Jornal O Escritor 132

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JORNAL DA UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES / NÚMERO 132 - JUNHO DE 2013

DI BONETTI

Estão abertas as inscrições para o Prêmio Intelectual do Ano (Troféu Juca Pato) de 2013 Leia o regulamento à página 5 RESENHA O real e o imaginário em Fábio Lucas Página 8

Paulo Bomfim celebra jubileu de ouro na Academia Paulista de Letras

Páginas 3 e 4

ARTIGOS

A poesia está em crise?, por Eunice Arruda Décio Pignatari e o implemento da comunicação eficaz, por Gabriel Kwak Dilemas da tradução literária, por Oleg Almeida Psicanálise e prazer estético, por Olga de Sá

Nelly Novaes Coelho lança livro-documento sobre a literatura brasileira do século 20 Página 7


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CONVERSA COM O ESCRITOR

Não basta escrever. É preciso vigiar A UBE acredita que os avanços tecnológicos refletem as contingências de um mundo novo. Portanto, atualizar-se é importante, e aperfeiçoamento é sempre bem-vindo. Prova disso é o livro digital, que ganha espaço a cada dia e em cuja direção os autores têm se inclinado. Naturalmente, a legislação precisa acompanhar as novas conjunturas. Mas há leis que, por falta de serem bem pensadas, apresentam riscos – e, portanto, merecem redobrada vigilância. A UBE tem acompanhado, com espírito alerta, diversas tentativas – algumas das quais nem podemos chamar de bem-intencionadas – de alteração da lei que rege os direitos autorais de escritores. A iniciativa mais recente foi um anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Cultura, com o objetivo de alterar profundamente a Lei Federal nº 9.610/98, conhecida como a Lei dos Direitos Autorais. Lamentavelmente, as entidades que se dedicam ao livro não foram avisadas com antecedência da decisão do governo de encaminhar o novo texto ao Congresso Nacional. Mesmo com o prazo curtíssimo de que dispúnhamos, promovemos reuniões para discutir ingerências

– e até agressões – aos nossos direitos. Em conjunto com as 17 outras entidades que formam o Fórum do Livro, Literatura e pelo Direito Autoral, assinamos ofício que foi encaminhado à ministra da Cultura, Martha Suplicy, protestando contra artigos da lei que não preservam nem protegem os nossos direitos de autores. Assinaram o documento: Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, Associação Brasileira de Difusão do Livro, Associação Brasileira de Editores, Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos, Associação Brasileira de Editores de Livros, Associação de Editores, Distribuidoras e Divulgadores do Livro Espírita, Associação Nacional de Livrarias, Associação de Editores Cristãos, Câmara Cearense do Livro, Câmara Mineira do Livro, Câmara Rio-Grandense do Livro, Câmara Brasileira do Livro, Fundação Dorina Nowil para Cegos, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Instituto Pró Livro, Rede de Escritoras Brasileiras, Sindicato Nacional dos Editores de Livros e Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará. As maiores mudanças propostas no anteprojeto do governo

estão contidas principalmente no parágrafo 46. Entre as alterações, autoriza a cópia integral privada de obras, sem qualquer remuneração compensatória aos autores. Autoriza, também limitando os direitos de autor, “a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de qualquer obra” (inciso XIII do artigo 46) e “a comunicação e a colocação à disposição ao público” dos conteúdos de obras intelectuais por bibliotecas, museus, e entidades afins que compõem o seu acervo permanente. Nosso posicionamento é firme, no sentido de que tal reprodução seja permitida apenas quando não houver finalidade comercial ou intuito de lucro e apenas num único exemplar, para composição do acervo permanente. Igualmente, não aceitamos que sejam colocadas à disposição do público obras digitalizadas sem que exista mecanismo de remuneração compensatória. Há um engano no anteprojeto do governo quando, no parágrafo único do artigo 28, busca estabelecer a harmonia da exploração econômica de obras intelectuais com princípios constitucionais da atividade econômica. Ocorre que princípios da atividade econômica

são completamente dissociados do direito de autor, não possuem qualquer conexão jurídica ou hermenêutica, e, assim, inexiste qualquer razão para sua menção na LDA. O atendimento a esses princípios constitucionais dá-se pela supervisão da atividade econômica nacional por meio de lei específica (Lei Federal nº. 8.884/94). Não mencionamos todos os reparos que o ofício encaminhado à ministra Martha Suplicy aborda, para não cansar o leitor, mas asseguramos que há vários pontos que carecem de maior análise e mais debate. Neste momento, o anteprojeto já deve ter sido entregue a comissões do Congresso Federal, de cujos representantes esperamos ponderação e bom-senso. Mas esperar não basta. Precisamos interferir para que nossos direitos sejam respeitados. Autores de todo o Brasil, procurem seus deputados federais e conversem com eles sobre a nova proposta de alteração da Lei dos Direitos Autorais. Os legisladores precisam, no mínimo, estudá-la bem, antes de votar. Joaquim Maria Botelho Presidente

EXPEDIENTE Diretoria da UBE (2012/2014): Jornal O Escritor – edição n° 132, junho de 2013 Publicação de distribuição dirigida para os associados da União Brasileira dos Escritores. Todas as informações podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. ISSN: 1981-1306 Conselho Editorial: Daniel Pereira Gabriel Kwak Joaquim Maria Botelho Luís Avelima Editoração: Luís Fernando Zeferino União Brasileira de Escritores Rua Rego Freitas, 454 - 12º andar, Vila Buarque. Cep: 01220-010 São Paulo - SP. Telefones: (11) 3231-4447/3231-3669 Site: www.ube.org.br

Diretoria executiva Presidente – Joaquim Maria Botelho (presidencia@ube.org.br) 1º vice-presidente – Luís Avelima (luisavelima@gmail.com) 2º vice-presidente – Menalton Braff (menalton@uol.com.br) Secretário geral – Gabriel Kwak (senador.gabriel@gmail.com) 1ª secretária – Sueli Carlos (fonoaudiologa.suelicarlos@bol.com.br) 2º secretário – Francisco Moura Campos (fmouracampos@terra.com.br) Tesoureiro geral – Djalma Allegro (djalmaallegro@terra.com.br) 1º tesoureiro – Nicodemos Sena (nicosena@uol.com.br) 2ª tesoureira – Helena Bonito Pereira (helena.pereira@ mackenzie.br) Conselho consultivo e fiscal Levi Bucalem Ferrari (presidente) Almino Affonso Anna Maria Martins Audálio Dantas Caio Porfírio Carneiro Jorge da Cunha Lima José Afonso da Silva Lygia Fagundes Telles Paulo Oliver Renata Pallottini Rodolfo Konder (conselheiro emérito)

Diretores departamentais Antonio Luceni – Integração Nacional (aluceni@hotmail.com) Betty Vidigal – Informação Digital (bettyvidigal@bettyvidigal.com.br) Cláudio Willer – Políticas Culturais (cjwiller@uol.com.br) Dirce Lorimier – Historiografia e Memória (lorimier@uol.com.br) Fábio Lucas – Cultural (fabiolucas@ube.org.br) Giselda Penteado di Guglielmo – Apoio a Eventos (gi.penteado@uol.com.br) Hersch Basbaum – Projetos Especiais (hwbas@uol.com.br) José Domingos de Brito – Acervo Bibliográfico (brito@tirodeletra.com.br) José Geraldo Neres – Formação Literária (outrossilencios@gmail.com) Paulo de Assunção – Pesquisa Histórica (assuncao@prestonet.com.br) Raquel Naveira – Difusão Literária (raquelnaveira@gmail.com) Renata Pallottini – Dramaturgia (rpallott@uol.com.br)


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DESTAQUE

Paulo Bomfim: 50 anos de Academia Ele ostenta a carteira de associado da UBE de número 46. Além de fundador de nossa entidade, é o decano da Academia Paulista de Letras. DI BONETTI

sonia cintra

Paulo Bomfim sucedeu Guilherme de Almeida como o Príncipe dos Poetas Brasileiros. SONIA CINTRA

Paulo Bomfim nasceu em São Paulo dia 30 de setembro de 1926. Desde a infância recebeu dos pais, avós e tios influência para o pendor literário. O ambiente familiar foi fundamental à sua inclinação para as Letras. O pai, Simeão dos Santos Bomfim, era médico e intelectual; a mãe, Maria de Lourdes Lébeis Bomfim, além de tocar violão cantava muito bem. Dentre outros escritores, Vicente de Carvalho, Guilherme de Almeida e Mario de Andrade foram assíduos frequentadores dos saraus da casa dos genitores do Poeta,

onde a pintora Tarsila do Amaral e as pianistas Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro eram presenças constantes. Estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco mas não quis terminar o curso jurídico. Preferiu o Jornalismo, profissão a que se dedicou com esmero e afinco. Sua estreia aconteceu no Correio Paulistano em 1945. A seguir foi para o Diário de São Paulo a convite de Assis Chateaubriand, onde escreveu durante dez anos Luz e Sombra, enquanto redigia Notas Paulistas para o Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Foi diretor de Relações Públicas da Fun-

