Jornal O Escritor 133

Page 1

1UBE

O ESCRITOR UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

JORNAL DA UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES / NÚMERO 133 - AGOSTO DE 2013

Duas perdas para a UBE e para a literatura: Jacob Gorender e Tatiana Belinky

Audálio Dantas indicado para o troféu Juca Pato

Definidos os autores da Antologia UBE/Global de Textos Breves

Página 3

Página 5

Moniz Bandeira antecipou em livro, em 2005, a vigilância eletrônica norte-americana

Páginas 19 e 20


2

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

CONVERSA COM O ESCRITOR

Um ano bom Vamos chegando ao segundo semestre de 2013 e não posso deixar de considerar que, até aqui, está sendo um ano bom para a UBE e seus associados. Daqui a dois meses, o Brasil será o país homenageado da Feira Internacional do Livro de Frankfurt, a maior de todas. Es taremos lá, alguns de nós em pessoa, alguns em espírito, outros em livros – afinal, o livro, para o escritor, é o seu retrato, alter ego, espelho. Estará exposta nessa feira uma coletânea de contos de autores da UBE, editada pela Arara Verlag, que teve como base em livro editado em 1988 pela Global Editora e que foi organizada por Jeanette Roszas, então diretora da UBE, e pelo presidente, à época, Levi Bucalem Ferrari. A negociação com a editora Arara para a tradução da coletânea e publicação em alemão durou quase um ano e contou com a ajuda imprescindível do Consulado Geral do Brasil em Frankfurt. Para operacionalizar a publicação, Luís Avelima,

nosso vice-presidente, dedicou muitos dias de trabalhou, ao longo de 2012 e 2013. Estamos prestes a publicar outra coletânea, tão robusta que vai constituir uma antologia, também a ser publicada por meio de parceria com os nossos simpáticos amigos da Global Editora. O material original está em processo de preparação, para publicação possivelmente em novembro. Serão mais de 150 autores da UBE (a listagem completa está publicada nesta edição), com textos que serão distribuídos em dois volumes: um de contos e crônicas e outro de poesias. Mais uma conquista. Nossos associados participaram de muitos eventos literários, como simpósios, congressos, debates, jornadas, comemorações, feiras. Enviamos uma comitiva de 12 autores da UBE para a 13ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, para dar palestras, participar de mesas redondas e conduzir oficinas. E já estamos convidados

para uma nova caravana, dessa vez em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, em outubro. Estamos na expectativa de que se consolide uma possibilidade, para que o ano seja efetivamente soberbo: temos um projeto aprovado pelo ProAc, o Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura (programa criado pelo nosso associado João Batista de Andrade, quando ocupava a pasta estadual da Cultura). Até o momento, não conseguimos, apesar de nossos continuados esforços, captar o recurso autorizado, e que terá que ser originado da renúncia fiscal do governo estadual de valores do ICMS devido pelas empresas. Há negociações em andamento, pela nossa diretoria. Se pudermos obter a captação de patrocínio em montante adequado, e em prazo conveniente, pretendemos realizar o Congresso Brasileiro de Escritores nos dias 15, 16 e 17 de novembro de 2013, no Memorial da América Latina, na capital de São Paulo. Se não

tivermos êxito, teremos que adiar o projeto e buscar maneiras de realizá-lo em 2014. Daremos notícias, à medida que tivermos novas informações. Para ofuscar a alegria de um bom ano, tivemos duas perdas irreparáveis, que registramos com pesar nesta edição de O Escritor: Tatiana Belinky, a doce contadora de histórias, e Jacob Gorender, o destemido contador da História. Nesta edição registramos nossas homenagens a ambos, escritores fundamentais que a UBE teve o bom-senso de premiar com o troféu Juca Pato, como Intelectuais do Ano. E por falar em Juca Pato, antecipamos nossas saudações ao indicado e virtual vencedor da honraria de 2012, Audálio Dantas. Se não pelo excelente livro “As duas guerras de Herzog”, Audálio já mereceria a homenagem pelo trabalho de uma vida inteira. Joaquim Maria Botelho Presidente

EXPEDIENTE Diretoria da UBE (2012/2014): Jornal O Escritor – edição n° 133, agosto de 2013 Publicação de distribuição dirigida para os associados da União Brasileira dos Escritores. Todas as informações podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. ISSN: 1981-1306 Conselho Editorial: Daniel Pereira Gabriel Kwak Joaquim Maria Botelho Luís Avelima Editoração: Luís Fernando Zeferino União Brasileira de Escritores Rua Rego Freitas, 454 - 12º andar, Vila Buarque. Cep: 01220-010 São Paulo - SP. Telefones: (11) 3231-4447/3231-3669 Site: www.ube.org.br

Diretoria executiva Presidente – Joaquim Maria Botelho (presidencia@ube.org.br) 1º vice-presidente – Luís Avelima (luisavelima@gmail.com) 2º vice-presidente – Menalton Braff (menalton@uol.com.br) Secretário geral – Gabriel Kwak (senador.gabriel@gmail.com) 1ª secretária – Sueli Carlos (fonoaudiologa.suelicarlos@bol.com.br) 2º secretário – Francisco Moura Campos (fmouracampos@terra.com.br) Tesoureiro geral – Djalma Allegro (djalmaallegro@terra.com.br) 1º tesoureiro – Nicodemos Sena (nicosena@uol.com.br) 2ª tesoureira – Helena Bonito Pereira (helena.pereira@ mackenzie.br) Conselho consultivo e fiscal Levi Bucalem Ferrari (presidente) Almino Affonso Anna Maria Martins Audálio Dantas Caio Porfírio Carneiro Jorge da Cunha Lima José Afonso da Silva Lygia Fagundes Telles Paulo Oliver Renata Pallottini Rodolfo Konder (conselheiro emérito)

Diretores departamentais Antonio Luceni – Integração Nacional (aluceni@hotmail.com) Betty Vidigal – Informação Digital (bettyvidigal@bettyvidigal.com.br) Cláudio Willer – Políticas Culturais (cjwiller@uol.com.br) Dirce Lorimier – Historiografia e Memória (lorimier@uol.com.br) Fábio Lucas – Cultural (fabiolucas@ube.org.br) Giselda Penteado di Guglielmo – Apoio a Eventos (gi.penteado@uol.com.br) Hersch Basbaum – Projetos Especiais (hwbas@uol.com.br) José Domingos de Brito – Acervo Bibliográfico (brito@tirodeletra.com.br) José Geraldo Neres – Formação Literária (outrossilencios@gmail.com) Paulo de Assunção – Pesquisa Histórica (assuncao@prestonet.com.br) Raquel Naveira – Difusão Literária (raquelnaveira@gmail.com) Renata Pallottini – Dramaturgia (rpallott@uol.com.br)


AGOSTO, 2013

UBE

O ESCRITOR

ANTOLOGIA

Definida a Antologia UBE/ Global de Textos Breves

Nesta matéria, a lista dos autores contemplados nos dois volumes que serão publicados em novembro de 2013

DA REDAÇÃO

A Editora Global iniciou o processo de preparação de originais dos dois volumes que vão compor a Antologia UBE/Global de Textos Breves – um de poesias e outro de contos e crônicas. A edição, inicialmente prevista para setembro, foi adiada para novembro, em razão de questões operacionais da nossa parceira, a Editora Global. Uma providência ainda terá se que ser tomada, que é o envio a cada autor de um contrato de cessão de direitos autorais, que precisará ser devolvido, com assinatura. Como esclarecido no regulamento, cada autor fará jus a uma quantidade de exemplares ainda a ser definida, como contrapartida pela cessão dos direitos autorais. A Comissão de Seleção definiu os autores que serão publicados. Cada autor selecionado participará em apenas uma categoria. Coordenou os trabalhos da Comissão de Seleção o presidente da UBE, Joaquim Maria Botelho, mestre em Crítica Literár ia pela PUC/SP, com apoio do vice-presidente Luís Avelima, poeta e historiador. Participaram também: Helena Bonito Pereira, doutora em Letras e pró-reitora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Cláudio Willer, pós-doutor em Literatura pela USP, Raquel Naveira, mestre em comunicação e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, e Betty Vidigal, poeta e especialista em comunicação. Representando a Editora Global, Menalton Braff, romancista e contista premiado e Gustavo Tuna, coordenador editorial da Editora Global.

Conto Ada Pellegrini Grinover Alexandru Solomon Anna Maria Martins Antonio Carlos Fester Arine de Mello Jr Audálio Dantas Caio Porfírio Carneiro Cyro de Mattos Deonísio da Silva Edmundo de Carvalho Edson José Amancio Eduardo Rascov Eliana Machado Emilia Goulart dos Santos Fábio Lucas Frei Betto Hernani Donato Hersch Basbaum Ivan Camargo Gonçalves Jean Pierre Chauvin Jeanette Rozsas João Batista de Andrade Joaquim Maria Botelho Jordemo Zanelli Junior Levi Bucalem Ferrari Lygia Fagundes Telles Mafra Carbonieri Margarida Maria F. M. Lobo Valente Maria de Lourdes Rabello Villares Menalton Braff Nicodemos Sena Paulo Ernesto Condini Paulo Veiga Regina Baptista da Silveira Regina Helena de Paiva Ramos Reivanil Ribeiro Renato Modernell Ricardo Ramos Filho Ricardo Uhry Ruth Guimarães Botelho Samuel Xavier Medeiros Sérgio Luiz Gonçalves de Freitas Sônia Maria Van Djick Suzana da Cunha Lima Suzana Montoro

Tatiana Belinky Vera Lúcia de Angelis Yara Camillo Crônica Alaor Barbosa Alberto Cosme Gonçalves Andre C.S. Masini Antonio Candido Antonio Luceni Antonio Possidonio Betty Milan Betty Mindlin Carlos J. Knapp Celso Laffer Daniel Pereira Dirce Lorimier Ely Vieitez Lisboa Enéas Athanázio Fernando Henrique Cardoso Fernando Jorge Gabriel Kwak Hélio Consolaro João Marcos Cicarelli José Moacir Forte Saraiva Leduvina de Souza Pereira Luiz Cruz de Oliveira Marcos Eduardo Neves Marilurdes Martins Campezi Moacir Japiassu Mouzar Benedito Pedro Pires Bessa Rita de Cássia Zuim Lavoyer Rita Marciana Mourão Rodolfo Konder Ronaldo Costa Couto Thereza Freire Vieira Therezinha Saraiva Thiago Sogayar Bechara Poesia Abraão Leite Sampaio Alfredo Rosseti Alice Spíndola Ana Claudia Marques

3


4

UBE

ANTOLOGIA Anderson Braga Horta Antonio Francisco de Moura Campos Antonio Ventura Aricy Curvello Beatriz Helena Ramos Amaral Betty Vidigal Carlos Figueiredo Carlos Soulié do Amaral Carlos Vogt Cecilia Ferreira Claudio Willer Cléo Reis Dalila Teles Veras Djalma Allegro Djanira Pio Edivaldo de Jesus Teixeira. Eliane Ratier Elisa Alderani Eros Grau Eunice Arruda Fúlvia de Carvalho Lopes Giselda Penteado Di Guglielmo Gláucia Lemos Hamilton Faria Helder Câmara Ives Gandra Martins João Augusto Jorge da Cunha Lima José Eduardo Mendes Camargo. José Geraldo Neres José Inácio Vieira de Melo Lea Von Hrabovsky Leila Echaime Loreni Fernandes Gutierrez Luís Avelima Mara Senna Márcia Etelli Coelho Marco Aqueiva Maria da Graça Roriz fonteles Mariza Baur Milton Godoy de Campos Moniz Bandeira Nei Lopes Nelson Hoffman Oleg Almeida Pádua Lima Paulo Bonfim Péricles Prade Raquel Naveira Renata Pallottini Ricardo Bezerra Rubenio Marcelo Severino Antonio Silvio Piresh Sônia Cintra Sonia Sales Tito Damazo Valdeck Almeida de Jesus Vicente Pereira da Silva Zuleika dos reis

