ensaios políticos, também é poeta consagrado, com três livros saudados pela crítica: Verticais, de 1956, Retrato e Tempo, de 1960, e Poética (2009). Vários de seus livros são adotados pelo Itamaraty, no curso de formação de diplomatas. Entre eles Formação do Império Americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque, livro com o qual foi reconhecido, em 2005, como Intelectual do Ano, merecendo o troféu Juca Pato, da mesma UBE. Mais de oito anos atrás, Moniz Bandeira já denunciava nesse trabalho a espionagem praticada pelas agências de segurança norte-americanas em diversos países. Este livro foi traduzido para o mandarim e publicado na China, e também traduzido para o espanhol e publicado na Argentina e em Cuba. Seu livro mais recente, publicado em 2013, é A Segunda Guerra Fria que trata da geopolítica e da dimensão estratégica dos Estados Unidos nas rebeliões da Eurásia e nos movimentos da África do Norte e Oriente Médio. Escreve Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-executivo do Ministério das Relações Exteriores e ex-Alto Comissário do Mercosul, no prefácio dessa obra: “Importante contribuição da obra de Moniz Bandeira é a revelação documentada de que as revoltas da Primavera Árabe não foram nem espontâneas e ainda menos democráticas, mas que nelas tiveram papel fundamental os Estados Unidos, nas promoção da agitação e da subversão, por meio de envio de armas e de pessoal, direta ou indiretamente, através do Qatar e da Arábia Saudita.” O livro A Segunda Guerra Fria foi escrito entre março e novembro de 2012, praticamente acompanhando no tempo os acontecimentos recentes mais significativos. Outros ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura foram escolhidos por obras que versavam sobre a história de seu tempo, entre eles Theodor Mommsen, Sigrid Undset, Pearl S. Buck e Winston Churchill. Moniz Bandeira em três momentos: em Paris, com Leonel Brizola, em São Paulo com Jânio Quadros e, hoje, em sua biblioteca, no Consulado Honorário de Heidelberg, Alemanha.


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INSTITUCIONAL

Diretoria da UBE em mandato provisório Há alguns nomes novos na atual composição da diretoria. Conheça os integrantes da equipe. Com aprovação da Assembleia de associados realizada no dia 10 de março de 2014, a diretoria prorrogou mandato por um ano, até 15 de março de 2015 – ou até que surjam candidatos para a sucessão, o que ocorrer primeiro. A decisão foi tomada em razão de não ter havido inscrição de chapas candidatas para concorrer à eleição. Assim, nesse período de prorrogação, conforme decidido pela Assembleia, permanecem abertas as inscrições de candidatos à diretoria executiva. Presidente: Joaquim Maria Botelho. Jornalista e tradutor. Tem mestrado em Literatura e Crítica Literária pela PUC/SP e mestrado em Jornalismo Internacional pela University of Wisconsin (EUA). Trabalhou em veículos de imprensa, chefiando equipes (Revista Manchete, TV Globo, TV Bandeirantes). Atuou em corporações como Embraer e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. É autor de vários livros, entre eles “Imprensa, Poder e Crítica”, “Redação Empresarial sem Mistérios” e o romance “Costelas de Heitor Batalha”. 1º Vice-presidente: Ricardo Ramos Filho escreve textos infantis e juvenis. Destacam-se entre seus livros: Computador sentimental, Sobre o telhado das árvores, Vovô é um cometa, O gato que cantava de galo, João Bolão e O livro dentro da concha. Atualmente é mestrando em Literatura Comparada pela USP. Ministra cursos e oficinas de texto, e participou como jurado do PROAC 2010, do Grande Prêmio São Paulo de Literatura 2011 e do Concurso Internacional de Microcontos da revista italiana Quaderni Ibero Americani 2012. 2º Vice-presidente: Helena Bonito Couto Pereira. Doutora em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo e pós-doutorada na Universidade da Califórnia em Riverside. É Professora-adjunta e Coordenadora de Publicações Acadêmicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde também coordena o Grupo de Pesquisa e Literatura no contexto pós-moderno. É membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo desde 2002. É parecerista da FAPESP, do PIBIC-Mackenzie, da Revista Todas as Letras, dentre outros periódicos ou órgãos acadêmico-científicos. Secretário-geral: Marcelo Nocelli é escritor e editor. Formado em Letras. É autor, entre outros, dos livros “O Espúrio”, 2007, (traduzido para o alemão) “O Corifeu Assassino”, 2009 (traduzido para o italiano) e “Reminiscências”, 2013 - livro de contos publicado pela editora Reformatório da qual é um dos editores. É idealizador e apresentador do Sarau da Camarilha, que tem como proposta divulgar e apresentar novos nomes da literatura, música e teatro.

1ª secretária: Sueli Carlos nasceu em São Paulo, capital. É fonoaudióloga com especialidade em Motricidade Orofacial. Poeta, pintora, diretora da UBE e coordenadora do Mutirão Cultural da União Brasileira de Escritores. Participou das coletâneas Poetas da Mário de Andrade, III e Poetas de todos os Cantos. 2ª secretário: Roberto Ferrari iniciou sua vida profissional como engenheiro e professor, ministrando aulas para o Colégio Mackenzie e, em 1984, criou na Fundação Getúlio Vargas o CEAG, curso de pós-graduação em Administração de Empresas. Em 2010, passou a apresentar um programa de entrevistas pela internet, no qual procurou sempre entrevistar pessoas que pudessem ajudar a divulgar a cultura como um todo. No mesmo ano de 2010, resolveu abraçar a carreira de escritor e poeta, lançando os livros de poesias “Sublime Amor” e “Ventos da Paixão”. Participou de varias antologias poéticas, podendo citar entre elas a “Antologia Delicatta”, “Poetas de Sampa”, “Congresso Brasileiro de Poesia” e “Poesia sem Fronteiras”. Foi agraciado com vários prêmios. É membro conselheiro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História.


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Tesoureiro geral.: Francisco Moura Campos (Antonio Francisco Carvalho Moura Campos) nasceu em Botucatu, São Paulo. É formado em Engenharia Civil e pós-graduado em Engenharia Sanitária. Paralelamente à atividade como engenheiro, foi editor de poesia e lançou vários poetas pela Editora Metrópolis (Chico Moura / João Scortecci Editores), da qual foi sócio diretor em 1986. Durante anos trocou experiências literárias com Carlos Drummond de Andrade. Participa ativamente, há trinta e cinco anos, da vida cultural de São Paulo. 1º tesoureiro: Djalma da Silveira Allegro nasceu em Bebedouro, de fato, mas de direito, em Viradouro. Mas vivia mesmo em Terra Roxa (tudo no estado de São Paulo). Poeta de profissão (de fé) nas horas vagas, foi jornalista, ator de teatro e televisão e então advogado trabalhista, hobby que lhe toma muito tempo. Ativo poeta dos anos 60, quando se desenvolvia em São Paulo os descontraídos movimentos literários da “Catequese Poética”, com Álvaro Alves de Faria, Lindolf Bell e poetas esparsos, Carlos Soliê do Amaral, Carlos Felipe Moisés e a ala de Roberto Piva, Cláudio Willer, Roberto Biccelli, entre tantos outros. Formava a ala dos poetas da Academia dos Treze, da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, ao lado de Alberto Beuttenmüller e Gilberto Di Pierro, com os quais publicou Ciranda, em 1963. Coordenador do Concurso Estadual de Poesia da OAB/SP nos últimos seis anos.

2º tesoureiro: Nicodemos Sena nasceu em Santarém, Amazônia brasileira, passando a infância entre índios e caboclos do rio Maró, na fronteira do Pará com o Amazonas. Veio para São Paulo em 1977 e aí se formou em Jornalismo e em Direito. A estreia literária se deu com o romance “A espera do nunca mais – uma saga amazônica” (1999, Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos). É verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Carlos Nejar incluiu Nicodemos Sena em sua “História da Literatura Brasileira – da Carta de Caminha aos Contemporâneos” CURIOSIDADE HISTÓRICA EDITAL AOS POETAS

Núcleo de Ribeirão Preto em 2013

Convoco, por edital,

Toda a esfera cultural).

Todo o corpo social

Dia 11 do corrente,

A reunir-se. A Assembleia À hora da Ave Maria, Elegerá, nesse dia,

Poetas, ao CPP

A nova Diretoria,

(Liberdade, novecentos

O Conselho Consultivo

E vinte e oito), porque

E os Suplentes, afinal.

É preciso revelar

Quem quiser candidatar-se A quem lavra a multidão Deve portanto apressar-se, Que a emoção do poeta, Entregando sua chapa

A música da palavra,

Ou pleito individual

As fontes da inspiração

À Avenida São Luiz,

Têm sentido social.

43, portaria,

Quem não se fizer presente,

Até 9 deste mês.

