Jornal o escritor 136

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UBE

O ESCRITOR Jornal da União Brasileir de Escritores | Edição 136 - Julho 2014

Adeus , marinheira

Ruth Guimarães com a amiga de juventude, a atriz Ruth de Souza (1949)

O silêncio sela meus lábios... Página 8 e 9

Sonhador

Hoje não sou mais guru de ninguém Página 6 e 7

Ricardo Ramos e Konder

JUCA PATO

Começa a corrida para o Prêmio Intelectual do Ano com dois candidatos na disputa

Página 19 e 20

BIENAL DO LIVRO

UBE marca presença novamente no mais importante evento literário do país

Página 19 e 20


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CONVERSA COM O ESCRITOR

ORA, DIREIS... Ocupo um trecho deste espaço, e rogo dos leitores me concedam essa licença, para lamentar duas perdas. O mês de maio levou Rodolfo Konder, no dia 1º, meu prezado companheiro nas diretorias que tive a honra de encabeçar, conselheiro emérito, colega jornalista, colega escritor, homem de história e de atitudes. Como definiu Audálio Dantas, “foi ele um dos onze jornalistas sequestrados pelos agentes do DOI-Codi, em outubro de 1975, antes que eles deitassem a mão em Vlado Herzog”. O mês de maio levou Ruth Guimarães, no dia 21, minha mais prezada amiga e minha mãe, com quem me foi dado o deleite de conviver, de aprender, de receber mais do que de dar, mulher de força e de atitude, das belas palavras e das doces narrativas. Nas palavras de Jorge Caldeira, “além da pessoa excepcional, perdemos eventualmente um dos últimos elos com nossa ancestral memória oral. Guardarei dela as melhores lembranças, na forma de grandes histórias.”. Louvo esses dois guerreiros, de quem fico órfão. Tomada a bênção dessas duas celebridades, honradas as suas memórias em páginas desta edição, volto-me para o futuro, que é onde devemos estar com os olhos postos. Na direção do que nasce, e não na direção do que morre.

No nosso futuro, está aí a Bienal do Livro de São Paulo, onde a UBE construiu o seu espaço, com o apoio institucional, moral, literário e até financeiro da Academia Paulista de Letras, que veio em nosso socorro para que não ficássemos de fora desse evento. E justamente por causa do esforço que nos custa, nossa participação será especial. O secretáriogeral da UBE, Marcelo Nocelli, será o maestro delegado na organização de saraus, debates, conversas literárias, lançamentos de livros e convivência fraterna de nossos associados com os seus leitores, com os que serão leitores e com os que são ou querem ser amigos do livro. É da lavra de Marcelo Nocelli, também, uma bonita antologia que a UBE programa lançar no período da Bienal, apenas com autores da UBE. Também, no futuro, desenha-se o lançamento de uma robusta coleção de poemas, crônicas e contos (25 autores da UBE em cada volume), que a Global Editora lançará, quase certamente, em novembro. Antes disso, no mês de outubro, saberemos se a nossa indicação ao Prêmio Nobel de Literatura, Luiz Alberto Moniz Bandeira, frutificará. O que já frutificou foi o nosso esforço, ao lado do deputado Newton Lima, e de autores como Fernando Morais, Paulo César Araújo, Audálio Dantas,

Míriam Leitão, Ricardo Kotscho, Alaor Barbosa, vários outros, de impedir que perdurasse o odioso artigo de lei que impedia a publicação de biografias sem autorização do biografado ou dos herdeiros. A decisão final, nas mãos do Senado, respeitará o direito de expressão e o direito à informação. Não se espera nada diferente disso. Frutificou, também, o empenho do nosso conselheiro Durval de Noronha Goyos Jr., competente advogado que, com sua equipe, obteve para a UBE uma vitória especialmente significativa, com o arquivamento da ação que contra nós movia o Ministério da Cultura, junto ao Tribunal de Contas da União, relativa a uma prestação de contas que considerava malfeita. A Primeira Câmara, com relatoria do ministro Benjamin Zymler, decidiu “considerar iliquidáveis as contas, ordenar o seu trancamento e arquivar o processo TC-032.550/2013-8”. Olhar para o futuro é trabalhar para alcançar realizações que auxiliem e incentivem outras pessoas, assim como me foi deixado, por herança, o amor ao que é Justo, ao que é Belo e ao que é Bom. Termino perscrutando o céu, onde espero encontrar a estrela que vai continuar a orientar os meus passos. Joaquim Maria Botelho

EXPEDIENTE | DIRETORIA DA UBE 2014 Jornal O Escritor – edição número 136, Julho de 2014 Publicação de distribuição dirigida para os associados da União Brasileira de Escritores– UBE. Todas as informações podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. ISSN: 1981-1306 Conselho Editorial: Daniel Pereira Helena Bonito Pereira Joaquim Maria Botelho Luís Avelima Marcelo Nocelli Editoração: Leonardo Mathias União Brasileira de Escritores – UBE Rua Rego Freitas, 454 - 12º andar - cj. 121 Diretoria Executiva Presidente: Joaquim Maria Botelho | jmbotelho@uol.com.br

1º Vice-presidente: Ricardo Ramos Filho | rramosfilho@uol.com.br 2ª Vicer-presidente: Helena Bonito Pereira|helena.pereira@mackenzie.br Secretário-geral: Marcelo Nocelli | mnocelli@uol.com.br 1ª secretária: Sueli Carlos|fonosuelicarlos@gmail.com 2º secretário: Roberto Ferrari|roberto@poetadoamor.com.br Tesoureiro-geral: Francisco Moura Campos|fmouracampos@terra.com.br 1º tesoureiro: Djalma Allegro|djalmaallegro@terra.com.br 2º tesoureiro: Nicodemos Sena|nicosena@uol.com.br Assessor da Presidência para Assuntos de Direitos Autorais: Paulo Oliver | adv.poliver@uol.com.br

Durval de Noronha Goyos Jr.|dng@noronhaadvogados.com.br Levi Bucalem Ferrari | leviferrari@uol.com.br Lygia Fagundes Telles | lygiafagundes@uol.com.br Luis Avelima | luisavelima@gmail.com Luiz Alberto Moniz Bandeira | moniz-bandeira@t-online.de Samuel Pinheiro Guimarães|samuelpgn@uol.com.br Rodolfo Konder (emérito) | não opera e-mail

Diretores Departamentais Fabio Lucas | professorfabiolucas@gmail.com Dirce Lorimier | lorimier@uol.com.br Daniel Pereira | daniel07pereira@yahoo.com.br Betty Vidigal | betty@bettyvidigal.com.br José Domingos de Brito | literacria@uol.com.br Antonio de Pádua-Lima | padua-lima@uol.com.br Conselho Consultivo e Fiscal Paulo de Assunção | assuncao@prestonet.com.br Anna Maria Martins | acadsp@terra.com.br Renata Pallottini | rpallott@uol.com.br Audálio Dantas | audalio.dantas@uol.com.br Caio Porfírio Carneiro | administrativo@ube.org.br Cláudio Willer | cjwiller@uol.com.br Thiago Sogayar Bechara | thiagobechara@ig.com.br Carlos Vogt | cvogt@uol.com.br


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UBE NA BIENAL DO LIVRO DE SÃO PAULO 2014 A 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo acontecerá entre 22 e 31 de agosto de 2014 no pavilhão de Exposições do Anhembi. Com uma programação abrangente, o evento mescla literatura com diversão, negócios, gastronomia e cultura. O evento deste ano reunirá editoras, livrarias, distribuidores, associações e espaços culturais. Serão 480 expositores participantes que apresentarão para um público esperado em cerca de 800 mil visitantes seus mais importantes lançamentos em um espaço total de 60 mil m². Entre os expositores, também estaremos nós, a UBE, junto com a Academia Paulista de Letras, em um estande de 60 m² que contará com lançamentos de livros, saraus, palestras e outras apresentações e eventos de nossos associados e parceiros, além do espaço para divulgação da participação da UBE nos mais diversos movimentos literários e culturais e também de nossos autores e seus livros. Segundo a CBL (Câmara Brasileira dos Livros) nos estandes da programação cultural e nos estandes de editoras e associações, mais de 3.000 escritores, brasileiros e estrangeiros, têm presença confirmada no evento. Comprometido com o incentivo à leitura, com o acesso aos bens culturais e ao lazer, o Sesc-SP aceitou o convite para compor a programação cultural principal do evento. Uma extensa programação de eventos, para todas as idades e públicos, preparados pela CBL e pelo Sesc-SP, está sendo planejada para os espaços. O Salão de Ideias contemplará discussões atuais e de amplo interesse, a partir das seguintes frentes: políticas culturais voltadas ao livro e à leitura, educação, tecnologias aplicadas à educação, leitura e aprendizagem, mercado editorial, cultura e literatura brasileiras, política, desenvolvimento econômico e social, artes e cultura. O Espaço Imaginário abrigará área destinada a exposição, atividades lúdicas, oficinas, contação de histórias, interação com conteúdos digitais, entre outras atividades. Com foco no público em idade escolar, as atividades cadores. A Escola do Livro oferecerá um calendário de cursos para os profisserão especialmente preparadas para tratar de temas como leitura, tecnologia e educação. sionais que desenvolvem suas atividades no setor do livro – editores, livreiros, O Anfiteatro realizará programação composta distribuidores, além de abordar temas como livro digital, novas tecnologias por atividades das áreas de música, teatro, ci- de conteúdo e formação de professores e bibliotecários, que são os principais nema, entre outras linguagens artísticas, con- mediadores de leitura. Cozinhando com Palavras, com a curadoria do chef templando diferentes faixas etárias, levando André Boccato, é um espaço dedicado ao setor de livros de gastronomia, onde à Bienal a diversidade da ação programática são desenvolvidas programações que unem comida, literatura e cultura. Trata-se realizada pelo Sesc SP. Quatro unidades de de uma verdadeira gourmet experience, estilo sarau, que já foi realizada, com bibliotecas volantes do programa Biblio Sesc irão compor espaços com empréstimo de livros sucesso, nas duas últimas edições da Bienal Internacional do Livro de São Paulo para consulta local, realização de atividades li- (2010 e 2012), e na Feira do Livro de Frankfurt em 2013. A Arena Cultural gadas ao livro e à leitura e conversas com edu- receberá os escritores best-sellers nacionais e internacionais.


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Programação estande da UBE Localização: Estande N-601 Sexta-feira 22/08

16h – Lançamento do livro “Costelas de Heitor Batalha” de Joaquim M. Botelho 19h – Lançamento do livro “Crônicas da UBE” - Editora Pasavento

Sábado 23/08

10h – Lançamento do livro “Boca Azul” de Cristina Magnaghi 12h – Lançamento do livro “Uma alma a procura de um corpo” de José Carlos Sibila 14h – Sarau dos escritores e poetas da UBE de Ribeirão Preto Lançamento do livro: “Notícias poéticas” 17h – Lançamento do livro “Chuva na minha Seara” de Maria de Lourdes Alba 19h - Lançamento do livro “A rede idiota e outros textos” de Zeca Baleiro

Domingo 24/08

10h – Lançamento do livro “No reino da Birutice” de Maria José Viana 12h – Lançamento dos livros “A mulher e o espelho” e “O conto brasileiro hoje – volume XXVI” de Giselda Penteado Di Guglielmo . 14h – Lançamento dos livros “O diferencial da favela. Poesia quebradas de quebrada” e “Prêmio literário Valdeck Almeida de Jesus 2013” 16h – Sarau Vereda Violeira Lançamento do livro “Como são cativantes os jardins de Berlim” de Decio Zylberzstajn 18h – Lançamento do livro “Um advogado na prisão” de Ricardo Valverde

Segunda-feira 25/08

14h – Lançamento do livro “A palavra mágica” de Teresa Cristina 16h – Apresentação litero-musical e lançamento do livro “O CANTO DAS MUSAS” - Poemas para conhecer, ler, recitar e cantar com Cibele Lopresti. 20h – Encontro com editores: Os editores Marcelo Nocelli e Rennan Martens das Editoras Reformatório e Pasavento receberão autores interessados em apresentar originais e obter informações sobre as possibilidades de publicação e apresentarão seus serviços editoriais em condições especiais aos associados da UBE e demais interessados.