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

ARTIGO

A literatura nos municípios

Hélio Consolaro

O presidente da UBE – União Brasileira de Escritores – Joaquim Maria Botelho, escreveu no boletim da entidade “O Escritor”, abril de 2013, na sua coluna-editorial “Conversa com o escritor”, sobre a necessidade de o poder público facilitar a publicação de livros. Uma reivindicação justa. Com este artigo, não estou discordando do presidente, apenas quero acrescentar mais informações, como gestor, principalmente quanto à política cultural adotada pelos municípios. Prefeitos e vereadores podem fazer muito pela cultura, como ocorre em Araçatuba-SP. Se o teatro e outras artes atendem a muitos editais para que artistas se candidatem a prêmios, por que não a literatura ter as mesmas chances? Afinal, os escritores não estão separados das artes e nem formam um gueto na cultura. Como secretário municipal de Cultura, Araçatuba-SP, cidade do interior do Estado de São Paulo, com 200 mil habitantes, e também escritor filiado à UBE e à Academia Araçatubense de Letras, tenho sempre pregado que a literatura faz parte do bojo da cultura, não devemos nos separar, formar um mundo à parte. Os escritores não devem fazer reivindicações separadamente. Assim, com a ajuda do Ministério da Cultura, o prefeito Cido Sério, a Câmara Municipal e o Conselho Municipal de Políticas Culturais (o primeiro a ser criado para ajudar na elaboração do sistema) implantaram em 2011 o Sistema Municipal de Cultura de Araçatuba, com fundo municipal de cultura (com 0,5% das rendas próprias do município), lei de incentivo fiscal e plano decenal de cultura. Infelizmente, muitos municípios ignoram as vantagens da implementação do sistema no município, e também agentes culturais exercem mal sua cidadania, não cobrando isso das autori-

dades municipais. Quando se iniciar o repasse, tais municípios não receberão verbas estaduais e federais, então, com certeza, prefeitos e vereadores tomarão providências. A Secretaria Municipal de Cultura soltou 25 editais em 2012, dentre eles, prêmio de R$ 5 mil para publicar cada livro (em 2013, R$ 7 mil). Apenas 03 se apresentaram e todos tiveram a ajuda significativa para publicar suas obras. Já em 2013, houve 07 prêmios, 10 concorrentes se apresentaram. Já houve um avanço, um despertar para a nova política. Os prêmios estão em acordo com o mercado editorial regional. Os agentes culturais, inclusive escritores, estão perdendo o medo do “monstro da burocracia”, estão buscando alternativas, fazendo com que suas mãos busquem o dinheiro público para que sua arte tenha condições de ganhar visibilidade. E, por que não, de o artista sobreviver de sua arte. Quem faz um projeto para a Secretaria Municipal de Cultural ganha coragem e prática para chegar a esferas maiores. Deve-se cobrar das secretarias estaduais e do MinC que façam editais dirigidos à literatura, mas também precisa-se pressionar as prefeituras para que o município tenha uma política comprometida com a cultura. A lei municipal de incentivo fiscal, municipal, é bem mais acessível que a Lei Rouanet. Infelizmente, o Brasil tem muitos municípios sem biblioteca e nenhuma importância no orçamento público destinada à cultura. A luta precisa ser feita a partir dos municípios brasileiros.

Hélio Consolaro é membro do Núcleo UBE de Araçatuba e secretário de Cultura daquela cidade.


AGOSTO, 2013

UBE

5

O ESCRITOR

JUCA PATO

Audálio Dantas indicado para o troféu Juca Pato No dia 31 de julho de 2013, o associado Francisco Moura Campos encaminhou à presidência da UBE um ofício, acompanhado de 49 assinaturas, inscrevendo oficialmente o nome de Audálio Dantas para o Prêmio Intelectual do Ano. O ofício foi encaminhado nos seguintes termos: Os abaixo assinados, sócios dessa entidade, vêm respeitosamente, nos termos do respectivo regulamento, requerer a vossa senhoria a inscrição para o Prêmio Intelectual do Ano, a que corresponderá o Troféu Juca Pato, do escritor Audálio Ferreira Dantas. Audálio Ferreira Dantas é escritor e jornalista, tendo tido militância política como presidente do Sindicado dos Jornalistas do Estado de São Paulo e como deputado federal. Produziu várias obras, dentre as quais destacamos “As duas guerras de Vlado Herzog” (editada em 2012), um relato de grande repercussão nacional sobre o período de exceção na democracia brasileira. Cumprida essa formalidade, a secretaria da UBE está providenciando o envio de cédulas de votação aos associados e representantes da sociedade civil, para a eleição final. Embora não tenham sidos apresentados outros candidatos, é importante que os associados se manifestem até o dia 15 de setembro para validar a eleição do jornalista e escritor ao prêmio que a União Brasileira dos Escritores confere há 51 anos

Audálio Dantas é associado histórico da UBE e já ocupou as funções de vice-presidente e conselheiro.

DANIEL PEREIRA

Repórter sempre, escritor no auge da criatividade, ativista político engajado, o cidadão Audálio Dantas junta-se, virtualmente, já que é candidato único, à galeria dos ganhadores do troféu Juca Pato, láurea cinquentenária que corresponde ao Prêmio Intelectual do Ano, conferida pela União Brasileira de Escritores (UBE). Audálio deverá receber o troféu Juca Pato na cerimônia de abertura do Congresso Internacional de Escritores, que está programado para novembro, no Memorial da América Latina. Apesar de toda tietagem nas viagens Brasil afora para lançar seus livros, palestrar e participar de eventos como presidente da Comissão da Verdade, Memória e Justiça dos Jornalistas Brasileiros, o alagoano de Tanque D’Arca diz que ficou surpreso e ao mesmo tempo envaidecido pela indicação. “Sem falsa

modéstia, devo dizer que não me julgo merecedor dessa distinção. Afinal, trata-se de uma honraria já atribuída a alguns dos mais importantes intelectuais brasileiros, um prêmio de alto prestígio cultural.” O Prêmio Intelectual do Ano é concedido a personalidade, escritor ou não, que tenha produzido obra de relevância ano anterior e que seja indicado por pelo menos 30 associados da UBE: o nome de Audálio foi aclamado por 50. Os últimos agraciados foram Tatiana Belinky, Aziz Ab’Saber, Ligya Fagundes Telles e Antonio Candido. No ano passado, Audálio lançou “As Duas Guerras de Vlado Herzog” (Civilização Brasileira). “Esse livro reconstitui um episódio emblemático da luta de resistência contra a ditadura militar, é um pedaço da história recente do País e um pedaço de mim mesmo”, grifa o autor, com indisfarçável emoção.”

Jornalista nas principais redações do país, entre elas as extintas revistas Cruzeiro e Realidade, Audálio Dantas é autor de mais 11 livros, entre os quais Tempo de Reportagem, O circo do desespero, O Menino Lula e O Chão de Graciliano, obra que lhe rendeu o Prêmio APCA de 2007. No início dos anos 1960 ganhou notoriedade com a reportagem sobre a favelada paulistana Carolina Maria de Jesus, a quem ajudou a compilar o livro Quarto de Despejo, que foi traduzido para 13 idiomas e vendeu mais de um milhão de exemplares. Depois, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, esteve na vanguarda das lutas contra a ditadura militar. Presidiu a Federação Nacional da categoria e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Também foi vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e deputado federal eleito por São Paulo.


6

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

POESIA

O Rumo da Rima FLORA FIGUEIREDO

De repente, uma pergunta atravessou o salão, sobrevoou as cabeças na plateia e me acertou em cheio: _ Flora, você pensa rimando? Era um debate com outros autores, em São José do Rio Preto, e falávamos sobre a musicalidade das palavras. De pronto, respondi que não, eu não pensava com rima mas, subitamente, me dei conta do quanto meu estilo estava desenhado como se eu tivesse uma tatuagem na ponta dos dedos. Era inevitável! Frequentemente, ao versejar, a rima se oferecia fogosa, incontrolável. Impossível desprezá-la. Ao explicar ao público esse processo criativo, fui buscar o nascedouro dessa tendência que veio a definir meu perfil como poetisa. Descobri-me então na Idade Média, quando os estudos de Literatura trouxeram-me os Trovadores (1189-1434), que compunham o poema e a música e os interpretavam através das Cantigas de Amor, de Amigo, de Escárnio e de Maldizer. Foi a primeira associação que fiz de poesia com melodia. Percorri as Escolas Literárias a bordo das exigências impostas pelas freiras belgas do colégio que frequentei. Nessa viagem de encantamentos, passei pelo Arcadismo e, novamente, chamou minha atenção a sonoridade dos Rondós de Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814). O termo “Rondó” originou-se na dança francesa denominada “ronde”. Mais uma vez, versos e sons. Meus primeiros embates hormonais coincidiram com o estudo dos poetas Românticos (1836-1870). Suspirei com eles suas febres apaixonadas e entendi o mecanismo das Rimas Cruzadas: Jamais! Quando a razão e o sentimento Disputam-se o domínio da vontade, Se uma nobre altivez nos alimenta, Não se perde de todo a liberdade. (Laurindo Rabelo – “Dois impossíveis”) Rimas Entrelaçadas: Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira

Pálida, aventureira, errante a viajar, Batendo em duas portas – ao grito das procelasAo céu pedindo estrelas, à terra um pobre lar! (Castro Alves – “Espumas Flutuantes”) Rimas Intercaladas: Eu me lembro! Eu me lembro!- Era pequeno E brincava na praia; o mar bramia E, erguendo o dorso altivo, sacudia A branca escuma para o céu sereno. (Casimiro de Abreu- “Deus”) Aos poucos, fui me familiarizando com a sonoridade dos versos, que se apresentaram caudalosos durante a fase de estudos parnasianos, movimento que começou no Brasil em 1878, com as Canções Românticas de Alberto de Oliveira. O Parnasianismo pregava um preciosismo que exacerbava a estética, com metrificação rigorosa, simetria e palavras raras. Davam ênfase às rimas, mas cuidavam para que não pertencessem à mesma classe gramatical. Era o conceito de poesia como escultura; era o uso da “mot juste”, a palavra exata. Sabes dos versos meus quais os versos melhores? São os que noutro dia eu fiz, pensando em ti; Amassados em fel, misturados com flores, Trago-os no coração e nunca os escrevi. (Alberto de Oliveira, Versos do Coração) Ainda nessa fase, as doces delícias de Vicente de Carvalho: Só a leve esperança em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. (Velho Tema) Cantantes e encantados ainda: Raimundo Correia, Olavo Bilac, Olegário Mariano, Francisca Júlia da Silva, Humberto de Campos, Emílio de Menezes, Martins Fontes entre outros cultores dessa forma. A partir daí, meu casamento com a rima estava selado. Quando me deparei com o Simbolismo, minha lira estava já comprometida. Esse movimento literário surgido em Paris (1885-1895) tinha como mote a abs-

Flora Figueiredo é poeta, cronista e tradutora.

tração e o incorpóreo. Seus precursores, Verlaine, Beaudelaire, Mallarmé, representantes do “ cénacle”, tinham na melodia o seu vértice: “de la musique avant toute chose” ( a música antes de tudo). Era a orquestração levada ao exagero. No entanto, apesar dos vocábulos preciosos e sonoros, a rima já não era tão exigida. Para minha identidade melódica, isso representava certo desmerecimento da poética. Minhas preferências recaíam sobre a condução rimada e harmoniosa até o fecho do poema. A chegada do Modernismo revirou tudo. O movimento reivindicava a ruptura com as formas vigentes até então. Iniciou-se no Brasil, com maior intensidade a partir da Semana de Arte Moderna (1922). A proposta para a poesia era distanciar-se dos modelos usuais com métrica, rima ou formas fixas como odes, sonetos e baladas. O arrebatamento de seus participantes me conduziu ao entendimento de que poderia haver poesia da maior qualidade além da rima e que ambas as formas poderiam conviver em paz, sem se desmerecer.