Que se desculpe, primeiro,

Não há outra ordem do

E não se queixe depois.

dia, Relato, demonstrativo,

São Paulo, dia primeiro

E nem mesmo expediente, De agosto, noventa e dois. Pois poeta não tem vez, Nem caixa, nem capital

Quem assina é o presidente

(aos cofres da Poesia

Que é

Não chegou nem um tostão. O Estado deixou na mão

Geraldo Vidigal

2013 foi um ano de muita atividade no Núcleo de Ribeirão Preto e algumas realizações. Em janeiro, o Núcleo esteve presente à entrega dos Anais do Congresso Brasileiro de escritores,que aconteceu nas Faculdades COC, junto com o presidente Joaquim Maria Botelho, o vice-presidente, Menalton Braff e o sempre parceiro Edvaldo Arantes, presidente do Instituto do Livro de Ribeirão Preto. Os DVDs foram distribuídos aos membros do Núcleo e também ao Secretário da Cultura, Sr Alessandro Maraca. Os membros do Núcleo estiveram envolvidos ativamente na preparação e realização da Feira do Livro de Ribeirão Preto, que neste ano recebeu grande comitiva de autores ligados à UBE- SP, e teve como autor da terra homenageado, o Dr. Nelson Jacintho. A Biblioteca do Núcleo foi instalada na Sala de Leitura do Instituto do Livro, generosamente acolhida pelo nosso parceiro Edwaldo Arantes e coordenada por Alfredo Rossetti. Em agosto, o Núcleo voltou a participar do evento Autor no Parque, no Ponto de Leitura do Instituto do Livro, no parque Maurílio Biagi, todo terceiro domingo do mês. O Núcleo participou ativamente da segunda mostra de escritores que aconteceu em setembro, em sessões de autógrafos, lançamentos e palestras. Em outubro, o núcleo fez parte do evento “Outubro das Letras”, onde os associados foram palestrantes, oficineiros, público e participantes no sarau realizado como encerramento. Em dezembro o Núcleo participou do “Natal Iluminado” com um sarau em palco montado na esplanada do Pedro II, que encerrou as atividades do ano da maneira que gostamos, numa alegria de irmãos, rodeados pelos amigos da palavra. Como em 2012, os escritores filiados à UBE tiveram grande atividade no meio literário com lançamentos, participações em antologias, posse e presidência de academias, participação ,organização ,premiação e júri de concursos literários, promoção de saraus e atividades nas organizações literárias que lideram, ministradores e ouvintes em oficinas e cursos,presença em Feiras de livros, receberam e prestaram homenagens, participaram de programas de rádio e TV e foram assunto na mídia impressa local e nacional, visitaram escolas, sempre com o apoio do Núcleo da UBE na divulgação e presença.


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PRESENÇA

PARA UMA RELEITURA DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA NA GUINÉ-BISSAU Jorge Otinta1

Pretendo, em parcas palavras, tão-somente empreender uma viagem pelo mundo realístico e, ao mesmo tempo, pelo mundo imaginativo da nova literatura que se produz na Guiné-Bissau. Trata-se, assim, de uma nova geração de escritores que não se vincam em seus processos de escrita a exaltação do processo heroico da luta de libertação nacional, muito menos ainda suas temáticas estético-literária se limita ao engajamento político-literário. Assim, a possibilidade do “reino da felicidade” – figuração utópica passa a ser, desde logo, necessário não somente para uma apropriação crítica da documentação histórica disponível sobre a vida literária do país, mas também todo o material não escrito disponível nos cantares e nos sonhares populares, especialmente, nos fatos, nas situações, nas curiosidades, nas estórias e noutras fontes afins, presentes no imaginário inventivo da imaginação poética nacional tornaram-se em fontes de inspiração e objeto da produção da literatura contemporânea2. Há, entretanto, uma celebração de fatos/situações, tais como o amor e a traição, a amizade e as intrigas, o sexo e o álcool, o banditismo e a corrupção. Temas tão reciprocamente duais e ambivalentes, já que o “canto das balas (da guerra de 7 de junho de 1998)/afastou toda a população para o deserto/e o alimento transformou-se em pérola preciosa”, do livro de estreia de Rui Jorge Semedo, Stera di Tchur3. Existe ainda, dentro desta temática contemporânea, a metáfora das lágrimas a lavar mortos pelos caminhos sinuosos das estradas malfadadas e mal asfaltadas de Bissau. Lágrimas estas também elas presentes na poética de Edison Gomes Ferreira. Assim, as mazelas sociais objeto-matéria da narrativa social, vêm expressas nos versos seguintes:

1. O esvaimento da utopia Convém retomar aqui uma personagem do romance Kikia Matcho5, de Filinto de Barros, Papai. Este acreditou, até ao fim, na imagem de que ele homem di pitu burmedju, metáfora de homem viril faria ele um discurso que perante seus companheiros de luta, os que, distopicamente, deixaram ao relento e ao beijo da miséria seus companheiros. Diz-nos o narrador-escritor que Com esta esperança arrancada a ferros, Papai caiu num sono profundo, não por que a ‘tenda de ferro’ [aguardente consumido para não sentir a picada do mosquito anófelis infectado] estivesse a fazer efeito mas porque acreditou no único referencial que mantinha a sua razão de viver [o porvir, isto é, num futuro melhor]. Esta desolação, putrificação, está, paradoxalmente, numa crença inabalável, mesmo que não factível e apreensível ou, até mesmo compreensível, palpável numa esperança utópica que aponta para o referencial que mantinha sua razão de viver e seu modo de ser. 2. Da desgraça em desgraça, a graça da tenacidade A carne dum irmão é o alimento do outro. Não há mais paz para ninguém. O poema Children, de Maurício Mané6 aponta-nos para esta direção incerta, mas desejada: Estou na cidade escura E no regaço Dos meus olhos Só esboço Um estrepitar do sangue Derramado sem preço

Que vida é essa que tanto nos aborrece E entristece. Eh pa preciso relaxar-me mas aonde? Como? Com quê? Será tabaco Ou álcool ou então droga, então vamos.

Um olhar de relance da prentchentchendade, a longa infância perdida nas ruas, embora livre, o eu lírico agoniza. O passado, este ahama-o de ignorante, porém não esquece o poeta de que nasceu criança. Ovale de lágrimas (no vale da desesperança) não anuncia a salvação. Quiçá apenas condenação? E em sonhos de vida escusa…

Vamos mergulhar nas novas maravilhas A nova onda do novo mundo Que abraço ao nosso primeiro refúgio de desespero. Será isso a vida?4

3. E sob o céu materno… Restam angústias duma esperança que esvazia dos olhos adormecidos, lábios trancafiados como cadeados duma porta que não quer ser aberta para nada. E para


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ninguém. O escape, neste caso, está de que “a vida é luta” e, por isso, a luta é a primavera de Vasco Cabral, um dos pioneiros da literatura guineense. O poeta supracitado é que principia, de forma mais resoluta e artística, a edificação dos alicerces da literatura guineense. Diz ele que: “Na vida há piruetas E cambalhotas Há coisas belas e idiotas. Mas não há circo!” O novo mundo (novo amor) de Maiuka d’Bubaque, nesta lógica crítica do modus vivendi bissau-guineense, teria portanto, características socialistas, ou, talvez mesmo, traços socializantes. Assim, por intermédio da construção da subjetividade coletiva deverá imperar-se, segundo o autor, sobre o egoísmo destrutivo da subjetividade individual. Na declaração de amor à Sheila (a amada) e o poeta (o amante) o deixe saborear pela última? vez, senão mesmo pela enésima vez toda sua estrutura ontológica existencial: Sheila Só quero estar contigo Só mais esta noite Para saborear A delícia do teu corpo escaldante Nesta hora perdida Noite de despedida 4. A convivência entre o real e o imaginário Maré Branca em Bulínia, país de buliduris, ou seja, das traquinices e estrapafúlias vem a ser na poética romanesca de Manuel da Costa7 a metáfora do corpo da cidade capital, Bissau, que o autor retrata narrando a história do mercado do narcotráfico que está escancarado. Ele põe o dedo na ferida aberta para, em seguida, debruçar-se sobre as mudanças sociopolíticas ocorridas com o advento deste novo e riquíssimo mercado na nossa economia. Assim, reflete sobre a (des)graçada vida dos seus habitantes e, ao mesmo tempo, aponta-lhes os caminhos a trilhar. Os destinos cruzados hão, um dia, de se embrenhar numa tediosa teia de cínicas relações sociais8. 5. À guisa da conclusão O panorama da literatura contemporânea na Guiné-Bissau aponta para a construção, de um lado, da identidade nacional enquanto narrativa; de outro, o desencadear do processo de construção das subjetividades individual e coletiva. Mas, deve-se reconhecer nesta geração das Flores de Setembro (desculpem-me o neologismo) uma certa ousadia de temas socioculturais presentes, quer na prosa (em forma de risos, sátiras e escárnios), quer na poesia (com a presença da tradução do desencanto perante o desaire a que se tornou a revolução setembrina de 1973). Porém sob a estética da criação verbal da grande literatura. Contam, contudo, com as marcas das diferenças como definidoras da pluralidade das nossas microbiologias étnicas. Em suma, a maneira como sentimos, pensamos e almejamos a guineidade, que no poema Ai, por favor, não cai, disse eu.

Jorge Otinta (ao centro) preside a Associação Guineense de Escritores, com a qual a UBE acaba de assinar protocolo de intenções para intercâmbio de experiências na área da literatura. No artigo desta página, ele traça um panorama da literatura contemporânea em Guiné-Bissau.

Da sombra de uma ponte em construção Descem lentamente As chamas sombrias de uma manhã orvalhada de concretos. Ensaísta e Presidente da Associação Guineense de Escritores (AGE). OTINTA, Jorge. Representações do Intelectual: um estudo sobre Mayombe e Kikia Matcho. Universidade de São Paulo. São Paulo: Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, 2011, p. 268 (Tese de Doutoramento). SEMEDO, Rui Jorge. Stera di Tchur. Bissau: NOVAGRÁFICA, 2002. FERREIRA, Édison Gomes. No Canto lúgubre da verdade. Bissau: Edições AGIS, 2009, p. 57. BARROS, Filinto de. Kikia Matcho. Lisboa: Caminho, 1999, p. 46. Maurício Mané tem publicações avulsas em jornas e revistas nacionais e estrangeiras. Espera ainda este ano que saia uma obra sua de poesia. COSTA, Manuel da. Maré Branca em Bulínia. Lisboa: Minerva, 2013. OTINTA, Jorge. Prefácio. Maré Branca em Bulínia. Lisboa: Minerva, 2012.