Terça-feira 26/08

14h – Lançamento do livro “Símbolo G em transe” de Cynthia Theodoro 16h – Lançamento do livro “Sombra entre silêncio” de Ernesto Vita

Quarta-feira 27/08

13h – Lançamento do livro “Paisagens Brasileiras de Poesia” de Izabel Eri Dias de Camargo 15h – Sarau do Portal do Poeta Brasileiro e Lançamento dos livros: “Manifesto poético pela paz II” do Portal do Poeta Brasileiro “Corujando no Natal” de Yara Regina “Asas do meu tempo” Alberto Slomp 19h – Lançamento dos livros “Celebrando a vida” de Nilva Ferraro e “Um garoto bom pra cachorro” de Jacira Fagundes

Quinta-feira 28/08

14h – Lançamento do livro “Antologia Ancoras” de Dinah Choichit 16h – Lançamento do livro “Terra, história e amor” de Marizia Cesar 19h – Clube de leitura da APL | Academia Paulista de Letras Com mediação de Mafra Carbonieri e Anna Maria Martins

Sexta-feira 29/08

15h – Lançamento do livro “Poeta de todos os cantos” de Sueli Carlos 17h – Palestra: A importância da preparação de textos na publicação 19h – Lançamento do livro “O passaporte para o inferno – 2 edição” de Luiz Fernando Ortega

Sábado 30/08

10h – Lançamento do livro “tantas palavras 2” coletânea do Núcleo da UBE Araçatuba 14h – Lançamento do livro “coringa do cinema” de Matheus Trunk 16h – Lançamento do livro “era uma vez um padre” de Mariza Baur 18h – Palestra: O fantástico em autores fantásticos” com Marco Aqueiva 19h – EITA SARAU - Encontro Integrado de Todas as Artes

Domingo 31/08

10h – Lançamento do livro “Fluxo-verso” de Mariela Mei 15h – Lançamento do livro “Leon e Rubi” de Marly Rondan Pinto 17h – Lançamento do livro “Literatura e música” de José Domingos Brito


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RODOLFO KONDER, HÓSPEDE DA LIBERDADE

Beatriz H. Ramos Amaral

É na confluência entre a força da ação e as sutilezas e entrelinhas do pensamento que se esculpe o extraordinário legado de Rodolfo Konder (1938-2014), escritor, jornalista, tradutor e professor, que conheci nos anos 1980, quando ingressei na UBE-SP, e de cuja amizade tive o enorme privilégio de desfrutar nas últimas duas décadas. Juntos estivemos em várias gestões da UBE (1996 a 2005 - eu, como Secretária-Geral e Diretora, ele como Conselheiro). Juntos estivemos em inúmeras coletâneas de contos e em diversos ciclos culturais que coordenei em sua profícua gestão como Secretário Municipal de Cultura de São Paulo. A conjugação entre os vários ramos da atividade de Konder constitui rico manancial de conhecimento, merecendo constante revisita. Coexistem neste legado fios caudalosos de vida, uma obra literária reconhecida pela crítica, a carreira jornalística, o ativismo político, a defesa intransigente da liberdade, dos direitos humanos e dos valores democráticos. No plano híbrido fertilizado por vasta cultura e experiência profissional, Rodolfo Konder desenhou uma trajetória inigualável no cenário cultural. Trinta e três livros publicados, entre os quais As Portas do Tempo, Palavras Aladas, Hóspede da Solidão (Prêmio Jabuti de 2001), Labirintos de Pedra, Rastros na Neve, Sombras no Espelho, Cassados e Caçados, As Areias de Ontem, Política e Jornalismo, revelam a habilidade narrativa do contista e cronista na construção de um mosaico (trans)metafórico de memórias. A força narrativa é erigida pela linguagem de altas doses figurativas e, conquanto seus textos estejam predominantemente centrados no relato e na análise de acontecimentos quase sempre verídicos (históricos ou pessoais), instigam reflexões sobre temas relevantes (ética, dignidade e tolerância) e comovem o leitor, com sua teia plurissignificativa de ironias e hipérboles, em hábil jogo estético que caracteriza seu projeto e sua trajetória: um traço que se alterna entre o poético, o político e o profético. Seu texto também se enriquece de camadas de non sense, tons de realismo mágico e constantes referências a Jorge Luiz Borges, uma de suas maiores fontes de inspiração. Caleidoscópicas as paisagens do líder sindical, jornalista, um dos criadores da Anistia Internacional no Brasil (que presidiu, por dez anos), Diretor da Representação da ABI em São Paulo, Editor-Chefe e apresentador do Jornal da TV Cultura, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, entre outros caminhos sempre trilhados em direção à voz da pluralidade. Foi ele o primeiro brasileiro a denunciar o caso Herzog, lançando luzes sobre o lodo de arbitrariedades cometidas naquela triste década de setenta e, com sua audácia e coragem, teve papel fundamental no processo de redemocratização do país. Suas ações combativas lhe custaram a liberdade e dois longos exílios (México e Uruguai, 1964-1965 / e Estados Unidos e Canadá, 1976-1978). O tempo consolidou a trajetória do escritor-jornalista, que jamais cessou

as críticas às injustiças cometidas pelas oligarquias, pelas tiranias, pelas ditaduras. Konder sempre navegou na instabilidade das marés, remando para a frente, no rio-palavra, no riomemória, na expansão do rio-vida. Deixa enorme vácuo em nossa cultura. Que a posteridade o celebre sempre. Beatriz Helena Ramos Amaral

Escritora, poeta, ensaísta São Paulo, 08 de maio de 2014

REGISTRO DE UMA PERDA Ricardo Ramos Filho

A última vez em que estive com o Rodolfo Konder foi em um jantar da UBE no clube Homs, na Av. Paulista. Já faz um bom tempo. Conversamos bastante. Ele me amigos, muitas delas de quando o velho foi Presidente da UBE. Estava alegre, rimos bastante. Acabo de saber de seu falecimento. Gostava dele, fiquei triste. Pena... Na foto os dois juntos. Reproduzo abaixo uma crônica que escreveu.

Ricardo Ramos Filho

contou muitas histórias que envolviam meu pai, eram


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O silêncio de Ricardo Ramos Por Rodolfo Konder

Num ardil de sonhos e palavras, vitórias e amarguras, levaram-no as águas turvas deste rio crepuscular, que nos arrasta para o insondável mergulho. Agora, separado de nós pelas florestas do tempo, em outra noite ainda mais poderosa e abundante do que a nossa, ele nos recoloca no grande anfiteatro, cenário de uma batalha permanente entre o amor e a morte. Vemos em nosso próprio espelho o rosto grave, as mãos translúcidas, a inquietação que nasceu lá atrás na pequena cidade alagoana de Palmeira dos Índios, onde Graciliano e Heloísa ouviam os pássaros e se aqueciam ao sol. Nas ruas que se apagam no passado do Rio de Janeiro, fez-se jornalista,

Ricardo Ramos e Konder

nos emociona. Os gestos, a voz profunda, a fina ironia. O cigarro e o cafezinho. A paixão pelo ofício de escrever. O amor às pessoas. Marise, os filhos, os amigos. O rigor dos caminhos e as bifurcações. O nostálgico ritual dos encontros - e também os desencontros e as agonias.

advogado, publicitário e escritor. Abriu to-

Do outro lado das portas e dos sonhos, Ricardo

das as portas dos anos dourados, publicou

Ramos é, há dez anos, o nosso espelho cansado e o nosso

um livro de contos - “Tempo de Espera” -

desalento. É igualmente o nosso preciso cristal, a face

e se transferiu para São Paulo, trazendo na

oculta do nosso cotidiano, o leito imprevisível de todos

mala “um profundo sentimento brasileiro”.

os rios que convergem em cada um de nós. Ouvimos

(Jorge Amado)

claramente o seu silêncio, que era “o principal segredo

Entre a alvorada e o anoitecer, o contista

do seu estilo” como definiu Tristão de Athayde.

preciso, o ficcionista essencial invadiu dicio-

Traduzido para o inglês, o espanhol, o alemão, o rus-

nários e enciclopédias, antologias e teses

so e o japonês, Ricardo de Medeiros Ramos teve seus

universitárias. Recebeu diversos prêmios,

livros adotados em colégios e seus contos incluídos em

inclusive como romancista. Deu aulas, foi

antologias escolares. Nada disso, porém, significa mais

conferencista, presidiu a União Brasileira

do que a sua permanência, o seu rastro, a pálida cabeça

dos Escritores (UBE) e se tornou membro da

esculpida na memória dos amigos, as tardes de chuva,

Academia Paulista de Letras.

os rumores, o rio interminável e esta efêmera eternida-

Mas é “no divino labirinto dos afetos” como disse Borges - que sua ausência mais

de dos nossos afetos. Ricardo Ramos Filho é vice-presidente da UBE


7 UBE O ESCRITOR Onde você ficou quando o Muro caiu? Julho 2014

Depoimento inédito de Rodolfo Konder a Betty Vidigal. Gravado em 2005, é parte de uma série de entrevistas, todas em resposta à mesma questão Eu me tornei comunista no útero da minha mãe, sob a influência devastadora do meu pai, mas só me liguei ao PCB quando entrei para a Petrobrás, no começo dos anos 60, e me tornei dirigente sindical. Como nos ensinava Heráclito, aquele misterioso cidadão que viveu na Grécia Antiga, não podemos ver as coisas senão como um rio em transformação. A Queda do Muro não foi surpresa para mim, eu já tinha uma visão muito crítica do bloco soviético, mas abalou as convicções do pessoal mais sectário. Os flexíveis não se surpreenderam, víamos que aquilo era uma experiência fracassada. Mas o que veio à tona foi pior do que eu imaginava. Stalin foi responsável por mais mortes que Hitler. O PCB era uma organização moderada, contrária à violência, mas dócil em relação à União Soviética. Alguns amigos meus, como meu querido irmão, Leandro Konder, ficam horrorizados com meu reacionarismo atual. Acham que só o “socialismo real” fracassou, mas não conheço o irreal. Em toda parte a experiência socialista fracassou. Fico chateado comigo mesmo por ter defendido isso durante anos. E paguei um preço alto: fui duas vezes exilado, fui preso, torturado. Fidel Castro era um dos meus heróis. Muitos amigos meus não têm coragem de criticar, quando as evidências mostram que Fidel se tornou um patético ditador que manda fuzilar jovens! Não há liberdade, não se pode criticar nem sair daquela porcaria. A Coreia do Norte é outra ditadurazinha socialista nojenta, onde o poder passa de pai para filho. No meu primeiro exílio, fui para o México. Para voltar, desci pela costa do Pacifico, fui para o Uruguai, atravessei a fronteira clandestinamente com senhas e contrassenhas e cheguei ao Rio de Janeiro. Lá descobri que eu não tinha profissão. Mas, como sabia ler e escrever, me tornei jornalista. Nessa época os jornalistas sabiam ler e escrever... Voltei para a militância, mas com viés de compromisso com a democracia. Achava que o socialismo devia caminhar na direção preconizada pelo Partido Comunista Italiano, que se inspirava no pensamento de Gramsci, essa leitura de que o socialismo só se justifica se for democrático. Não só eu, mas também os intelectuais do partido, Ferreira Gullar, meu irmão Leandro, Carlos Nelson Coutinho, éramos influenciados pelo eurocomunismo. Em 68, eu era chefe de redação da Reuters e editor internacional de um jornal do Rio, O País. Quase fui expulso do PCB, porque escrevi artigos defendendo Alexander Dubcek, da Tchescolováquia, o socialismo de face humana. No segundo exílio, no Canadá, comecei a transferir meus sonhos para os Direitos Humanos. Eu me liguei à Anistia Internacional e fui presidente da seção brasileira durante os anos 80, até entrar para a TV Cultura. Depois do AI-5, em dezembro de 68, eu es-

tava muito visado no Rio. Fugi para São Paulo. Aceitei um convite para trabalhar na revista Realidade e retomei minha militância. Mas, quando o Afeganistão foi ocupado pelas tropas soviéticas, escrevi um artigo violentíssimo contra a invasão e novamente a direção do partido veio em cima de mim. Dessa vez fui oficialmente punido. Eu era membro do Comitê de Imprensa e fui rebaixado a quadro de base, veja que coisa ridícula. É o espírito militar que essas organizações de esquerda têm. Como eu conheço as entranhas da esquerda, não tenho mais ilusões. Karl Marx dizia que precisamos atrelar o nosso arado a uma estrela. Mesmo com o nosso trabalho do dia a dia, temos que perseguir um sonho, que ajuda a gente a manter princípios, a se humanizar. Sem sonhos, estamos nos desumanizando. A morte das velhas ideologias deixou o mundo cinzento. O comunismo era um sonho, mas o caminho para chegar a ele passa pelas definições leninistas. A primeira etapa é a ditadura do proletariado. Pergunto: em algum lugar o ser humano foi capaz de ir além disso? Não. Ficaram nesta etapa, porque ninguém abre mão do poder. Principalmente um poder ditatorial. Essas coisas do Zé Dirceu, isso foi em função do poder: “se dinheiro é poder no capitalismo, vamos arrecadar dinheiro”. Ele é um Comissário do Povo. Conheci vários. Querem ficar trinta anos no poder. O projeto era esse, claro. Abandonaram a ética para garantir o poder, como Fidel. Um sujeito que manda fuzilar quatro jovens, sem processo, porque queriam sair de Cuba, é um filho da puta. As pessoas precisam ter coragem de dizer isso. Fui Comissário do Povo, mas era uma metáfora. Nunca achei que “os fins justificam os meios”. Nunca acreditei que pudéssemos chegar a um regime ético abandonando a ética. Por isso nunca tive um poder maior, tive cargos de direção intermediaria. Fui o primeirosecretário: recrutava pessoas, recolhia dinheiro. E não era ‘caixa dois’. Marcava reuniões, determinava a pauta. Eu era responsável pela estrutura à qual pertencia. Por exemplo, na Petrobrás, eu era da direção do sindicato. Depois, entre os jornalistas, também. O Vlado Herzog entrou no PCB por meu intermédio, ele me pediu, queria entrar. Uma das coisas que aquele episódio me mostrou foi que não sou herói. Escrevi um artigo na Playboy, anos atrás, que começava dizendo: “A vida me ensinou duas coisas que parecem banais mas me custaram muito caro: Papai Noel não existe e homem chora”. Deixei de acreditar na bondade da natureza humana. O ser humano é uma criatura perigosa, temos um lado demoníaco que não podemos ignorar. No século passado, nas guerras, morreram 191 milhões de pessoas. Quando terminou a Segunda Guerra, constatou-se uma bestialidade