dação Casper Líbero e um dos fundadores, com sua mulher Emma Gelfi Bomfim, da Galeria Atrium. Produziu Universidade na TV juntamente com Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho, entre outros programas de contexto cultural. Atualmente é assessor de relações públicas da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Dentre os prêmios recebidos pela extensa e significativa obra, destaca-se o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano 1981 da União Brasileira de Escritores (UBE). Em 2012 foi agraciado com o Colar do Mérito Judiciário em emocionante solenidade no TJSP. Com seu livro inaugural “Antonio Triste”, ilustrado por Tarsila do Amaral, recebe o Prêmio Olavo Bilac da ABL, em 1948. No artigo publicado no Diário de São Paulo (15.9.1946), Guilherme de Almeida clama Bomfim “o novo poeta mais profundamente significativo da nova cidade de São Paulo”. Em 1951 vem à luz “Transfiguração”, onde Paulo envereda por sonetos ao gosto clássico para descobrimento do mar secreto e das Índias interiores. No ano seguinte publica “Relógio de sol”, no qual lida com a alquimia poética de herança simbolista, e lança suas primeiras cantigas, de linhagem trovadoresca, que seriam musicadas por Camargo Guarnieri, Dinorah de Carvalho, Oswaldo Lacerda e outros. Acerca do livro “Armorial” (1956), escreveu Cassiano Ricardo: “Paulo faz uma volta proustiana ao passado paulista”. Passado que remonta a seus ancestrais, os bandeirantes, por quem o Poeta ergue

a voz contra a distorção dos que aviltam a memória nacional, fazendo com que as novas gerações desconheçam seus feitos e bravuras. Em visita à Academia Jundiaiense de Letras, há poucos anos, ele reiterou: “um país sem memória é como uma árvore sem raízes: qualquer vento derruba”. Entre as obras mais recentes de Paulo Bomfim, “Cancioneiro” (2007), ilustrado por Adriane Florence e “Diário do anoitecer” (2012), são reveladoras de seu incansável lirismo. Na entrevista à Revista Tribuna das Letras, ele confessa gostar de “boa literatura” e considerar o soneto “o traje a rigor do pensamento”, em concordância com aforismo de sua autoria “Só poeticamente conseguiremos explicar o mundo”. Este ano, ao Jubileu de Ouro de seu ingresso à Academia Paulista de Letras, o Príncipe dos Poetas Brasileiros tem sido homenageado de várias formas e por inúmeras pessoas. Decano da APL, ele foi afetuosamente saudado pelo Presidente Antonio Penteado Mendonça e seus confrades e confreiras, dentre eles, Renato Nalini e Anna Maria Martins, que têm suas histórias de família vinculadas às da ferrovia Santos-Jundiaí. E nos trilhos do coração, “esse comboio de cordas”, como ensina Fernando Pessoa e passa por aqui, Paulo Bomfim é celebrado nos “Encontros Literários”, no Centro de educação e lazer para a melhor idade (Celmi), do qual nos honra ser madrinha acadêmica, em momentos de rara beleza e sutil poesia. Obrigada, Poeta!


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crítica

A Antologia Lírica de Paulo Bomfim FÁBIO LUCAS

A Antologia Lírica – 63 poemas escolhidos pelo autor (S. Paulo: Miró Editorial, 2012) propõe, como o subtítulo indica, uma seleção que se tornou fruto da estimativa de quem a assina. O “eu poético”, no caso, navega sobre a onda da memória. Trata-se, portanto, de um livro nostálgico. Nostálgico de vários “eus poéticos” que se construíram ao longo de uma carreira vitoriosa. A cada passo adiante, os destroços da infância, da juventude e da maturidade são visitados. Tudo recolhido com a mão poética e com a memória dos dias felizes. Juntaram-se, na percepção simbólica, os versos aperfeiçoados e as lembranças enriquecidas. Bem aventurado o poeta que pode recolher os frutos do caminho! Certamente estes vão fecundar as trilhas do futuro, a eternidade do verbo amadurecido. Na data em que se celebram cinquenta anos de vida acadêmica, associo-me prazerosamente aos confrades que homenageiam o nosso decano. O tempo fugaz que deu vida às reminiscências líricas de Paulo Bomfim é o mesmo que dará eternidade a seus versos. Permitam-me que transcreva, ou melhor, que sublinhe o soneto em que o poeta enfrentou os tempos mortos. Chama-se “Os dias mortos” (ob. cit., p. 50): “Os dias mortos, sim, onde enterrá-los? Que solo se abrirá para acolhê-los Com seus pés indecisos, seus cabelos, Seu galope de sôfregos cavalos?

Os dias mortos, sim, onde guardá-los? Em que ossário reter seus pesadelos, Seu tecido rompido de novelos, Seus fios graves, relva além dos valos? Tempo desintegrado, tempo solto, Fátuo fogo de febre e de fuligem, Canteiro de sereia em mar revolto. Em nossa carne, sim, em nossos portos, Quando o fim regressar à própria origem, Repousarão também os dias mortos!” Na República de Platão, a sabedoria seria prerrogativa dos filósofos governantes. Não se tornaria atraente para os poetas, pois os poetas costumam ser rebeldes. Paulo Bomfim se apropriou da arte e do engenho

que aprendeu e passou a usar, sem todavia, render-se ao radicalismo missionário dos parnasianos ou aos excessos musicais dos simbolistas. Assistiu às demolições dos modernos, dos que empunharam as bandeiras das novidades, das vanguardas e das experiências. Pacientemente adotou o coloquialismo, o vocabulário do cotidiano, os versos mais próximos da oralidade. O soneto “Os dias mortos” dá lições de modernidade na composição morfossintática do poema, sem, todavia, abandonar a velha estrutura formal do soneto. Ousou nas rimas raras, praticou brandos “enjambements” e fabricou, em meio do primeiro terceto, perfeita aliteração: “Fátuo fogo de febre e de fuligem”. Com isso, sugere ao leitor os ruídos da combustão atiçada pelo tempo. É bela a imagem acústica do poema. Basta que sejam lidos os decassílabos com ênfase nos acentos devidos. Versos heróicos, todos eles.

O mesmo verbo – “Os dias mortos, sim, onde enterrá-los?” -, inicial do primeiro quarteto, retorna no início do segundo quarteto, mas – atenção!- com o verbo mudado para “onde guardá-lo?”. A interrogação não fecha o sentido. Aliás, o poema todo oscila entre o som (agradável) e o sentido (consciência da busca impossível). O “objeto” perseguido é o tempo passado desintegrado, fuligem do que se esvaiu. Guardar é mais esperançoso do que enterrar. É menos final. O soneto não é de fácil interpretação. Esconde recantos herméticos, pois, confessional, remete a objetivos não alcançados: o drama eterno do homem, força impotente. O poeta leva-nos até à beira do mito que acode aos leitores desde Homero: “Canteiro de sereia em mar revolto.” A lenda da tentação que fez Ulysses atar os pulsos. O poeta de “Os dias mortos” contempla, na carne e no espírito, o porto de chegada, o fim da estrada, com o sonho e a esperança do renascimento. O fim que seja começo. Quem guarda admite reencontrar. E os dias vividos, tão assinalados? Repousarão para sempre? O soneto, pródigo em indagações, teme a pergunta que vinha sendo elaborada. Em tom elegíaco, em forma de lamento e triste canto, escuda-se na exclamação, na chave-de-ouro melancólica, timidamente conclusiva: “Repousarão também os dias mortos!” Fábio Lucas, ex-presidente e atual diretor cultural da UBE, é membro da Academia Paulista de Letras.


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Prêmio Intelectual do Ano regulamento Em reunião conjunta da Diretoria Executiva e do Conselho Consultivo e Fiscal da União Brasileira de Escritores, realizada em 23 de maio de 2013, na sede da entidade, definiu-se e aprovou-se o regulamento do Prêmio Intelectual do Ano de 2013.

Qualquer associado pode inscrever candidato ao Prêmio Intelectual do Ano. Basta colher 30 assinaturas de apoio, de associados, e encaminhar para o e-mail ou endereço da UBE (ver expediente).

Art. 1º - A UBE – União Brasileira de Escritores, sediada em São Paulo, promove e administra, anualmente, em nível nacional, a eleição da personalidade a quem caberá o prêmio “Intelectual do Ano”, conferindo-lhe o Troféu Juca Pato, réplica do personagem criado pelo jornalista Lélis Vieira e imortalizado pelo ilustrador e chargista Benedito Carneiro Bastos Barreto, conhecido pelo pseudônimo de Belmonte (1896-1947), tendo sido o prêmio criado em 1962, por iniciativa do escritor Marcos Rey. Art. 2º - O Prêmio Intelectual do Ano não é um prêmio literário, mas uma láurea conferida a personalidade que, tendo publicado livro de repercussão nacional no ano anterior, tenha se destacado em qualquer área do conhecimento e contribuído para o desenvolvimento e prestígio do país. Art. 3º - Poderão ser inscritos, como candidatos, autores de livros significativos para a cultura nacional, em qualquer gênero, se publicados em primeira edição no ano anterior. Art. 4º - Os candidatos serão indicados por trinta (30) associados da UBE de São Paulo, no mínimo, em dia com a tesouraria da entidade, por meio de pedido escrito, em que a indicação seja justificada. Nenhum associado poderá assinar mais de uma indicação a candidato. § 1º - As seccionais da UBE nos estados e os núcleos da UBE nos estados e no interior

de São Paulo serão incentivadas a indicar candidato(s), desde que atendidas as condições do caput e dos parágrafos 2º e 3º deste artigo. O presidente da seccional da UBE ou o coordenador do núcleo da UBE será responsável pelo encaminhamento da indicação de sua seccional ou seu núcleo, obedecendo sempre a necessidade de trinta (30) associados da UBE de São Paulo, como previsto no caput deste artigo. § 2º - É vedada a inscrição de candidatos em campanha eleitoral a qualquer cargo executivo ou legislativo, após a homologação das respectivas candidaturas na convenção partidária; Art. 5º - O prazo de inscrição de candidatos será de 60 (sessenta) dias, a contar do dia 1º de junho de 2013, após o que a Secretaria da UBE terá mais 15 (quinze) dias (1º a 15 de agosto de 2013) para impressão e expedição de cédulas, seguindo-se imediatamente 30 (trinta) dias, correspondente ao período de votação, que será encerrado no dia 15 de setembro de 2013. Art. 6º - A União Brasileira de Escritores de São Paulo constituirá uma Comissão do Prêmio composta de três (3) representantes da sua Diretoria e de dois (2) representantes de cada candidato inscrito, incumbida de receber os votos, apurá-los e comunicar os resultados ao Presidente da UBE, para divulgação, até o dia 30 de setembro de 2013. § 1º - As reuniões da Comis-