AGOSTO, 2013

UBE

POESIA Eu amanhecia lendo intrigada os trabalhos de Jorge de Lima, Cassiano Ricardo, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, Cecília Meirelles e me deleitava com Manuel Bandeira e suas irreverências poéticas: As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam. Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde! O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!...(do livro “ Estrela da Manhã”). Tive a felicidade de conhecer Guilherme de Almeida, num jantar em minha casa, já que ele e sua esposa, Baby, eram amigos de meus pais. Até então, eu vinha embalada pelos seus versos tradicionais, cujas rimas ricas sempre me surpreenderam. Foi, portanto, com espanto e encantamento, que li suas composições libertas da forma, numa nova concepção plástica. Paulo Bomfim, outro poeta da maior grandeza, também era próximo de minha família e habituei-me a ouvir seus versos, declamados com intensidade por minha mãe. Nessas declamações, a beleza chegava transbordante, com rima ou sem ela. Aprofundei-me então na avaliação dos versos livres que não obedecem à métrica e aos versos brancos ou soltos que dispensam a rima. Os anos 60 foram instigantes. Demarcaram a fronteira das maravilhas não rimadas mas igualmente abrangentes, sob a lírica de Álvaro Alves de Faria, Ivan Junqueira, Carlos Felipe Moisés, Affonso Romano de Sant´Anna, entre tantos outros. No entanto, assim como ocorreu com os modernistas, a descontração de alguns poetas não descartou completamente a rima. Por vezes, ela se apresentou melódica e envolvente, como se estivesse amalgamada à poesia. Um exemplo claro disso, foram alguns regressos ao soneto, pelo próprio Drummond. Com todas as informações armazenadas, minha escolha estava definida. Muitas vezes, o texto ficou suspenso, à espera da rima adequada. Minha forma de expressão aliara-se à sonoridade. Músicos, como Ivan Lins, os Maestros Aylton Escobar e Alexandre Guerra, Natan Marques, musicaram e gravaram poemas meus. Só que, como os casamentos, ao contrário do que pregam as doutrinas, não são indissolúveis,fiz minhas incursões pela não-rima.

7

O ESCRITOR MEMÓRIA

Hoje não vou, que é dia ruim de decisão: o ninho apareceu cheio de ovos, o vaso me presenteou com botões novos, a lua fez alongamentos verdes sobre o mar. Dia de emoção não é dia de ir. Quem sabe amanhã amanhece chovendo e eu fico matemática. (do livro “Chão de Vento”) Minha traição foi rapidamente denunciada pela tecnologia. A internet esbravejou, ensandecida; as redes sociais protestaram: _ Não é da Flora Figueiredo! Realizei que a falta da rima havia confundido meus leitores. Para acalmar os mais exaltados, repliquei: Uma proposta que arrepia-me os pelos e me põe à mostra. Uma proposta que escorre quente como serpente fluida pelas minhas costas. Uma proposta de mel e salitre que por mais que eu evite minha pele gosta. (do livro “Limão Rosa”) Mário Quintana e Paulo Leminski trouxeram-me a referência absoluta do que pode ser feito com ou sem rima. Ousados, concisos, precisos, derramaram maravilhas qualquer que fosse a forma. Como a Poesia sobrevive às tormentas e não se afoga jamais, aviso aos navegantes de que sempre há um mar propício à rima que, vez por outra, nos chega nas ondulações das marés. Leminski (1944-1989), que passou por todos os estilos e experiências e se fez máximo sem se fixar em regra alguma, confirma: de som a som ensino o silêncio a ser sibilino de sino em sino o silêncio do som ensino De observação em observação, de “som a som”, ficou-me a dimensão de que o que vale no rumo do poema é aportar na alma, seja qual for o tipo de embarcação.

Lobato PAULO BOMFIM

Do último encontro com Monteiro Lobato, guardo o “Urupês” com a dedicatória: Ao Paulo Bomfim, lembrando a bela tarde de 24 de junho de 1948. Dia frio, feito de arrepios e de passos apressados. A vida caminhava com mãos nos bolsos e chapéu desabado. Cheguei à Livraria Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga, e subi para o apartamento do escritor. Lá chegando, vou encontrá-lo rodeado de alguns amigos. Edgard Cavalheiro, Fidelino de Figueiredo, Otavianinho Alves de Lima e, se não me falha a memória, Rubens do Amaral. Falava-se de georgismo e da salvação nacional através do imposto único. Lobato quedava-se absorto, distante e friorento, envolto na manta que lhe escondia os pés. Apenas os olhos brilhavam debaixo das grossas sobrancelhas. De vez em quando um suspiro que vinha de longe, provavelmente do Belenzinho, onde o “Minarete” ressurgia do passado para aportar num presente em que resiste até hoje às unhas aguçadas do progresso. Quando o silêncio das primeiras sombras desceu sobre o grupo, pedi a Lobato que me falasse de Ricardo Gonçalves. Parecendo despertar de um sonho, olha-me fixamente e me diz: - Mas por que você está me pedindo para falar dele agora? Senti a sensação de haver cometido a indiscrição de escutar a conversa que mantinha com o amigo morto. A cidade anoitecera. Saímos caminhando pela Barão de Itapetininga. Íamos silenciosos, pressentindo no frio da noite a geada que chegava das “Cidades Mortas”. Poucos dias depois, na madrugada de 4 de julho, Lobato partia ao encontro de Ricardo Gonçalves.

Paulo Bomfim é associado histórico da UBE (portador da carteira número 46). Recebeu o troféu Juca Pato em 1981.


8

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

RESENHA

Um passeio pelo Brasil pelas mãos do inventor FHC

BETTY VIDIGAl

Teria sido uma enorme ousadia por parte da Companhia das Letras manter o evento que lançaria Pensadores que inventaram o Brasil, o novo livro de Fernando Henrique Cardoso, em meio à conturbação que marcou o mês de junho. Nenhum marqueteiro teria imaginado um cenário temporal mais impactante para o lançamento desta análise do pensamento dos que o antecederam na invenção do País. Agendado para o dia 25, o debate entre o presidente e o cientista político José Murilo de Carvalho no auditório do Museu de Arte de São Paulo teria mediação de Lilia Moritz Schwarcz. Às quatro da tarde, o site da editora ainda confirmava o encontro, com recepção para os convidados às seis e meia. Mas, em cima da hora, prudentemente, foi cancelado. Subindo a Rebouças em direção à avenida Paulista, via-se a cidade vazia, com ruas confortavelmente despidas de carros. O medo de tumulto esvazia os espaços públicos, quando um tumulto não foi convocado. A perspectiva da presença de Fernando Henrique atraiu, no entanto, um público que não tinha nenhuma intenção de assistir ao debate. Sob o vão do MASP, um pixel do grande retrato do País: muitos jovens (e algumas avós, mas não vi ‘avôs’) se aglomeravam, com jeito de quem espera a chance de protestar contra algo. Quem se aproximava era convidado a subscrever abaixo-assina-

dos diversos. Havia pessoas com câmeras profissionais apoiadas nos ombros, aparentemente à espera do autor do livro. Representantes da Companhia das Letras entregavam o volume aos convidados, na entrada do museu, com um pedido de desculpas pelo adiamento do debate – não usaram a palavra cancelamento, o que leva a supor que ele ainda se realizará. Dois dias depois, Fernando Henrique tornou-se imortal: foi eleito para a vaga de João

de Scantimburgo na Academia Brasileira de Letras. Não é apenas mais um presidente que aspira à imortalidade (como Getúlio Vargas, que se elegeu para a ABL sem ter escrito nenhum livro). Fernando Henrique suplanta em quantidade de obras o outro presidente acadêmico, José Sarney, que tem vinte e três livros publicados (embora só um deles seja mencionado por seus críticos, que geralmente não o leram, mas confundem a figura do escritor com sua

outra face). FHC é um pensador que orientou, influenciou e influencia outros intelectuais; que formou e continua formando intérpretes da nossa sociedade. Ler esta sua análise do pensamento brasileiro, desde Joaquim Nabuco, é um passeio pelo País, pela criação da nossa identidade. O panteão reunido no livro mostra que cada um dos intelectuais selecionados colaborou para construir o Brasil dos momentos seguintes. Ao ver seus nomes enfeixados, percebemos que esta é uma compilação necessária. Mesmo os brasileiros que jamais os leram têm sua auto-imagem construída a partir da visão que esses homens tiveram da nossa nação (pois não há mulheres na festa do sociólogo Fernando Henrique. Registro essa ausência como mera constatação, sem esperneio. Talvez não tenha havido mesmo nenhuma pensadora digna de constar no elenco do espetáculo da invenção do Brasil. Certamente a ausência feminina é preferível à presença de uma token woman). O livro começa com uma Apresentação assinada pelo autor. Para uma figura pública, é uma opção coerente. Quem estaria à altura de apresentar aos brasileiros os textos do homem que presidiu o País, além de ter sido ministro e senador? É bom que seja ele quem nos conta como selecionou os textos para esta publicação, que reúne prefácios, palestras, ensaios publicados na revista Senhor


AGOSTO, 2013

UBE

O ESCRITOR

9

RESENHA Vogue e uma aula magna. Apenas o texto que fala sobre Raymundo Faoro foi escrito especialmente para o livro. Fernando Henrique fala de sua relação pessoal com cada um dos personagens que dão título aos capítulos, ou com a obra de cada um deles. O tom coloquial se estabelece já nessa apresentação, quando comenta sua convivência com Caio Prado “ao redor do Partidão” ou quando diz que viu de perto “o jeito, mais que o pensamento”, de Gilberto Freyre e Raymundo Faoro. Esse é o espírito das páginas que se seguirão: um bate-papo erudito, mas informal, baseado no substrato das muitas leituras do professor de sociologia que liderou o País por oito anos. Nessa conversa ele é muito mais do que um intermediário do pensamento desses inventores. Quando nos conduz através do século XX, não por caminhos diretos, mas passando por tantas e tão diversas vertentes, FHC é ao mesmo tempo o sociólogo que investiga e o investigador que analisa, buscando nos livros tanto o que seus autores disseram como interpretando pistas que inconscientemente deixaram. Nunca é simples a interpretação do Brasil que surge nesse conjunto. E aqui a palavra simples não está sendo usada como antônimo de complexa, mas de composta. É que nenhum dos autores é focalizado sem que sejam levados em consideração alguns dos seus antecessores e seus contenmporâneos, numa alquimia que aguça a percepção de cada ideário. Quando um pensador analisa outro, não se pode escapar de uma visão combinada de imagens: cada aspecto é enfocado através de uma superposição de vidraças ou lentes cujos índices de refração se somam,

associados ao filtro final – o do próprio leitor. Este, inevitavelmente, ajustará cada ideia à sua percepção. Talvez os protagonistas do evento original, objeto da análise, não se reconhecessem, se lessem hoje sobre o momento que viveram. Ao longo da obra, a densa erudição do autor cria uma tessitura na qual cada afirmação se apóia e com a qual se entremeia, fazendo com que venha temperada de significados. E, no entanto, não é uma erudição pretensiosa, mas cheia de generosidade, em que ele nos oferece o resultado de décadas de estudos, dividindo conosco segredos das suas leituras, pavimentando um caminho para a compreensão do Brasil, entrelaçando informações e conclusões. Evidencia-se, decorrente da longa convivência, a intimidade de FHC com o pensamento de Tocqueville, Holanda Cavalcanti, Tavares Bastos, Max Weber, Roberto DaMatta, Bastide – nomes que tomei a esmo, sem critério de importância, apenas para exemplificar a variedade das referências. A cronologia de obras citadas indica que a mais antiga é de José Bonifácio, de 1829. Talvez por ser paulista, não percebo a influência uspiana que Murilo de Carvalho aponta, no posfácio. Mas concordo inteiramente com ele quando diz que Fernando Henrique “revela a preocupação de buscar conteúdo, e não de detectar métodos e abordagens”. É justamente o que faz do livro uma leitura interessante, mesmo para um leitor leigo na matéria (é o meu caso). Se fosse o inverso, seria dirigido aos sociólogos. Como está, é literatura para todos os que pretendem entender o Brasil. No Epílogo, originalmente uma aula magna no Instituto Rio Branco, o autor se con-