tão grande que criaram a ONU, que é um mecanismo de defesa, humanos se protegendo de si mesmos. Hoje não sou mais guru de ninguém, sou uma pessoa desiludida. Os únicos valores nos quais acredito são a Democracia e a Liberdade. Não fiquei um velho ranheta, mas vejo que os jovens vivem aprisionados no agora, não investigam o passado. O dia a dia é o que interessa. Vão ter que encontrar um caminho, novos sonhos, porque se não encontrarem podemos estar caminhando para um novo holocausto. No Brasil temos um mau exemplo, porque Lula se orgulha de ter chegado à presidência da República sem estudar. Ele não tem o hábito da leitura. Vê-se pelas reflexões rasteiras, toscas. Vou entrevistá-lo para a TV Cultura, e a primeira pergunta que pretendo fazer é sobre o sentido da História. Vou obrigá-lo a expor sua indigência. Como George Bush. Já consultei o Pinotti sobre ser um caso raro de anencefalia em que o bebê sobreviveu e chegou à idade adulta. Hitler também era uma criatura tosca, sem preparo. Por que chegou ao poder? Porque a grande Alemanha de Beethoven e Thomas Moore tinha se desumanizado. Bertold Brecht, judeu comunista e alemão, definiu com muita sensibilidade o que aconteceu na Alemanha: “Muito antes de as bombas caírem sobre nossas cidades,/ caminhávamos nas ruas que ainda existiam,/ mas já vivíamos mergulhados na insensatez”. Nessa guerra, morreram 25 milhões de pessoas, na maioria esmagadora homens. As mulheres tiveram que assumir as funções deles, senão seus países entrariam em colapso. No mundo inteiro houve uma mudança radical no papel da mulher. Dialeticamente, esse foi o lado positivo da guerra, mas não a justifica. Tivemos ao longo da História fases mais criativas, mas tivemos grandes civilizações que desapareceram. A nossa não está imune a esse perigo. O que está aí parece sólido, mas “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Visitei as ruínas de Teitchuacán, no México, de uma cultura fantástica da qual não resta nada, visitei as ruínas dos Maias, também uma cultura maravilhosa. O que ficou dos Astecas não é nada; dos Incas, no Peru, também. O continente africano está naufragando. Estamos numa fase de desumanização, violência cada dia maior, destruição do meio ambiente, narcotráfico, lideranças incompetentes. Os problemas se agravam, as desigualdades aumentam. Mas ainda acredito em uma saída. Somos capazes de encontrar novas utopias, que mobilizem os seres humanos? Só tenho dúvidas, mas acredito na possibilidade de que o pessoal jovem encontre as respostas.

Betty Vidigal é diretora da UBE


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Ruth Guimarães

UBE O ESCRITOR

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É Julho

Quando esta crônica for lida, já estarei na chácara, em pleno Vale do Sol. É julho. É julho das noites límpidas, de lua líquida, de céu profundo, de estrelas geladas. É julho e a mangueira se enfolhou de novo e se cobriu de flores. Contra o luar, ela parece solene, grandona, misteriosa. Muito alta, toca as nuvens e as galáxias. Por ela roçam os anjos de asas imensas. De dia, ela perde em espessura, despojada da escuridão e ganha em juventude. Não mais jóias dos astros, na cama de veludo e sombra. Seu toucado é feito de flores e abelhas. Está enfolhada para a festa nupcial, coberta de verde novo, e de pétalas antigas. O vento aí vem, enamorado, soprando manso, nas tardes finas. Ouro velho forra o chão, suntuoso tapete de desenhos inimitáveis. As abelhas voam zumbindo. Na florada da manga o mel é grosso, é forte, cheira bem. Na chácara o sol se levanta cedo. Às sete da manhã já está de fora, gloriosamente, acabando de esfiapar um resto de neblina. E se reclina sobre a mangueira feliz, reverdecida, tonta. Quem o anuncia é a corruíra, que fez um ninho complicado nos ramos do maricá, depois que brigou com a pitangueira.

É julho. Jamais esmaece o verde da grama. Jamais esmaece o verde-oliva das laranjeiras cheirosas. Jamais esfria o raio de sol. Jamais empalidece o azul cobalto do sol. Jamais entristece a cançãozinho clara do Paraíba, murmurante entre as pedras, todo revestido de luz. Mas as bananeiras de tronco roliço e palmas longas soltam grandes cachos, que vão granando e amadurecendo, como se não fosse julho. Mas os limoeiros perfumados têm flores e frutos a um tempo, num desperdício. Mas os sanhaços furam os mamões de casca dourada e polpa doce, macia, escorrendo melado, que os passarinhos desprezam e as vespas aproveitam. Mas as velhas goiabeiras, que já estão meio caducas, não esperam a chuva: as goiabas amadurecem, entre os vivas dos bentevis e a zoeira dos marimbondos. Há muito tempo, eu não ouvia os sinos. Aqui eu ouço os sinos. Ninguém me acredita. Mas é julho, é inverno, os morros vestem a florada roxa do capim-angola, as maitacas voam cedo para o mato, voltam num clamor, às cinco da tarde. Asas de andorinha riscam (é julho) o céu sereno. Elas daqui não se vão. Da última vez que cheguei, foi com o repetido suspiro de alívio que me confiei à sovada cadeira de braços, entre paredes bem precisadas de pintura, coitadas! Havia de novo uma goteira. Deixem-me contar de outro jeito: havia uma nova goteira. Lá estava a mancha. À entrada, o degrau parece que me reconhece, estalou devagarinho, cumprimentando. O espelho também me reconheceu. Diante dele não estava a estranha de outros reflexos. Precisei de andar descalça pela casa toda, pois na sapateira, como de costume, nenhum sapato, nem novo nem velho. Estariam por aí. Depois de vasculhar com uma vassoura, embaixo das camas, encontrei dois pés direitos de chinelo. Qu’importa lá? Aqui sou rainha, sou czar, sou Deus, e como amo esses chinelos doidos! Então não é isso a felicidade?

Depoimentos A casa de minha avó era em Taubaté, como fora a fazenda do meu avô que não cheguei a conhecer. Durante toda minha infância ia passar as férias ali. Assim, minha mitologia particular foi povoada da fala, dos costumes, das histórias e do povo bom do Vale do Paraíba. Quando li pela primeira vez Água Funda, de Ruth Guimarães, voltei àquele tempo que havia preservado na memória como um museu sagrado. Esse era poder de Ruth: falar do caipira e do Homem Eterno ao mesmo tempo. Na sua posse na Academia Paulista de Letras, enquanto ela era saudada e depois agradecia, minha cabeça estava na Taubaté da minha infância. Nunca pude agradecer bastante a Ruth por isso, ela que para nós partiu tão cedo.

do pleito e augurando sucesso a essa inigualável personalidade, que, mais do que eu, merecia ter assento naquele seleto cenáculo. Foi eleita com muita justiça. Quanto a mim, tive nova oportunidade no ano seguinte e acabei eleito com sobra de votos, inclusive o seu. Estará no céu, certamente, a encantar os anjos com seu imenso saber, sua simpatia e seu talento na criação poética, sempre atenta, como o fez em vida, para não trair sua simplicidade e nem a humildade, que sempre a distinguiu.

(Luiz Carlos Lisboa) Cadeira nº 6 da APL

A obra literária de Ruth Guimarães dignifica a cultura brasileira. O percurso da escritora é abordado por críticos exigentes. Haja vista o professor Antonio Candido que fez o prefácio de “Água Funda”, seu primeiro livro. Nós, seus leitores, acompanhamos com interesse a trama de seus textos, a linguagem fluente, o caipirês saboroso, sem exageros. A folclorista debruça-se, entre outras obras, sobre Lendas e Fábulas do Brasil (1972). Dois anos mais tarde, publica O mundo caboclo de Valdomiro Silveira, a quatro mãos com Bernardo Élis. A temática rural do companheiro de ofício move o interesse da intelectual. Os dados biográficos de Ruth Guimarães informam sua valiosa trajetória e estudos, conhecimento, cultura profunda e extensa. Termino este breve depoimento expressando a admiração pela escritora, o privilégio de ter convivido com a amiga e companheira da Academia Paulista de Letras. Ruth Guimarães nos lega obra relevante e ocupa espaço de destaque em nosso panorama cultural.

(Paulo Nathanael) Cadeira nº 12 da APL

A notícia da morte da Ruth foi um vendaval de tristeza que envolveu todos os seus amigos e abriu entre eles uma clareira que dificilmente um dia será preenchida. Tinha o nome de minha mãe e sentava-se ao meu lado, naquelas tardes de 5ª feira, na Academia Paulista de Letras, à mesa do lanche e do café. Sempre tranquila e com aquele sorriso dos que andam de bem com a vida, porque é a longa experiência de existir inteligentemente – tinha 94 anos – que faz os sábios, os santos e os bons. Lembra-me de quando morreu o confrade Odilon Nogueira de Matos, abrindo assim a vaga da cadeira 22 da Academia. Inscrevime à instância de amigos com assento naquela Casa e reunia condições de ser eleito. Eis que já na proximidade das eleições, soube que a Ruth também se inscrevera: amigo seu e leitor de todas as suas obras, conhecendo-a, como conheci, como Jornalista, romancista, autora de livros infantis e, principalmen(Anna Maria Martins) Cadeira nº 7 da APL te, uma antropóloga que cultivou o folclore paulista e Valparaibano nas suas manifestações literárias, musicais, figureiras, poéticas, teatrais e, principalmente, documentais e testemunhais de uma cultura popular rica e imperdível, desisti Ruth partiu ficando para sempre em nossos corações. Sete décadas de amizade concorrer com ela e enviei ofício ao Presidente da Academia, retirando-me de unem nossos caminhos. “Antônio Triste” e “Agua Funda” nasceram juntos


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selando admiração e unindo sonhos. Que as águas do Paraíba abençoem essa saudade. (Paulo Bomfim) Cadeira nº 35 da APL

Ruth Guimarães projetou-se, desde cedo, como personalidade ímpar na Literatura brasileira. Pesquisadora do Folclore desvendou organizadamente um dos pilares da formação da nacionalidade, até então ofuscada pelo preconceito. Ficcionista, levou à criação o cerne de nossa origem. Pedagoga ofertou às crianças os encantos e a massa crítica do mundo maravilhoso. Ciência e Arte, nas suas Letras, viraram entretenimento, descoberta e visão humanitária. Merece ser lida e reverenciada, a poeta e prosadora. Foge do intelectualismo exibicionista, ativa a memória coletiva e louva a luta emancipacionista da mulher. (Fábio Lucas) Cadeira nº 27 da APL

Nossa querida Ruth nos deixa desamparados. Sua voz sobre a cultura popular do Brasil sempre foi ouvida com atenção e respeito. Afinal, era a maior autoridade nesse assunto. A sua doçura sempre foi apreciada por todos nós da Academia, pois era o carinho em pessoa. Ruth Guimarães se foi, mas deixou tudo isso em nossa lembrança. Seremos sempre gratos à sua inteligência, à sua competência e à sua amizade. (José Pastore) Cadeira nº 29 da APL

Ruth Guimarães foi uma personalidade única, que uniu talento e capacidade de luta. Discreta, sem arroubos, fez o que só fazem os grandes escritores: afirmar-se, saindo do silêncio para a permanência eterna. (Renata Pallottini) Cadeira nº 20 da APL

Ruth Guimarães foi uma presença etérea nas letras brasileiras. Genuína, autêntica, de raízes essencialmente brasílicas, encantava todas as idades com a sofisticada sutileza de uma prosa sedutora. Só o tempo fará justiça à sua dimensão como folclorista, ensaísta, contista e mestra da real sapiência de vida. (José Renato Nalini) Cadeira nº 40 da APL

A Ruth era um anjo de ternura. Suas mãos de escritora traziam flores, alegrias e indicavam os caminhos do bem e da felicidade. (Eros Roberto Grau) Cadeira nº 11 da APL

Ruth Guimarães era doce. Poderia não ser, a vida pegou pesado, mas era. Doce e suave, como quem sabe que no final das contas o que vale mesmo é viver bem. Íntegra, corajosa, honesta. Além de tudo inteligente e dona de um senso de humor especial. Ruth foi uma intelectual com características relevantes que dão ao conjunto de sua obra forte consistência. Mas seu grande traço era a doçura. A forma como ouvia e como falava. Ruth foi

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uma lição de vida e uma boa amiga. (Antonio Penteado Mendonça) Presidente da Academia Paulista de Letras - Cadeira nº 32 da APL