são do Prêmio serão lavradas em Ata, nelas mencionando-se todo e qualquer incidente digno de registro, inclusive os recursos interpostos à Diretoria; §2º - Os recursos serão julgados pela Diretoria dentro do prazo de setenta e duas (72) horas da interposição, sendo as decisões irrecorríveis. § 3º - O prazo para interposição de recursos será de 24 horas, após a apuração. § 4º - Os votos serão incinerados 24 horas após a apuração final e proclamação do resultado e do julgamento do recurso que houver. Art. 7º - As apurações serão públicas e feitas em dia e horário estabelecido pela Comissão, entre os dias 15 e 30 de setembro de 2013, quando então o Presidente da UBE, não havendo recurso pendente de julgamento, proclamará o vencedor. A entrega solene do Troféu Juca Pato ocorrerá em data a ser marcada, entre os meses de novembro e dezembro de 2013. Art. 8º - poderão votar para o Prêmio Intelectual do Ano: a) os associados da UBE de São Paulo; b) os associados das UBEs de outros Estados, desde que comprovada sua filiação, através de listagem antecipadamente enviada pelas respectivas entidades; c) os membros da Academia Brasileira de Letras e das Academias de Letras estaduais; d) o Ministro da Cultura e os secretários de Cultura dos Estados e das prefeituras Municipais das Capitais; e) os reitores das universidades federais e estaduais públicas; f)

os vencedores do Troféu; g) cinco representantes do Conselho Curador da TV Cultura, parceira da UBE no concurso; h) entidades culturais de representatividade previamente inscritas na UBE-SP para participar especificamente do Prêmio Intelectual do Ano, a critério da Diretoria, com direito a um voto cada; i) meios de comunicação, impresso ou eletrônico, com inscrição prévia, a convite da UBE (um voto cada); j) autores de livros, através do envio de um exemplar da obra ou outro comprovante de autoria, a critério e julgamento da Comissão do Prêmio e da Diretoria da UBE. Art. 9º - Os eleitores votarão na sede da UBE de São Paulo, durante os dias úteis da semana, das 14 às 19 horas, ou encaminharão pelo correio o seu voto pessoal e assinado. A data de postagem definirá a validade temporal do voto. Serão aceitos também votos assinados, anexados por meio eletrônico (imagem obtida por scanner ou equipamento fotográfico), considerada a data de envio da mensagem de correio eletrônico, endereçada a secretaria@ube.org.br Art. 10º - O prazo para a inscrição de candidatos ao Prêmio, no corrente ano, iniciar-se-á em 1º de junho de 2013, estendendo-se até 1º de agosto de 2013. Art. 11 - Os casos omissos serão resolvidos pela Diretoria da UBE de São Paulo. Este regulamento, assinado pelos participantes da reunião especial da Diretoria Executiva e Conselho Consultivo e Fiscal da União Brasileira de Escritores, foi anexado à ata. Sede da União Brasileira de Escritores, vinte e um de maio do ano de dois mil e treze (2013).


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NOTÍCIAS Prêmio Portugal Telecom Três associados da UBE foram indicados entre os 63 finalistas ao mais importante prêmio literário brasileiro. Na categoria romance, nosso segundo vice-presidente, Menalton Braff, concorre com “O Casarão da Rua do Rosário” (Ed. Bertrand Brasil). Na categoria conto/crônica, concorrem os associados Affonso Romano Sant’anna, com “Como andar no labirinto” (Ed. L&Pm), e Ronivalter Jatobá, com “Cheiro de chocolate e outras histórias” (Ed. Nova Alexandria). Audálio Dantas - o peregrino da palavra

-novas-tecnologias-podem-ser-armadilhas-muito-perigosas-avalia-audalio-dantas (DP) UBE no Encontro das Artes do VP O Vale do Paraíba, um dos polos culturais mais ricos do estado de São Paulo, será palco de um evento que vai promover manifestações artísticas da região. A UBE estará presente no Encontro das Artes que será realizado pela Secretaria de Cultura de Guaratinguetá entre 9 e 11 de agosto, com participação do presidente Joaquim Maria Botelho, convidado para a mesa-redonda sobre “Perspectivas da literatura regional”. Moniz Bandeira em mandarim

Audálio Dantas, durante visita à secretária de Comunicação do governo federal, Helena Chagas.

O paraibano Moacir Japiassu, também mastodonte da imprensa tupiniquim, diria que o alagoano Audálio Dantas está prestes a ganhar um monumento na sua pequena Tanque D’Arca, onde nasceu dia desses. Sim, o menino está um azougue viajante. A bordo de suas obras – por que, no caso dele, é o conjunto que vale – ele está mais elétrico do que muito garotinho por aí metido (ou sonhando em) a ser o novo Audálio Dantas. Vi AD recentemente no Memorial da América Latina, onde fomos prestigiar um evento de outro associado da UBE, o cineasta e escritor João Batista de Andrade. Dê licença de contar, dona Vanira, e não leve a mal a indiscrição. Estávamos lado a lado, apreciando a apresentação quando achegou-se uma mocinha, repórter da Imprensa Oficial, onde o venerando escriba também deixou órfãos. Parecia ter vindo ao encontro da indagação de AD: quem é aquela menina que anota tudo com atenção de repórter detalhista? Chamei-a e quando a apresentei,ela ficou estática, como ficam as pessoas diante de uma estátua majestosa, de um mito. Pois sim. O preâmbulo poderia ser dispensável diante das pérolas que a repórter Renata Cardarelli, do Comunique-se, extraiu nesse papo com Audálio Dantas, direto de João Pessoa, na Paraíba, onde ele esteve para lançar o seu livro As Duas Guerras de Vlado Herzog e instalar a seção regional da Comissão da Verdade, Memória e Justiça dos Jornalistas Brasileiros,da qual é presidente. Confiram, sem moderação: http://portal.comunique-se. com.br/index.php/destaque-home/71677-

Nosso Troféu Juca Pato, Intelectual do Ano de 2005, chega aos leitores da China na versão em mandarim do livro Formação do Império Americano, traduzida pelo conselheiro cultural Shun Jianping e editada pela Renmin University Press Co. A obra do historiador Moniz Bandeira já foi publicada na Argentina, Chile, Cuba, Rússia, Estados Unidos e Alemanha. Em outubro, nosso associado participa da Feira de Frankfurt, onde fará lançamento de livro em alemão pela Editora Springer. Em nome de Cecília Registramos recebimento de convite para participar do IX EIDE – Encontro Internacional de Escritoras – previsto para março de 2014, em Brasília. O encontro, diz o texto assinado por Nazareth Tunholi, é realizado pela primeira vez nem país de língua portuguesa e vai homenagear Cecília Meireles nos 50 anos de sua morte. Inscrições para quem quiser participar das oficinas, palestras e performances vão até 19 de julho de 2013 e até 14 de novembro para o público em geral. Mais informações podem ser obtidas pelo site: www.encontrointernacionalescritorasbrasil. com. Clube de Leitura, novo projeto da APL Projetos de incentivo à leitura e de prêmios literários vêm sendo realizados pela Academia Paulista de Letras, com início na gestão de Ives Gandra Martins. Esses projetos continuaram na gestão de José Renato Nalini e estão

em pleno funcionamento na presidência de Antonio Penteado Mendonça. O Escritor na Escola e a Mostra de Cinema e Literatura foram projetos realizados em escolas públicas, com recursos aprovados nos concorridos Editais do ProAC da Secretaria de Estado da Cultura. O Escritor na Escola teve edição de livro, resultado de um prêmio literário da APL para estudantes. Em 2011, foi assinado o Convênio Cultural APL/Sindi-Clube, que resultou no Prêmio Sindi-Clube de Poesia, Crônica e Conto, 3ª edição, Prêmio Centenário do Palmeiras de Literatura, 2ª edição, e Clubes de Leitura, que são nove atualmente, em pleno funcionamento nos clubes paulistas e realizados em parceria, também, com a Penguin – Companhia das Letras. As parcerias ganham mais destaque, agora, com a criação dos Clubes de Leitura na APL. O projeto está sendo iniciado com o livro: A disciplina do amor, de Lygia Fagundes Telles. A ideia é simples e muito popular na Inglaterra e Estados Unidos. Um grupo de até 15 pessoas lê um livro e se encontra para debater seu conteúdo, com a participação de um mediador. Os encontros acontecem na última quinta-feira de cada mês. Inscreva-se pelo e-mail:clubedeleitura@academiapaulistadeletras.org.br Os escritores acadêmicos Anna Maria Martins e José Fernando Mafra Carbonieri coordenam os Projetos de Prêmios Literários e de Incentivo à Leitura da APL e a produção executiva compete ao produtor cultural Antonio Clementin. A APL possui projeto literário aprovado na Lei Rouanet, além de outros, abertos para constituir parcerias. TV Cultura sob nova direção O ex-secretário de Cultura do estado de São Paulo, Marcos Mendonça, assume no dia 14 de junho a presidência da Fundação Padre Anchieta, que mantém a Rádio e TV Cultura. Mendonça foi eleito com 35 dos 46 votos dos integrantes do Conselho Curador da Fundação. Com ele, foi eleito como vice-presidente nosso associado, Jorge da Cunha Lima, que também já presidiu a Fundação Padre Anchieta. Na presidência do Conselho Curador foi reeleito o advogado Belisário dos Santos Júnior. A UBE tem assento no Conselho Curador, na qualidade de membro nato. Todos os presidentes da UBE são automaticamente conduzidos. FLIT no segundo semestre A Feira Internacional e Literária do Tocantins, que estava programada o final de junho, está adiada para o segundo semestre deste ano. A data do evento foi mudada para coincidir com as comemorações do aniversário de 25 anos da criação do estado.