centra em Sergio Buarque, Gilberto Freyre e Caio Prado. Tem-se mesmo a sensação, de que são seus autores preferidos. Apesar de o capítulo sobre Raízes do Brasil ser muito breve, Sergio é citado ao longo de toda a obra. A opção editorial de apresentar imagens em preto e branco das capas dos livros focalizados é também ilustrativa da evolução estética pela qual o Brasil – o mundo – passou. Assim enfeixadas, desenham um século do design gráfico de capas, desde a publicação de Um estadista do império, de Nabuco, até Os donos do poder, de Faoro. A única outra imagem é um fac simile do início do manuscrito de Retrato do Brasil, de Paulo Prado. Há um índice remissivo bem cuidado – qualidade que nem sempre existe nas publicações brasileiras (nossas editoras frequentemente chegam a eliminar o índice, em obras traduzidas). O livro vem com uma cinta que traz na diagonal os nomes dos pensadores que FH selecionou. Além dos já mencionados neste artigo, ali estão Euclides da Cunha, Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado. Uma apresentação visualmente muito bonita, mas incômoda do ponto de visto da utilização do objeto-livro: vem presa por fita adesiva ao verso da orelha, ocultando parte do texto. Que, por isso, jamais lerei na íntegra, já que não pretendo correr o risco de rasgar a capa destacando a bela cinta. Meu lado copidesque se arrepiou com o parágrafo inicial da apresentação, com a repetição de “este” por três vezes, além de “estes”, “nesta”, “destes”... e “estão” – repetições e aliterações evitáveis, contornáveis, substituíveis. Mas foi só mesmo aquele susto inicial. Depois,

a prosa de Fernando Henrique corre fluida e precisa. Sem concessões, sem pedantismo. Eu diria que é “uma aula de Brasil”, se a expressão não fosse tão malhada e se a palavra aula não tivesse hoje a conotação de algo entendiante. O livro é, ao contrário, estimulante. Fernando Henrique Cardoso é associado à UBE. Brindou-nos com um texto para a Antologia que deve ser lançada em novembro. Recebeu, em 1984, nosso troféu Juca Pato. Trechos: “Não existe na formação cultural brasileira essa propensão ao abstrato, ou ao racional, nem o amor às hierarquias. Esse desamor às hierarquias estamentais – que vigiam na Europa, porém não na América –, compensado pela disciplina individual e pela solidariedade grupal de fundo religioso, levou, na América do Norte, à competição capitalista. Entre nós, a inexistência da racionalidade abstrata e do gosto pela disciplina levou ao personalismo.” (pg. 274) “Os próprios bacharéis, [...], ainda que fossem filhos de lavradores, educavam-se nas mesmas escolas que formavam o núcleo do estamento burocrático, as faculdades de direito, de medicina e as escolas militares. Criavam-se todos na mesma cultura patrimonialista, tentados pelo que o visconde do Uruguai chamou de chaga do funcionalismo, que devorava os orçamentos provinciais e os do próprio império.” (pgs. 248-249)

Betty Vidigal é diretora da UBE.


10

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

RESENHAS

A linguagem, o universo e o limite de cada um Marisa Lajolo

O romance A aldeia do silêncio , lançamento recente da Rocco, é um livro impressionante e talvez imprescindível. Parece trilhar caminhos atualmente pouco percorridos na ficção brasileira. E parece também representar uma nova face na já numerosa e variada bela obra de Frei Betto. Dedicado a Marco Lucchesi, tem duas epígrafes: uma do Eclesiastes e outra de Wittgenstein. Mas, vamos com calma: epígrafes habitam o interior do livro . E, como ocorre com qualquer livro, a leitura deste romance começa pela capa. Em prateleiras de livrarias e em sites de vendas, uma bela e sóbria capa antecipa a simplicidade envolvente da história. E, página a página, o enredo vai enredando o leitor nos delicados traços que desenham a paisagem que sobressai na metade inferior da capa. É a partir da tênue linha de montanhas, árvores e pedras, que cada leitor cria suas primeiras expectativas: O que é que este livro que folheio me reserva? Que história ele vai me contar? Logo na abertura, um texto curto intitulado prólogo já começa a responder ao leitor. Nele inicia-se a história propriamente dita, informando que se trata de uma autobiografia. De quem ? De um completo anônimo. Um narrador tão anônimo, que a equipe do hospital onde ele estava internado o chamava de Nemo, palavra latina que significa ninguém. Um caderno, no qual Nemo registrou sua história é o livro que o leitor já começou a ler. A infância de Nemo transcorre na aldeia que figura no título da obra. Na verdade, no entanto, a aldeia da história resume-se a um casebre, onde Nemo vive com a mãe, o avô, uma cadela e um urubu. É pelos olhos e pela voz do menino que o leitor vai sendo envolvido pela narração, que conta de uma vida reduzida ao essencial e que - a partir desse essencial- constrói seu sentido maior e melhor. O avô, com sabedoria de poucas palavras. A mãe, com gestos e olhares de afeto. Basileia e Ubelino, os animais da aldeia. É a voz de Nemo

que, desse quase nada em que vive, tece um quase tudo de beleza, que dá vida a pedras e a plantas, faz ouvir o vento e a chuva. A aldeia é um espaço primordial, em que vivem vidas igualmente primordiais. O que nela se aprende não tem palavras que o expressem. Aos poucos, o olhar do leitor confunde-se com o olhar com que o menino vê a aldeia e, dela, vê o mundo. Lá, a noite é negrura do céu perfurado de cristais (p.49), e de dia o sol onipresenciava-se ( p.35). E é desse espaço onde o ruído é o das folhas da mangueira flautadas pelo vento (p.33) que Nemo vai para uma cidade grande. A quarta capa do livro antecipa para o leitor – aquele leitor que vira e revira o livro na mão antes de se decidir- o encontro de Nemo com a vida urbana, (des)encontro que aguarda o leitor no final do livro: Perguntaram meu nome. Não tenho. Indagaram-me se eu tinha dinheiro. Eu não sabia o que era. (p.177) . Os saberes da aldeia não vigem na cidade. É só já adulto que Nemo aprende a ler e a escrever: o produto da aprendizagem é o caderno que se transforma no romance. Aprendida a leitura e a escrita, Nemo mergulha na nova linguagem, e nela se recompõe. Das veredas da linguagem, envereda pelo silêncio. O silêncio que sobrepairava ao tempo de sua vida na aldeia primordial, onde o avô lhe ensinara rara virtude : a fidelidade ao silêncio ( p. 178). É este silêncio que – já agora para sempre identificado com Nemo – talvez o leitor tivesse deixado passar desapercebido nas epígrafes lá do começo. Nelas, vem do Eclesiaste a ideia de que Há tempo de falar e tempo de calar, e, na sequência, Wittgenstein reforça: o que não se pode falar, deve-se calar . É a partir da tardia aprendizagem da leitura e da escrita, que a reflexão sobre a linguagem reconstrói a aldeia e a cidade, Nemo e o leitor. O narrador é leitor de si mesmo, melhor dizendo, ouvinte e criador de si mesmo, criação que se materializa no caderno, e que alça voo no esforço de desenhar palavras no papel. A voz que narra- narra num tom talvez próximo do que se ima-

gina seja a voz do narrador primordial que, como sugere o filósofo W.Benjamin, porque viaja tem o que contar. A viagem pela qual o livro conduz seus leitores é uma viagem interior. É este mergulho na interioridade, o encontro do individuo com a linguagem, com a sua linguagem - universo e limite de cada um – que o leitor celebra ao ler este belíssimo romance.

Marisa Lajolo é professora de Literatura na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na UNICAMP. Foi conselheira da UBE

Paradoxo entre palavra e silêncio Antonio Carlos Fester

O avô, a filha, o neto – todos inominados – uma cadela e um urubu. Graciliano ? “Arte é decodificar o real. É realçar a beleza do trivial. Ou melhor, a beleza está contida em tudo, faltam olhos para percebê-la”(p.95). Guimarães Rosa ? Certamente Francis Thompson, o poeta inglês católico que o alcoolismo matou nas sarjetas da primeira década do século passado, autor do verso a seguir : “Sois vós, são vossas faces desabituadas, que não sabem ver o múltiplo esplendor”. Fernando Pessoa ?: “Quando se vive centrado no âmago de si mesmo, e descentrado do que se encontra em volta – as pessoas, a natureza, o mistério – experimenta-se uma indescritível fruição. E isso é motivo suficiente para gostar de estar vivo”(p.170). Não, Frei Betto. Thereza D’Ávila?: “Ver o outro antes do que a si mesmo era o pouco de virtude que a ausência de espelho me propiciava” (p.91). Ou João da Cruz: “Guardando-se em seu silêncio, Deus nos entrega à completa liberdade, até mesmo a de negar ou afirmar a sua existência. E o faz não por indiferença, e sim por respeito ao fundamento da nossa capacidade de amar a liberdade. Não há verdadeiro amor sem livre reciprocidade. Se não fôssemos radicalmente livres, Deus não seria Deus”(p.163).

Na vertente de todos estes e outros autores, em Aldeia do Silêncio (RJ: Rocco, 2013, 191 p.), Frei Betto nos desvela o apogeu do sentido do silêncio – enquanto meditação e transcendência -; da palavra – enquanto literatura, enquanto criação e recriação de sentido para a vida -; e do mais profundo de si mesmo – enquanto ser humano abissal, acolhedor de Deus e do diabo na terra dos homens, terra de todos. Como Glauber Rocha, anuncia um novo mundo, apesar das retroescavadeiras das construtoras destruidoras dos frágeis laços de família. A mãe. Que fim levou a mãe ? Uma querida amiga me enviou um e-mail: “Entrei hoje na aldeia, durante meia hora e não queria sair mais. O que é aquilo ? Poesia ? Meditação ? Sabedoria, certamente.” Creio que ela foi ao cerne. Um livro escrito por quem atingiu a sabedoria, resultado de uma vida de lutas, de estudo, de reflexões; de uma vida que atinge a terceira idade, a da síntese, muitas vezes a da sabedoria, dependendo de quem se é e da vida que se vive e viveu. Um livro escrito com as entranhas, literatura pura, a forma cada vez mais apurada e sempre renovada. Enfim, com este romance, Frei Betto atinge mais uma vez, e definitivamente, na minha opinião, por direito e de fato, o patamar dos grandes escritores da literatura brasileira.


11

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

NOTÍCIAS Livro de poesia de Cyro de Mattos é premiado Publicado no ano passado pelas Editions Du Cygne, de Paris, na Coleção Poesia do Mundo, www.editionsaducygne.com, o livro “De tes instants dans le poème”, de Cyro de Mattos, tradução de Pedro Vianna, acaba de conquistar o Prêmio Internacional de Poesia Jean-Paul Mestas, da União Brasileira de Escritores, Seção do Rio de Janeiro. O tradutor do livro para o francês, Pedro Vianna, também foi agraciado com o mesmo prêmio, por sua tradução do livro. As láureas serão entregues aos agraciados em outubro, no Rio de Janeiro, no salão nobre da Academia Brasileira de Letras. A comissão julgadora do prêmio esteve integrada dos escritores Luís Gondim, Stella leonardos e Margarida Finkel. O livro De tes instants dans le poème (De Teus instantes no poema) é uma seleção de poemas extraídos de Vinte Poemas do Rio, Cancioneiro do Cacau, Vinte e Um poemas de Amor, livros publicados, e dos inéditos Agudo Mundo, Rumores de Relva e de Mar e Devoto do Campo.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 82 anos, passa a ocupar a cadeira de número 36, sucedendo ao jornalista João de Scantimburgo, também associado da UBE, morto em março deste ano. É o terceiro presidente da República a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Antes dele, foram acadêmicos Getúlio Vargas e José Sarney.