Quando entrei para a Academia, a Ruth já a frequentava menos. Contudo, o que mais me impressionava era sua maneira suave de se relacionar. Só a via mais incisiva quando discutia os temas que a agradavam, em especial os relacionados com sua área de publicação. Sua perda, mais uma vez, traz a dimensão de que a morte temporal é nossa parceira de vida; por sua vez, sua obra e sua figura confirmam que a viagem para a outra vida não nos elimina deste mundo. (Raul Cutait) Cadeira nº 30 da APL

Só vim a conhecer pessoalmente Ruth Guimarães aqui na Academia. Como todos eu me encantava com a sua presença serena, seus óculos pareciam críticos, mas seus olhos eliminavam todas as asperezas do mundo. O primeiro texto que li de Ruth, quando eu era jovem, foi uma versão do francês da obra de Dostoievski, Diário de Um Escritor. Admirável o âmbito de interesses de nossa querida colega, desde que explorou, como Valdomiro Silveira, um tipo de linguagem regional. Deixará saudade. Mais do que esse sentimento, deixará um exemplo a ser recordado com respeito. (Mafra Carbonieri) Cadeira nº 26 da APL

A Missão de Ruth

Ruth Guimarães com Cyro dos Anjos e Lygia Fagundes Telles (1946) Ruth Guimarães na casa de Érico Veríssimo, em Porto Alegre (1968) Ruth Guimarães com a amiga de juventude, a atriz Ruth de Souza (1949)

Ruth Guimarães recolheu histórias como quem garimpava ouro, no tempo em que ouro havia. Foi menina arteira, e convivia com as famílias dos peões e colonos da fazenda que o pai administrava, no sul de Minas Gerais. Preferiu sempre a companhia dos mais pobres, dos desvalidos, dos esquecidos. Participou de sua miséria e de seus mistérios. Deles ouviu, com toda a atenção do mundo, os relatos de princesas e príncipes, das espertezas dos caboclos, das andanças de São Pedro pelo mundo, e das aventuras dos animais, do tempo em que os animais falavam. Depois, regalou-se com as histórias contadas pela avó, ao pé da fogueira, nas noites límpidas de Cachoeira Paulista, no estado de São Paulo. A avó traduzia, para a neta menina, as tradições dos índios e dos negros. E Ruth ouviu, muito direitinho. Bem jovem, decidiu recontar essas histórias, segura de que tinha em mãos o tesouro da tradição oral do povo que ela amava. Reuniu num volume os racontos todos de assombração, de duendes e pequenos demônios como o saci, a mula sem cabeça e o lobisomem, e foi procurar o grande mestre Mário de Andrade. Nessa época já era estudante do curso de Letras Clássicas da USP, em São Paulo. Mário de Andrade a recebeu, elogiou, corrigiu e orientou. Mas não chegou a ver o livro pronto, porque morreu em 1948. Ruth preferiu dedicar-se mais às correções sugeridas e lançou, antes, o seu romance “Água Funda”, um drama de amor. O livro fez sucesso instantâneo, e chamou a atenção de Antonio Candido, Nelson Werneck Sodré e Guimarães Rosa, entre outros escritores e críticos que escreveram sobre ele. Em 1950, quando então lançou o livro “Filhos do Medo”, ampla pesquisa folclórica sobre o diabo e todas as manifestações demoníacas no imaginário do homem do Vale do Paraíba, a publicação lhe valeu um verbete na “Enciclópédie Française de la Pléiade”, publicada pela Editora Gallimard, sendo Ruth Guimarães a única escritora latino-americana a receber essa distinção. Foram os primeiros de mais de 50 livros, de contos, pesquisas folclóricas, traduções do francês e do latim, e peças de teatro. Foi professora de língua portuguesa durante 35 anos em colégios estaduais e fa-

culdades. E ainda conseguiu tempo de fazer o curso de Dramaturgia e Crítica Alfredo Mesquita. De produzir reportagens para a Revista Quatro Rodas e Revista do Globo. E escrever, por anos e anos, crônicas nos jornais Folha de S. Paulo e ValeParaibano. E de integrar o Conselho Estadual de Cultura, ao lado de Inezita Barroso. E de promover exposições de manifestações folclóricas. Publicou o primeiro trabalho infantil em 1972, pela Editora Cultrix. Foi o livro Lendas e Fábulas do Brasil, com 24 histórias populares da região Sudeste do Brasil, que recontou deliciosamente. O livro foi reeditado pelo Círculo do Livro em 1989, na coleção Clássicos da Infância. Escreveu outros, como Histórias de onça e Histórias de jabuti, e alguns desses contos estão contemplados nesta coleção. O livro mais recente foi Calidoscópio – a saga de Pedro Malasartes. A pesquisa, que tomou quase uma década, é uma espetacular coletânea de histórias populares (especialmente em cidades dos Estados de São Paulo e Minas Gerais e na região sul-fluminense) sobre esse herói pícaro brasileiro. Em 2008 tornou-se a primeira escritora negra a integrar a Academia Paulista de Letras, tornando-se a imortal da cadeira número 22. Conviveu com escritores da maior importância no Brasil e no mundo, e que dedicaram a ela amizade e admiração: Lygia Fagundes Telles, Antonio Candido, Jorge Amado, Maurício de Sousa, Tatiana Belinky, Osman Lins, Marcos Rey e muitos outros. Ruth é imortal como a senhora que mandou construir uma igreja de pedra – pelos favores dos anjos, viveria tanto quanto durasse a igreja. Mas não posso contar o fim. Você, meu jovem, tem que ler. Histórias como essas vão encantar a sua imaginação. São muitas. E deliciosas. Contadas numa linguagem de avó para os netos, e tão bem que parece que ouvimos o crepitar da madeira na fogueira do quintal. Joaquim Maria Botelho Filho e jornalista


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CIRCUITO UBE

Biografias, primeiras vitórias

Daniel Pereira

Duas semanas depois de a Câmara dos Deputados ter aprovado o projeto de lei 393/2011, que libera a publicação de biografias não autorizadas, a Justiça de Goiânia deu ganho de causa ao nosso associado Alaor Barbosa na ação que ele movia desde 2010 contra a filha do escritor João Guimarães Rosa.

A nova redação do artigo 20 ganhou uma emenda, de autoria do deputado Ronaldo Caiado, que permite ao biografado que se sentir atingido em sua honra, boa fama ou respeitabilidade recorrer ao juizado de pequenas causas e solicitar a exclusão, em edições futuras da obra, de trechos que considerar contestados.

No primeiro caso, o PL 393/2011, de autoria do deputado Newton Lima e agora sendo discutido no Senado, modifica o artigo 20 do Código Civil, que permite aos biografados e seus familiares a proibição das obras. No novo texto, “a ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”.

Feitiço mineiro – O contrário também vale quando o biografado ou parente seu passa dos limites legais. Foi o que aconteceu com a primogênita de Guimarães Rosa, condenada a pagar 30 mil reais ao escritor Alaor Barbosa pelos crimes de calúnia, injúria e difamação. Tudo porque ela contestou o conteúdo do livro “Sinfonia Minas Gerais: A vida e a Literatura de João Guimarães Rosa”, obra em homenagem ao pai dela, publicada em 2008. Ela não só criticou como baixou o nível e ofendeu o escritor goiano em entrevistas à imprensa. Demorou, mas, nesse caso, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Betty Milan no palco

A psicanálise e a literatura já não são suficientes para suprir a criatividade de Betty Milan. Ainda bem: agora ela também é uma AuTORA EM CENA e, nessa seara, estreou levando ao palco do Itaú Cultural, em abril, a peça Consolação, título do livro que ela lançou em 2009. O projeto AuTORES EM CENA, com a curadoria de Marcelino Freire, leva ao palco o texto literário, com o próprio escritor transformado em ator com todos os recursos cênicos teatrais. Na sua estreia, Betty interpreta personagens do seu romance, entre os quais, Oswald e Mário de Andrade. Que outros autores (as) sigam o mesmo caminho.

Parcerias bem-vindas Terminou de escrever seu livro e está com difi- será o de fiscalizar o cumprimento dos contratos culdades para publicá-lo? Veja o que a UBE tem pela editora e pelos associados. a oferecer a seus associados, a partir de duas parOpção 2 cerias que acabam de ser fechadas pela diretoria. A Editora Reformatório e o selo Pasavento ofeSão formatos diferentes, mas interessantes. recem condições especiais de contrato para assoOpção 1 ciados da UBE. A parceria envolve a oferta da Clube dos Escritores LP/UBE – Associados em prestação do serviço completo e profissional de dia com a anuidade são cadastrados na LP-Books edição/publicação, no sistema de divisão de custos Editora. Assinam contrato direto e pagam mensali- editora/autor, englobando os seguintes serviços: dade de R$ 50. Vantagens: - Recebimento e avaliação dos originais - a cada seis mensalidades consecutivas pagas, - Orçamento sem compromisso de acordo com o autor poderá publicar um livro de até 150 páginas, cada projeto gráfico nas características indicadas abaixo: - Contrato de edição com os direitos autorais - a editora providenciará, sem qualquer custo exassegurados ao autor tra ao autor além das mensalidades: capa (4 cores - Revisão e preparação de texto com acabamento brilho em papel cartão 250g), revisão feita por profissional qualificado, diagrama- Projeto gráfico personalizado para cada livro: ção de acordo com as normas da ABNT, registros capa, editoração e diagramação. (ISBN/Biblioteca Nacional e ficha catalográfica), - Impressão e acabamento do livro em papel de miolo em papel branco offset e acabamento hotexcelente qualidade (pólen Soft ou pólen Bold), melt, formato 14x21; capas com orelhas, costura, cola de miolo e corte - publicação do mesmo livro em formato e-book trilateral, formato previamente de acordo com - uma vez impresso o livro, as mensalidades o autor, conforme sua preferência. já pagas serão devolvidas ao autor na forma de - Lançamento do livro em grandes livrarias ou cota-livros. locais apropriados. Em caso de livros fora das especificações men- Distribuição e vendas nas grandes redes e licionadas, o autor deverá ajustar as condições com vrarias, além dos pontos de venda da editora, sites a editora. O acordo prevê que cada autor cadase lojas virtuais. trado no Clube de Escritores LP/UBE terá direito Como diferencial e vantagens aos associados da a publicar um livro a cada seis meses de contribuiUBE, a editora oferece a possibilidade de parceção, nas mesmas condições citadas. lamentos dos serviços (da parte que cabe ao autor) A contrapartida que a LP-Books solicita é que em até 10 vezes iguais. o autor adquira, do livro publicado, um lote mínimo Os associados interessados receberão orçamento de 50 exemplares, com 50% de desconto sobre o prepara aprovação após o envio do original e antes do ço de capa – preço que ficará limitado a R$ 30,00 o exemplar, nas características acima mencionadas. fechamento do contrato. Mais informações pelo e-mail secretaria@ube.org. E atenção! O projeto só será viável se houver um número mínimo de participantes. O papel da UBE br ou pelo telefone (11) 3237 4462.


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QUEM GANHAMOS

Decio Zylbersztajn

Ívor Barretti

Luiz Alves

QUEM PERDEMOS

Luzia Roman

Matheus Diniz

Nathália Travaglia

HOMENAGENS

Tomaz Gomes Campelo Tomaz Gomes Campelo, desembargador aposentado, falecido em 14 de abril de 2014, era o presidente da UBE/Piauí. Também era secretário da Academia de Letras da Região de Sete Cidades (ALRESC), que tem sede em Fortaleza, Ceará.

Aproveitando a reunião de um grande grupo de pessoas (15 de abril de 2014) que prestigiava o lançamento de antologia lançada pela RG Editores na sede da UBE, Caio Porfírio Carneiro foi homenageado com um diploma em pergaminho.

Bahia também apoia indicação de Moniz Bandeira A Academia de Letras da Bahia encaminhou ofício assinado pelo seu presidente, Aramis Ribeiro Costa, anunciando que, por decisão unânime de seus 24 acadêmicos, foi aprovada Moção de Apoio ao nome do diplomata Luiz Alberto Moniz Bandeira para concorrer como representante do Brasil ao Prêmio Nobel de Literatura da 2014. A iniciativa original da indicação de Moniz Bandeira partiu da União Brasileira de Escritores, em associação com a Academia Mineira de Letras.

Dia do Escritor de Ribeirão Preto Foi criado o Dia do Escritor de Ribeirão Preto graças a um dos componentes da UBE, Nelson Jacintho, presidente da Academia Ribeirãopretana de Letras e Fundador do Grupo de Médicos Escritores e Amigos Dr. Carlos Roberto Caliento A Câmara Municipal votou o Projeto apresentado pelo vereador Cícero Gomes e a Prefeita Municipal Darcy Vera o promulgou. O Dia do Escritor de Ribeirão Preto será na primeira quarta-feira do mês de julho. Todos os anos esse dia será comemorado com grande entusiasmo pelos escritores e amantes da escrita e da leitura da grande cidade. Mais uma vez, Ribeirão Preto, a Capital da Cultura, está de parabéns. As conquistas literárias crescem a cada dia em nossa grande cidade. (por Nelson Jacintho, membro do Núcleo da UBE- Ribeirão Preto)

Por ocasião do almoço de confraternização realizado no dia 7 de junho, Eunice Arruda recebeu diploma em pergaminho com os seguintes dizeres: “Em homenagem aos 54 anos de fidelidade como associada à nossa entidade, e em agradecimento à sua produção poética, de primeira qualidade”.