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Livro de Nelly Novaes Coelho inclui seis escritores da UBE Nossa associada histórica, Nelly é professora emérita da USP. Seu livro “Escritores Brasileiros do Século XX” é a suma de 50 anos de pesquisas, leituras e releituras de obras apresentadas em cursos universitários, no Brasil, Portugal e Estados Unidos da América. DA REDAÇÃO

Seis autores da UBE foram incluídos entre os escritores que marcaram o século XX, no livro de Nelly Novaes Coelho “Escritores do Século XX”, lançado no dia 29 de maio, na Casa das Rosas, em São Paulo. São eles o goiano Alaor Barbosa, o cearense Caio Porfírio Carneiro, o baiano Cyro de Mattos, o catarinense Deonísio da Silva, o paulista Hernâni Donato e o paraense Nicodemos Sena. Segundo a autora, foi a “sorte ou o acaso” que pôs em seu caminho os 81 escritores reunidos e analisados no livro. Ao lado dos mais conhecidos (Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, João Ubaldo, Ignácio Loyola Brandão e outros) aparecem nomes que a insensibilidade crítica e o desinteresse do “mercado” colocaram numa espécie de “limbo” (Cornélio Pena, Adonias Filho, Murilo Rubião, Victor Giudice, Campos de Carvalho, Gustavo Corção e Alcides Pinto, por exemplo) e outros que o desinformado (ou defraudado?) “público” precisa conhecer (Vicente Cecim, Olavo Pereira, Agrippino de Paula, Fausto Antonio, Guilherme Dicke, Mora Fuentes, Samuel Rawet, Cyro de Mattos, Alaor Barbosa...). O livro Escritores brasileiros do século XX, de Nelly Novaes Coelho (Editora LetraSelvagem, 2013). Como diz o subtítulo, é o testamento crítico de uma in-

telectual que sempre pugnou em defesa da língua e da literatura brasílicas. Neste livro, a autora entrega um legado de conhecimento e sensibilidade crítica à atual e às novas gerações de leitores deste nosso imenso – mas ainda inculto – país. A autora Nelly Novaes Coelho nasceu na capital de São Paulo, em 17 de maio de 1922, pouco depois da Semana de Arte Moderna. Adolescente, podia ter sido pianista – completou o curso no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde foi aluna de Mário de Andrade, em História da Música; venceu o Concurso “Maestro Cantú”, para aperfeiçoamento pianístico na Itália, mas a II Guerra Mundial frustrou os sonhos. Tornou-se professora. Estudou Letras Neolatinas na USP e tornou-se assistente do Prof. Antônio Soares Amora, na área de Literatura Portuguesa. Em 1961, assumiu como professora titular de Teoria da Literatura na Faculdade de Letras de Marília. Em 1966, publicou O ensino da literatura, obra destinada à formação de professores, na área da Literatura, e que propunha a introdução dos estudos literários desde as primeiras séries escolares. (Publicou, posteriormente, mais de 20 livros.) Doutorou-se em Letras em 1967 e defendeu tese de livre docência dez anos depois. Deu cursos de Cultura e Literatura

Brasileira em Lisboa e Los Angeles. Em 1980, criou na USP o curso Estudos Comparados de Literatura Infantil/Juvenil. Foi titular de Literatura Portuguesa da USP de 1985 até a aposentadoria, em 1992. Nesse período, iniciou-se como crítica e ensaísta literária, colaborando no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”. Os autores Alaor Barbosa é autor, entre outros, de Monteiro Lobato das Crianças, Pequena História da Literatura Goiana, Praia da Liberdade, Meu Diário da Constituinte, Caminhos de Rafael, O ficcionismo de Monteiro Lobato e A morte do coronel Tabajara. Caio Porfírio Carneiro publicou 22 livros nos gêneros conto, novela, romance, poesia, memória e literatura infanto-juvenil. Alguns dos títulos: O Sal da Terra, Os Meninos e o Agreste, O Casarão e Trapiá. Cyro de Mattos publicou 38 livros no Brasil, Portugal, Itália, França e Alemanha.

Seus textos estão presentes em 48 antologias, no Brasil Portugal, Itália, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Deonísio da Silva publicou os seguintes romances: A mulher silenciosa, A cidade dos padres, Orelhas de aluguel, Avante, soldados, Teresa, Os guerreiros do campo, Goethe e Barrabás. Escreveu também diversos livros de contos. Hernâni Donato (falecido em 2012) foi escritor, historiador, jornalista, professor, tradutor e roteirista brasileiro. Ocupou a cadeira nº 1 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e, desde 1972, a cadeira nº 20 da Academia Paulista de Letras. Seu principal romance é Selva trágica, transposto para o cinema. Nicodemos Sena estreou na literatura com o romance A espera do nunca mais – uma saga amazônica. Em 2000 este livro conquista o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos (Rio de Janeiro). Também publicou A noite é dos pássaros e A mulher, o homem e o cão.


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O real e o imaginário em Fábio Lucas

Carmen Schneider Guimarães Da Academia Mineira de Letras

Certo está o autor, quando assevera na introdução, “Estes Contos”, de seu livro O Zelador do céu e seus comparsas, que “a imaginação domina a mente humana com dobrado vigor”. Apresenta a prova ali mesmo, no novo livro do mestre das “críticas”, vestido e investido agora de roupagem ficcional. Fábio Lucas resolveu revolver lembranças valiosas guardadas em sua mente e acrescentar-lhes fatos e vultos que a imaginação fabulou. Vê-se que o escritor é polivalente, e escreveu, com brilho próprio, histórias de verdade e de mentira, vividas e criadas por figuras de real ou virtual existência. Digo virtual, pela era em que foram criadas e, naturalmente, digitalizadas e não datilografadas. O escritor, de há muito, com certeza, rebuscava episódios presenciados ou ideados, com entorno de saudoso universo natal, sitos em cidade planejada para o contexto: Transvalina, um ninho muito bem composto para sua criação literária, aos moldes da real Esmeraldas. O começo deixou o escritor perseverando filosoficamente, tentando situar o personagem primeiro, Sr. Jacinto Cruz, no meio de pensamentos soberbos e sofisticados: “a estrela e a galáxia, a abelha e o enxame, o mar e o grão”, e por aí vai, quando fala de uma lei geral e coisas

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mais. O homem da história é excêntrico, vê-se logo pela repulsa dele às coisas normais, Carnaval ou enterros, incluído aí o profeta Ramiro, a quem despreza; acha-o pernóstico, irrita-o o pronunciar de suas frases lapidares, mas especialmente, pela ojeriza ao banho que o distingue repulsivo, além do terrível mau hálito. Esta é outra figura relevante no processo criativo de Fábio Lucas. Talvez representem, esse e outros, tipos característicos, sobrados

de recordações de infância ou juventude, com os adereços da imaginação. A tendência, lastreada no enredo, perfaz sóbrio julgamento das figuras talhadas artesanalmente pelo autor, todas de características bem definidas, o que é próprio de bons ficcionistas. E as intromissões estudadas, no relato, de considerações e raciocínio inteligente que vêm atestar a origem de tais ideias, isto é, autor culto, que entende do riscado. Leituras soberbas de gran-

des nomes ajudam na tessitura de enredos, e sabe-se que Fábio Lucas é especial devorador de livros de estirpe. Ele não quis apenas relatar episódios curiosos e cômicos de suas reservas memorialísticas em seu livro. Às vezes, até, associava-se ao dizer rosiano, como no início de seu conto “Monólogos do carpinteiro”, quando diz: “Sô Ernesto não largava de cogitar o passado e as imagens dos dias, presentes e pretéritos...” e adiante: “o que esteve à beira de acontecer...”. Curioso também é o tratamento que o autor dispensa aos seus tipos retratados nos textos. Um deles, por exemplo, é Sô Ernesto, outras vezes, encontramos o carpinteiro com toda a cerimônia, Senhor Ernesto, e ainda, Sr. Ernesto. E surge um outro Ernesto lá para o meio do livro, aquele compadre da troca deshumana... Já o Profeta Ramiro chegou a ganhar cumprimentos rasgados de Dom Ramiro, e transcrição de carta sua altamente literária, com declaração à musa Dona Dulce, embora a missiva tenha ido dormir no sexto de lixo... O livro não é apenas um feixe de histórias trabalhadas, soltas dentro de lembranças saudosas. Fábio Lucas escreveu um romance fasciculado, com figuras aparecendo e desaparecendo, e vindo a ser desencantadas adiante. Vejamos o caso do Profeta Ramiro Elias, estampado nas primeiras páginas de O Zelador do Céu e seus comparsas


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RESENHA (editora Sarau das Letras, Rio Grande do Norte), dando seu recado, perfilado de corpo e alma, com os cacoetes e idiossincrasias que lhe impingiu o autor; e mais na frente das histórias, lá surge o homem, no capítulo-conto intitulado “Os rapapés da Despedida”. O sofrimento pelo abandono da mulher e filho, “a deslumbrante mulata Quitéria” e o Júnior, de quem não chegavam notícias a partir da fuga com o mascate Ibraim Saliba. Mas, estaca-se, ali, o Profeta com outra paixão, essa platônica. No enredo global do livro, parecia que todos se encantaram com a musa Dona Dulce, que encerra sua presença partindo para Queluz-de- Minas. O livro começa com a contratação do seu Ernesto, carpinteiro famoso, “para consertar umas tábuas na escada que conduzia ao Mirante do Sr. Jacinto Cruz”, e desastradamente, “um impulso malsão levara-o a deslocar o foco” do observatório, e obriga-o a deparar-se com aquela cena inesquecível, a troca de calcinhas de D. Dulce e a postura da funcionária dos Correios, desnuda, diante do espelho. Sabe-se que ele esnoba quando diz com vaidade: “Toda ciência corta a realidade em pedaços, é redutora”; ou quando parafraseia Drummond, referindo-se ao pássaro, no famoso verso: “vai ser guacho na vida!” . Quando se lê um autor desse naipe, com entrecortes de famosos escritores, imiscuídos despretensiosamente no correr de suas composições, torna-se necessário o máximo de cuidado para que não se deixem escapar esses preciosos momentos. Sabe-se que são espontâneos e se encaixam comodamente nos contextos.