Presidente da UBE homenageado No dia 25 de julho, Dia Nacional do Escritor, o presidente Joaquim Maria Botelho foi agraciado com o título de acadêmico honorário da Academia Nogueirense de Letras. A entidade congrega escritores das cidades de Artur Nogueira, Cosmópolis, Conchal, Engenheiro Coelho e Holambra. Na ocasião, foi acertada a criação de um núcleo da UBE em Artur Nogueira e região, a ser coordenado pelo associado Camilo Martins. E no dia 26 de julho, a UBE foi representada pelo seu presidente no XXVII Simpósio de História do Vale do Paraíba. Joaquim Maria Botelho participou da mesa redonda “Relações Literatura e História – há teorias?”, mediada pelo professor Nelson Pesciotta, do Instituto de Estudos Valeparaibanos, entidade organizadora do evento. Ricardo Ramos Filho na Flip

A edição de 2013 da Flip – Festa Literária de Paraty – homenageou Graciliano Ramos. Para representar a família do mestre Graça, no evento, foi convidado seu neto, Ricardo Ramos Filho, nosso associado. Ricardo aproveitou para lançar, na Flip, seu primeiro livro destinado ao público adulto (“Montado no Ponteiro Grande do Relógio”), que reúne crônicas curtas postadas na internet, e mais um infantil: “O Cravo Brigou Com a Rosa”. Seu primeiro livro, “O Computador Sentimental”, de 1993, já naquele ano vencia o prêmio Adolfo Aizen de melhor livro juvenil. Sônia Sales vai a China Estudiosa da cultura oriental, foi convidada oficialmente para visitar o país entre 10 e 20 de outubro. Autora, entre outras obras ligadas à cultura oriental, do prefácio do “Dicionário Comparado dos ditos populares, expressões e provérbios brasileiros e chineses”, de Lin Chang Chau e Li Miao Na, nossa associada Sônia Sales também se dedica ao estudo da

porcelana e cerâmica chinesas e iniciou estudos do idioma chinês com Nancy Sun. Por seus numerosos trabalhos sobre a China, acaba de ser convidada pelo Governo da República Popular da China para visitar o país em outubro. Vai integrar uma comitiva de oito brasileiros, que farão excursões por Beinjing (Grande Muralha, Cidade Proibida etc.), Shangai e Shenzhen. Sonia Sales é escritora, poeta, autora de ensaios e livros infantis. Tem 15 livros publicados. É membro titular da Academia Carioca de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Sociedade Eça de Queiroz - Rio, e do PEN Clube do Brasil. Marisa Lajolo no Maranhão Numa iniciativa da pesquisadora Dilercy Adler e do professor Leopoldo G. D. Vaz, que lideram a Comissão Organizadora do Projeto Gonçalves Dias, três cidades maranhenses celebrarão os 190 anos de nascimento do poeta. Marisa Lajolo, que foi conselheira da UBE e é uma das estudiosas da vida de Gonçalves Dias, é uma das convidadas especiais. A extensa programação, que conta com apoio do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, da Federação das Academias de Letras do Maranhão e da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão, abrangerá as cidades de São Luís - capital do Maranhão; Caxias (onde o poeta nasceu a 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá, a 14 léguas da Vila de Caxias); e Guimarães (onde veio a falecer no naufrágio do navio Ville de Boulogne, em 03 de novembro de 1864, próximo à região do Baixo de Atins, na Baía de Cumã).


AGOSTO, 2013

UBE

O ESCRITOR

12

LIVROS (Esta coluna foi integralmente preparada pela estagiária da UBE pelo convênio com o CIEE, Beatriz Esteves)

Os contos da Risonha Quimera – Áriam Grazioli – Editora Scortecci. Nesta coletânea de breves contos, Áriam Grazioli apresenta aos seus leitores as virtudes e os vícios da humanidade, que graças a uma benfazeja quimera, geram ora prêmios ora castigos, conforme sua natureza. Em cada texto a autora define sua visão de um mundo ideal onde prevalece a constante busca da felicidade e da justiça. INTORNO ALLE ORE – Maria de Lourdes Alba - Editora Ila Palma. Este livro de Maria de Lourdes Alba é uma versão para o italiano de poemas selecionados de vários livros da autora. Com o prefácio de Elio Giunta e posfácio de Caio Porfírio Carneiro o livro trata de temas variados: cotidiano, amor, tempo e solidão em versos suaves e carregado de sentimentos. Coleção Diálogos Poéticos – Pedro Pires Bessa – Vermelho Marinho. A coleção de Diálogos Poéticos I, II, III, IV é apenas o início de uma série de outros Diálogos, a sair brevemente, em que Pedro Pires Bessa continuará dialogando poeticamente com muitíssimos outros tópicos dessa imensa obra do Divino Criador. Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves - João Baptista Herkenhoff - GZ Editora. Não se destina apenas a estudantes e profissionais do Direito, mas a um público bem mais amplo. O entrelaçamento do Direito com a Poesia flui do conjunto dos textos, mas nem em todos os capítulos ocorre este entrelaçamento. O vocábulo Poesia não é empregado no sentido restrito, como forma de expressão literária que se distingue da Prosa. O significado é outro: Poesia no sentido lato querendo dizer Sensibilidade. Esculápios da casa de Machado de Assis – Hélio Begliomini – Editora Expressão e arte Enaltecendo a vida, os feitos e as obras dos esculápios da Academia Brasileira de Letras, esta obra tenciona não somen-

te elogiá-los, mas também nobilitar seus confrades e confreiras de sodalício; seus pares de profissão; a querida arte de Hipócrates, assim como o augusto sodalício que os alberga e os irmana. Momentos – Juberlan de Oliveira - CAA EDITORA. O autor trabalha em seus textos uma linguagem poética comprometida com a vida, razão de toda existência de sua poesia, trabalhando as palavras, segue com perspicácia naquilo que podemos sentir em nosso cotidiano, mas que devido ao tempo, aos afazeres e as batalhas do dia a dia, não percebemos a não ser quando outros nos mostram com essa clareza inconfundível. O Homem que sabia a hora de morrer - Adelice Souza – Escrituras Editora e Distribuição Ltda. “Meu avô sabia rezar umas rezas que ninguém mais sabia. Não era rezadeiro nem curandeiro. Rezava para si. Não curava moléstia, nem quebranto, nem mau olhado. Rezava para falar com Deus. E a língua que usava nas rezas vinha dos mais variados lugares. Alguns diziam que, através dessas rezas, o meu avô ficou sabendo o dia de morrer. Um dia, eu pedi que me ensinasse. E ele disse que tudo era invenção do povo, que não sabia que lhe dera saber!” Caminhos do Mapa Literário – Editora Letra & Vida. ‘Ao caminhar pelo mapa da vida, mergulhada na literatura, percebi o significado desta obra. A primeira parte reflete o contexto brasileiro. A segunda parte segue, traçando caminhos no mapa do mundo. Na terceira parte, encontra-se a imaginação com as cores da alma, nos aspectos psicológicos, filosóficos e sociológicos. A ficção contempla contos, crônicas, poemas, haikais e aldravas. O sopro da Paz – Ângelo Augusto Ferreira Grafita. O sopro da paz entende-se como verdade voltada ao acontecer, ao avivamento da paz. O sopro da PA, foge, afasta-se do orgulho no existir pelo número limitador, econômico das páginas. Mensagem viva, econômica da

diagramação das páginas. Mensagem viva, econômica da diagramação e impressão de um trabalho que vai de encontro com a alma e o espírito de cada leitor. Sonhos Urbanos / Urban Dreams - Teatro/ Cinema – Eloi Angelos Ghio Editora Virtual Books. O livro aborda os dilemas da adolescência e a falência das instituições sociais. Trajetória de uma família de classe média brasileira que se perde na medida que incorpora valores equivocados, dando margem a uma decadência sem precedentes de seus entes. Na medida que os jovens deslocam-se do rumo de suas vidas, a reestruturação de sua família será o ponto de partida para o resgate de pais e filhos. A filha do Cardeal – Antônio Menrod – Editora Quártica. Amor e fé, juntos caminham em direção à vida. Assim é A Filha do Cardeal, um texto teatral que se celebra como uma missa de alegria pelo encontro, mas também pela dor de uma decisão que poderia acabar por mutilar uma história e busca, levando ao claustro, um homem que jamais traiu suas convicções. Os Esses de uma vida Da faculdade da vida à Faculdade de Letras – Eduardo Pereira Soares – Editora do Autor. A razão de escrever este livro foi a de dividir recordações da vida com todos os leitores sobre o passado da família P.Soares. Os que não são irmãos de sangue são irmãos em Deus. Por este motivo, certamente, também encontrarão aqui, assuntos pitorescos ou corriqueiros que, talvez os façam viajar ao encontro do passado de suas famílias. Futebol e Ditadura - A história de Nando O primeiro Jogador anistiado do Brasil – Fernando Antunes Coimbra - Centro Cultural Ceará. Irmão de Zico, Antunes (Fluminense) e Edu (América-RJ), Nando viu seu caminho no futebol “barrado pela intransigência do regime militar. Seu crime: ser funcionário da Educação, no antigo PNA. Com o


13

UBE

O ESCRITOR

LIVROS

AGOSTO, 2013

CURTAS

golpe militar de 1964, o PNA foi considerado subversivo e Nando passou a ser perseguido pelos militares, sendo proibido até de jogar futebol. O livro narra sua saga até a sua reintegração ao Ministério da Educação e sua anistia política. Uma obra sobre o Rio da Integração Nacional – Zanoni Neves – Edição do autor. O autor demonstra à sociedade a ligação do Vale do São Francisco com outras regiões. Não é um texto místico, é uma tese universitária absolutamente centrada na realidade dos fatos, na pesquisa do registro documental e oral, dos papéis de arquivos e depoimentos dos personagens e testemunhas do quanto ali foi vivido e acontecido. Belão Belão BlãBão – Wildman dos Santos Cestari – Editora Virtual Books. Um poeta a exemplo do que se observa no poema “Canto do Sertão”, em que o eu lírico, personificado na figura de um cantador popular nordestino, compõe seus versos e canta-os ao povo, buscando conscientizá-lo do estado de deploráveis abandonos. Dedica-se com o afinco, que tal arte exige, na composição de diversas formas poéticas. Passando ainda pelo verso livre e a poesia concreta. Sem fazer da forma uma camisa de força que possa tolher-lhe a criatividade e a liberdade artística. Jornalismo: Antonio Gramsci 2ª Edição – Rubens Bonatelli Moni – Scortecci. Em Jornalismo: Antonio Gramsci, o autor faz um levantamento crítico dos conceitos que permitem analisar o jornal enquanto veículo para construir e divulgar um conjunto de ideias e todas as implicações que decorrem daí, para o bem e para o mal. A vontade de potência – Orlando Sampaio Silva – Chiado Editora. Este é um livro, predominantemente, de testemunho e de memória. Porém, nele, o autor lançou mão da história atingindo o II Império brasileiro, a fim de proceder à reconstru-

ção sociológica das expressões factuais da “vontade de poder” de militares brasileiros desde a origem de suas manifestações. Este livro desvenda o encadeamento de fatos, nos quais são atores militares e aliados civis, em um continuum histórico que se estendeu desde o Século XIX até a instauração da ditadura militar em 1964 e seu percurso de vinte e um anos. Álbuns da Lusitânia – Raquel Naveira – Editorada Alvorada. Em linguagem poética e apresentada em prosa, a narradora revisa um álbum de imagens e recordações de sua família, os Figueira, de origem lusitana. Em cada lembrança, “Álbuns da Lusitânia” traz ao leitor as histórias de outros tempos, da cultura e dos costumes portugueses, retrata a chegada da família lusitana a Mato Grosso do Sul e como ajudou a construir a capital do Estado. No colo de minha mãe – Graça Roriz Fontele – Expressão Gráfica e Editora. Cada linha escrita nesse livro permitiu-me fazer descobertas de valores nos quais minha mãe e seus ascendentes se apoiaram, em tempos difíceis, vencendo adversidades e trazendo sempre na bagagem a fé e a confiança profunda no poder criador do amor, assim como o respeito e atenção aos idoso. Crônicas de Maria Helena – Maria Helena Aguiar Corazza – Editora Desgaspari. Reunião de história, opiniões, fatos e informações úteis, assim como lições de vida e sabedoria de uma mulher que carrega mais experiência e se manteve atualizada diante da enorme transformação do mundo. Essa é a moderna, ousada e inteligente avo Maria Helena. Avó amorosa, protetora e de princípios fortes que serviram de exemplo de perseverança agora para todos. Sale Verde della terra – Caio Porfírio Carneiro – Editora I La Palma. Nova edição em italiano fala sobre o mundo branco e desconhecido do sal no Nordeste, visto de dentro para fora e devassado com uma autenticidade fotográfica, supera de pronto, as frouxas investidas literárias de que se tem notícia na área das salinas e de sua gente

Raquel Naveira tomou posse, no dia 8 de agosto, na Academia Cristã de Letras. Ela passa a ocupar a cadeira de número 7, cujo patrono é Castro Alves, sucedendo a Mário Chamie. Mouzar Benedito acaba de lançar mais um livro da série de bem-humorados contos detetivescos, do seu personagem predileto. O título da novo livro é “O Detetor de mentiras e outras histórias de Ferrer, Bill Ferrer, o detetive heterodoxo”. É o terceiro da coleção. Cyro de Mattos está de viagem marcada para participar do XVI Encontro de Poetas Iberoamericanos, em Salamancana Espanha, nos dias 2 e 3 de outubro. O evento vai homenagear Fray Luis de León. O Mutirão Cultural da UBE está se organizando para lançar a sua coletânea de contos. O evento está previsto para setembro e deve ocorrer na Biblioteca do Memorial da América Latina. Mais informações serão divulgadas em breve, no site da UBE (www.ube.org.br) e por meio de nosso boletim eletrônico. Estão abertas até o dia 11 de outubro o Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2013, promovido pela Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves. O edital, com todas as informações, pode ser consultado no site da UBE (http://www.ube.org.br/noticias-detalhe.asp?ID=799) O associado Edson Gobi tomou posse na Academia de Letras de Goiás e também na Academia de Ciências Letras e Artes de Vitória. Edson tem doze livros escritos, quatro publicados e um prêmio internacional de literatura. Iniciou a carreira literária em 2009, com o lançamento do livro “Itaipu a Grande Conspiração”. Nosso conselheiro Paulo Oliver recebeu alta e passa bem, depois de uma internação de oito dias no Hospital do Coração, em São Paulo.