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Memória Indispensável Levi Bucalem Ferrari frentaram o rigoroso inverno europeu, usando roupas de brim - “brinzinho”, na afirmação de um dos depoentes entrevistados por Noronha em temperaturas nunca imaginadas pela maioria de nossos soldados. O livro traz antes uma extensa análise histórico–estrutural e das conjunturas econômicas, sociais e políticas que levaram países europeus a optarem por formas de governo totalitárias rompendo a linha evolutiva que, desde as revoluções anti-absolutistas do século XIX levavam a crer que o mundo caminharia numa linha reta em direção a repúblicas democráticas. De um lado, as monarquias parlamentaristas, como na Inglaterra e nos países nórdicos, p. ex. e, e de outro, o autoritarismo ultraconservador que empolgaram Portugal e Espanha, viriam desmentir essa teoria “evolutiva” deduzida do Iluminismo e transformada em crença pelo Positivismo. Se aumentarmos o escopo, teríamos que incluir o milenar militarismo japonês, e as “saladas de frutas” constituídas por “democracias” conservadoras e autoritárias na periferia da Europa e países da América, bem como nas colônias africanas e asiáticas, onde soberanos de fachada, tentavam camuflar a exploração pelas potências de matérias primas, recursos naturais e mão e obra barata senão escrava, constituindo capítulos que envergonham a história do mundo ocidental.

Durval de Noronha Jr. em “A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália’ (Cultura Acadêmica, São Paulo, 2013), opera mais um vigoroso trabalho de pesquisa e interpretação históricas. O autor já publicou 45 livros e centenas de artigos sobre direito, relações internacionais e comerciais, bem como sobre questões econômicas, sociais e políticas, todos muito bem escritos e estruturados sobre pesquisas sérias que dão conta dos temas com densidade e originalidade. Noronha, para nossa honra, é associado bastante ativo da UBE – União Brasileira de Escritores e membro de seu Conselho Deliberativo e Fiscal. Neste livro, o autor se debruça sobre as vicissitudes que levaram o Brasil a engajar-se através de sua memorável FEB – Força Expedicionária Brasileira, composta de membros efetivos de nossas Forças Armadas e significativo contingente de voluntários, a atuar diretamente num dos principais cenários da Segunda Guerra Mundial em solo italiano. A obra inclui as causas, mobilizações, desempenho bélico e conseqüências desta arrojada aventura que nos custou milhares de vidas e um número ainda maior de feridos e traumatizados. Mas que, por outro lado, do ponto de vista bélico e até social, foi mais efetiva do que imaginavam os ditadores Benito Mussolini, da Itália e Adolf Hitler, da Alemanha. O heroísmo e a eficácia de nossos soldados também superaram em muito as expectativas dos demais aliados e de muitos brasileiros. A FEB foi bastante além dos objetivos determinados pelo V Exército dos EUA, ao qual esteve vinculada. Nossos soldados realizaram número bem maior de missões das mais difíceis. Os aviadores p. ex. arriscaram suas vidas em vôos rasantes – únicos possíveis à época – expondo-se à poderosa bateria antiaérea alemã. Mesmo assim, realizaram mais missões do que o que lhes fora determinado. Os soldados em terra não deixaram por menos. E a comprovação está nas medalhas e honrarias que alguns deles receberam, tanto de nosso Comando quanto do Comando do Exército Americano. Os brasileiros, vindos de todos os recantos do país, como determinara o então ditador Getúlio Vargas, tiveram treinamento insuficiente e com armas obsoletas, diferentes das que usariam no campo de batalha estas fornecidas pelos americanos. Acostumados ao clima tropical en-

Mas, o que não se poderia imaginar, o que realmente extasiou a todos e se constituiu em desafio até para afinados analistas, foram: o inesperado expansionismo japonês numa Ásia desfigurada pelo colonialismo europeu; e, mais ainda, os regimes “totalitários”, novidades e aberrações históricas em pleno centro da civilização ocidental. Itália e Alemanha, países unificados tardiamente e impedidos de progredir pelo controle marítimo e comercial exercido pela Inglaterra, e pela hegemonia inglesa e francesa nas colônias da África, Ásia e Oriente Médio, sentiram-se compelidas a buscar o “espaço vital” tido como necessário ao escoamento de seus produtos. Há diferenças importantes entre o que ocorreu na Itália e na Alemanha, mas isso fica para o leitor que encontrará no livro as explicações cabíveis. O que julgo necessário é a distinção entre autoritarismo e totalitarismo. O primeiro existe desde que o mundo é mundo, e se baseia principalmente na tradição. Já o segundo traz uma ideologia aparentemente nova e oposta às conquistas da civilização. Ambos desrespeitam as instituições e os direitos humanos, mas enquanto o autoritarismo desmobiliza (basta obedecer), o totalitarismo é exacerbadamente mobilizador (quem não está com o guia, está contra a pátria). Em outras palavras, no primeiro, o opositor teme a polícia; no segundo, teme ainda o vizinho, o parente, a comunidade. Pode temer, como denunciou o dramaturgo Bertold Brecht, o próprio filho (Terror e miséria no III Reich). Haveria ainda muito a dizer sobre este portentoso trabalho de Noronha, principalmente para um Brasil que, não raro, tem sua auto-estima rebaixada pelas potências que nos querem submissos em política externa e incompetentes para a busca da soberania e do desenvolvimento com justiça social. Levi Bucalem Ferrari é presidente do Conselho da UBE.


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Lançamentos A crônica de Pedro Pires Bessa revela interseções certeiras entre o social e o estético, revela tensões e negociações, transforma perspectivas sociológicas e historiográficas em linguagem cotidiana e acessível. Pedro escreve para ser lido. Crônicas Literárias III Pedro Pires Bessa Ibis Libris

A Beleza está na alma das coisas e das palavras, que, como elemento preciso, fazem aflorar os dons do es p í r i to e d o co r a çã o. O mundo da Poesia tem seus limites próprios e, às vezes, os ultrapassa; nele a palavra e a imagem mítica provocam o aparecimento do puro espírito, auto-revelação de caráter universal. Que se possa Quatro Estações Mais Uma | Elizabeth Rennó descobrir a Beleza em Aldrava Letras e Artes Quatro Estações Mais Uma.

Proibido seduz e alucina, Marcella (Nut), jovem estudante de comportamento com característica sublime, entrega-se com o coração aberto há um amor que despontaria como surreal. O romance “Isto não é permitido”, está calcado na emoção mais forte que o humano Isto Não é Permitido carrega de forma inerente Enquanto a chuva Nathália Travaglia a sua reação: o amor. não passa GM Gráfica e Editora Paulo Moriassu Hijo

Por causa de uma mudança brusca do tempo, um senhor de idade foi forçado a se juntar a um grupo de jovens em um lugar de pouca claridade. No abrigo, evitaram o céu carregado de nuvens escuras, que logo trouxe uma tempestade, seguida de um forte vendaval. Foi a deixa que a Natureza deu a eles para que pudessem conversar.

Esse é o quarto livro que enfeixa artigos escritos pelo autor para Mercado Comum. Também como nas obras já dadas ao público, porém, desta feita, o autor se esmerou ainda mais na apresentação, sintonizado com as obras (esculturas) de Dan Fialdini.

O L iv r o “ I m a g i n a n d o Sei Lá o Quê”, mostra-se uma profunda obra prima que levanta profundas inquietações acerca da existência humana. Matheus Diniz é um Jovem Escritor e Poeta que alonga indag ações e conf litos que pairam num mundo conflituoso.

Da Arqueologia da Dúvida à Aurora da Verdade Ensaios Convergentes Jayme Vita Roso

Ziraldo e o livro para crianças e jovens (...) Vânia Maria Resende Editora Paulinas

Mundo Apartado: A “Primavera” Enéas Athanázio Editora Minarete

Antologia Literária Nova Literatura Brasileira Litteris Editora

Imaginando Sei lá, o quê Matheus Diniz

A obra se aprofunda nas interfaces sígnicas, e dedica-se especialmente à análise da natureza peculiar da literatura infantil de Ziraldo, cuja concepção inaugural com Flicts (1969) abre perspectivas inovadoras à produção editorial brasileira contemporânea. O texto realiza o aprofundamento em três dimensões indissociáveis de Flicts: Crônicas e Contos do Ribeirão (...) a simbólica, a intertextual Joaquim Cavalcanti de e a original. Oliveira Lima Neto|Edicon

Os Brabos Cyro de Mattos Ler Editora

O livro fala do amor que o autor sente por São Paulo de todas as formas e matizes. Fala também do lugar que ele mais adora: o Jardim Nazaré, onde iria plantar na Chácara das Flores diversas cerejeiras, quaresmeiras e ipês roxos, faria um orquidário e criaria beija-flores. Iria limpar todo o Ribeirão do Lajeado e plantar árvores lindas, em todo o seu caminho e colocar peixes de todas as cores para deixá-lo sem igual.

Palavras Contadas Luiz Alves Editora Multifoco

A ficção que dá título à coletânea Os Brabos tem nas estruturas da fala e nas deformações vocabulares representativas da gente rural marcas da presença do homem telúrico. O drama tem lugar no personagem, no homem rústico, quase animal, o qual, refletido no seu espaço interior evidencia o primitivismo e o espírito de sobrevivência diante da violência selvagem.

Esta coletânea reúne oito contos relacionados à célebre “Fazenda Primavera”. Alguns são inéditos, outros foram publicados em lugares diferentes. Aqui aparecem personagens recorrentes na ficção do Autor, como Janary Messias e Nhô Marco. O conjunto dá à leitura o sabor de uma novela ou de pequeno romance.

Nova Literatura Brasileira, a palavra diz e sinaliza mudanças, uma renovação plena de autores com ideias fervilhantes, com uma vontade imensa de dizer, de ousar, de marcar presença. Este livro é assim, uma marca registrada de um novo tempo, numa busca pelo novo, o original, sem a preocupação de recriar nada, mas tão somente de registrar momentos dos seus artistas. Seleção de dezessete contos que, em sua maioria, retratam o cotidiano e as questões comportamentais de personagens impregnadas de sensibilidade, quer seja em uma grande metrópole, quer seja em um pequeno vilarejo. Os contos não seguem propriamente um estilo único, mas exploram diferentes estilos, cenários e situações.


UBE O ESCRITOR O acordo ortográfico e o peido-mestre 14

Julho 2014

Por Mouzar Benedito

Nos tempos anteriores ao euro, quando o dinheiro de Portugal ainda era o escudo, eu estava na cidade do Porto num início de janeiro, um dia frio, e resolvi comprar meias de lã, porque mesmo com botina ferrada meus pés estavam gelados. E me lembrei: meia, em Portugal é peúga. Fui a uma loja, vi umas meias na vitrine e me interessei por uma que custava duzentos escudos o par. Pedi ao vendedor, ele me perguntou se eu queria peúgas de lã, eu confirmei e ele me mostrou escrito pequenininho que aquelas tinham só 50% de lã. Mostrou outra de lã pura e disse: – Estas custam cem escudos o par. Então, com o dinheiro que gastaria com um par misto dá para comprar dois pares de pura lã – aconteceu outras vezes de comerciantes de lá terem esse comportamento completamente diferente dos daqui, que tentam te empurrar as coisas mais caras. Comprei, sorrindo. E se eu fosse comprar também um cachecol teria que pedir um cachenê. Mas não estava engóvio, quer dizer, morto de frio. Por que me lembro disso agora? É que remexendo nos meus livros que ficam “escondidos” numa estante, atrás de outros, achei o Dicionário Contrastivo Luso-Brasileir o, de Mauro Villar, que nem lembrava que tinha. Segundo o autor, ele resolveu fazer esse dicionário em 1977, quando foi morar em Lisboa. Ele pediu à empregada portuguesa que deixasse uns legumes na pia e ela os colocou em cima da tampa do vaso sanitário. São manjadas algumas palavras que têm sentido completamente diferente no português de Portugal em relação ao do Brasil. Basta lembrar que menino lá é puto, cafezinho é bica, fila é bicha e dar descarga é carregar no autoclismo. Bom, o malfadado acordo ortográfico que veio para “unificar” a língua portuguesa nos