Interpretações do novo livro de Fábio Lucas surgem aqui e ali, e é quando encontramos em Linguagem Viva”, encarte no jornal A Tribuna Piracicabana, texto de Teresinka Pereira, sob o título “O Zelador do céu e seus comparsas: contos ecléticos de Fábio Lucas”. A maneira analisada de ver e entender a palavra quase estreante de Fábio Lucas diz-nos que mesmo fora de seu “métier” de preferência, “o escritor faz presente a linguagem da crítica literária, uma técnica e uma estrutura interessantes que nos levam a crer estarmos diante de uma nova maneira de contar os casos”. “Estórias de Transvalina” serve de cabeçalho ao premiado escritor Rui Mourão para sua bem fundamentada apreciação sobre o livro aqui tratado, O Zelador do céu e seus comparsas. Diz ele que as pessoas que convivem com o autor sabem “da maneira muito peculiar do seu envolvimento emocional com Esmeraldas, a terra em que nasceu”, universo imaginário, recriado para suas fabulações. Estudo e interpretação bem cuidados seguem fazendo a crítica de conhecedor categorizado a respeito de quem desenvolve seus textos com substância literária, ali tratando especificamente do professor Fábio Lucas. E voltando ao assunto dos personagens dos diversos contos, formadores de um conjunto harmônico e participativo de estórias que se entrelaçam, vemos algumas figuras, criadas ou não pelo escritor, volteando confortavelmente em diversos textos. Chegamos a sentir certa divergência de condução da narrativa ao depararmo-nos com o relato “A festa no poço”. Notamos a mudança de foco do narrador, que, da terceira pessoa, assume a

primeira, para relatar os fatos, pois iniciava a história: “Morto de saudade eu voltava a Transvalina”. Está aí uma característica de escritores que se empolgam com suas próprias lembranças; e em novo conto, “A Praça dos sonhos”, o autor também usa sua imagem pessoal para relatar os acontecimentos; e do mesmo jeito, capricha em “ Ronda”. Diga-se de passagem, é um belíssimo lance divergente de expor lembranças! Mais um instante inesperado, com “O Regime de trocas em Tansvalina”. Quando se pensa que daí virá uma página de referências sérias a respeito da economia da cidade, o texto descamba para fato jocoso e surpreendente. Uma barganha de um relógio sem ponteiros por uma arma de caça, a lazarina, sem o gatilho... E o romance do livro continua, com uma coisa puxando outra, até toparmos com “As trocas deshumanas, seu desvalor”; A história começa com notícia já calamitosa: “Além do escambo de mercadorias e objetos raros, imperava em Transvalina o luxo dos elevados negócios inter-humanos”. E não é que se deu a troca de esposas, assim no apalavrado, com o acerto se fazendo com volta e troco? Pois é isso mesmo, a mulher mais velha seria barganhada, oferecendo seu marido, em suas veras palavras: “duas leitoas e aquele cavalo baio e seus pertences...”. Fábio Lucas ora lembra Machado, ora Guimarães Rosa, e mesmo o Eça. Ele usa o velho costume do patrício: citações em língua estrangeira (até alemão!), sem reservas. O professor é mestre de muitas artes, não há o que se negar.

EVENTO

UBE na Feira do Livro de Ribeirão Preto A 13ª edição da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto contou com a participação de uma equipe de autores da UBE nacional, ao longo de toda a programação: Joaquim Maria Botelho, com o tema Jornalismo e literatura - confluência de linguagens em “Os sertões” de Euclides da Cunha. Luís Avelima e João Batista de Andrade, com um debate sobre o tema Literatura e cultura. Menalton Braff, com o tema O conto e suas múltiplas variedades. Raquel Naveira, que falou sobre Sangue português: raízes, formação e lusofonia. Antonio Carlos Fester, tratou de Literatura e direitos humanos. Daniel Pereira e Levi Bucalem Ferrari compuseram uma mesa que discutiu Literatura e ruptura - imagens do Brasil. Gabriel Kwak fez palestra sobre Produção de biografias. Audálio Dantas apresentou, dentro do tema Literatura e liberdade, As duas guerras de Vlado Herzog. O Núcleo da UBE de Ribeirão Preto foi contemplado na programação do evento com apresentações de autores locais em espaços específicos.


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Viva o Brasil...

ODETE MUTTO

Demorou um ano até juntar dinheiro para comprar a passagem de ônibus rumo a São Paulo, quatro dias e três noites viajando na tocaia, assalto e morte sobravam pelo caminho assim mesmo veio, mãe ficou chorando não queria que viesse, lá pelo menos tinha um teto, arroz e feijão, água bem pouca, poeira e sol todo dia, roça perdida por falta de chuva, roupa surrada remendada, vinte anos nem o próprio nome sabia assinar na enxada desde os seis anos, a escola quatro léguas distante de casa ficou na saudade; irmãos mais velhos trabalhando duro, pai também, haviam até pensado em se mandar para o Rio de Janeiro ou São Paulo , mas não conheciam ninguém naquelas bandas era perigo demais,faltou coragem,desistiram. Porém ele Raimundo da Silva fincou a ideia na cabeça, não escutou conselho de pai ou mãe, a irmandade ficou calada. Agora estava chegando, duas horas da tarde, carros, ônibus caminhões tudo se espremendo na estrada, tanta placa no caminho, pensou que na cidade, sem leitura,a vida seria mais difícil que no sertão. Paciência. Era o preço da troca. Alguém gritou: - Rodoviária do Tietê. Raimundo não entendeu. A velha sentada ao seu lado avisou: - Pega tua trouxa a gente chegou. Agarrou a sacola que o pri-

mo emprestou contra vontade: uma calça, uma camisa, uma cueca, um pedaço de sabão de cinza feito pela mãe, uma toalha pequena esgarçada, dava para levar com um dedo. Ajudou a velha que estava trazendo mais tralha do que conseguia carregar. Ela perguntou se algum parente dele sabia de sua chegada e tinha ido esperar na rodoviária. - Não senhora. - E vai pra donde? - Sei não,depois eu vejo. A mulher não gostou. Mais um para engrossar a fila dos bandidos, ou será que não?! Desceram. - Meu neto está por aí avisei que vinha hoje. Raimundo permaneceu calado perdido no meio de tanta gente com as sacolas da dona que não parava de falar, o neto teria esquecido e ela ia embora como? Não conhecia o caminho... De repente deu um grito: - Olha ele lá encostado ao pilar, é ele o boné vermelho na cabeça. Andou em direção ao rapaz gritando: - Cícero, ó Cícero a avó chegou, vem ajudar aqui tem coisa pra baldear. O rapazinho ouviu veio ligeiro empurrando quantos encontrou pela frente - Vó está boa? Credo pensei que não voltasse mais, demorou muito... - Este moço aqui ajudou avó com os pacotes... Raimundo entregou as encomendas o outro estranhou: - Tudo isso e quem deu e o que é? - Tia Conceição e tia Aparecida. É pernil salgado, queijo de coalho, rapadura. Tem uma camisa novinha só lavou uma vez encolheu não cabe em ninguém de lá, em tu vai servir. Alcançaram a Avenida Raimundo avisou: - Vou parando por aqui. A velha estrilou:

- Na rua sozinho sem parente nenhum isso não. Neto pensou depressa, era bom aquele ir junto. De certo podia ajudar com a carroça, em dois pegariam o dobro do que ele catava só, daria um dinheiro pro cabra, mas não tudo,afinal a carroça era dele o outro ia entrar apenas com a força do corpo. - Vó ele vem com a gente, pra durmi se ageita, comida mãe fez feijão e arroz... Lembrou do pernil, esqueceu o resto. Raimundo indeciso foi andando um pouco atrás, iam devagar ,a velha não estava aguentando.Pararam por conta do cansaço dela. - Vó vou buscar a carroça, espera aí com ele. Saiu correndo. Raimundo não falou nada.Sentaram na calçada,Ela foi contando a história do neto,o pai dele um peste havia largado a filha com barriga e sumido no mundo. As duas criaram o menino, tinha dezoito anos que moravam ali,na beira do rio. No começo de favor no barraco de outras gentes; devagar foram comprando material, as telhas levantaram o casebre os vizinhos homens ajudaram bastante, menino crescendo andou um pouco na escola depois largou, se botou junto com os mais velhos, tudo catador de lixo, a mãe trabalha em casa de família, ele quis comprar a carroça a mãe deu uma força... Cícero apareceu puxando a carroça. Raimundo continuou mudo, o outro ajeitando os pacotes estava acostumado fazia aquilo sete dias por semana o ano inteiro. Os dois subiram a velha levinha que rápida se acomodou feliz da vida. Raimundo viu a placa no lado da carroça, sentiu raiva, não sabia ler. Mas o neto sabia um pouco, podia ajudar... Afinal tinha carregado as tralhas da avó dele... Tomou coragem perguntou o que estava escrito na carroça. - Viva o Brasil, respondeu dando risada o neto. - Está escrevido Viva o Brasil