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CRÔNICA

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AUTÓGRAFO

Há alguns anos, um admirador das letras, residente aqui na capital, com quem tive apenas encontros casuais, pediu-me um livro meu de presente porque já lera livros meus de empréstimo. Cobriu-me de elogios. Naturalmente sensibilizado, dei-lhe um exemplar do meu livro de contos Os Meninos e o Agreste, editado, em 1969, pela antiga editora Quatro Artes. Saiu uma segunda edição pela mesma editora, em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Ganhei com ele o Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras e Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Acreditei, portanto, ter dado ao meu admirador um belo presente. Exemplar da primeira edição, de apresentação gráfica melhor do que a segunda. Nunca mais o encontrei e os anos correram . . . Pois um dia entrei numa loja de livros usados -- um sebo -- não distante da minha casa. Corri-o, levado pela curiosidade. E encontrei, no meio de tantos outros livros, um de minha autoria, amarfanhado, meio descosturado e sujo. Folheei-o e vi, surpreso, que era o exemplar que dei ao meu admirador. Lá estava a dedicatória amiga

e gentil. Vendeu ele o livro e não tirou a página em branco com a dedicatória. Comprei-o por “meia pataca” e o trouxe para guardá-lo comigo. Lembrei-me, porém, o que fizera o escritor e acadêmico Fernando Góes em fato semelhante acontecido com ele, com livro dele dado a um amigo. Pensei comigo: “Vou fazer o mesmo.” Comportei-me da mesma maneira. Limpei o livro, ajeitei-o o melhor que pude com fita durex, e escrevi em baixo da minha dedicatória antiga outra dedicatória: “Para fulano (não vou dizer o nome) oferece mais uma vez o Caio Porfírio Carneiro.” Grifei e destaquei, com tinta de vermelho vivo, a expressão: “mais uma vez.” Descobri-lhe o endereço e remeti o livro pelo Correio, registrado. Até agora permanece o silêncio. Não houve devolução do Correio. E vários meses já se passaram . . . Pode? SP., 30/01/2014 Caio Porfírio Carneiro

OPINIÃO

Quem se candidata ao e daí? Por Thiago Sogayar Bechara

Ora! E isso lá é jeito de se começar um texto?Mas é que me pus a remoer: se com 27 anos de vida e 12 de carreira literária e editorial;se depois de 7 livros publicados e divulgados por respeitáveis veículos de comunicação do País;com um programa de TV web como idealizador e apresentador no currículo, e uma preocupação crescente em se aprimorar, um escritor de classe média, residente em São Paulo, como eu, ainda enfrenta as sérias dificuldades que eu enfrento como produtor de cultura, na busca de reconhecimento e de patrocínios, o que se pode esperar para as milhares de pessoas espalhadas pelo interior esquecido deste Brasil? São sensibilidades tolhidas por um esquema cada vez mais injusto e desleal de (des)valorização dos artistas de um país tão rico neste sentido quanto a Amazônia o é em fauna e flora. Pois foi a esta reflexão que me lancei de modo mais sistemático, depois de uma crua observação em torno da estupidez que constitui a postura de alguns detentores do poder na chamada política cultural, independente da instância e dos cargos que ocupam. E o instinto me lançou então aos lábios este início descabido. Também porque pareceu coerente abordar deste modo um assunto, em si mesmo, descabido. Sou escritor, músico e apresentador; venho circulando com bastante desenvoltura no meio teatral, escrevendo para teatro, etudo o que digo está apoiado em observações bastante concretas; dezenas são os colegas, amigos e conhecidosque poderiam fazer diferença em nosso cenário cultural e que, no entanto, não existem.Vários os nomes que só não cito para não expô-los ainda mais do que já vivem expostos na humilhante batalha diante dos editores, dos diretores de núcleo, dos presidentes das empresas, dos gerentes em canais televisivos, dos quais só ouvem nãos.Uns anônimos, sem espaço de legitimação; outros, notórias figuras públicas, nomes fundamentais da nossaarteque se veemfrequente e vergonhosamentealijados da patota, impedidos de realizar suas contribuições. O projeto do programa de entrevistas “Memória Brasil”foiinscrito em abril de 2013 no ProAc – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo, no valor de R$ 148 mil a ser dividido em 8 meses de apresentações semanais. Uma ninharia para muitas empresas.Foi sem grandes orientações sobre como elaborar e inscrever o projeto que o programa foi aprovado. Grande passo para o proponente, jovem escritor se aventurando diante das câmeras com ótima aceitação por parte da classe e também do público espectador. Mas o pior estava por vir: a captação da verba junto às empresas. O atoleiro onde quase todos caem. Desde minha aprovação até hoje (sim, “esse cara sou eu”), inúmeras foram as empresas


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sondadas, solicitações feitas, justificativas teóricas e artísticas; depois financeiras e políticas, a ladainha das contrapartidas, do benefício à imagem da empresa. Nada! E se uso meu caso como exemplo é simplesmente porque a mesma história se desdobra incansavelmente em muitos setores da produção cultural do Brasil, cujos representantes passam pelo mesmo constrangimento, famosos ou não. Leis de incentivo na maior parte funcionam por isenção fiscal. Isso quer dizer que o dinheiro não sai do bolso das empresas!O que falta para conseguirmos nossas verbas e realizarmos honestamente esses projetos? Ah! Esqueci que arte e memória culturalaqui é luxo! Que temos questões mais urgentes para nos preocupar e que... nunca resolvemos. Algo está sendo feito num sentido ou noutro? Vai que a arte ajuda a abrir os olhos e a esclarecer, que perigo! Mas ao menos se vive uma democracia (!). Será que eu podia ter dito isto sem me queimar com meus possíveis – não prováveis – apoiadores? Sim, o tema deste texto é dinheiro! Atuar, escrever, cantar, tocar, esculpir, pintar, filmar...e ganhar a vida com isso! Mário de Andrade dava aulas de piano e pagava pela edição de suas obras. Drummond e milhares de outros foram jornalistas e funcionários públicos, por amor, mas também necessidade; não bastava terem revolucionado a cultura de um país inteiro. Hoje, odinheiro que pagaria impostos recebe a autorização legal do governo para ser destinado a projetos culturais. Só se for na casa de alguns vizinhos, porque na minha, e na de tantos outros, os empecilhos burocráticos, limitações percentuais, planejamentos orçamentários, boa vontade da pessoa responsável e interesse real da empresa deixam a amarga certeza de que a grama de quintais distantes é sempre mais verde. Somos “mendigadores” profissionais; sim, essa é a nossa profissão. Mas ninguém responde e-mail. E não se mendiga só dinheiro– minha autoestima despenca ao nível da burrice colonizada que ainda nos persegue ibericamente -, mendigase espaço na mídia, bom senso,simpatia das editoras. O Brasil ainda vive a realidade da adulação e da zona de conforto. As grandes companhias não podem destinar uma parcela maior de seus títulos aos novos e bons autores. Me contem o caso de algum original de um desconhecido que tenha recebido investimento de uma dessas casas referenciais. Caso haja, constitui suadaexceção que só confirma a regra. Se para a empresa apoiadoraa contrapartidaé irrisória, ela prefere continuar pagando ao governo, que faz o que com o dinheiro?Isso quando as cartas já não estão marcadas. Para quê destinar grana a um programa de entrevistas que tem a palavra MEMÓRIA no título e leva para a frente das câmeras Claudia Alencar, Imara Reis, Elisabeth Hartmann, Tato Fischer, Ruy Castro, Humberto Werneck, Suzy Rêgo, Ana Lucia Torre, Karin Rodrigues, Claudia Mello, Beatriz Segall? Aliás, quem é mesmo Beatriz Segall? Ah, sim! Odete Roitman, agora lembrei. “Sumida, né?”, ouvi outro dia. Ainda que estivesse, se o senhor soubesse o que ela fez pelo Teatro brasileiro, se daria conta de que o país seria muito melhor caso soubesse aprender com os erros e acertos dos seus ídolos. Aliás, quem são mesmo nossos ídolos? Recentemente uma grande amiga apresentadora, experiente e dedicada, foi ostensivamente preterida por duas gatinhas gostosas que não sabem conjugar verbo. Veja bem: eu também curto as gatinhas gostosas. Curto demais! Mas profissionalismo e arte são coisas separadas das nossas ambições sexuais. Até quando vou chorar e consolar quem deu 40 anos de sua vida às telas, palcos, livros e hoje mendiga atenção? “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome!”. Se para os conhecidosé difícil, imagine para quem está começando? 12 anos de carreira: começando! Penso na ignorância que isso encerra, e agora, neste segundo em que escrevo, me vêm à mente ao menos vinte casos que eu poderia usar para dar nome aos bois. Comigo, 21, já é uma boiada. É isso que se espera de nós. É isso o que não somos. Rebanho. Tangíveis, com viseiras e de preferência que não incomodemos com libelos utópicos que nem sequer serão lidos até o final e que, se forem, e daí?Quem se candidata ao e daí? A musiquinha de espera me deixou plantado ao telefone. Agora finalizo. Por enquanto. Quem me conhece sabe sobre minha reticência em assumir uma postura “reclamona”. Prefiro olhar para frente e seguir batalhando, muitas vezes conscientemente iludido até, pois se queixar quase nunca leva a algo produtivo, e ainda cansa os outros. Mas dessa vez, a quem interessar possa, faço valer meu direito de cidadão e produtor cultural para este desabafo que alguns podem ler como protesto e outros como alarme para transformarmos de uma vez por todas essa realidade lamaçenta de séculos em que o nosso Brasil, cabeça baixa, vê-se dolorosamente atolado.

Thiago Sogayar Bechara é jornalista, poeta, biógrafo, ficcionista, dramaturgo, músico e apresentador de TV. É autor de 7 livros e seu site é o www.thiagobechara.com.br

Chamada O Conselho Editorial de O Escritor aceita colaborações em contos, crônicas e poesias, limitados ao espaço de 3.000 caracteres (espaços incluídos). O material deve ser enviado para o endereço secretaria@ube.org.br. O Conselho Editorial se reserva o direito de recusar colaborações que não cumpram os critérios de tamanho e de qualidade.