Por Marcelo Nocelli

países lusófonos unifica mesmo? Antes de entrar no assunto, lembro que foi um meio de jogar muito dinheiro fora, beneficiando, por exemplo, editoras de dicionários. Quantos milhões de dicionários perderam o sentido com esse acordo que entre outras barbaridades acabou com o trema? E não é só isso. Pedagogos dizem que a existência de livros com grafia “antiga” nas bibliotecas escolares confunde os estudantes. Ele aprende a escrever de um jeito e os livros mostram de outro. Então, todos aqueles livros viram papel velho. Tem que repor tudo! Com tanta falta de bibliotecas no Brasil, nos damos esse luxo. Quer dizer, nos damos, não. Os burocratas da língua deram. E o governo Lula não barrou essa trolha. Bom, agora vamos lá, misturar um pouco das nossas palavras e expressões com as que os portugueses usam. Usando um verbo brasileiro, traçar, que tem vários sentidos, conto que num único pôr-do-sol, tracei duas Angélicas. Acha que é contar papo? Pôr-do-sol lá é coquetel e Angélica é uma bebida feita com mosto, bagaceira e açúcar. Foi o início de uma berzundela, quer dizer, bebedeira. E vou contar uma coisinha, usando algumas das nossas palavras intercaladas com outras usadas por portugueses: fui a um estaminé, onde, numa cavaqueira com um abébia enquanto tomava pomada e água com picos, ele me disse que gostaria de ir a Glásgua e a Lípsia. Parti para a boa-vai-ela e disse que ele não ia porque era um forreta. Traduzindo: fui a uma venda onde, num bate-papo com um sujeito enquanto tomava vinho bom e água mineral com gás, ele me disse que gostaria de ir a Glasgow e a Leipzig. Parti para a galhofa e disse que ele não ia porque era um pão-duro. E essa outra? Veja: um imporém marialva e chalupa, metido a engatatão e ceboleiro, viu

uma pêssega de belas catarinas e bimbas e mandou um gandaio, convidou-a para ir atrás de uma machoqueira. Ela teve um vagagaio, ele disse que era ninice. Foi um pesqueiro. Ela deu uma pera no aldrabão e chamou sua malta, que deu uma tareia no pandilha galifão. Entendeu? É simples: um magricela machista e pinel, metido a paquerador e bolinador, viu uma mulher boazuda, de belos seios e nádegas e deu-lhe uma cantada, convidou-a parar atrás de uma moita. Ela teve um chilique, ele disse que era frescura. Foi uma confusão. Ela deu um murro no canalha e chamou sua turma, que deu uma surra no sem-vergonha mau-elemento. Bom, chega de historinhas, mas vamos lembrar mais algumas expressões portuguesas. Treco-lareco é conversa fiada; giraldinha é farra; moita-carrasco é bico calado; Pôr-se a fancos é ficar atento; trunfa é cabeleira, cabelo despenteado; marosca é trapaça e marreco é velho caduco. Almeida é empregado da limpeza pública, gari; fazer um manguito é dar uma banana, e uma cegada de morte é uma baita confusão. Ah, e se alguém perguntar se você quer um martírio ou um dióspero, não se irrite. Martírio é maracujá e dióspero é caqui. A coisa vai longe. Vamos parar por aqui, avisando que se lhe contarem que alguém deu o peido-mestre, não significa que ele seja um pindérico, quer dizer, nojento. Peido-mestre é a morte, e dar o peido-mestre é morrer. *(Publicado originalmente no Blog da Boitempo blogdaboitempo.com.br/2012/12/04/o-acordoortografico-e-o-peido-mestre/ )

Mouzar Benedito é jornalista e escritor.

LIVRO NÃO É CARO

Há algumas semanas, recebi um e-mail de uma jornalista de Brasília, perguntando qual a posição da UBE – União Brasileira de Escritores, em relação aos altos preços dos livros no Brasil e a nossa opinião sobre a falta do hábito da leitura entre os brasileiros devido a esses preços elevados. Segue minha resposta: A UBE é uma associação de escritores brasileiros (com mais de 3.500 associados) que tem como principal objetivo discutir políticas culturais que atendam os interesses destes associados, assim como defender esses interesses em todas as manifestações literárias. Acredito que, dentre tantos escritores, as opiniões a respeito divergem bastante sobre o assunto e, ao menos, durante esta gestão vigente, da qual participo, é algo que nunca (ainda) foi posto em pauta, por isso, não poderia responder em nome da associação e de seus associados, mas posso emitir minha opinião a respeito: Além de Secretário Geral da UBE, sou também escritor e editor. E antes disso fui (sou) técnico gráfico por quase 20 anos. E antes de

tudo isso, sou leitor-consumidor de livros. E não acho que o livro no Brasil é caro. Como técnico gráfico, sei que há duas maneiras de se imprimir um livro: em impressão digital (direta) que possibilita pequenas tiragens – a partir de um único exemplar. Uma tecnologia que surgiu no final dos anos 90 e que exige, além de muitos equipamentos de última geração, materiais descartáveis e caros, com uma baixa produtividade: 4.000 folhas/hora (folhas nesse caso quer dizer 8 páginas de um livro), o que torna a unidade mais cara, porém, possibilitam essas pequenas tiragens. E a impressão offset (indireta), usado no mundo desde 1905. Um sistema que possibilita altas tiragens em altíssima produtividade (acima de 500 exemplares) e que, conforme se aumenta a tiragem, mais barato fica a unidade, já que a matriz (e todo o processo) é única para fazer 1 ou 100.000 livros, a uma produção de até 15.000 folhas/hora (folhas nesse caso quer dizer 32 páginas de um livro). Como editor poderia dizer que os custos da produção de um livro são altos: um bom diagramador, um bom capista, bons revisores (no


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mínimo dois) o papel (que de boa qualidade é caro) e a impressão que também é cara. Fora o tempo aplicado para se editar/publicar um livro com qualidade gráfica e literária. Também há o repasse das livrarias (comissão) que varia de 30% a 50% do preço de capa, além dos impostos. Tudo isso pago pela editora. Se considerar que a maioria dos livros publicados no Brasil (e são quase 5.000 todos os anos) não vende o suficiente para se pagar, diria que o preço final do livro é até muito barato. Como escritor que, normalmente, recebe 10% do preço de capa por exemplar vendido como pagamento de direitos autorais, e considerando que os livros vendem pouco, diria, também, que o livro no Brasil não é caro. 95% dos autores brasileiros não conseguem viver exclusivamente de direitos autorais. E, finalmente, como leitor-consumidor de livros, continuo afirmando que livro no Brasil não é caro. Se tomarmos como exemplo um “boom literário” lançado mundialmente: A culpa é das estrelas, do americano John Green, nos Estados Unidos - país de origem do livro - o exemplar custa em média U$ 12 – o que daria hoje algo em torno de R$ 26,00. Aqui no Brasil, o preço médio deste livro é de R$ 32,00. O problema é que a maioria das pessoas não tem coragem de pagar R$ 32,00 em um livro. Se falarmos de alguns produtos considerados como paixões nacionais; o futebol, por exemplo, um ingresso para um jogo do campeonato paulista custa R$ 60,00, para assistir a 90 minutos de uma partida. Uma cerveja no bar custa R$ 7,00. É certo que quatro

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pessoas consumam cinco cervejas (valor de um livro) em duas ou três horas. Os estádios estão sempre lotados, os bares nem se fala. Vejo garotos office-boys que não se importam em comprometer boa parte de seus vencimentos em prestações para comprar um tênis da moda e de valores exorbitantes, mas que não tem coragem de comprar um livro por ano. Aquele aluno que é obrigado a comprar um livro para escola, também acha sempre caro, mas o caderno, a agenda, o estojo, esses tem que ser de marca da moda com capas legais, e não importa o preço. E se falarmos naqueles que realmente não podem comprar um livro, os que não dispõem de dinheiro ou aqueles que não preteririam uma noite de bar por um livro, há as bibliotecas que estão sempre vazias e com milhares de livros disponíveis gratuitamente para leitura. O verdadeiro leitor se preocupa muito mais se o livro é bom do que se é barato. Para este leitor, livro ruim é sempre caro, afinal é uma aquisição para a vida toda. Isso porque não falamos dos livros digitais (os e-books) que atualmente custam entre 30 a 70% do livro impresso. O nosso maior problema não é o preço dos livros. Assumir que o brasileiro não cultiva o hábito da leitura é muito mais verdadeiro do que atribuir a falta de leitores aos preços dos livros. Oferta há aos montes, quem sabe, se houvesse maior procura, esta demanda não seria melhor e ainda mais barata para todos? Marcelo Nocelli é secretário-geral da UBE

Poesia Órfica de Cyro Pimentel Por Cyro de Mattos Poeta de voz inconfundível, excessivamente subjetivo, o paulista Cyro Pimentel reúne na antologia Paisagem Céltica alguns de seus melhores poemas, oferecendo a oportunidade para que se conheça uma lírica de boa qualidade, construída ao longo de mais de trinta anos. Os poemas que participam da antologia foram retirados dos livros Poemas (1948), Espelho de Cinzas (1952), Signo Ter r estr e (1956), Árvore Nupcial (1966) e Poemas Atonais (1979).

Na lírica de Cyro Pimentel, alma e corpo, espelho e cinza refletem as dimensões ambíguas de aquém e além. O eu subterrâneo suscita alturas surpreendentes através de imagens cintilantes, ausculta-se na lenta agonia mística do ausentar-se do mundo e de si mesmo. Murmura distâncias em suas cores alucinadas e não disfarça a torturante delícia proposta pelo sonho. Inoculada do sono e do sonho, folhas que pestanejam como cílios, certa árvore nupcial Cyro Pimentel faz uma poesia que foge dos temas cotidianos em vivifica-se nas raízes de sua transcendência, tanto quanto o vento sua paisagem céltica. O poeta prefere viajar com deuses, sonhar pro- que conversa com o vento, em êxtase, na cruz da solidão. . fundo e voar abismos. Sentir estrelas e cantar pela voz dos astros. Poesia espiritual no bom sentido, de vidência com música no O fabulário social do indivíduo proveniente do lado crítico da vida labirinto de seu concerto, perpassada de subjetividade na zona não é a tônica que o poeta elege para carregar a motivação que pro- das nuvens, chama a atenção alguns textos mais recentes retirados duz imagens, metáforas, símbolos, mitos e sonhos. Não correspon- do volume Poemas Atonais, elaborados na voltagem lírica para de às visões fulgurantes dessa poesia de ritmo largo, que transporta o homem moderno dos dias atuais. De verso curto, expressão um anjo constelado de morte às paragens do céu. densa, os poemas “Século”, “São Paulo”, “Ficção-Científica”, “AntiDas cordas órficas, lúcida lágrima no tempo de erro e nostalgia, -Comunicação”, “Ofício” e “Contemporânea” projetam no discurso o canto se faz com ânsia do infinito, vertigem de luz que se evade o ritmo veloz dos tempos na cidade imensa. Falam do andarilho “intenso no azul”, em razão de certo espaço ausente. O poeta sente apressado, que vive a utopia da técnica e se anula quando elege os o homem prisioneiro de si mesmo, solidão e amargura indicando valores materiais como o sentido exato da vida. Mas é esse salto no a noite, mas opta pelo eu agudo que o conduz à infância perdida invisível feito de finitos e infinitos ou esse contínuo morrer dançante onde deuses dançam a pavana que assombra trevas no bosque dos das horas do mundo que faz desconcertante a lírica de Cyro Pimentel sonhos. Sua poesia tem o raro poder de nos levar errante pelos cor- em nossa poesia. Esse ritmo delirante de solidão e ânsia que elevam redores estranhos do vento. Possui por conteúdo subjetivo a alma o poeta com a sua alma além da realidade da vida. vibrando sentimentos. O que emerge dela é seu fluxo lírico, em vez da ação exterior ao sujeito, o que mais importa nela está no seu extravasar diretamente com música, através da palavra que expressa a consciência do desterro no mundo, fora do reino perdido onde habitam faunos, sereias, anjos. O poeta revela que “a vida é um voo de finitos e infinitos!” (pág. 23) Estrela sonâmbula divaga em chuvas, assusta-se com o céu escuro dos seres terrenos onde “é brusco o inverno sem sonhos.” (pág.19) E nos faz pensar quando, em tácito entendimento, toca as cordas da hora pressentida, mostrando que viver é morrer todas as manhãs. Despertam as enunciações em nossa lembrança vozes de outros poetas que comportam no eu lírico o enigma do existir.

A poesia de Cyro Pimentel, formuladora desse mistério de unidade e pacto lírico, forja um discurso virtuoso, que transmite sua mensagem em torno da concepção órfica da vida. Refúgio e beleza, com a paisagem do poeta suscitando o dualismo de alma e corpo, a mística da lírica que ilumina o indivíduo contra o percurso técnico que coisifica a vida. Referência Bibliográfica *PIMENTEL, Cyro. A paisagem fugitiva, Roswitha Kempf Editora, São Paulo, 1985


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O contista Fábio Lucas Paulo Nathanael Pereira de Souza - Academia Paulista de Letras a distribuir mau olhado para tudo e para todos (“quando em visita, todos escondiam os canários de sua vista, cobriam as gaiolas com panos, pois ficavam tristes e morriam”). São personagens que reaparecem nos contos que se seguem ao longo do livro. Há também o “seu” Ernesto, carpinteiro caprichoso, que dominava todas as possibilidades de fazer arte com o enxó e o formão, mas que, na verdade, preferia esculpir com as mãos, no corpo das mulheres, o frenesi o sexo, fosse o real, com a Bartira maio abobada e sua irmã, a beata Carmosina, fosse o fantasioso, quando, após a morte de Jacinto, usava a luneta, não mais para ver estrelas, e sim para surpreender D. Dulce, (“a grande estrela das masturbações locais”), gerente dos Correios, a trocar suas calcinhas no final do expediente da repartição. Aliás, D. Dulce também perturbava o filósofo Ramito, que por ela se enrabichou, inclusive levando-lhe de presente cartas e ramalhetes de flores, que a homenageada ia “fazendo deslizar suavemente ao lixo.”