Saiu devagar preocupado com a avó, Raimundo ao lado mal acreditando no que via, carros correndo gente também e a carroça desviando de todos, perigo grande. Cícero avisou: - Aqui dentro do varal é mais seguro, vem... Raimundo aceitou, sentiu-se menos ameaçado. Atravessaram a avenida larga depressa o farol fechava rápido. Mais uns metros apareceu o rio, barracos enfileirados a perder de vista, mau cheiro, crianças, cachorros, lixo amontoado. A avó espertou: - É aqui não é? Já conheci. - É sim. - Graças a Deus, tava morta de saudade. Raimundo se ofereceu para puxar a carroça. A ajuda foi bem vinda, desde as cinco da manhã naquela lida... - Pega aí, agora é tranquilo. Foram seguindo lentamente, o chão cheio de buracos. - Para no barraco de janela verde, encosta mais perto, amarra a corda naquele pau e vamo por a avó na terra. A velha apeada, depois os pacotes dois passos e estavam na porta. Cícero havia colocado uma fechadura em cima outra em baixo, sempre era mais garantido Puseram a carga toda dentro de casa, a avó já de papo com a vizinha, neto e Raimundo beberam água mas não comeram nada, deram as chaves para a avó, pegaram a carroça e saíram quem sabe ainda podiam achar um monte de papelão, vidro, latinha de refrigerante, cano enferrujado, eram só três da tarde... Raimundo perguntou: - Que está mesmo escrito na placa? - Viva o Brasil, - o neto respondeu.

Odete Mutto é associada da UBE.


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Pelas águas da filosofia e da poesia MARCO AQUEIVA

Conta Armindo Trevisan que certo esquimó, após desabalada carreira, sentou-se na neve e explicou: “Preciso esperar que minha alma me alcance novamente”. Variações de uma constatação. (1) “Estou à frente de meus pensamentos; por isso, meu corpo precisa esperá-los.” (2) “Sei que o mundo existe, mas não sei se existo. // Estou mais certo da existência da minha casa branca // Do que da existência interior do dono da casa branca. // Creio mais no meu corpo do que na minha alma, // Porque o meu corpo apresenta-se no meio da realidade.” (3) “Não sei bem onde foi que me perdi; // talvez nem tenha me perdido mesmo, // mas como é estranho pensar que isto aqui // fosse o meu destino desde o começo.” Provavelmente não para o esquimó da anedota, confiante que está em suas divindades, as variações apresentadas em (1), (2) e (3) aproximam-se tematicamente. Da paráfrase pedestre, passando pelo excerto de Alberto Caeiro e chegando ao poema de Antonio Cicero pode-se depreender que um mesmo sentido é compartilhado: dúvida e incerteza existencial. Não à toa o título do último texto é “Perplexidade”, posição original que marca a busca do homem pela verdade. Ajustando o rumo, partindo de um questionamento que já se tornou folclórico. Até que ponto o homem está em suas obras? Variações cabíveis dessa questão aplicadas ao autor de “A cidade e os livros” (poesia) e “O mundo desde o fim” (ensaio filosófico). Em que medida o filósofo está no poeta? Até onde os assuntos do poeta interessam ao filósofo? De que maneira o modo de ver do poeta aproxima-se da razão inexcedível do filósofo? Para pouquíssimos como Antonio Cicero que, filósofo e poeta, navega bem há muito nas águas da linguagem comum à filosofia e à poesia faz todo sentido “Pensar

que isto aqui fosse o meu destino desde o começo”. Poesia e Filosofia (144 páginas), de Antonio Cicero, publicado em 2012 pela Civilização Brasileira, é um ensaio instigante por buscar determinar a especificidade dos discursos filosófico e poético. A atitude filosófica e a atitude poética compartilham o mesmo desígnio: desvendar o mundo. Seria então por isso que o que torna determinado poema admirável são as teses filosóficas contidas nele? Por outras palavras, seria então a dimensão cognitiva ou ideativa o que faz deste ou daquele poema um objeto admirável? Parafraseando Merleau-Ponty, nosso autor diria que, embora seja uma máquina infernal de buscar significações para o mundo, um livro de filosofia é resultado de uma atividade inteiramente diferente daquela que resulta em um livro de poemas. Concebido por filósofo para atender tanto ao leitor espe-

cializado quanto àquele leitor iniciante disposto a interagir ativamente com o objeto que pretende conhecer, Poesia e Filosofia apresenta 23 ensaios encadeados com método e rigor, expostos com clareza e fluência. Um dos momentos decisivos do estudo é – como destaca Evando Nascimento – quando o autor estabelece a diferença entre pensar sobre o mundo, próprio da reflexão filosófica, e o pensar o mundo, intrínseco à atividade poética. Outros aqui e ali dariam seguidas provas da relevância da obra na compreensão dos sentidos que busca esclarecer (o que é da dimensão do poético e o que é do âmbito do filosófico). Própria da atitude do filósofo comprometido com um posicionamento admirável e claramente inequívoco em torno da busca da verdade, é com a citação a seguir que encerro esta aligeirada apreciação: “a filosofia que negue a si própria a possibilidade de co-

nhecer a verdade está, ipso facto, negando a si própria a possibilidade de enunciar tal “verdade”. Logicamente, não resta à filosofia senão rejeitar esse suicídio e afirmar sua própria potência. É importante que o faça, tanto para si própria quanto para a poesia, pois, se esta constitui a afirmação radical e imanente do mundo fenomenal, imediato, aleatório, finito, aquela é o núcleo do empreendimento moderno de crítica radical e sistemática das ilusões e das ideologias que pretendem congelar ou cercear a vida e, consequentemente, congelar e cercear a própria poesia.”

Marco Aqueiva é professor e escritor. marco. aqueiva@ gmail.com

Aulas de gramática aplicada O livro “Aulas de gramática aplicada”, de Hélio Consolaro, tem a pretensão de ser manual de muita gente, um livrinho de consultas rápidas na bolsa, no carro, na gaveta. Interessante para profissionais que têm o idioma como ferramenta (advogado, jornalista etc), concursandos e estudantes. O livro, com quase 350 páginas, gasta 150 delas com tira-dúvidas organizado em ordem alfabética. Além de dificuldades do idioma, como: Correlação verbal Crase - acento grave O desaparecimento do cujo Erros grosseiros Este, esse, aquele Sentidos do verbo haver Emprego do hífen (conforme o Acordo Ortográfico) Relação de palavras homônimas e parônimas Emprego do infinitivo O emprego das maiúsculas

Ortografia - algumas regras Pleonasmos viciosos Curiosidade: pontuação faz a diferença Por que o porquê é tão difícil? Verbos abundantes Verbos defectivos Terceira parte - apêndices Vozes verbais Abreviaturas nas citações bíblicas Principais nomes que admitem forma coletiva Relação de expressões latinas Lista de abreviaturas Palavras estrangeiras usadas no português Palavras inglesas usadas no português Relação de adjetivos pátrios Relação de verbos que indicam vozes de animais Sites e edições eletrônicas recomendadas Livros e dicionários consultados

“Aulas de gramática aplicada”, 2.ª edição, impresso na Mil Cores, com Edição do Autor, foi escrito conforme o Acordo Ortográfico e apresenta 40 exercícios sobre ele num suplemento. A 1.ª edição foi publicada em junho de 2007 e teve 3.500 exemplares vendidos.

benditalingua@gmail.com


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LIVROS (Esta coluna foi integralmente preparada pela estagiária da UBE pelo convênio com o CIEE, Beatriz Esteves)

Verso–Uni–Versátil–Di– Verso, Gaiô. Editora Scortecci. A poética da arte visual é traduzida, neste livro, aliada à palavra, versando o pictórico pelo traço e cor, pela escrita junto ao desenho, em linguagem de sentimentos.

todo o coração.

O publicano e o sepulcro vazio, Pablo Rios. Editora Ados. Buscar Jesus é o tema principal desta história, que conta, a partir da procura vitalícia do publicano Isaque por Ele, quais são os problemas típicos sofridos pelas pessoas quando buscam algo de Poesia, filosofia, gastronomia, Sara Abud. Hímpeto Editorial. Ser singular, neste livro, é descobrir algo novo no que sempre soubemos: amar, pensar e alimentar-se não é só viver, mas desfrutar a vida enquanto a temos.

Letras rebeldes e fluidos insensatos, Novaes. Editora Letras e Versos. Dezessete nos quais, segundo as palavras de Benito Petraglia, doutor em Letras pela UFF que assina o prefácio, “a fluência narrativa e o ritmo ágil se somam à inventividade para nos vencer por nocaute, na conhecida caracterização dada por Cortázar aos efeitos produzidos por um conto significativo”. Dias difíceis da vida fácil, Dias. Editora Scortecci. Estes contos são a união de diversas histórias de garotas de programa, que trabalham e vivem desta maneira não só por escolha própria, mas por diversos motivos que a vida lhes impôs. O sujeito multiplicado, Hilda Gouveia de Oliveira. RG Editores. Este livro de contos contempla 17 histórias curtas, versando sobre os mais diversos assuntos, que de imediato prendem o leitor e o emocionam.