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POESIA

Ilustração: leonardo MAthias | leonardomathia0.wix.com/leonardomathias

E que a poesia sirva mais para gritar o mais que deva e possa gritar em nome da mulher, mãe da poesia e de tudo que vive

Seis horas da tarde. A mulher costura sonhos no desassossego luminar do sempre. Mulher não é vareio da vida. É vida reflorada. Completa-se a mulher casta de ramas substantivamente adocicadas de aflorar tudo. Mulher, dom inaugural! Certo humor anjal nela, nos olhos, no coração despidamenteprimavérico. Ela que é mãe de tudo que vive de gosto de natureza. Ademais, pois que é filha de Deus, como homem é tam-bém, de Deus ela tem de tudo de saber. E não é que, sendo mãe das vivências, eternamente de Deus transforma-se em atual mãe? Então que se entenda, dito em poesia, sendo floração de erudição, que a mulher, candidamente, versa a cantoria do silêncio que faz o milagre primalis falar. E só. Cerveja ou a mulher?Náusea do que queremos fazer com a mulher brasileira. O homem não se deixou conscientizar sobre a importância da mulher. Não em casa, lavando, passando e cozinhando e trocando fralda. É preciso apagar esta proposta tirana e ridícula de mulher servidão. Maravilhosas, siliconadas ou não, prisioneiras das campanhas de cerveja. Observo a criatividade da propaganda, e não fica claro se a campanha é para vender a mulher ou se é pra esquecer a cerveja (revoltante). As mulheres que brilharam no carnaval, saídas das favelas, dos bairros pobres das cidades, dos guetos negros, das mansões, da alta classe média, podem esgrimir um grito de revolta contra a violência feminina que a maltrata neste país risonho e onde somos campeões em maus tratos; contra o câncer de mama que assola epidêmico, o Brasil, mutilando e matando, carecendo de consciência ampla; contra a prostituição de meninas humildes que atraem turistas a este país que usa o povo no carnaval, com mais HIV, mais morte nas ruas e estradas, mais pobreza endêmica. Sugiro um instante de reflexão. A mulher, felizmente diferente de nós, homens, tem maneiras convincentes de fazer um discurso mais proveitoso pelas causas. Todas as entrevistas das personalidades (homens e mulheres), durante o carnaval e vai ser assim na Copa, não remetem ao país, comido pelas bordas. Remetem ao umbigo das celebridades, alçadas como símbolos do pensamento brasileiro. Uma pena. As mulheres são a minha esperança. Não só como poeta, porque incontestável, para sempre, musas serão, mas como cidadão sem guarida no palavrório cotidiano e descrente do discurso machista. Dotal. Do fatídico e mortal dote. De ser vendida, esmerada de performances nas prateleiras, obrigada ao balcão comercial. De não valer quase nada e sendo vendida. Um pagamento pobre, por uma mulher nobre. Um abuso invadindo os séculos como epidemia que vem sendo. Um abuso tradicional. Que porca e parca tradição. Inventamos tradições abjetas. Desde antigamente, a mulher, apenas objeto, apenas vendável, apenas exibida, ou escondida, ou arranhada em sua mágica presença na vertigem dos seus contornos de infâncias humanas diferenciadas das infâncias do homem. Dotes, esquizofrenia social, doença do macho, apodrecida a dignidade terrena nos quatro cantos do mundo, quando do espólio da mulher.


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Mutilação impura.Abominável. Insultuoso. Insultante. Criminoso. Se há governos, há que cuidar do câncer de mama. Nem precisa falar. Mas cuidar. Mais equipamentos para exames. Deslimitar idade para os exames. Aprender que a mulher é subsistência da criação. Deixar que morra, que se mutile, abandoná-la com câncer (maridos useiros e vezeiros fazem isso aqui no Brasil), a injuriam, a desprezam, nem desumano é. Não há nome, nominação, apelido, nada que justifique ou explique isso. A doença é cruel, mas o nosso olhar que não a olha, doente, é pior, mais duro, mais abominável, mais cínico, mais despudorado. Neoplasia maligna. Nome maligno. A mais comum das agressões do corpo contra a mulher. Ignorância, diagnóstico tardio, ausência de informação, isolamento médico, falta de políticas públicas nacionais, cumpridas à risca, ausência de condições, preconizam a morte. No mundo, 1 milhão de casos novos por ano. No Brasil, a doença ainda não tem controle. 22% de ocorrências anuais. Com a mulher doente, de câncer de mama, morre a sociedade, família morta, filhos acabados, a vida perde. Macho? Covarde, porém. O cara não sabe o que é docilidade. Gentileza? O cara é macho, não tem disso, não. Prefere apenas continuar idiota, violento, sinceramente miserável com ele mesmo. Poesia? Mulher inspiradora? Mulher dona de casa? Mulher companheira? Mulher mãe? Nada disso. Conhece apenas, o dito macho, o próprio punho cerrado, objetos cortantes, xingamentos, reprimendas tolas e maldosas, dolorosas e agressivas. Este o homem que a cada hora, mata ou deixa em estado de morte uma mulher neste Brasil perdido em vicissitudes. Bravo defensor de sua macheza hedionda, bate, espanca, assassina, prejudica, poda, corta, maltrata, humilha, sangrador de mulheres. Parceiros que são agora e ex-parceiros que foram até ontem, esfolam as mulheres. Quase 7 mil morrem por ano vitimadas por causas violentas. Estatística doente nos dá prêmio de um dos mais bem colocados no ranking da violência contra a mulher no mundo. Lei Maria da Penha? Tem. Ajudou? Ajuda. Intimida? Nem tanto, mas já amedronta estes machos vulgares que encontram em suas mulheres, dedicadas, sacos humanos de pancada. A doença é o machismo. A região nordeste vence a parada. 61% dos casos desabam sobre as mulheres por lá. Não vamos melhorar? Talvez? Vai demorar. Os homens nos ensinaram um vocábulo sujo: feminicídio. Mas é hora de reagir, com ou sem poesia. Negras, escravas, escravas negras. Diáspora? É falsidade apalavrada. Diáspora disfarça o crime. Disfarça o holocausto. Diáspora é mudança. Holocausto é fratricídio. Muitos não aceitam. O preconceito está na cara da gente. A história contou, mas nós desprezamos contar e sentir. A mortandade do povo negro durante a escravidão, mordemos a língua de novo, porque escravizamos mais e permitimos mais, foi a mais cruel barbárie que as nações cometeram contra um continente e no massacre a um povo, a uma etnia. Quem mais sofreu foram as mulheres. Negras, perderam as casas. Perderam o seu país. Perderam as famílias. Perderam a referência geográfica. Perderam

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a referência da vida. Mas não perderam a da alma. Nem a do coração. Pior, atrofiaram as lágrimas nos olhos, ao perder os filhos, todos os filhos. Abriram-se em sangue, em dores, em magreza, em perdição no mais fundo dos mundos, dos fundos dos navios negreiros. Quase 12 milhões de negros escravizados, assassinados, torturados, nos séculos de escravidão usada pelos países ricos em benefício dos seus. E o Brasil, que nem um país era, colônia e subjugado, rei da escravidão. Não haveria gente pra escravizar se gente não nascesse. Gente nasce de mulher. Mulher é mãe. Alguém pergunta quanto estas mulheres sofreram? Quanto choraram? Quanto abortaram de saudade e em fetos nas senzalas, nos porões, nos engenhos de cana-de-açúcar no interior do Brasil? Ninguém pergunta, porque vivemos num mundo que o melhor é ser moderno, é esquecer. Esquecer pra não pedir perdão. Não é possível esquecer. Nunca. E nós todos esquecemos que somos filhos de alguma mãe. Ou há alguém que não tenha uma mãe? Meninas, pobres, nas estradas, arreganhadas para a dor. Contesto o dicionário. Mulher não é gênero. É muito mais. Mulher somos. O planeta. Mulher é amor. Recuso-me a citar dados. Minha informação está nos olhos destas meninas. Na voz delas. Na solidão delas. A ONU reconhece: 60 milhões de meninas são vítimas de abuso sexual no caminho da escola no mundo. 150 milhões de crianças, meninas, destruídas por algum tipo de agressão sexual até agora. No Brasil, o quadro pintado nas estradas, nos postos de gasolina de nossas cidades longínquas, nos hotéis de quinta categoria e até nos luxuosos, meninas são abusadas, coagidas, transgredidas em seu corpo, violentadas, trocadas por pão, cachaça e meio saco de batatas. O casamento infantil, com a obrigação de meninas se entregarem a qualquer um, e o estupro marital são aceitos em estado de complacência, indecência, consentimento pelo mundo a fora. Discute-se ainda, e de maneira legal, se a mulher é dona do seu corpo, de suas decisões, de sua autonomia biológica, do seu destino, de sua liberdade sexual, de suas opções sexuais. Lamentavelmente, quem discute é o homem. Porque é o homem aquele que faz e aprova os códigos. Mas o homem jamais vai parir. Por que não deixa a mulher cuidar do próprio destino, já que, parece, o século XXI é avançado, moderno, tecnológico? A poesia ainda é o refúgio para a mulher.

Fernando Coelho Jornalista, poeta e escritor


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QUEM GANHAMOS

Andrade Jorge

Cynthia Theodoro

Francisca Vilas Boas

Jane Lucas

Joaquim Barros

Larissa Alves

Lígia Araújo

Luiz David

Márcia Villaça da Rosa

Nilton Chiaretti

Ricardo Correia

Sidelcy Ludovico

QUEM PERDEMOS

MORRE O EDITOR E POETA RENZO MAZZONE No dia 13 de março, na Sicilia, Itália, o editor e poeta Renzo Mazzone, diretor da Editora Ila Palma, em Palermo, não resistiu a uma enfermidade. Mazzone residiu vários anos no Brasil, nas décadas de setenta e oitenta, continuando a vir a São Paulo periodicamente, até o final do século. Tinha muita afeição pelo Brasil e aqui, ligando-se particularmente à União Brasileira de Escritores, fez amizades no meio intelectual. Traduziu e publicou muitas obras de escritores e poetas brasileiros, lançando livro de autoria do então Presidente da República – José Sarney – e de autores novos. E através da revista trimestral Spiragli publicava, praticamente em todos os números, poetas e contistas brasileiros. Embora doente e alcançando os noventa anos de idade não deixava de levar ao italiano trabalhos dos nossos escritores e poetas. Preparava atualmente uma antologia de poetas nacionais, um mapeamento de valores do norte ao sul do País. A União Brasileira de Escritores promoveu-lhe uma merecida homenagem em sua sede, no dia 18 de setembro de 2013, quando do lançamento do livro de poesias da poetisa Maria de Lourdes Alba (vertido para o italiano) pelo muito que ele fez e continuava fazendo para divulgar, na Itália, a moderna literatura brasileira. Prometia sempre rever o Brasil, que considerava sua segunda pátria. A União Brasileira de Escritores, em nome da sua diretoria e associados, registra, com pesar, o falecimento desse editor e poeta italiano, que tanto fez pela divulgação das nossas letras na Itália. E continua a UBE a manter contato com os herdeiros para que essa vinculação permaneça viva. (Caio Porfírio Carneiro)