AGOSTO, 2013

UBE

14

O ESCRITOR

QUEM PERDEMOS

A escritora Tatiana Belinky virou estrela no céu de Sampa

MARIZA BAUR

(para ela tudo dava uma história) Ela costumava dizer que não tinha uma carreira, mas uma “trajetória cheia de aventuras”. Vejam que é pura verdade, a vida de Tatiana Belinky não teve monotonia. Russa de São Petersburgo, nasceu em 1919 e, aos 10 anos, num transatlântico, já chegava, ao Brasil com a família, fugindo das guerras que assolavam a União Soviética. Falava várias línguas russo, alemão, letão, inglês, português. Foi secretária, estudou Filosofia, casou-se, teve dois filhos, trabalhou em adaptações, traduções e criações de peças infantis. Junto com o marido, fez a primeira adaptação de O Sítio do Picapaul Amarelo, de Monteiro Lobato, para a TV Tupi. Trabalhou na TV Cultura. Escreveu artigos, crônicas e críticas sobre literatura infan til no Estadão, na Folha e no Jornal da Tarde. Em 1987, aos 68 anos publicou o primeiro livro infantil: “Limeriques”, pela editora FTD, baseando-se nos limericks irlandeses. A partir daí, Tatiana não parou. Chegou a escrever mais de cem obras infanto-juvenis. Destacam-se, além do livro de estréia, “Coral dos Bichos”, “ “O Grande Rabanete”, “Di-versos russos”, “Limerique das Coisas Boas”. Recebeu muitos prêmios literários, entre eles o Jabuti, em 1989. - Em 2010, tornou-se imortal pela Academia Paulista de Letras. Nos últimos anos, escreveu livros de crônicas e memórias. Disse em entrevista, na década passada, que buscava no cotidiano motivações para

a escrita e que se lembrava de tudo, por isto tinha muitas histórias para contar. À indagação: de onde vem tanta história?, Tatiana respondeu “Elas passam na minha frente e eu pego. Tudo dá uma história”. Ontem, a querida Tatiana, aos 94 anos, virou estrela no céu de São Paulo. Estava doente. Foi velada em sua casa do Pacaembu, onde vivia e trabalhava cercada de

livros, bonecas e bruxas. Nesta tarde, está sendo enterrada no Cemitério Israelita, da Vila Mariana. Vamos sentir sua falta, querida Tatiana. A Literatura infanto-juvenil também. Com essas linhas (após pesquisa em sites na Internet -Revistas Veja e Cult, Blog Café de Outubro e em sua página do facebook) presto a você minha homenagem . Vá em paz! Tatiana Belinky.

Tatiana Das bruxas que conheci és a mais bela olhos de criança cara de boneca varinha de condão vassoura de poeta (Sonia Cintra)

Uma noção da grandeza de Tatiana Belinki Carlos Frydman

Atendendo ao convite do presidente da União Brasileira de Escritores, Joaquim Maria Botelho, fiz um pronunciamento, dentre outros participantes, em homenagem à Tatiana Belinky, em nome da Comissão Diretora do Mutirão Cultural da UBE, no dia 25 de junho. Inicialmente, tenho o prazer de presentear o filho da Tatiana Belinky, Ricardo Belinky Gouveia e sua esposa Fathia, um exemplar do livro “Vanguarda Pedagófica: um legado do “Ginásio Brasileiro Israelita Brasileiro Sholem Aleichem”. O nome foi dado em homenagem a um dos grandes escritores da literatura clássica judaica. Este ginásio tornou-se um referencial do ensino primário e ginasial tornando-se o norteador duma pedagogia moderna das mais avançadas, onde inúmeras professoras e professores solicitaram um estagio neste ginásio, com o objetivo de se atualizar e se embrenhar numa pedagogia de vanguarda. Esse objetivo mobilizou Tatiana Belinky que passou a se dedicar e aprofundar seus conhecimentos relendo

Carlos Frydman conversa, na sede da UBE, com Ricardo Gouveia, nosso associado e filho de Tatiana Belinky; à direita, Fathia, esposa de Ricardo.

autores que embasavam os predicados de tal pedagogia e assim poder colaborar decisivamente. Segundo os autores que produziram o referido livro embasaram-se, fundamentalmente, em Pierre Boiurdieu que produziu um conjunto de análises no âmbito da sociologia da educação, da sociologia e da cultura que influenciou decisivamente algumas gerações de intelectuais, voltados especialmente à pedagogia. Nesse sentido, dentre outros, foram incluídos Louis

Thusser (1918-1990) Filosofo Frances de origem argelina; Anísio Teixeira, (1890-1971) destacado pedagogo e mais outro brasileiro, o renomado Paulo Freire; Anton Macarenco, pedagogo, ucraniano que se dedicou especialmente às crianças órfãs abandonadas, que Tatiana Belink leu e traduziu do russo. Com a colaboração de Tatiana, o corpo docente do Ginásio Sholem Aleichem, após longos debates analíticos, foi condensado um resumo con-


15

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

QUEM PERDEMOS clusivo dos conceitos atuais sobre os objetivos do Ginásio Cholem Aleichem, englobando didática e conhecimentos gerais. A principal idéia conclusiva é, de que a escola não reproduz o macro-sistema, como definia Pierre Bourdieu, nem é braço do Estado, como acreditava Louis Althusser (19181990), Nem das teorias, inclusive dos marxistas que líamos nas décadas de 50 e 60, mas que a escola é, fundamentalmente, o lugar da realização e da experiência cultural de grupos e comunidades particulares a partir de um currículo baseado nas produções cientificas e culturais universais da sociedade humana. É obvio que essa conclusão precisa de um desdobramento para ser aprofundado. Mas por enquanto ficou a sugestão desses objetivos. Na realidade não é possível abrangermos numa saudação, como esta, a grandiosidade holística, isto é: numa abrangência heterogênea e harmoniosa, a imensidade de ensinamentos da Tatiana Berlinky. Mas creio, ser viável se adotarmos três fragmentos de três poetas que, analogicamente, podemos sintonizar a grandeza de Tatiana. Primeiro o fragmento de um dos poemas de Vladimir Maiakovski: “Comigo se fez louca a anatomia, sou todo coração”. De fato, Tatiana era, toda coração. Segundo, do poeta Pablo Neruda, num de seus poemas inspirado na amizade: “Amigo se tens fome, come de meu pão”. Realmente, Tatiana tinha sempre um pão disponível para quem tem fome de saber, de amizade e, fundamentalmente de humanismo. Terceiro, dum outro poeta, também inspirado na amizade: “Eu me somo com os amigos, porque sou na soma deles”, Era realmente a verdade intrínseca de Tatiana. Ela se integrava e era integrada através de sua capacidade de estabelecer uma empatia abrangente, com a felicidade de se tornar amigo dela e de seus amigos. Enfim, é importante proclamar: salve a imensidão do legado cultural, artístico, étivo e humanista de Tatiana. salve a eterna luminosidade de Tatiana Belinky.

Jacob Gorender, ícone da resistência brasileira Com o livro “Marxismo sem Utopia”, o historiador Jacob Gorender foi escolhido, por 329 votos, o Intelectual do Ano de 1999 pela União Brasileira de Escritores. claudio willer

Marxismo sem Utopia, obra que qualificou Jacob Gorender para o prêmio Juca Pato, contém o que seria de esperar do autor de uma sólida contribuição ao estudo da História como O Escravismo Colonial, e do corajoso e indispensável Combate nas Trevas, obra indissociável de sua própria biografia heróica. Neste seu livro mais recente, marxismo sem Utopia, ele impressiona, entre outras razões, pela clareza da crítica ao dogmatismo, ao sectarismo, às modalidades de mecanicismo e determinismo estreito tantas vezes invocadas para justificar erros, retrocessos e arbitrariedades praticadas em nome de leis e princípios da história que, demonstra-o Gorender, repousam em uma concepção finalista, teleológica, impregnada de pensamento utópico a apresentar-se sob a capa da aplicação do método científico. Notoriamente, tivemos, este ano, uma disputa do troféu Juca Pato entre admiradores de candidatos especialmente qualificados, os quais, cada um deles a seu modo, usando o repertório de sua competência, retrataram – e aqui cito um trecho do ganhador do prêmio – “uma ordem mundial em que o paradigma absoluto é o da competitividade no mercado, sem regra e sem lei”, e cujas conseqüências, ainda acompanhando o texto de Gorender, são o crescimento de bolsões da miséria, o aumento da distância

Premiado com o troféu Juca Pato em 1999, o historiador baiano sucumbiu no dia 11 de junho a um quadro infeccioso.

entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos ou atrasados, e o alargamento do fosso tecnológico. Pois bem: esses sessenta proponentes de dois candidatos, trinta de cada um deles, mais as centenas de votantes no concurso, dificilmente corresponderiam a algum núcleo vanguardista ou periférico,

isolado do restante da opinião pública. Mais uma vez, seguindo uma tradição que se inicia com o Juca Pato conferido a Alceu de Amoroso Lima logo após a derrubada da democracia em 1964, representam, isto sim, preocupações da sociedade, ou, ao menos, de seus setores mais esclarecidos.


AGOSTO, 2013

UBE

O ESCRITOR

16

QUEM PERDEMOS A propósito do uso que acabo de fazer desse termo, “setores mais esclarecidos” da sociedade, observo o papel e a função atribuída aos intelectuais nas passagens finais deste livro de Gorender. Não é mais, nem o de coadjuvantes ou, quando muito, linha auxiliar do processo histórico ou do movimento exclusivamente a cargo de uma classe, como o pretendiam os populistas e os deterministas; nem, tampouco o de vanguarda, de quase avatares ou demiurgos dessa lógica da história, a justificar a imposição autoritária de idéias e procedimentos, como também o quiseram, convenientemente, outras tendências. No painel traçado por Gorender, enxerga-se um mundo onde a transformação da sociedade a partir de sua base econômica é, citando-o de novo, “um fim que os próprios homens elaboram, sujeito a se realizar ou não”, uma possibilidade inscrita no horizonte, e não mais o inexorável fim imanente à própria história. Depende, pois, da própria sociedade, e não da realização por ação das leis formuladas sob inspiração do cientificismo. É tarefa de um continuum que vai dos excluídos e marginalizados, passando pelo proletariado clássico, até os setores mais lúcidos da burguesia. Cabe, por isso, aos que Gorender designa como assalariados intelectuais uma participação decisiva nessas transformações possíveis rumo ao que ele mesmo denomina de democracia socialista, consensual e ao mesmo tempo plural. Assim, sua argumentação acaba por apelar àquilo que é distintivo do ser humano, a capacidade de pensar, de refletir criticamente e de agir conforme esse pensamento. Isso não significa uma reinstauração do voluntarismo. Nosso laureado retoma, isso sim, a mesma visão do homem ocupando o centro do mundo, como responsável

por seus atos, e por isso protagonista da história, que em seu contexto e circunstâncias, com graus maiores e menores de viés idealista ou teleológico, já havia sido proposta por pensadores da Renascença, por iluministas e pelos modernos existencialistas, assim recuperando o humanismo em seus fundamentos. Felizmente, não é função do orador na solenidade do Juca Pato promover avanços teóricos e acréscimos significativos ao conhecimento. Cabe-lhe, apenas, e quando muito, conferir relevo a atributos do ganhador do prêmio. Por isso, posso encerrar dizendo que tenho certeza de não haver dito nada de novo, nada que não seja consabido pelos presentes. Em caso contrário, não estariam, não estaríamos todos aqui, nesta homenagem tão justa e tão consagradora, a um intelectual e a tudo o que ele tão brilhantemente representada. Artigo de Claudio Willer, publicado no jornal O Escritor, edição 92/93, de setembro de 2000. Cláudio Willer, poeta e crítico, é diretor da UBE. Era presidente da entidade por ocasião da outorga do Troféu Juca Pato a Jacob Gorender.