Outros silêncios, José Geraldo Neres. Editora Patuá. Esta coletânea de contos, na qual o lirismo tem precedência sobre o enredo, é uma poética de imagens, símbolos e mitos alinhados em construções geométricas que desafiam o leitor e convocam sua men-

Histórias do sertão do Goiás, Herculano Wagner Editora Kelps. O livro mostra a vida na órbita estreita do sertanejo, expressando suas crenças e fragmentos prosaicos do comportamento e da realidade político-social. Ao mesmo tempo, utiliza uma terminologia hoje pouco usada e conhecida, porém, lógica, emocional e prática.

O conto brasileiro hoje – Volume XXII, Reginaldo Dutra. RG Editores. O presente volume reúne histórias saborosas com a participação de diversos associados da UBE. Ora românticas, ora mescladas de mistério e ação. Tendências variadas que refletem o Brasil e suas diversidades. Todas com um traço comum: permitem um passeio pela imaginação.

O choro de uma rosa. Joatan Soares de Mattos. ArtGraf Gráfica. História acompanhada de rimas, tornando a leitura divertida e contagiante. Segundo o autor, é impossível ler e não se divertir ao mesmo tempo...

te e sentidos.

Veredas para a esperança, Pe. Enivaldo Santos do Vale. EDICON. “Ofereço a você uma lente com graus que possibilite enxergar de onde você está, por meio da poesia, pois Deus lhe encoraja, mesmo tendo grandes obstáculos na travessia no percurso da fé e da vida.” Literatura e mídia, Pedro Pires Bessa. Editora do Autor. Este livro é uma compilação das teses de doutorado e pós-doutorado, livros e artigos que o autor publicou, e que analisam as relações entre cinema, televisão e internet com a literatura, sempre relacionando-os com a mídia.

de Camaleone.

O roubo da luz, Regiane Maria de Oliveira. Editora ST5. História infantil com o relato de Milu, uma pequena e alegre vaga-lume que passa por grandes problemas, e que recebe ajuda de Voador, da senhorita Cantante e, principalmente, O despertar das mulheres – Ciranda das Poesias, Gesiane Dias Dourado. Editora ST5. Este livro é composto de cirandas que contam histórias de alma e que poetizam os arquétipos das deusas que vivem em cada mulher.

A festa da bicharada, Joatan Soares de Mattos. ArtGraf Gráfica. Histórias rimadas tendo os animais como tema. Narrativas alegres, especiais para crianças. Pensar é viver, Alaor Barbosa. Editora Kelps. Reunião de textos sobre várias questões de Direito, em especial Direito Constitucional, em suas intrínsecas conexões com a Política e a História. Antologia brasileira diamantes (III), Fídias Teles. Gráfica Berthier. Esta antologia composta de crônicas, poemas, contos entre outros, apresenta os autores, segundo o autor, como se fossem diamantes: brilhantes e resistentes. A restauração das almas amputadas, Fídias Teles. Gráfica Berthier. Conforme a quarta capa, este livro é um estudo parapsicológico e metafísico da espiritualidade que abre diversas possibilidades ao leitor, para que este compreenda as verdades nas áreas da paranormalidade e da mediunidade. Onde nascem as lendas, Mônica de Souza Lopes. Editora do autor. Carolina, de repente, é lançada num grande conflito. Sua própria humanidade é questionada. Quem é humano,


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LIVROS afinal? Será que o número de membros de uma pessoa define isso? A violência é digna de conquistar a humanidade cheia de mistérios? A rosa que não queria ser azul, Sirlene Cristófano. Editora Alternativa. Esta é a história de Cristal, uma menina atenta à tudo,e que tem o desejo de ser diferente do que é, para assim, ser aceita entre as outras crianças mais favorecidas. Ela encontra a solução através de seus devaneios: “colorir o mundo” com a sua própria imaginação. Contos, crônicas e cordéis, Marcos Mairton. Editora Conhecimento. Coletânea de vinte e um textos, sendo sete em cada um dos gêneros literários anunciados no título, com temas os mais variados. Histórias de amor e traição, lendas, dramas sobre o estresse da vida moderna e uma divertida narrativa sobre apelidos, isto apenas entre os contos. Teoria e prática penal e processual penal de defesa - casos concretos, Ernesto Coutinho Júnior. Editora Cronus. Segundo o autor, esta obra é uma ferramenta essencial para o operador jurídico. O autor mostra de forma clara, objetiva, simples, dinâmica e, ao mesmo tempo, aprofundada e extremamente atual, pois foi cuidadosamente pesquisado e estudado de forma diferenciada, tendo como principal virtude ser completo, abordando os principais temas do Direito Penal e Processual Penal. Lugar cheio de rãs, Celina Moraes. Editora Dobral. As tramas do destino enredam os personagens deste romance de estreia. André é um empresário bem-sucedido que acredita no poder transformador da educação e nas possibilidades de construção de uma vida melhor. Vive num país oprimido pelo regime autoritário e tenta educar sua filha adolescente sob os preceitos da democracia. Autores fichados, Walder Pinho. Editora do Autor. A metodologia científica indica, no caso de leituras para pesquisas, que as obras consultadas sejam lidas e relidas e que seja feito um fichamento no texto para que se destaque o que o autor escreveu sobre o tema pesquisado. Autores Fichados é a

reunião de fichamentos de autores do mundo antigo e pensadores atuais. Abre a boca, Calabar, Valdeck Almeida de Jesus. Editora Pimenta Malagueta. Este livro é resultado do “Concurso de poesia Abre a Boca Calabar” destinado à comunidade do Calabar, Bahia. É uma compilação de todos os poemas publicados, não tendo sido estabelecida qualquer distinção ou processos classificatórios, de forma a manter o grupo unido, sem competição interna. O catador de palavras, Antonio Ventura. Editora TopBooks. Este livro de poemas apresenta o reencontro de um homem consigo próprio, na sua mais intensa vocação: para além de um “catador”, um transfigurador de palavras.” (Antonio Carlos Secchin) Só o amor consegue, Zíbia Gasparetto. Ditado pelo espírito Lucius que, ao narrar a história da órfã Margarida e de seus pais adotivos Fernando e Dora, envolve o leitor numa intensa e dinâmica trama que leva a refletir sobre o poder do amor para o progresso em todas as áreas da vida. O que a vida me ensinou, Frei Betto. Editora Saraiva. Uma história muito bonita de superação, de alguém que luta pelo que acredita, pelo que julga ser melhor para o povo. Frei Betto aborda diversos assuntos: religião, política, ideais, estilo de vida, enfim, apesar de estar ligado à Igreja Católica e ser crítico a ela, fala com qualquer pessoa, independente de suas crenças. Os livros de cabeceira, Gabriel Kwak. Editora Multifoco. É uma declaração de amor à leitura e à criação literária. 65 intelectuais de respeito escolheram, em depoimento ao autor, seus cinco livros mais adorados. As leituras escolhidas são obras que sobreviveram ao tempo, alinhadas sem ordem de importância. Leituras que tenham dado a eles prazer, leituras que tenham estimado e formado sua iniciação cultural.

QUEM GANHAMOS

Gesiane Dias Dourado - 4271

Herculano Wagner - 4273

Joatan Soares de Matos - 4269

Newton Novaes Barra Filho- 4267

Pablo Rios - 4268

Regiane Maria de Oliveira - 4270

Sara Abud - 4272

QUEM PERDEMOS

Sérgio Luiz Gonçalves de Freitas


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ARTIGO

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O ESCRITOR

A poesia está em crise?

EUNICE ARRUDA

Suponho que a poesia seja sempre a manifestação de alguma crise. Não necessariamente a crise da linguagem, mas também da manifestação. De ideias, de sentimentos. Quando os princípios, que eram considerados sólidos, começam a não ter o impacto desejado. Porque se tornaram cotidianos ou perderam a importância. E a poesia quer sempre romper a linguagem coloquial, procura o “desvio”, precisa do “ar estrangeiro”, segundo Aristóteles para se comunicar. E no período em que a linguagem da poesia não tem mais a repercussão esperada, significa que há a necessidade de rompimento da norma anterior. Mas, quase sempre, várias normas coexistem simultaneamente, de acordo com o grau de exigência do leitor. Com o passar do tempo alguma nova forma de escrita da poesia acaba se incorporando ao sistema e é considerado como “linguagem poética”. Mas, esta mudança não abrange toda a sociedade e nem sempre é aceita por todos os leitores. Vai depender muito da formação e da sensibilidade do leitor. E, o que pode ser considerado apenas como um estranhamento inicial, acaba afastando alguns leitores não familiarizados com esta mudança. E também pelo fato da obra estar de acordo com a norma da época , não significa que a avaliação seja sempre positiva. Muitas vezes, a expectativa está voltada para algo novo e diferente. Mas, um bom poema acaba quase sempre sendo reconhecido como bom texto poético. Porque o poeta é poeta não pelo que sentiu, mas pelo que ele disse que sentiu. E é preciso que o poema tenha realmente aquele “ar estrangeiro”, segundo Aristóteles. Sabemos que Paul Valery compara

a poesia como a dança: “é um sistema de atos que não tem um fim em si mesmo e não vão à parte alguma, mas permanecem, ou seja, não morre por ter vivido”. Suponho que neste momento está havendo as mais variadas formas de se escrever poesia e as mais variadas formas de transmissão e recepção. Observa-se que, quando a poesia encontra dificuldades em habitar um livro ou quando a leitura de livros de poesia se torna quase que inacessível, há o surgimento de manifestações orais. Ou seja, grupos que se reúnem para apresentar, oralmente, os textos. E estas manifestações tem sido frequentes, principalmente na periferia das cidades onde as pessoas tem dificuldade de adquirir livros ou mesmo de ter acesso aos textos poéticos. Como exemplo temos o “Sarau Coferifa” coordenado pelo poeta Sérgio Vaz que também se apresenta nas Estações de Metrô, por exemplo. E muitos outros chamados “saraus”, apresentados em vários pontos da cidade. Devo mencionar também o trabalho árduo e gratificante das “Oficinas de Poesia”, onde um grande número de pessoas procuram e frequentam para apresentar os seus próprios textos, e tomar conhecimento da poesia em modo geral. Concluímos que mudam as formas, os lugares, para a comunicação desta linguagem, mas não muda o fascínio de ler e escrever poesia. E este “ar estrangeiro”, a forma “artificial” desta linguagem acaba se tornando uma eficiente forma de comunicação. Enfim, considero que a forma convencional da divulgação desta linguagem, pode sim, estar em crise. Mas a poesia conhece os atalhos. A poesia não está em cri-

se. As suas manifestações é que estão. Lembremo-nos dos famosos saraus que retornam sempre das infinitas publicações tão difíceis. Talvez a forma escrita tenha se tornado um alvo fácil da crise, com a rapidez das informações, com a rapidez das emoções que não suportam mais que alguns minutos.