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Adolpho Mariano da Costa

Avellar Toledo

Maria Lucia Cardoso dos Santos

Mário Del Rey

Nilva Mariani

Renzo Mazzone

Wilson Pires Ferro

Zélia Maria Thomaz de Aquino

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REGISTRO

JAYME, LEÃO DA RESISTÊNCIA Morreu em São Paulo, pouco antes de completar 69 anos, o artista gráfico Jayme Leão. Além de capas para os maiores jornais e revistas do País, Leão foi por muitos anos ilustrador e diretor de Arte na Editora Ática. Ricardo Viveiros* Em meados dos anos 1950, no sertão de Pernambuco, Nordeste do Brasil, dois líderes comunistas, Gregório Bezerra e Francisco Julião, assumiram a liderança dos movimentos de trabalhadores rurais na luta por Reforma Agrária, às denominadas Ligas Camponesas. A rigor, elas surgiram uma década antes, mas só alcançaram importância e notoriedade com essas novas lideranças. Até o Golpe Militar de 1964, que as exterminou com violência, as Ligas reivindicaram melhores condições de vida para os trabalhadores rurais. Com apenas 15 anos de idade, um rapazola pernambucano chamado Jayme Leão, era, no início dos anos 1960, ilustrador no combativo jornal “Liga”, órgão oficial dos movimentos comunistas no interior de Pernambuco. Autodidata, Leão foi um ser humano exemplar. Ético, demonstrou não apenas no discurso, mas, acima de tudo na prática, seus inalienáveis valores: amor ao próximo, inteligência, criatividade, bom humor, solidariedade e, acima de tudo, coragem de lutar pelos seus princípios. Assim foi que, depois do Golpe de 64, Leão, à época bem sucedido artista gráfico na Publicidade, abriu mão da segurança financeira e abandonou o setor. Não seria conivente com o que chamava de “ganhar dinheiro mentindo”. Sem nenhuma garantia de remuneração, passou a ilustrar a mídia alternativa e reprimida pelo poder: “Opinião, “O Pasquim”, “Movimento”, “Retrato do Brasil” e “Hora do Povo”, jornal do grupo guerrilheiro MR8 onde conheci-o e trabalhamos juntos. Pagou caro pela sua opção, várias vezes preso acabou se exilando no Chile. Jayme Leão foi, de direito e de fato, um Leão. E assim, com letra maiúscula. Jamais permitiu a sedução de sua consciência, nunca se deixou cooptar por outro encanto que não fosse viver uma vida cidadã. Foi sempre realista, mas, também um generoso sonhador que lutava para realizar cada um deles para todos nós. Porque eram apenas e tão somente sonhos coletivos, de infinito amor ao próximo e ao Brasil, como uma terra realmente de oportunidades iguais para todos. Leão não foi apenas um grande ilustrador e diretor de Arte, como ficou conhecido no que também fez para “Veja”, “Folha de S. Paulo”, “IstoÉ”, “O Estado de S. Paulo” e, por muitos anos, para a Editora Ática. Nesta última, fez capas e ilustrações para a popular coleção “Vagalume”, com destaque para os livros de Marcos Rey. Pintava, além de criar quadrinhos, charges, caricaturas. É dele o cartaz do V Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em 1978, criação que soma os principais requisitos da arte de comunicar: objetividade, impacto, força, sofisticação e irônico bom humor. Além de muitos motivos para amizade, como jornalismo, livros, ideologia e exílio no Chile, tínhamos dois outros bem significativos. Nascemos no mesmo dia, 18 de março e, em 1986, integrei o grupo que organizou as comemorações informais, populares, que marcaram o reatamento das relações diplomáticas do Brasil com Cuba. Leão criou um belo cartaz para marcar a data: uma pomba branca trazendo no bico as bandeiras do Brasil e de Cuba, sobre uma lua/sol em dégradé ao fundo, que mostrava a transição do período de obscuridade para o de luz. A missão de imprimir o cartaz era minha. Claro, como sempre, sem custo. No caminho para a gráfica de um amigo que aceitou ajudar-nos, fui observando encantado a qualidade da arte final. Surpresa! As cores de Cuba, vermelho e azul, estavam trocadas de posição na bandeira do país amigo. Resumo da história: Leão fez nova arte e eu fiquei com a original, das cores invertidas. Ele, carinhosamente, a deixou comigo. Como também ficará, para sempre, a admiração e o respeito de sua esposa, sete filhos, sete netos, um bisneto e todos nós, por esse grande brasileiro que, em 10 de março de 2014, resolveu deixar-nos e ir brilhar no céu azulsol da fraternidade e esperança. *Ricardo Viveiros, jornalista e escritor, é autor de 30 livros, conquistou vários prêmios no Brasil e no exterior. É crítico de Arte, membro das associações brasileira e internacional de críticos de Arte (ABCA-AICA) e da União Brasileira de Escritores (UBE).


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Na Carreira do Rio São Francisco|Zanoni Neves Editora Itatiaia

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Das Ilusões e da Morte Francisca G. Vilas Boas Scortecci Editora

O Colecionador de Vulvas Gestão Estratégica para Ricardo Correia o Desenvolvimento Editora Scortecci Sustentável | Luiz David Szilagyi Editora UEPG

Médio São Francisco Zanoni Neves|Núcleo de Estudos do Vale do Rio Sâo Francisco

Zooesia Rita Lavoyer Editora Edicon

Angelita e as Estações do Ano|Dinah Ribeiro de Amorim|Scortecci Editora

Raízes e Asas Lígia Araújo Patuá Editora

Dias de Zé do Pavio Dias de Cordel Scortecci Editora

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No Reino da Birutice Maria José Viana RG Editores

Coaching & Mentoring Editora Ser Mais

Quarto de Artista Raquel Naveira Ibis Libris Editora

Prógonos da Academia de Medicina de São Paulo Helio Begliomini Expressão e Arte Editora

O Velho Pescador Nege Além RG Editores

Poesia Entre Goles Alfredo Assumpção Scortecci Editora

Rabiscos na Roça Nilton Chiaretti Edição do Autor

Antologia de Poesias, Contos e Crônicas da All Print Editora Marco Fontolan

CSÍMBOLO G em mínimoIMENSO Amor e Mar TRANSE...|Cynthia Hamilton Faria|Instituto Cosme Custódio Theodoro Porto|Edição Cultural Casa dos Omaguás Ponto da Cultura Editora do Autor

A Morte Também Ama Carlos Camargo Scortecci Editora

Raízes |Pe. Enivaldo Um Rei na Senzala Santos do Vale Margot Lobo Valente Edicon Editora Empresa Gráfica da Bahia

Quem é esse ser? Sensações Despertadas Andrade Jorge|Editora Joaquim Barros A Casa do Novo Autor. All Print Editora

Anos Dourados em Transe...|Marcia Villaça da Rosa|Edição do Autor

Crônicas da Casa da Gru Joaquim Cavalcanti de Oliveira Lima Neto|Edicon

Sonetos de Bolso Antologia Poétoca Editora de Brasília

A Literatura Poços-caldense Desde as Origens 1872-2013 Hugo Pontes Sulminas Gráfica e Editora

Roendo o osso Mouzar Benedito Publisher Brasil


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ARTIGO

Mascarados tomam de assalto a República!

Por Nicodemos Sena* Dois anos atrás, antes da onda de manifestações que abalaram o país em 2013, entrei com minha mulher num boteco do centro de São Paulo e ali, enquanto esperávamos o nosso indefectível “cheese egg”, ouvimos o jovem que fazia os lanches proferir um discurso ferino contra políticos tradicionais, banqueiros, fazendeiros e industriais, e, com maior virulência, contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, afirmando que este não passa de um salafrário que entrou pobre na política e se tornou, em poucos anos, um “magnata”. Acabei sabendo que o jovem se chamava “João”, como tantos Joões num país feito por Joões, Josés, Joaquins...; tinha 22 anos e era pai de um filho de 2 anos que ficara sob a guarda da exmulher “Maria”, como tantas outras Marias largadas pelos maridos com filhos na barriga ou nos braços; cursara apenas o ensino fundamental e não tinha profissão definida; vivia de “bicos” como o que fazia naquele boteco aos sábados, dia da folga do “Zeca” (um entre os tantos Zecas, donos de botecos neste imenso país). Desnorteado com o furioso discurso de João, perguntei-lhe a qual partido político ele pertencia, e obtive esta estarrecedora resposta: “A nenhum. Quero que os partidos se explodam, a começar pelo PT do Lula. Se pudesse, incendiaria todas as agências bancárias e degolaria todos os políticos!”. Meses depois, ao surgirem as manifestações de rua no Rio e São Paulo, inicialmente convocadas por entidades de classe e lideranças da sociedade civil, contra o aumento das tarifas do transporte urbano e a corrupção na administração pública, mas pouco a pouco “desvirtuadas” pela ação dos tais black bloc, lembrei-me de João. E tive como certo que aquele jovem de origem comum, pouca instrução e primitivo senso de justiça, num país secularmente explorado e embrutecido por uma burguesia inculta, boçal e truculenta, era um dos que, escondidos sob uma máscara negra ou mesmo “collorida”, talvez em troca de um soldo diário de R$150,00 (valor que os promotores da violência estariam pagando a jovens desempregados ou subempregados, para tumultuarem as manifestações), e lançando mão das placas de trânsito e pedras das ruas, destruíam, furiosamente, agências bancárias, equipamentos públicos e estabelecimentos-símbolo do capitalismo globalizado, como lojas do McDonalds. Para cinquentões que nem eu – que cresceram debaixo da Ditadura Militar implantada no Brasil em 1964 e amargaram prisão, tortura, cassação e censura –, a democracia política e as liberdades de expressão, pensamento e manifestação, a duras penas conquistadas, são valores inalienáveis. De fato, como afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, numa entrevista à revista “Época” de 17 de fevereiro de 2014, após a morte de Santiago Andrade, cinegrafista da BAND atingido no dia 6 do mesmo mês por um rojão disparado pelo bloc Caio Silva de Souza: “Não podemos concordar com pessoas que, de repente, usam a liberdade de manifestação de maneira injustificada, para depredar e atingir outras pessoas. (...) Chega. É hora de dar um basta. Temos de ser rápidos e precisos”. Entre as providências tomadas pelo ministro, está a definição de um “regramento comum” para a atuação das polícias, segundo o “princípio da proporcionalidade” (a ação policial tem que ser proporcional àquilo que é exigido dela; o que passar disso é abuso). Outra providência inspira-se no preceito constitucional que permite a liberdade de expressão mas veda o anonimato; nesse sentido, foi proposto no Senado um projeto de lei copiado da legislação da Espanha, que cria o “crime de desordem”, com a pena de 12 anos em caso de morte, e proíbe o uso de armas e máscaras, ou de qualquer coisa capaz de esconder a identidade. Há, porém, quem defenda