Conheci Fábio Lucas, nos anos 60, nas minhas idas e vindas semanais a Belo Horizonte, para supervisionar, em nome do MEC, a realização, no Estado de Minas Gerais, do 1º Censo Escolar Brasileiro. Creio que fomos apresentados na sala dos professores da Universidade Federal pelo Prof. Emanuel Fontes, figura proeminente do Departamento de Matemática e colaborador naquelas tarefas censitárias. Éramos, eu e o Lucas, bastante jovens e ainda pedestres da vida acadêmica, para a qual não tínhamos bagagem consistente, nem aspirações configuradas. Contudo, já podia sentir no jovem professor de então um inegável potencial para a militância cultural e, ao nos encontrarmos, tantos anos decorridos, nas sessões das quintas-feiras da Academia Paulista de Letras, onde ambos atuamos atualmente, deparei-me com o dono de uma invejável bagagem literária, materializada principalmente em ensaios críticos perpassados de acuidades intelectuais e de sapiências eruditas pouco comuns nos que escrevem sobre obras e autores neste país. Vejo, agora, ao receber seu livro de contos, intitulado “O zelador do céu e seus comparsas” que, ao lado do ensaísta vivia um insuspeitado ficcionista, dono de altíssima qualidade expressional. Trata-se de nove contos editados, em 2012, pelo Sarau das Letras, sediado em Natal, no longínquo Rio Grande do Norte. São episódios vividos pelo autor na infância e juventude em sua pequena cidade natal: Esmeraldas, na realidade, e Transvalina, na ficção. E com tal intensidade, que indelevelmente se gravaram em suas lembranças, e por lá ficaram até o dia em que os retirou, um a um, desse escrínio da memória, para transformá-los em seres viventes, materializados e simbólicos, que parecem repartir com os leitores, suas alegrias, artes, tristezas e dores. Assim, crescem a nossos olhos as figuras mais importantes do lugarejo, a saber, Jacinto Luz, o astrônomo amador, cujo maior passatempo consistia em contar estrelas (Síndico de Deus) no alto do ponto mais saliente da vila, onde instalara uma luneta, ao lado do mastro da bandeira nacional, e o filósofo cheio de um saber de almanaque, o profeta Ramiro, que “não era amigo do banho” e cheirava mal (“diziam-no com partes com o gambá”), passando a vida, como todo filósofo, a profetizar catástrofes. Ambos, embora divergissem no estilo de vida, disputavam a admiração dos transvalinenses: Jacinto Cruz, na lida com as estrelas e Ramiro

Destaques especiais merecem os contos: “A festa do poço”, que relata os abusos sexuais do valentão Geraldo, líder adolescente contra menores amedrontados, e que acabaria com a lâmina afiada de um canivete a lhe cortar o abdômen, num ato de legítima defesa de um estudante que passava férias em Transvalina a sofria seguidos assédios homossexuais do agressor; ou os caipiras espertos, Zé Ribeirinho e Ernesto Rodrigues, que trocavam entre si, um relógio com ponteiros de bambu e uma espingarda sem gatilho, ambos mutuamente enganados e tendo que, em silêncio, beber do veneno da trapaça sempre praticada contra terceiros que com eles transacionavam; ou, ainda, a conversa mole dos compadres Genuíno e Genivaldo, casados com mulheres desejáveis e que cavalgando entre Transvalina e Taquaras, deram vazão a seus instintos, propondo meio que evasivos, uma troca de casais (mulher de um com o marido de outra e vice versa) como uma espécie de reavivamento dos prazeres do sexo, já então desgastados pela rotina do papai-mamãe de sempre. Os dois últimos contos, “Um dos nossos” e “Ronda”, são mais crônicas do que propriamente contos, e dizem respeito, um deles à alucinação do personagem que, guiado por referências do passado não consegue reconhecer o presente até afogar-se no rio da sua infância, em cujas águas sempre quis nadar; e o outro, ao convívio boêmio do autor, no seu tempo de exilado político, um pouco em Lisboa e Vigo e outro tanto, em Millwoukee, sempre cercado de belas mulheres, tão belas quanto inconstantes, exímias em seduzir sem nunca cederem nos finalmente, a lembrarem o mote de Freud: “que quer a mulher?”. É, pois, um livro de contos e crônicas, tudo muito encantador. Mas, se assim o quisesse o autor teria tudo para com esse rico material ter produzido um minirromance, dadas as ligações entre os personagens, que somem e reaparecem de um texto para o outro, tendo sempre por fundo a ambientação interiorana de Transvalina. É uma obra rara, entre surrealista e real, de um realismo onírico a que a crítica costuma chamar de mágico. Nesse sentido, Fábio Lucas se alinha entre os gigantes Mário de Andrade e Guimarães Rosa, quer na forma, quer no conteúdo dos seus escritos. Nenhuma novidade nisso, eis que, o próprio autor, num dos contos (A praça dos sonhos) fala de Transvalina como: “a cidade milagrosa em que todos os sonhos viraram realidade” e de si mesmo ao acreditar que “vida e sonho são ramos do mesmo galho”. E, o que é melhor, refuta Tristão de Athayde, que, uma vez afirmou ser o crítico literário não raro um autor fracassado de obras ficcionais. Neste caso, o crítico é dons bons e o contista também.


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GALERIA DE AUTORES

Como solicitado na edição anterior, vários associados enviaram colaborações para O Escritor. Nesta página, estão publicados aqueles que foram selecionados. Os interessados podem continuar enviando textos para o email secretaria@ube.org.br, aos cuidados do Conselho Editorial. Os textos não devem ultrapassar 1.000 toques (espaços incluídos). Eunice Arruda

DUELO

Foi um duelo sem espadas nem padrinhos no campo silencioso da noite. Foi uma guerra pobre e sua lembrança me retorna fria, cansada. Não fora a mutilação que me causou, ela estaria fatalmente esquecida. Agora, com a solidão dependurada no canto da boca, a mão no poço, vejo-me como sombra retornando naquela noite. Eu voltava conversando – a gente passa a maior parte da vida conversando – empurrando o tempo. Morrer demora. Muitas fogueiras ainda haverão de crepitar nas noites frias de junho. O céu estrelado e a gente ali, conversando outra vez, que paciência infinita vamos aprendendo. Infelizmente. Aceitamos as coisas com uma naturalidade brutal. Acordar todos os dias com o mesmo rosto não deixa de ser um milagre, sairmos ilesos tantas e tantas vezes. Mas daquela vez, não, na noite do duelo. Eu não sabia que estava sendo ferida, dizem que é assim mesmo, na hora não se sente dor alguma. Só depois começa a sentir falta. Querer usar o que não tem. O máximo que se pode fazer é recorrer às pessoas – tristes figuras. Eu gostaria de estar contando a história real, detalhe por detalhe, mas acontece que fui decepada rapidamente e não houve glória nesta luta. É fácil demais ganhar de mim. Você não achou? Um passo mais rápido, um olhar atencioso, mas eu voltava conversando, nem sabia que estava jogando esta partida. Soube muito depois, precisou que viessem me contar. Aí eu olhei e não vi meu braço, mas uma poça de sangue me acompanhando. Ainda assim fiz como se nada tivesse acontecido, achei que não fazia diferença estar ou não mutilada. Mas faz. Dia após dia a mutilação vai crescendo. O que não tenho vai se avolumando. Eu me lembro apenas de seu vulto atravessando a noite, entre as árvores e um sentimento longínquo, a sensação de que deveria ter me empenhado em ganhar, se tivesse sido avisada. Mas tudo foi tão rápido. Eu fui tão lenta. Agora, com um único braço afastando a aparição de famintos desesperos, ainda agora, não ouso soluçar sobre estas cinzas. Nem invejar sua vitória. Mesmo ganhando eu perderia. Eunice Arruda - Poeta, autora de 15 livros publicados. | Blog: www.poetaeunicearruda.blogspot.com | Contato: poetaeunicearruda@bol.com.br

A FLOR DE BRONZE

REGISTRO

Foi um duelo sem espadas nem padrinhos no campo silencioso da noite. Foi uma guerra pobre e sua lembrança me retorna fria, cansada. Não fora a mutilação que me causou, ela estaria fatalmente esquecida. Agora, com a solidão dependurada no canto da boca, a mão no poço, vejoEla se levantou, abriu a cortina do quarto e a luz do dia ofuscou-lhe os olhos. Da janela de vidro ela não podia enxergar o que se passava do lado de fora. A neve encobria tudo enquanto era inverno. Ela correu até a sala e avistou sobre a mesa de jantar um sino das antigas. Trazia um formato de flor com gotas na sua composição. Ela projetou nele vários tempos, tirando variados sons. A menina o pegou apertando o na mão. Com o polegar ela o esfregava de vez em quando. Abriu a janela para sentir o ar fresco que trazia o cheiro de cio que os animais exalavam. Ela os via correndo pelo jardim. Esforçou uma subida na cadeira de balanço para alcançar o assento. Aconchegou ali o seu corpo sedutor. Era primavera e ela via a vida se fazendo lá fora. O vento que adentrava aquela sala balançava-lhe a saia, erguendo-a. Movimentava a cadeira de balanço para auxiliá-la na investida. A flor suou entre os seus dedos. Soou naqueles lábios um sorriso de satisfação que ela selou com o polegar.

O ex-presidente Lula recebeu O calor derretia o metal que compunha o punho daquela mulher, deixando gravado nela o cheiro – e apreciou – o livro do nosso associado fiduciário de azinhavre. O algodão esquentava-lhe o corpo. Prostrava-se de tempo em tempo entre as Fernando Antunes, “Futebol e Ditadura”. janelas abertas que não atraiam o vento que, escasso, findava-se por ocasião do ocaso. O suor ardeu o corpo daquela senhora. O que lhe corria na face, ela enxugava com o polegar, enquanto os outros dedos agarravam-se ao seu sino de flor. Soou o tombar do dia.

Vaivém que vai e não vem

É época de ela colher os frutos do seu tempo. Forçou um movimento e, de leve, pode ouvir o vento. Passou-se o tempo, o vento. Não era mais sino havia estações. A flor não passou da sua mão. Estava sem o brilho antigo que a revestia. Tinha ferrugem. As gotas que compu- Sem convir não me convém/Pois é vaivém pra perder/É bom ser um vai nham sua ornamentação caíram. O badalo consumiu-se no seu polegar. que vem/Mas se meu vaivém vencer/Porque se vai para o além/Será um Ela pretendia fazê-la soar. Não houve som naquela flor. vai que não vem/E esse vai é pra esquecer. A velha olhou o lado de fora e avistou o escuro. Nele reluzia uma neve branca. No meio dela uma margarida vermelha destoava daquela Porque quando apenas vai/Esse vai não me faz bem/Quero o vaivém estação. Solitária, ela abriu a sua porta e saiu no tempo. O vento frio ardiaque me atrai/Quando vai e quando vem/Mas se é vai que não quer vir/ -lhe a face. Os seus passos afundavam na neve. Na investida, deixou cair o que lhe restava da flor de bronze. Sem esperar o dia amanhecer Vai ser vaivém que, por si/Só, vai e nunca mais vem... e não cedendo nenhuma polegada, jogou-se para alcançar aquela primaSe esse meu vaivém viesse/Mais um vaivém, claro, iria/Pois se o vaivém vera antecipada. conviesse/Qualquer vaivém, voltaria/Mas nem tudo que vai, vem/E há mais que vai e não vem/No vai sem vir, do meu dia. Rita Lavoyer é de Araçatuba Autora do blog www.ritalavoyer.blogspot.com e-mail: ritalavoyer@hotmail.com

Caubi Costa


UBE O ESCRITOR O HOMEM QUE TRANSFORMOU DESENHO EM TROFÉU

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László Zinner, o escultor que ampliou as dimensões do desenho de Belmonte e o transformou na estátua do Juca Pato, teve exposição na Casa da Fazenda. Ao longo de um mês (13 de maio a 10 de junho de 2014), as obras do escultor László Zinner ficaram expostas a visitação na Casa da Fazenda. A exposição “Ateliê Universalista László Zinner” teve curadoria de Maria Luiza Tucci Carneiro e patrocínio do Ministério da Cultura e do Banco Itaú. A iniciativa foi da filha do artista. László Zinner nasceu em Dömös (Hungria), em 28 de setembro de 1908, naturalizou-se brasileiro em 1961 e faleceu em São Paulo em 1977. Projetou-se como escultor e desenhista formado pelos mais importantes centros de arte da Europa do entreguerras: Budapeste, (1924-1928), Bruxelas (1928-1932), Paris (1937-1940). Em Tânger (Marrocos), lecionou modelagem no serviço de Belas Artes e Artesania Indígena da Delegação da Cultura (1940-1945). No auge da Segunda Guerra, buscou refúgio em terras europeias, marroquinas e brasileiras, transformando sua arte em testemunho da sua travessia que, além de geográfica, foi também cultural. Suas esculturas e desenhos de “paisagens e tipos marroquinos” entraram para o mundo das representações interagindo com diferentes culturas valorizadas nas suas singularidades. Como artista exerceu o papel de agente social, modelando identidades e vaidades. Radicado no Brasil desde 1946, foi professor de modelagem e artes plásticas na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, fundando e coordenando mais tarde, a Faculdade de Artes Plásticas (atual Faculdade de Comunicação Visual) na mesma universidade (entre 1954 e 1977). Foi também o escultor do Troféu Juca Pato concedido, anualmente, em São Paulo pela União Brasileira dos Escritores. Seus inúmeros ateliês expressam um mundo plural povoado por personalidades e por pessoas comuns, saídas do anonimato. Neste ano de 2014, através Foto do artista, esculpindo a figura de Frank Sinatra – 1967 desta exposição, abrimos as portas do seu Ateliê Universalista.