Nascido em Salvador, em 1923, Jacob escreveu livros como de “O escravismo colonial” e “Combate nas trevas”, sobre a resistência à ditadura militar. Também trabalhou como jornalista. Foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atuou como professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

Ivan Jun Nakamae - 3986

Gisela Renate Jost de Moraes-1999

Márcus Vinícius de Moraes -2275

Elmínio Pinto Silva - 1941

QUEM GANHAMOS

Maria Lacerda- 3642 Luiz de Almeida -1556 Cloves Geraldo - 4279 (reativado) (reativado)

Eduardo Pereira Soares - 4278

Fernando Antunes Coimbra- 4277

Izabel Eri Camargo - 4276

Juberlan de Oliveira - 4274

Herculano Wagner 4273

João Camilo -4275


17

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

DEPOIMENTO

Manoel de Barros: o encontro, a carta e o filme

RAQUEL NAVEIRA

“Não seria capaz de reconhecer um rouxinol... Será um pássaro roxo? Terá na garganta um sol? Raquel Naveira SABIÁ COM TREVAS IX “O poema é antes de tudo um inutensílio.” Manoel de Barros Aos vinte anos, comecei a publicar meus poemas no jornal Correio do Estado de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Com coragem, entrei na sala do Professor Barbosa, proprietário do jornal, mostrei-lhe alguns poemas datilografados, li-os em voz alta e pedi para que os publicasse. Daquele dia em diante, ininterruptamente, por trinta anos, passei a levar o pão da poesia para o meu povo. Quando publiquei o primeiro livro de poesias, intitulado Via Sacra, dez anos depois, em1981, já havia formado um público leitor. Um dos primeiros poemas que apareceram no jornal foi este “Campestre”: Há um grilo que brilha Agarrado à folha E uma estrela que canta Presa na mata. Há um orvalho que escorre E morre na grama. Há uma rosa que perfuma E penetra na cama. Há pessoas que falam, Ao redor de luzes esparsas, As faces imersas na cor do fogo, Um jogo de cartas... Há louças recostadas na pedra, Plantas amontoadas nas janelas,

Panelas mágicas nas paredes, Estranhos doces em gamelas... Há silêncios que preparam auroras, Preces que desfiam as horas, Medos de bichos e caaporas. Há tanta paz. Tanta paz onde moras. No mesmo dia de sua publicação, recebi o telefonema da professora Glorinha, mestra de Literatura e de vida, informando-me com entusiasmo que o poeta Manoel de Barros lera o poema, gostara muito e vaticinara: “_ Há uma poeta entre nós.” Marcamos então um encontro na sua antiga casa, da rua Rui Barbosa. Lá estava eu, com alguns poemas numa pasta, trêmula, aguardando-o na sala com cadeiras de palhinha. Ele me levou ao escritório, cheio de livros, cadernetas, um quadro de Picasso. Falou que leria os poemas, mas seria duro, cortaria, criticaria, usaria a lima, atingiria com espada os ossos até a medula das palavras. A certa altura da conversa, chorei, chorei muitíssimo, porque a paixão pelo ofício, pela chama azul e vermelha da Poesia me consumia, me queimava. Alguns dias depois, ele me enviou uma carta generosa e paciente, escrita a lápis, com sua letrinha miúda. Guardo essa carta, verdadeiro tratado sobre poética, com imenso carinho. O poeta maduro e sofrido, compartilhando seu conhecimento intuitivo, existencial e de poesia com a jovem aprendiz. Dizia a carta: “Raquel, Conselhos não vou dar. Nem a poetas se dá isso. Poeta é sempre nuvem. Em você subjaz a sensibilidade, o resto você des-

brava. Ou então ela, a poesia, é que a vai desbravar. Achei desiguais seus poemas. Em alguns você consegue a transfiguração da realidade. Cito a “Feira” da qual já falamos. Talvez isso em você depende da maneira de construir o poema. Veja uma coisa. O poema “Árvore Aberta”. Vou lendo, sem me transportar, (você não me tirou em uma imagem qualquer da realidade), vou lendo encarando a árvore como árvore comum. Ao fim é que notei a imagem que transfigura: o poeta é uma árvore aberta! Lido o poema de novo, já com a imagem transfigurando a árvore-comum para poeta-árvore, daí então a poesia se comunicou. Há muita coisa sua com essa feitura. É preciso colocar o leitor desde o primeiro verso, se possível, ou desde a primeira estrofe, dentro da supra-realidade. É preciso que se implante a mágica. E mágica, em poesia, você sabe, é com metáfora que a gente implanta. Ou com música. Sei lá, um mistério desses. Noto ainda que você dá mais importância aos sentimentos do que às palavras. Aos movimentos do coração mais que os da inteligência. Você tem um mundo interior muito bonito e se empolga com ele, esquecendo um pouco o verso, essa unidade rítmica do poema. Sinto que você quer se contar e, muitas vezes, para isso, se derrama quase prosaica. Eu acho que a gente tem obrigação de escolher as palavras, ou, pelo menos, rejeitar algumas que soam feias. Eu acho a palavra Trago muito feia. Eu não a usaria nunca para título. Bem sei que por um casamento certas palavras feias viram bonitas. Assim, desafiaram uma vez o poeta Manuel Bandeira para embelezar a palavra protonotário (feia em si). Pois o poeta arrumou um poema de ritmo tão bonito e amigo

que deu certa aura de simpatia a protonotário. Eu evitaria alguns lugares-comuns como estes: desejos frustrados; reflexos prateados; alegria de viver; sonhos inatingíveis; estéril deserto; etc. Lugar-comum é esclerose da língua. Poeta tem como função descobrir novas relações para as palavras. Exemplo um. Em vez do surrado luar prateado, o poeta Jorge de Lima inventou o luar salobro. Assim, ele renovou a linguagem, salvando o luar da esclerose. Acho melhor, para a poesia, dizer conspícua borboleta do que brejeira borboleta; melhor brejeiro anacoreta do que conspícuo anacoreta. Coisas assim que ensinam a penetrar no reino das palavras. Outra coisa. Elemento construtivo do verso é o ritmo. Verso é mesmo uma construção fônica. Cato em você uma frase: “Onde as graves consequências do que se afirma?” Dentro às vezes de um outro contexto poderia até valer, mas ali me pareceu sem força de verso. Sei que não se pode julgar um verso fora do contexto. Ás vezes sua força vem de outras ideias e outros ritmos que estão para trás. Sei de tudo isso. Sei que o que comanda o ritmo de um verso pode ser até uma imagem ou mesmo uma só palavra. Mas me pareceu esse um verso que está sem o ritmo que o possa tornar poético. Gostei de alguns poemas do livro que achei à altura daquele que me chamou a atenção. O seu mundo interior é fascinante, mas não se empolgue tanto em conta-lo. O fazer poético é que torna o poema durável. Não é seu assunto. Todos os assuntos já foram ditos. Mas eles só ficam na terra se fundados, inventados de novo pela linguagem, transfigurados. Tirei alguns exemplos de versos, palavras, ao acaso, de seu livrinho. Este é um comentário


18

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

DEPOIMENTO carrasco. Poderia também destacar os versos bons, os poemas bons. Fiz uma pequena cruz nos poemas que gosto. Sei que você, com aplicação, com trabalho, penetrando no reino das palavras, dando especial atenção a cada verso- sei que você poderá transformar toda a matéria em boa poesia. Porque são bons, são lindos os sentimentos. Raquel, na verdade eu não gosto da realidade. E quando alguma coisa me joga fora dela, eu gosto. O Cão sem Plumas é nome de um livro de João Cabral, como você sabe. Só o título já nos põe fora da realidade. Entende-se que no mundo do poeta os cães têm plumas; mas ele vai falar de um cão sem plumas que é a sua poesia pelada, rigorosa, sem plumagem de adjetivos. Maiakóvski tem um livro chamado A Nuvem de Calças. Logo o título bota a gente fora da realidade. A nuvem dele é um ente de calças com a cabeça nas nuvens. Acho importante a transfiguração da realidade Um dia inventei um alicate cremoso. Coisa absurda, irreal . Mas trouxe-me uma sensação boa de reconciliação dos meus contrários. As nossas contradições profundas às vezes se reconciliam através de um casamento anômalo entre palavras. Depois, enfim, ninguém sabe nada sobre poesia. Mas é bom conversar sobre ela. Gosto mais das coisas que eu não entendo. Principalmente gosto daquelas que eu entendo de diversas maneiras. A ambiguidade é que abre o poema para todos os desentendimentos. Abraço para você e Ademar, Manoel” Todas essas recordações jorraram aos borbotões na memória, depois de ter assistido ao documentário Só Dez por Cento é Mentira, do cineasta Pedro Cezar. Emocionei-me ao ver as ruas largas de minha cidade, a Avenida do Poeta tingida de pôr-do-sol, as árvores do cerrado em forma de arabescos negros e o casario do Porto de Corumbá, à beira do rio Paraguai, com os muros caiados, cobertos de musgo, que guardam séculos de história e decadência.

Emocionei-me ao ver o poeta se entregando ao cineasta e o cineasta se entregando ao poeta. Uma entrega de amor e fina sintonia. O poeta respondendo às perguntas com brilho de inteligência e humor. O cineasta captando cada detalhe, cada palavra, cada gesto, cada objeto como moldura e base da gênese da poesia. As pessoas que dão seus depoimentos sobre o poeta como Bianca Ramoneda, Viviane Mosé, Abílio de Barros, João de Barros, tornam-se personagens de uma história maior: a magia de conviver com o poeta e sua obra. E há os personagens fictícios que se misturam aos reais, com mais realidade ainda: são duplos, máscaras, alteregos, seres fantásticos, capazes de criar inutensílios e guardar águas como o Poeta. As duas vertentes mais fortes do documentário são: a reflexão sobre arte e a volta à infância. Na arte, a poesia se configura como loucura de palavras, montagem de imagens ilógicas, matéria e poesia retirada do lixo, do monturo, do que a civilização joga fora como inútil. A infância é o lugar marcado pelo êxtase da vida, jogo inocente do que se faz e experimenta. É saudade de um tempo pleno que se renova constantemente em devaneios. É o estado primordial, inaugural, potência e reinvenção. Assim como Drummond, Manoel de Barros é o Menino Antigo. O documentário tem um grand final, uma chave de ouro que fecha, explica, eleva e confirma o universo do Poeta: um desfile dos personagens e suas referências. O professor carioca Nicolino Novello escreveu no seu livro Onde andará Cristiano?(Rio de Janeiro: Senai Artes Gráficas, 2007), no ensaio “Manoel e Raquel: sabiá e rouxinol em concerto”, que eu era o rouxinol e Manoel de Barros, o sabiá. Transcrevo trecho: “Se o sabiá, um pássaro abundante em terras pantaneiras e de um canto característico, parecendo repetitivo como se maturasse seu gorjeio em busca do mais original e poético, cujas várias