a permissão do uso de máscaras, como acontece na Inglaterra, desde que a polícia possa interpelar qualquer mascarado e obrigá-lo a se identificar. Há também os que pretendem enquadrar a tática black bloc no projeto de lei que versa sobre o “crime de terrorismo”, que tramita no Congresso desde 2011. Na esteira da trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade, personas e personalidades de todos os quadrantes, espectros políticos e classes, porfiam em demonstrar zelo pela legalidade e amor à democracia. Pelo menos em palavra, todos se unem contra a violência dos black bloc e a favor do estado de direito. Ôpa! Todos, menos o camaleônico cantor e compositor Caetano Veloso. Embora tenha sido um dos músicos mais prestigiados pela política cultural do governo federal nos últimos anos, Caetano apareceu com o rosto envolto num pano preto, à maneira dos adeptos do movimento black bloc, numa foto postada na página do grupo Mídia Ninja no Facebook, o que não surpreende, parecendo-lhe a máscara até natural, pois, com outros bloc da música – Chico Buarque de Holanda, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Djavan –, o mascarado (sem causa) Caetano Veloso já havia tentado, meses atrás, “depredar” o trabalho dos biógrafos, historiadores e pesquisadores, ao defender a proibição das biografias não-autorizadas pelos biografados ou seus herdeiros, o que, se viesse a prevalecer no sistema jurídico brasileiro, significaria execrável retrocesso à censura prévia à produção de livros em geral e em especial às biografias. A tática black bloc fornece palha e fumaça para gente não menos perniciosa, que se move nas entranhas da sociedade e do Estado. Seus cargos e funções são como máscaras atrás das quais se escondem em diversas situações. Exemplos: 1) votação secreta nas decisões legislativas (que viabiliza a venda de votos); 2) inquéritos policiais, como o de nº 01/2013 do Deic de São Paulo, através do qual já se intimaram mais de 300 pessoas para depor e busca enquadrar o black bloc como “associação criminosa”, integrada numa articulação mais ampla com partidos de esquerda e entidades da sociedade civil, visando com isso lançar tais organizações na ilegalidade e desacreditar o processo democrático; 3) tráfico de influência no poder executivo, que possibilita o recebimento de propinas por parte do servidor público e o enriquecimento ilícito de particulares; 4) venda de sentenças e uso do voto como elemento de barganha, no Judiciário, o que me levou a pensar na estranha maneira com que o midiático ministro Joaquim Barbosa, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Penal 470 (do chamado “Mensalão”) menosprezou advogados de defesa, ofendeu jornalistas no exercício da profissão, pressionou colegas de sodalício a mudarem de opinião durante as votações, numa afronta jamais vista à judicatura, chegando ao ponto de (tal qual um furibundo black bloc togado), depois da absolvição de oito réus do crime de formação de quadrilha, encolerizado por ver-se vencido, realizar uma verdadeira “depredação” do Poder Judiciário, ao afirmar que “esta foi uma tarde triste para o Supremo”. Oxalá o ministro da Justiça consiga providenciar eficazes medidas policiais, legislativas e judiciais no sentido de desmascarar e imobilizar os temíveis bloc. Entretanto, que não concentre seus esforços somente contra esses desorientados e largados garotos das periferias, mas procure também alcançar os bloc oficiais, que solerte e impunemente se aproveitam de seus cargos, prerrogativas e regalias para lesar o erário e solapar a ordem pública. *Nicodemos Sena, é formado em Jornalismo pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e em Direito pela USP (Universidade de São Paulo); 2º Tesoureiro da UBE/SP.


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CONTO

Domingos

Marcelo Nocelli Hoje – domingo - acordei sentindo o cheiro da casa do meu avô. Não sei definir ao certo esse aroma; uma mistura da lenha queimando no fogão, jabuticabeira, tijolos úmidos e antigos no barracão. As roupas de inverno do meu avô. A casa era a maior da rua, também a mais antiga, e isso era, sem dúvida, motivo de orgulho pra mim. Minha mãe dizia que a casa era velha. Na época isso me aborrecia. Pra mim, era como se quisesse afrontar o pai. Hoje sei que queria dizer antiga. Meu avô sentado na sala com pé direito de quase quatro metros, ouvindo a Voz do Brasil no rádio valvulado. Eu olhava para cima imaginando como faziam para trocar a lâmpada. Ela nunca queimou enquanto eu estava lá. Talvez porque raramente estava acessa. Pra ele não fazia nenhuma diferença. Seus olhos brilhavam na escuridão em que vivia. Meu avô via tudo o que acontecia em sua casa, no seu bairro, na sua cidade, no seu mundo. Apesar de cego, isso não diminuía o respeito que todos tinham por ele; não por sua altura, que foi diminuindo ao longo do tempo, mas por sua grandeza. Esse respeito também me deixava de certa forma orgulhoso. Durante todas as vezes que visitei meu avô, nossas conversas eram raras. Há pessoas com quem as falas são desnecessárias. Naquelas manhãs de domingo, acordávamos no quarto do fundo. Minha mãe fazia todo o barulho possível para nos despertar; meu avô não gostava que dormíssemos até tarde. Às onze em ponto o almoço era obrigatoriamente servido. Seu prato de alumínio branco; posto à cabeceira demarcava seu lugar. Todos deveriam estar na mesa, esperando por ele e minha avó, com toda sua bondade, escondia os pães para que pudéssemos tomar o café da manhã. Ele fingia não saber. E quando interrogava minha avó – que não sabia mentir de verdade – confirmava todas as respostas que queria. Naquela mesa eu sentia algo estranho em relação à minha mãe, alguém a quem eu devia o respeito, e não que a desrespeitasse, mas era como se tivéssemos em igualdade, minha mãe, ali, era filha, assim como eu. Ela olhava para meu avô com desaprovação, um olhar frio, tenso, por vezes, ela fixava os olhos nele e ia afastando a cabeça, com os braços apoiados na mesa, fincando as unhas na borda, quase empurrando a cadeira para trás... Eu o olhava com admiração. Não tinha ressentimentos. Não guardava comigo mágoas por coisas que não foram ditas no passado, muito menos arrependimentos por algo que não deveria ter falado em certas ocasiões, interditos para minha mãe. Eu vivia, naquele momento, o presente. Estar naquela casa era, para mim, o melhor que poderia acontecer nas férias de julho. Minha mãe não tinha férias de julho. Nunca teve. O mesmo quintal em que eu me divertia era para ela motivo de muito trabalho, em ambos os tempos. Meu avô nunca gostou de desordem. Eu bagunçava. Minha mãe não o desobedecia. A casa ficava sempre arrumada. Meu avô conferia cada objeto em seu devido lugar e eu adorava vêlo vasculhar as coisas, tatear identificando-as. Minha mãe atrás, confirmando ou arrumando cada coisa em seu devido lugar e repetindo baixinho que meu avô sempre foi um chato. Três cegos. Fato é que tenho saudades. Saudades do barracão, do mamoeiro que avistava da porta da cozinha ao lado do fogão de lenha, da jabuticabeira, da máquina de costura, do pinico, do palanque, do poço e sua bomba manual, da mangueira, do rádio valvulado, dos móveis antigos. Saudade das minhas travessuras e das minhas travessias naquela casa. Descobertas.

Encobertas. Saudades das pedras que meu avô vivia a mudar de lugar. Um tempo que não volta, das primeiras fantasias,das tristezas e das alegrias que ali vivi. Andar pelo barracão era uma grande aventura. Serrotes, martelos, alicates, madeira. Muita madeira. Um sofrimento para minha mãe ter que entrar lá. Eu não conseguia imaginar meu avô capaz de bater em alguém. Minha mãe também não. Por isso não gostava de entrar lá. Aquelas malditas madeiras, malvadas a ponto de machucar alguém. Muito mais tarde, depois da morte do meu avô, passei a perceber as coisas de outra forma. Outras descobertas que me apareciam de repente. Nessa época, por vezes, maldizia meu avô e era imediatamente censurado por minha mãe. Lembro que brigamos no dia em que a casa antiga foi vendida. Agora, minha mãe também se foi. Não tive tempo de lhe dizer tantas coisas, outras, não disse por vergonha, medo. Mesmo depois de sua morte, continuo sentindo esse embaraço. Tenho certeza de que ela, agora, pode ouvir e ver tudo o que se passa em meus pensamentos. Apago a luz. No escuro parece pior. Os mortos enxergam melhor no escuro. Acendo a luz para espantar os fantasmas. A morte está ali, sentada ao meu lado. Ela, minha mãe e meu avô. Meu coração dispara. Sinto que eles querem me levar. Colocar as conversas em dia. As divergências das três gerações se fundirão na vida eterna. Saio correndo do quarto. Abro todas as janelas e portas. Vejo o sol. Sinto um alívio imediato. Estou a salvo por algumas horas, até a noite chegar. Da janela, vejo dois mendigos cozinhando. O cheiro que sinto é da madeira queimando no terreno baldio, ao lado de casa. A saudade aperta meu coraçãocomo a tristeza de um domingo à tarde. Nunca gostei do domingo. Sempre amaldiçoei esse dia, mas agora minha mãe não está mais aqui para ouvir meus lamentos. Nem para defendê-los. Domingos são sagrados. Devemos guardá-los. REGISTRO