VENCEDORES

Em 52 anos de vida, desde a primeira edição, em 1962, o Troféu Juca Pato foi entregue a presidentes (FHC e JK), pensadores, filósofos, escritores consagrados, juristas, ambientalistas. Eis a listagem completa de todos os vencedores do Prêmio Intelectual do Ano, da UBE – União Brasileira de Escritores: 1962, 1963, 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984,

Santiago Dantas, “Política Exterior Independente” Afonso Schmidt, “Tempo das águas” Alceu Amoroso Lima “Revolução, Reação e Reforma” Cassiano Ricardo, “Poemas Escolhidos” Caio Prado Jr., “A Revolução Brasileira” Érico Veríssimo, “O Prisioneiro” Menotti Del Picchia, “Deus sem Rosto” Jorge Amado, “Tenda dos Milagres” Pedro A. O. Ribeiro Neto, “Pastor do Tédio” Josué Montello, “Cais da Sagração” Cândido Mota Filho, “Contagem Regressiva” Afonso Arinos M. Franco, “Rodrigues Alves, Vida e Obra” Raimundo Magalhães Jr., “Olavo Bilac e sua Época” Juscelino Kubitschek, “Meu Caminho para Brasília” José Américo de Almeida, “Antes que me esqueça” Luís da Câmara Cascudo, “O Príncipe Maximiliano no Brasil” Sobral Pinto, “Lições de Liberdade” Sérgio Buarque de Hollanda, “Tentativas de Mitologia” Dalmo de Abreu Dallari, “Futuro do Estado” Paulo Bomfim , “Praia de Sonetos” Carlos Drummond de Andrade, “A Lição do amigo” Cora Coralina, “Vintém de Cobres – Poemas de Goiás” Fernando Henrique Cardoso, Lançamento na França de “Les Idées à leur Place” 1985, Frei Beto, “Fidel e a Religião” 1986, Antonio Callado, “O amor nos tempos de cólera”

1987, Abguar Bastos, “Pantofagia ou Estranhas Práticas Alimentares na Selva” 1988, Barbosa Lima Sobrinho, “O Problema da Imprensa” 1989, D. Paulo Evaristo Arns, “Clamor do Povo pela Paz” 1990, Ledo Ivo, “Crepúsculo Civil” 1991, Fábio Lucas, “Mineiranças e Fontes Literárias Portuguesas” 1992, Raquel de Queiroz, “Memorial de Maria Moura” 1993/1994 – Não houve concurso em razão da perda da sede da UBE 1995, Marcos Rey, “ Os Crimes do Olho de Boi” 1996, Luís Fernando Veríssimo, “Novas Comédias da Vida Privada” 1997, Sábato Magaldi, “Panorama do Teatro Brasileiro” 1998, José Mindlin, “Uma Vida Entre Livros” 1999, Jacob Gorender, “Marxismo sem Utopia” 2000, Otávio Ianni, “Enigmas da Modernidade” 2001, Salim Miguel, “Eu e os Corroiras” 2002, Gilberto Mendonça Telles, “Contramargem” 2003, Alberto Costa e Silva, “Um Rio Chamado Atlântico” 2004, Luiz Gonzaga Beluzzo, “Ensaios sobre Capitalismo” 2005, Luiz A. Moniz Bandeira, “Formação do Império Americano” 2006, Samuel Pinheiro Guimarães, “Desafio Brasileiro” 2007, Antonio Candido, “Um Funcionário da Monarquia” 2008, Lygia Fagundes Telles, “Conspiração das Nuvens” 2009 – não houve entrega do prêmio 2010, Aziz Ab’Sáber, pelo conjunto da obra 2011, Tatiana Belinky, pelo conjunto da obra 2012, Audálio Dantas, “As duas guerras de Vlado”


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INTELECTUAL DO ANO

Dois candidatos na disputa pelo Troféu Juca Pato Daniel Pereira Eu, Juca Pato O Prêmio Intelectual do Ano foi concebido na antessala do golpe militar de 196. Talvez seja por isso que o gesto de entrega do Troféu Juca Pato ao seu ganhador tenha se notabilizado como uma espécie de pièce de résistance no panorama contemporâneo da cultura brasileira. Seu criador, em 1962, o escritor Marcos Rey, diria, tão logo iniciado o regime militar no país, que “a imagem do Juca, mesmo sem legendas, amordaçada, imobilizada em bronze, é presença incômoda para a ditadura”. E, não por coincidência, mas por ligação íntima com o governo que seria deposto, o então ministro Santiago Dantas, vaticinaria em seu discurso ao receber o Juca Pato, em 1963: “O nosso esforço se legitima na medida em que formos capazes de lutar contra a opressão, que muda de formas ao longo da história. E será por esta senda de reflexão sobre o país e seus problemas; sobre nossa cultura e soberania e tudo que as ameaça; será sempre por esse caminho que o Prêmio Intelectual do Ano irá se firmar como dos mais valorosos em nosso país”. O Juca Pato é uma réplica do personagem idealizado pelo jornalista Lélis Vieira e imortalizado pelo ilustrador e chargista Benedito Carneiro Bastos Barreto, o Belmonte (1896-1947). A escultura ganhou vida pelas mãos do artista húngaro László Zinner, cuja obra foi tema de recente exposição em São Paulo (ver página 18).

Foi dada a largada para a escolha do Intelectual do Ano 2014, prêmio instituído em 1962 pela União Brasileira de Escritores (UBE), que entrega ao vencedor o tradicional Troféu Juca Pato. Dois nomes de expressão nacional estão na disputa: João Batista de Andrade e Nelly Novaes Coelho. A caricatura criada por Belmonte retratava um sujeito E pelo terceiro ano consecutivo, novamente a Fundação simples, trabalhador e honesto, que representava o típico Padre Anchieta – Rádio e TV Cultura de São Paulo – associa-se paulistano da classe média. Nacionalista, inteligente e culto, à UBE em mais uma edição do Juca Pato. era o alter ego do seu criador que, com sua arte, foi colaboQualquer personalidade, não necessariamente escritor, rador de Monteiro Lobato e Viriato Correia. que tenha publicado obra de relevância no ano anterior, poderá participar da disputa, desde que indicada por um A votação quórum mínimo de 30 associados da UBE até 1 de agosto, prazo final para inscrição da candidatura. O período de eleição está aberto até 15 de setembro. Com A indicação do escritor e cineasta João Batista de Andrade o objetivo de ampliar a divulgação do prêmio, a UBE, sob é liderada pelo jornalista Audálio Dantas, vencedor do Juca a presidência de Joaquim Maria Botelho, decidiu abrir o proPato em 2013. O nome da escritora e pesquisadora Nelly cesso eleitoral para todos os amigos do livro. Anteriormente, a eleição era restrita a associados da UBE e representanNovaes Coelho foi apresentado por Cyro de Mattos. Encerrada a fase de indicação, terá início o processo de tes de entidades como academias de letras e universidades. votação, que vai de 15 de agosto a 15 de setembro na sede A partir de 2014, qualquer pessoa pode manifestar o seu da UBE, por correio ou email, conforme o regulamento (veja voto, por meio de mensagem de correio eletrônico para abaixo). A votação tem caráter nacional e, por tratar-se de secretaria@ube.org.br um prêmio que não é literário, é aberta à participação de Também serão aceitos votos por carta, que deve ser enviada profissionais de todas as áreas relacionadas às artes, literatu- ao seguinte endereço: ra, jornalismo e cultura em geral. A apuração dos votos será UBE – União Brasileira de Escritores | a/c Secretaria pública e, se não houver recursos em julgamento, o resultado Rua Rego Freitas, 454 – conjunto 121 final será proclamado em 30 de setembro. A festa de entrega ao Vila Buarque | São Paulo – SP ganhador do Troféu Juca Pato será entre novembro e dezemCEP 01220-010 | Mais informações: telefone 11 3231-4447 bro, em local ainda a ser confirmado pela diretoria da UBE.


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Os indicados Nelly Novaes Coelho foi professora titular de Literatura Portuguesa na USP, até a aposentadoria, em 1992. Atuou como crítica e ensaísta literária, colaborando no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” e em vários jornais e revistas do Brasil e do exterior. Presidiu a APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1990. Participou da APC Association pour La Pensée Complexe, convidada por Edgar Morin Também lecionou em Lisboa e em Los Angeles. Com a publicação de seu primeiro livro, O ensino da literatura, obra destinada à formação de professores, na área da Literatura, e que propunha princípios teóricos e respectivas práticas analíticas, visando a introduzir estudos literários desde as primeiras séries escolares, foi convidada a implantar o curso de Literatura Infantil e Juvenil na USP. Destacam-se outras obras: Mário de Andrade para a nova geração, 1970; Escritores portugueses, 1973; Escritores portugueses do século XX/Lisboa, 2007; Literatura e linguagem, 1974; Guimarães Rosa, 1975 (com o qual recebeu o Prêmio Jabuti); Literatura: arte, conhecimento e vida, 2000; A literatura infantil, 1980; Panorama histórico da literatura infantil/juvenil brasileira, 1982 e 2006; Dicionário crítico de escritoras brasileiras, 2002; O conto de fadas (Símbolos/Mitos/Arquétipos), 2003; Primeiro dicionário escolar, 2005, e outros. Dentre as antologias: Ética, solidariedade e complexidade (Edgar de Assis Carvalho, Maria da Conceição de Almeida, Nelly Novaes Coelho, Nelson Fiedler Ferrara, Edgar Morin. 1998); Edgar Morin religando fronteiras (Edgar Morin, André Baggio, Nelly Novaes Coelho, Humberto Mariotti, Mauro Maldonato. Org: Tania M. K Rosing e Nurimar Maria Falci. 2004). João Batista de Andrade é escritor, cineasta e doutor em Comunicações pela USP. Tanto na literatura quanto no cinema iniciou carreira artística ainda estudante da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Escritor, cineasta, ativista cultural e político, pensador, João Batista de Andrade foi secretário de Cultura do Estado de São Paulo, quando criou o PROAC – Programa de Ação Cultural – e é presidente da Fundação Memorial da América Latina. Como escritor seu primeiro livro é “Perdido no meio da rua”, 1989. Depois veio o juvenil “A terra do deus dará”, 1991, os romances “Um olé em Deus”, 1997, “O portal dos sonhos, 2001, e sua tese de doutorado “O povo fala”, 2002. Em 2013 lançou seu sexto livro: “Confinados, memórias de um tempo sem saídas”, ficção em que seus personagens, visionariamente, convivem com situações de conflito social e político semelhantes ao que se vê atualmente pelas ruas do país. No cinema, com 17 longas-metragens e inúmeros filmes para TV e circuitos alternativos, tem uma carreira premiada nacional e internacionalmente, com títulos como os clássicos “Liberdade de Imprensa”, 1967, “Doramundo”, 1978, “Wilsinho Galiléia”, 1987, “O home que virou suco”, 1980, “Céu Aberto”, 1985, “O País dos Tenentes”, 1987, “O Tronco”, 1998, “Vlado, trinta anos depois”, 2005 e “Veias e vinhos, uma história brasileira”, 2006. Seu trabalho também foi reconhecido pela dedicação em defesa dos Direitos Humanos. Dessa lista, o mais recente é o XXX Prêmio Direitos Humanos “Franz de Castro Holzwarth”, que lhe foi outorgado no início de junho de 2014 pela Ordem dos Advogados do Brasil/OAB.

UBE faz campanha para publicar livro com história da entidade O livro vai traçar um panorama da UBE, desde a sua criação, em 1958. Vai esclarecer, por exemplo, que a história da UBE começa na realidade em 1942, quando foram criadas a Sociedade Paulista de Escritores (em São Paulo, com Mário de Andrade, Mário Donato, Sérgio Milliet, Menotti Del Picchia e Sérgio Buarque de Holanda, dentre outros) e a Associação Brasileira de Escritores (no Rio de Janeiro, com Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, entre outros). Quando as duas entidades se fundiram, em 1958, surgiu a UBE - União Brasileira de Escritores. Até o momento, mais de 5.000 escritores se associaram à nossa entidade. Gerações e gerações de importantes figuras da literatura brasileira, como Lygia Fagundes Telles, Antonio Candido, Fábio Lucas, Cláudio Willer e muitos mais. Cada uma dessas pessoas participou, a seu modo, da história da entidade e da história do Brasil. O livro fará um resgate dessas contribuições. A UBE destinará parte da tiragem de 15.000 exemplares para doação a bibliotecas públicas e entidades voltadas à literatura. Para saber mais sobre o projeto e como contribuir para apoiar a UBE: www.kickante.com.br/campanhas/participe-historia-da-ube-em-livro


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