nuances consegue ultrapassar a identificação e a beleza com seu ambiente, os diferentes cantos de Manoel de Barros também se nutrem numa demorada troca de substâncias para que a poesia rompa os limites do humano e do verossímil. Por outro lado, como um pássaro agregado ao meio, sempre recolhido e cantando em seu arvoredo, que somente daí se ausenta para cantar o ilimitado da memória, da beleza, do imaginário e do real (assim esse pássaro acabou com a tristeza do imperador da China e da margarida triste), o rouxinol de Raquel Naveira vem completar, ao lado de Manoel de Barros, outras vertentes da riqueza poética em Mato Grosso do Sul.” Sou rouxinol sim, que canta com um sol na garganta. Manoel de Barros é sabiá com trevas. O filme de Pedro Cezar arrastou-me para o nosso habitat de pássaros e poetas: o firmamento azul, o horizonte de nossa terra e de nossas almas. Manoel de Barros empossado Acadêmico da ASL Aconteceu na tarde de terça-feira (25/06) a celebração da posse oficial de Manoel de Barros como Acadêmico Honorário da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras - relevante título que lhe foi conferido recentemente por decisão/votação unânime da ASL. Na ocasião, o ilustre poeta recebeu – da Diretoria da Academia – o Diploma e o tradicional Colar Acadêmico da ASL. O memorável ato acadêmico, que ocorreu em visita solene à residência de Manoel de Barros, foi prestigiado por familiares e membros da Academia. Conforme pauta do especial evento, os acadêmicos Abílio de Barros, Henrique de Medeiros, Rubenio Marcelo e Reginaldo Alves de Araújo usaram a palavra enfatizando a láurea outorgada e a representatividade da cerimônia. Os poetas/acadêmicos Henrique de Medeiros e Rubenio Marcelo saudaram em rápidas palavras o novo acadêmico, destacando as qualidades já por demais conhecidas do homenageado e a rele-

vância do ato para a Academia e para a literatura estadual. O presidente da ASL, Reginaldo Alves de Araújo, efetivou o feito, diplomando e também saudando o agora imortal (pela ASL) Manoel de Barros, que, visivelmente feliz, agradeceu a todos pela Cadeira de Honra que passa a ostentar. Também se pronunciaram na ocasião, de forma concisa, os acadêmicos Geraldo Ramon Pereira e Maria da Glória Sá Rosa. Preparando-se para as comemorações de 42 anos de fundação, a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras – contemplando Manoel de Barros como Acadêmico Honorário do seu quadro – homenageia assim, com justiça, um dos mais aclamados poetas brasileiros contemporâneos, que inclusive foi premiado recentemente pela ABL (Prêmios Literários 2012) na categoria poesias. Nascido em Cuiabá/MT (em 19 de dezembro de 1916), autor de inúmeras obras poéticas e detentor de importantes premiações culturais (dentre as quais, dois Prêmios Jabutis: 1989 e 2002) e incontáveis homenagens, Manoel de Barros começou a publicar seus livros de poemas em 1937 (livro “Poemas Concebidos Sem Pecado”). Sua obra tem sido objeto de teses, ensaios, filmes, peças de teatro e vídeos. Falando sobre o poeta, a escritora e acadêmica Maria da Glória Sá Rosa disse que “definições de poesia existem inúmeras. Nenhuma tão apropriada, tão definitiva como ‘poesia é voar fora da asa’, com que Manoel de Barros nos brinda em ‘O Livro das ignorãças’, publicado em 1993. Até hoje não me lembro de alguém que tenha condensado de forma tão perfeita o mistério, o encantamento, as ilimitadas possibilidades do fazer poético em frase tão reduzida. Principalmente a liberdade de criar e tornar infinitas as coisas mais insignificantes e perecíveis”.

Raquel Naveira membro da Academia SulMato-Grossense de Letras e diretora da UBE.


19

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

EUA - POLÊMICA

Moniz Bandeira alertou sobre espionagem há oito anos Livro que levou o autor a receber o prêmio Intelectual do Ano, da UBE, com o troféu Juca Pato, já denunciava espionagem norte-americana em 2005. DA REDAÇÃO

O livro “Formação do Império Americano”, do historiador e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, atualmente cônsul honorário do Brasil em Heidelberg, Alemanha, revelava em 2005 as operações de espionagem da NSA americana e o projeto secreto Echelon, para interceptação mundial de telecomunicações. O livro, publicado inicialmente pela Editora Civilização Brasileira, foi também publicado na Argentina, em Cuba e na China. Recolhemos trechos do livro, escolhidos pelo próprio Moniz Bandeira(*): “Ao mesmo tempo em que se empenhava em expandir o comércio dos Estados Unidos, por meio de tratados, Clinton recorreu amplamente aos serviços de inteligência para promover os interesses das corporações americanas. Em setembro de 1993, pediu à CIA que espionasse os fabricantes japoneses, que projetavam a fabricação de automóveis com zero-emissão de gás, e transmitiu a informação para a Ford, General Motors e Chrysler. Também ordenou que a NSA e o FBI, em 1993, espionassem a conferência da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), em Seattle, onde aparelhos foram instalados secretamente em todos os quartos do hotel, visando a obter informação relacionada com negócios para a construção no Vietnã, na província de Gia Lai, a hidrelétrica Yaly, com capacidade de produzir

720 megawatt (MW), suprindo 3.68 bilhões de kilowatt-hora (kWh) de eletricidade à potência da rede que servia ao centro do país e às regiões montanhosas. Essa seria a segunda maior hidrelétrica do Vietnã (a maior era a de Hoa Binh, no rio Da). As informações foram passadas para os contribuintes de alto nível do Partido Democrata. A espionagem industrial não apenas prejudicou as companhias estrangeiras. Companhias americanas também. Quando o Vietnã mostrou-se interessado em adquirir dois aviões de carga 737 de um homem de negócios, nos Estados Unidos, o secretário de Comércio, Ronald Brown, informado pelos serviços de inteligência, prejudicou a venda, tratando de conseguir um financiamento favorável para a aquisição de dois aparelhos novos da Boeing. A comunidade de inteligência dedicou-se assim a colaborar mais ativamente com a promoção comercial, que Clinton tratava de impulsionar, com o objetivo de incrementar as exportações dos Estados Unidos. As corporações industriais dedicadas ao desenvolvimento de tecnologia, como Lockheed, Boeing, Loral, TRW, e Raytheon, receberam comumente importantes informações comerciais, interceptadas pelos serviços de inteligência, através do Echelon, sistema de vigilância, altamente informatizado para o processamento de Communication Intelligence (COMINT). Esse sistema tivera inicialmente o objetivo de captar mensagens e comunicações

diplomáticas entre os governos estrangeiros e suas embaixadas e missões no exterior. Com o desenvolvimento da tecnologia, ampliou-se a sua utilização, ao ser usado para interceptar comunicações internacionais via satélite, tais como telefonemas, faxes, mensagens através da Internet, por meio de equipamentos instalados em Elmendorf (Alaska), Yakima (Estado de Washington), Sugar Grove (Virginia ocidental), Porto Rico e Guam (Oceano Pacífico), bem como nas embaixadas e bases aéreas militares.

Bretanha, que em 1948 haviam firmado um pacto secreto, conhecido como UKUSA (UKUSA) – Signals Intelligence (SIGINT), formando um pool para interceptação de mensagens da União Soviética e demais países do Bloco Socialista.

Desde os fins dos anos 60, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico tornouse crescentemente um dos mais importantes objetivos da COMINT, operado pela National Security Agency (NSA), dos Estados Unidos, e pelo Government Communications Headquarters (GCHQ), da Grã-

À UKUSA, a primeira grande aliança de serviços de inteligência em tempo de paz, aderiram, posteriormente, agências de outros países: Communications Security Establishment (CSE), do Canadá, Defense Security Directorate (DSD), da Austrália e do General Communications Security Bureau (GCSB), da Nova Zelândia. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos tentaram várias vezes negar que colaborassem com as corporações industriais, e canalizavam suas informações, através de seus aliados estrangeiros ou de agências, como o Trade Promotion Co-ordinating Committee (TPCC), uma agência intergovernamental criada em 1992 pelo Export Enhancement Act e dirigida pelo Departamento de Comércio, com o objetivo de unificar e coordenar as atividades de exportação e financiamento do governo americano, e desenvolver ampla estratégia visando a desenvolver esses


20

UBE

O ESCRITOR

AGOSTO, 2013

EUA - POLÊMICA (continuação) programas. O Advocacy Center, dentro do TPCC, constituiu o núcleo fundamental da National Export Strategy, elaborada na administração de Clinton, e não restringiu suas atividades a corromper, com propinas, fazer lobby junto aos governos estrangeiros, em favor das companhias americanas. Funcionou junto com o Office of Executive Support (antigo Office of Intelligence Liaison), agência de alta segurança dentro do Departamento de Comércio, integrada por funcionários da CIA, com a mais alta autorização para acesso a segredos e equipamentos de vinculação com os serviços de com o objetivo de acomodar a necessidade de inteligência de caráter econômico e Clinton, pouco depois de inaugurar seu governo, fundara o National Economic Council, para alimentar as corporações americanas com informações captadas pelos serviços de inteligência. Em 1994, o governo de Washington dedicou-se a assegurar advocacia a mais de 70 transações, que envolviam exportações, no valor de mais de US$ 20 bilhões, e criariam mais de 300.000 postos de trabalho nos Estados Unidos. E, segundo os jornalistas Duncan Campbell e Paul Lashmar, NSA, em 1994, não só interceptou faxes e chamadas telefônicas entre o consórcio europeus Airbus e o governo da Arábia Saudita, permitindo ao governo americano intervir em favor da Boeing Co., como a “US intelligence played a decisive role” na concorrência para a montagem do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pelo Brasil, e assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema Echelon, em Sugar Grove. E próprio Ronald Brown, em 6 de Janeiro de 1995, declarou, perante o Committe on Science, da House of Reprsentatives, que a agência intergover-

O livro com o qual Luiz Alberto Moniz Bandeira foi eleito o Intelectual do Ano de 2005 já denunciava vigilância eletrônica feita pelos EUA sobre meios de comunicação de vários países.

(*)Material originalmente publicado no blog Café na Política - http://www.cafenapolitica.com/develop/?p=7412

namental Trade Promotion Co-ordinating Committee havia elaborado, em 1993 a National Export Strategy, que consistia, claramente, em “to help U.S. companies — small, medium and large — realize their full export potential”. E proclamou, “our advocacy, and that of President Clinton, on behalf of U.S. businesses competing for foreign government procurements is beginning to bear fruit”. Nesse mesmo ano, 1995, The New York Timesnoticiou que as estações da NSA e da CIA, em Tókio estavam encarregadas fornecer o detalhadas informações à equipe do USTR Mickey Kantor, para enfrentar os negociadores japoneses, em Genebra, em uma disputa comercial sobre automóveis. E o jornal japonêsMainichi acusou a NSA de monitorar as companhias japoneses, através do ECHELON, a fim de favorecer as companhias americanas.

Outro trecho Em 1994, o governo de Washington dedicou-se a assegurar advocacia a mais de 70 transações, que envolviam exportações, no valor de mais de US$ 20 bilhões, e criariam mais de 300.000 postos de trabalho nos Estados Unidos. E, segundo os jornalistas Duncan Campbell e Paul Lashmar, NSA, em 1994, não sóinterceptou faxes e chamadas telefônicas entre o consórcio europeus Airbus e o governo da Arábia Saudita, permitindo ao governo americano intervir em favor da Boeing Co. , como a “US intelligence played a decisive role” na concorrência para a montagem do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pelo Brasil, e assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema ECHELON, em Sugar Grove. E próprio Ronald Brown, em 6 de Janeiro de 1995, declarou,

perante o Committe on Science, da House of Representatives, que a agência intergovernamental Trade Promotion Co-ordinating Committee havia elaborado, em 1993 a National Export Strategy, que consistia, claramente, em “to help U.S. companies — small, medium and large — realize their full export potential”. E proclamou, “our advocacy, and that of President Clinton, on behalf of U.S. businesses competing for foreign government procurements is beginning to bear fruit”. Nesse mesmo ano, 1995, o New York Times noticiou que as estações da NSA e da CIA, em Tóquio, estavam encarregadas fornecer o detalhadas informações à equipe do USTR Mickey Kantor, para enfrentar os negociadores japoneses, em Genebra, em uma disputa comercial sobre automóveis. E o jornal japonês Mainichi acusou a NSA de monitorar as companhias japoneses, através do Echelon, a fim de favorecer as companhias americanas”.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.