UM NOME QUE DIGNIFICA UBAJARA Conheci o grande escritor conterrâneo em São Paulo, no ano de 1974, ocasião em que ele recebeu o Troféu Juca Pato, por ter sido eleito intelectual do ano. O Troféu Juca Pato é uma láurea concedida pela União Brasileira de Escritores, entidade da qual tenho a honra de pertencer, ao escritor que tenha publicado no ano anterior, obra significativa para a cultura nacional. Antes, já conhecia de nome o polêmico escritor, pois além de ter ele nascido em Ubajara, seu nome era manchete nos jornais que circulavam no Rio e em São Paulo. Estou me referindo a Raimundo Magalhães Junior, nascido em Ubajara em 12 de fevereiro de 1907, e migrado para o Sul ainda adolescente. Raimundo Magalhães Junior viveu muito pouco em sua cidade natal, tendo passado sua infância e adolescência em Fortaleza, onde fez os primeiros estudos, e o resto de sua vida no Rio de Janeiro. Mesmo com tenra idade, já gostava muito de ler, tendo bem cedo tomado contato com as obras de Eça de Queirós, e mais tarde com a de Machado de Assis, de quem se tornou um grande admirador, estudioso e biógrafo.


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UBE O ESCRITOR

Desde 1927, escrevia peças de teatro e contos, e escreveu bastante, mesmo nunca tendo abandonado o jornalismo, pois escrevia diariamente para vários jornais da época, muitas vezes usando o pseudônimo de ANTÔNIO LEÃO, PAULO AMARANTE e PAULO DE TASSO. Em 1933, publicou sua primeira obra, um volume de contos, e três anos depois, novo livro de contos. Daí, como já se disse, sem nunca abandonar o jornalismo, tornou-se um grande escritor, escrevendo crônicas, teatro, biografias e histórias. Raimundo Magalhães Junior, possui várias condecorações. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1956. Eleito intelectual do ano de 1974, com a obra Olavo Bilac e sua Época, recebeu o troféu Juca Pato das mãos de Afonso Arinos de Melo Franco, intelectual do ano de 1973, e entregou no ano seguinte para Juscelino Kubitscheck de Oliveira, intelectual do ano de 1975,

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o qual conquistou a láurea com o livro Meu Caminho Para Brasília e Porque Construi Brasília. É extensa a bibliografia de Raimundo Magalhães Junior, e enumerá-la “In Totum” seria por demais cansativo, merecendo menção, entretanto, o livro “Rui, O Homem e o Mito” publicado em 1965, livro este que provocou grande celeuma no meio intelectual do Rio e de São Paulo. O ilustre Ubajarense, polígrafo, culto, teimoso e agitador de ideias, faleceu no Rio de Janeiro no ano de 1981, e, se vivo fosse, tenho certeza, teria feito parte do “Encontro com a Saudade”, realizado por Edmundo Macedo em nossa Cidade Natal.

São Lourenço da Serra, Janeiro de 2014 ISAU CUNHA FREIRE

APOIO

MUTIRÃO CULTURAL DA UBE Equipe do Mutirão Cultural da UBE doa sobras de recursos usadas em edição de livro para ajudar o caixa da UBE. Além das atividades rotineiras, o Mutirão Cultural sempre encontra novas maneiras de beneficiar a entidade. página que incluía trinta linhas com mini currículo ou apresentação de três a cinco linhas, recebendo dez exemplares por página. Concluímos e finalizamos com o lançamento da Coletânea no dia 26 de novembro na sede da UBE, em São Paulo, Rua Rego Freitas, 454. Neste projeto orçamos a quantia de R$5.576,16 com gastos de R$4.080,63 e saldo corrigido pela poupança de R$1.644,00 que será doado à UBE. Atenciosamente, Comissão Diretora do Mutirão Cultural da UBE À União Brasileira de Escritores – UBE Presidente Joaquim Maria Botelho

Prestação de contas e doação do Mutirão Cultural da UBE Coletânea do Mutirão Cultural da UBE – Vol 1

O Mutirão Cultural da UBE, idealizado pelo poeta Carlos Frydman em 1998, aprovado em reunião da UBE, registrado em ata, contou com o apoio desta entidade em todas as atividades que projetou executar nos dezesseis anos de existência. O nome da UBE tem sido divulgado em nossas atividades e é através dele que os Intercâmbios Culturais são realizados. No ano que passou realizamos mais um projeto: a primeira Coletânea do Mutirão Cultural contendo poesia, conto e crônica sob a coordenação da Comissão Diretora do Mutirão Cultural. Devidamente divulgada a todos, incluiu 28 escritores que se comprometeram participar com seus textos sob sua inteira responsabilidade. Para tal foi combinado o valor de cem reais por

Carlos Frydman João Meireles Câmara Sueli Carlos


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UBE O ESCRITOR

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LYGIA: UM CORAÇÃO ARDENTE Sonia Cintra* Conviver com Lygia Fagundes Telles em reuniões abertas da Academia Paulista de Letras tem sido privilégio e imenso aprendizado. Ao lado de seus colegas acadêmicos, a maior romancista brasileira aborda temas universais e do cotidiano com equivalente clareza de ideias e nobreza de intenções. Seu coração não descuida um segundo sequer do outro e do mundo tal e qual se apresenta, buscando sempre a transformação através do olhar preciso com que ora contempla, ora critica tudo o que está ou não a seu alcance. Com luvas de escritor Lygia recria realidades que levam o leitor a refletir sobre a sua própria vida e circunstâncias, lembrando aqui Ortega y Gasset, em Meditações do Quixote, ao ampliar o sentido da existência para além dos ângulos e horizontes conhecidos, para além das fronteiras visíveis e invisíveis. Quando venho à Sede do Arouche, em constante revitalização desde as gestões de Ives Gandra da Silva Martins e de José Renato Nalini, e atualmente presidida por Antonio Penteado Mendonça, na pessoa de quem reverencio todos os acadêmicos, agradecendo o ensejo de participar desta significativa homenagem, procuro chegar cedo. Gosto de cumprimentar cada funcionário e, após visitar a biblioteca e a secretaria, aguardar na antessala do segundo andar os acadêmicos chegarem para a reunião semanal, a fim de saudá-los. Lygia chega compenetrada, de braço dado com o cordial Juarez, ou com Lúcia, sua afável neta, e vai para o Salão de Chá. Não interrompo seus passos naquele momento, olho-a apenas de longe, espero que se acomode em sua cadeira predileta, passe o pente nos cabelos e o batom nos lábios e seja servida de um cafezinho ou taça de vinho pelo gentil Amaro. Só então, a pouco e pouco, com o coração descompassado, me aproximo dela, para dois dedos de prosa. Se tiver em mãos algum de seus livros reeditados, peço-lhe uma dedicatória autografada. As palavras que escreve na folha de rosto são confirmadas pelo sorriso. Penso comigo, Ganhei o dia! E meus sentimentos sombrios se esvanecem como as sombras à luz do sol; e por mais desgastada que pareça essa metáfora, ali ela ressurge em nova alegoria. Sou leitora de Lygia Fagundes Telles desde o ginasial e, não raro, revisito seus contos e romances para discutir prosa de ficção em cursos e encontros literários, ou, simplesmente, para degustar o sabor de sua escrita. A capacidade de observação e expressão de variados detalhes e situações que depreendemos de sua obra é invulgar; seu potencial criativo é assombrosamente poético, no sentido aristotélico do termo, como lembra Paulo Bomfim, Príncipe dos Poetas Brasileiros e Decano da APL. Dentre os recursos de que Lygia lança mão para elaborar a narrativa, o insólito revela a contemporaneidade e chama a nossa atenção, enquanto leitores-receptores, pela necessidade que instaura de trabalharmos mentalmente algo que nos parece estranho por sua aparente insensatez ou incompletude. Tal inquietação atiça a vontade de participarmos ativamente do processo da criação literária, para preenchermos as lacunas propositais da linguagem e as fissuras do sentido artisticamente elaboradas por ela, com nossa imaginação. Típico exemplo é o conto As cerejas, testemunho da refinada percepção da autora, que capta a “poesia das coisas”, feliz expressão de Ivan Marques para o Posfácio de Um coração ardente (Companhia das Letras, 2012), livro escolhido para o encontro com a autora, neste abril, no Clube de Leitura da Academia Paulista de Letras, coordenado pelos Acadêmicos Anna Maria Martins e José Fernando Mafra

Carbonieri, e do qual transcrevo o trecho a seguir: - Queimou o fusível! - gemeu Madrinha. - Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas mas leva primeiro ao quarto de Tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos! Subi a escada. A escuridão era tão viscosa que se eu estendesse a mão, poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto de Tia Olívia e em meio do relâmpago que rasgou a treva vi os dois corpos completamente azuis tombando enlaçados no divã. Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas despencavam sonoras como bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania. (Op. Cit., p. 87) Parafraseando Santo Agostinho, em Confissões, “Não basta fazer coisas boas. É preciso fazê-las bem”, podemos conjecturar que As cerejas são uma obra de arte, considerada, principalmente, a representação verbal da insólita harmonia dos domínios do amor, concebido em suas três dimensões, ágape (o amor divino), filia (o amor fraterno) e eros (o amor criativo), simbolicamente tramados no conto. Embora essa perspectiva analítica ainda demande estudo aprimorado, gostaria de deixar registrada, mesmo que suscintamente, sua transposição de artigo comentado por Dom Fernando Antonio Figueiredo, em outro contexto, que poderei expor em uma próxima ocasião. Hoje, prefiro falar sobre o que Lygia Fagundes Telles representa para mim, quando folheio seus livros ou a vejo entrar na bela Sede da Academia Paulista de Letras: Lygia representa uma amiga que chega a casa e se senta a nosso lado para conversar sobre a vida. Uma companheira de caminho que sabe da necessidade do silêncio e da palavra, para forjar a têmpera e aprimorar a pena nos embates por um mundo mais justo. Seu coração ardente nos anima e encoraja a perseguir, apesar das contraposições, nossos sonhos e ideais. Inspira poesia. Quando, em setembro de 2011, uma original orquídea, linda e rara, foi batizada com seu nome, escrevi os versos, ora revisados, com que encerro esta modesta página: LYGIA Teu nome é flor de verdade flor deveras de ficção ciranda de pedra orquídea em botão teu ser é flor claridade flor de eras de coração primavera eterna fugidia canção *Sonia Cintra, é poeta, membro da UBE e integrante do Clube de Leitura da Academia Paulista de Letras.


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“Poesia não dá nem para pagar o condomínio”

Hamilton Faria reinventa o Potlatch e só quer mesmo é correr para o abraço da galera Daniel Pereira Adepto da premissa de que livro precisa circular, o poeta Hamilton Faria continua distribuindo seu mais recente trabalho: mínimoImenso é seu oitavo livro, publicado em 2012 pela Casa Editorial dos Omaguás. Ele não só distribui suas obras: pede para quem os lê, que passe adiante com a mesma recomendação. Foi assim no último lançamento que promoveu, dia 10 de abril, no Instituto Polis. Afinal, foi assim desde seu primeiro livro, Diavirá –, que Hamilton embalou como envelope e o mandou circular por todo o Brasil. “Chegou a ser publicado pelo Lourenço Diaféria em sua coluna na Folha de S. Paulo”, ele lembra. Agora, com mínimoImenso, o poeta se rende definitivamente de corpo e alma ao Potlatch. E o que vem ser esse palavrão? A proposta é polêmica e, aparentemente, uma bizarrice do século 19 oriunda das tribos indígenas da América do Norte, que se reuniam em cerimônias para doar algum bem de valor, justamente o que não tinham em abundância. O estranho costume despertou críticas de missionários e governantes: para eles, não era admissível que numa sociedade industrial, capitalista, consumista, índios vivessem a queimar riquezas. “A prática – conta Hamilton – foi proibida e voltou a vigorar em meados do século 20 graças à intervenção de antropólogos”. O secular conceito só veio sedimentar a vocação que o poeta trazia desde garoto na companhia do pai. E depois, na resistência à ditadura e na vivência com a poetisa Helena Kolody na Cooperativa de Escritores, que ele ajudou a criar nos anos 1970. A rotatividade e o boca-a-boca levam os livros de Hamilton Faria aos mais diversos públicos de leitores. Soube que recentemente seus poemas foram publicados cinco vezes em página exclusiva da “Caras” revista de frivolidades. “São dois milhões de cópias, sabe o que é isso? Nem sei como publicaram, nunca entrei em contato com eles”. Em outra ocasião topou com o líder indígena Ailton Krenak. “Ele me disse: Hamilton, sempre leio o Encântaros quando estou precisando levantar a energia. Não é uma dádiva falar para uma alma indígena?” Dos anos 1970 para cá, o poeta paulistano nascido em Curitiba já rodou o mundo, publicou oito livros, participou de 20 antologias no Brasil, conquistou vários prêmios aqui e no exterior, é palestrante ativo e presença constante em circuitos culturais e movimentos literários, é professor titular na Faculdade de Artes Plásticas da FAAP, co-fundador do Instituto Polis. Ufa! Tem muito mais. O cara é um azougue. Por isso, para quem quiser conhecer o poeta mais a fundo e sem moderação ai vai a página dele na internet: http://www.poetahamiltonfaria.org.

brasileira. Nem uma coisa, nem outra, diz Hamilton Faria. - Não posso me queixar porque tenho publicado por boas editoras nacionais. Mas, a verdade é que o mercado da poesia está cada vez mais precário e mesmo os livros de autores conhecidos pouco aparecem. Ele confessa, porém – e talvez numa digressão não intencional -, que anda mais desiludido com o mundo do que com a distribuição da poesia. Por essa vertente, a civilização estaria vivendo um processo de loucura que ele chama de “normose” cotidiana. “Todos querem ser normais. E a poesia mexe com zonas de conforto, cria outros imaginários, forma novos cosmos que vêm na contramão da mesmice do dia a dia. Logo, para quê poesia?” A poesia é considerada o patinho feio do mercado editorial na literatura. Não é novidade. Eles mesmos, os poetas, já consagraram o aforisma de que “poeta é um marginal por excelência.” Fazer poesia não dá dinheiro. “O que recebo em direitos autorais por poemas publicados não dá nem para pagar o condomínio. Sou remunerado, isso sim, quando me chamam para palestras”. Na fase de laboratório do Potlatch, Hamilton tem colhido subsídios que lhe renovam o entusiasmo e confirmam sua convicção de que está no caminho certo. Não está preocupado se outros autores vão aderir à proposta. Também não nega a importância dos circuitos de livraria. Mas, alfineta: é muito pouco confinar a poesia numa prateleira de livraria ou de biblioteca, O livro precisa circular. “Borges (Jorge Luis) dizia que a poesia acontece na relação com o leitor, e não em estado de livro, fechado, ensimesmado. Mercado da poesia está cada vez mais precário Eu acrescento: o poeta precisa pertencer ao mundo e estar em todos os lugares”. A imersão de vez no Potlatch pode sugerir que o poeta esteja Seguindo à risca tais premissas, Faria tem promovido lançadesiludido com o mercado editorial brasileiro e, com isso, prementos nas ruas, praças, com jovens da periferia, em saraus de protendendo quebrar paradigmas na cadeia produtiva da literatura dutores culturais. Ninguém passa batido quando cruza com o poeta Hamilton Faria. “Dou (o livro) para motoristas de táxi, porteiro, manobrista, sambista, em academias de ginástica, nos botecos. “Será que serei proibido de dar livros Dou livro até para desafetos – aliás, este é o desafio do Potlatch: porque venho na contramão do capitalismo, dar livros a quem não gosta de você ou com quem já teve alguma rusga”. Portanto, todo cuidado é pouco. Não passe à frente do ou do capetalismo, como dizia o profeta poeta Hamilton Faria: você poderá ser atacado pelo Potlatch Gentileza?” e correrá grande risco de ser agraciado com um bem cultural de valor imensurável, para ser lido no ônibus, no trem, no metrô, naquela brecha da hora do almoço, na antessala do cinema, até “A poesia é um estado de ser, da palavra. mesmo no sagrado troninho do banheiro. Mas não esqueça: não É uma dádiva verbal, como diz Manoel de Barros.”. jogue fora. Passe à frente. É este o espírito do Potlatch, baby.


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APOIO CULTURAL

MinC abre editais de fomento à literatura UBE participou da oficina que definiu, em outubro de 2013, os editais assinados pela ministra Martha Suplicy.

Como resultado de oficina promovida pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, em Brasília, em outubro de 2013, a ministra Martha Suplicy assinou no último dia 18 de março, na sede da Funarte, em São Paulo, quatro editais para incentivo à leitura que vão permitir o investimento de até R$ 6,5 milhões em projetos sociais de leitura; de inovações em bibliotecas públicas; de fomento à literatura e no circuito nacional de feiras de livros e eventos literários. O evento, que contou com a presença da ministra da Cultura, Marta Suplicy, reuniu agentes de leituras, escritores, bibliotecários e ativistas do fomento à leitura. Fabiano dos Santos Piúba, diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, foi buscar em Monteiro Lobato as justificativas dos editais: “parafraseando Monteiro Lobato, um país se faz com homens, livros, leitores, bibliotecas... E com a assinatura desses editais, damos um passo adiante na construção de uma nação de leitores”. O presidente da UBE, Joaquim Maria Botelho, presente ao evento, foi relator, durante as oficinas realizadas em Brasília, que definiram os editais da área de fomento à literatura. Na área da criação literária, que mais diretamente interessa aos associados da UBE, o MinC autorizou 30 bolsas para criação literária de textos inéditos (no valor de R$ 15.000,00 cada uma). Mas há também editais para difusão literária, saraus literários, cursos de formação literária, residências literárias e pesquisa literária para dissertação de mestrado e tese de doutorado. No evento de assinatura, a ministra defendeu que os editais fazem parte de um rol de ações que têm como objetivo ampliar e fomentar a leitura no País. “Estamos trabalhando, desde o ano passado, na consolidação de uma política pública de incentivo à leitura. A meta estabelecida para 2014 é enviar e aprovar no congresso o projeto de lei do PNLL – Plano Nacional do Livro e da Leitura”, contou durante o seu discurso. Se aprovada, a lei do PNLL vai permitir que iniciativas de fomento à leitura sejam permanentes. O secretário-executivo do PNLL, José Castilho Marques Neto, lembrou que os editais são uma forma de reconhecimento a pessoas que trabalham pela leitura já há muitos anos. “Junto com essas pessoas fizemos o PNLL e agora, com a retomada desses editais, esperamos democratizar o acesso ao livro e à leitura em quatro eixos que precisam caminhar juntos e juntos caminharão: democratização do acesso, fomento à leitura e à formação de mediadores, valorização do livro e comunicação e desenvolvimento da economia do ivro”, defendeu. Editais Foram liberados recursos para quatro editais: Prêmio boas práticas e inovação em bibliotecas públicas, com R$ 1,7 milhão que poderão ser distribuídos para 52 projetos; Prêmio leitura para todos: projetos sociais de leitura, com R$ 1,5 milhão para até 30 projetos; Bolsas de fomento à literatura no valor total de R$ 1,9 milhão para até 100 bolsas e Circuito nacional de feiras de livros e eventos literários para o qual foram destinados R$ 1,5 milhão para até 15 projetos. O prazo para se candidatar aos editais termina no dia 2 de maio. Para mais informações, consulte o site do MinC: http://www.cultura.gov.br/inscricoes-abertas/


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