Aceitamos dizer que a poesia é inerente ao ser humano. E o acompanha sempre. Quando não há como demonstrar agonia ou alegria, recorre-se a ela. Finalizando: a linguagem as poesia se modifica assim como todo o modo de se expressar também. Como tantas outras vozes, a poesia tem as suas exigências.

Propósito

Aproximação

Viver pouco mas viver muito Ser todo o pensamento Toda a esperança Toda a alegria ou angústia – mas ser

Ela chega dia a dia anda fala comigo

Nunca morrer enquanto viver Engano afinal construímos prédios casas jardins rosas desabrocharam trêmulas, afinal fomos submissos às ocupações do dia às estações do ano à rotação da terra Pensávamos ser esta a nossa pátria Do livro “Risco” incluído em “Poesia Reunida – Edição Pantemporâneo 2012”

Embrulha o estômago cega afasta a fome e a comida Desmancha aos poucos o que chamava vida O que chamava a vida   A terra é redonda Se corro corro o risco de chegar Ao mesmo lugar Poema Cansada das metáforas dos bares, do atalho

Geografia

dou a mão

estar em algum lugar

A palmatória é rápida voraz. Fundo o talho

sempre deixar o corpo posto em algum lugar porto onde voltar Do livro Poesia Reunida – Edição Pantemporâneo 2012

(Poemas incluídos no livro “Poesia Reunida”, Editora Pantemporâneo, SP, 2012)

Eunice Arruda, poeta, publicou no ano de 2012 a obra “Poesia Reunida”, pela Editora Pantemporâneo. poetaeunicearruda@bol.com.br


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Décio Pignatari e o implemento da comunicação eficaz A contribuição de Décio para a Teoria da Comunicação e um balanço da filiação intelectual de seus camaradas de caligramas e “mallarmagens” doutrinárias

gabriel kwak

Um dos luminares da comunicação visual, Décio Pignatari, falecido a dezembro último, desdobrou-se em muitos ângulos: poeta, ensaísta, ficcionista, semiólogo, publicitário, tradutor, dramaturgo, teórico da arte, jornalista, crítico de TV, professor, memorialista, ator bissexto, capista. Fundador da poesia concreta, influenciou sobremaneira a Arquitetura, o Design e as Artes Gráficas. Enfim, legislador vibrátil e fértil de um credo que até hoje polariza os criadores poéticos. Tendo Oswald de Andrade como santo do seu altar, os concretos se contrapunham ao que alguns deles chamavam de “nerudismo”, uma praga a ser combatida. Décio, igualmente, não flertava com o sentimental em poesia. Os que não se afeiçoavam ao projeto verbivocovisual dos três mosqueteiros do concretismo (Décio, Haroldo de Campos e Augusto de Campos) deveriam simpatizar com o trecho da música “Você abusou”, de Antonio Carlos e Jocafi: “[E me perdoe] se o quadradismo dos meus versos vai de encontro aos intelectos, que não usam o coração como expressão...” Os textos programáticos do grupo foram codificados na revista Noigandres, que sobreviveu quatro números (19521958) e documentava toda a efervescência antológica da época. O discurso teórico encabeçado pelos paulistas deveu-se muito ao entrosamento, principalmente de Décio, com seu preceptor, o filósofo e teórico da arte alemão Max Bense (1910-1990), que também se

Décio Pignatari, associado histórico da UBE, morreu em 2/12/2012.

aproximou da inteligentsia brasileira e foi consultor da Escola Superior de Desenho Industrial (1963). A poesia subjetiva era a bête noire do trio que, em 1974, traduziu Mallarmé (Décio chamou a empreitada de “tridução”, ou seja, tradução em triálogo). Os celebérrimos grafismos do poema de Mallarmé, “Um lance de dados”, de 1897, constituíram o farol da plataforma inovadora do grupo. A disposição espacial de “Un coup de dés” escandalizou os leitores de poesia da época, revolucionando o fazer poético. Sempre com as garras afiadas para o debate, o cortante Décio nunca se furtou de terçar armas com os que amaldiçoavam a poesia esquemática, se-

miótica, substantiva, antilírica, não verbal do grupo concreto. A poesia concreta é mais design gráfico do que poesia, para o meu gosto. Forma e conteúdo não se separam. A ênfase recai no SIGNIFICANTE em detrimento do SIGNIFICADO. Muita dessa atitude tinha de um vanguardismo formalista empobrecedor. Décio Pignatari era um teórico da poesia, um teórico da comunicação. Influenciou músicos populares de vanguarda como Caetano e Gil, pautou os estruturalistas, estudou meticulosamente o processo de formação de signos, pictografias, ilustrações, campanhas publicitárias, inspirou algumas experiências de música eletrônica. Criou a expressão “geleia geral”

e consentiu que seus textos fossem musicalizados e gravados por consagrados nomes da nossa música, como Gilberto Mendes. Bateu-se, como os Campos, pela redescoberta de Sousândrade (1832-1902) e pelo primado da Cibernética e da Matemática – e como eles se encharcaram de Matemática!! Mas, com o máximo respeito à destreza verbal, à perícia linguística de um Haroldo de Campos, transcriador e multimídia, pergunto a mim mesmo: será que o Brasil está preparado para tudo isso? Para essa poética, essa engenhosidade vocabular? Estaria eu próprio aparelhado para um e.e.cummings, um Mallarmé, um Pound, um Joyce? O que sei é que o livro seminal de Décio Informação, Linguagem, Comunicação foi decisivo para que eu tomasse gosto pela Semiótica, disciplina execrada por nove entre dez estudantes de Comunicação. A Teoria da Comunicação passou a ser palmilhada por mim graças a esse inesquecível compêndio. Sua aproximação com a Semiótica peirceana e a Cibernética se iniciou com suas peregrinações pela Europa entre 1954 e 1956. Décio Pignatari criou a primeira cadeira de Teoria da Informação na Guanabara, a já referida Escola Superior de Desenho Industrial, tendo sido seu primeiro professor e organizador do primeiro programa dessa disciplina. Ele mesmo conta: “Ainda em 1964, Luiz Ângelo Pinto e eu publicamos a primeira divulgação sobre a Teoria da Informação, aplicando o levantamento estatístico


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ARTIGO a textos com o auxílio de um computador eletrônico.” No já citado Informação, Linguagem, Comunicação, Décio disserta sobre as diferenças entre mensagens de natureza digital e analógica. Faz enxuta explanação sobre as línguas orientais (analógicas) e as ocidentais (digitais). Cuida, ainda, da etimologia visual do canji japonês. É menos abstrato esclarecer a ordenação de um ideograma, ordenação que é feita por justaposição. Ensina Décio, na página 21: “Em chinês, o ideograma para vermelho é formado pela montagem de quatro ideogramas (rosa, cereja, ferrugem, flamingo) que designam coisas que todo mundo conhece e que têm em comum a cor vermelha.” Sobre a organização do poema concreto como um ideograma, pronunciou-se José Lino Grunewald: “Apollinaire também percebeu a relevância desse fator preponderante – o ideograma. Dizia que a nossa inteligência precisa habituar-se a pensar sintético-ideograficamente em vez de analítico-discursivamente.” Para Décio, a redundância dos signos leva à abertura da participação de quem tem um repertório reduzido, um código restrito. Quando o signo faz parte do repértório de uma balconista, por exemplo, ela projeta neles sua experiência. Daí porque o autor nos acena ao dizer que o livro comercial ideal “é o que contèm apenas 10% de novidade”. No mesmo ensaio, Décio relativiza os rótulos do que é arte chamada de produção e do que é arte de consumo. Décio sempre fez questão de refletir sobre o sistema de produção da arte. Também meditou d emaneira aguda sobre a crise da universidade, para ele incapaz de criar e produzir pensamento bruto. Décio contrapôs a “qualidade europeia” e a “qualidade norte-americana”, ao assinalar que os europeus, já àquela altu-

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O ESCRITOR FICÇÃO

ra (o livro é de 1968), estavam se adaptando às necessidades dos mercados de consumo de massa. Décio aborda, também, o processo das elites levarem cultura às massas e vice-versa. Segundo Décio, nossas elites traduzem mal as informações que impõem às massas (“culturalização das massas” e “massificação da cultura”). Em Informação, Décio disseca conceitos como “o custo da transmissão dos signos” (Mandelbrot), o “princípio do menor esforço que rege as atividades humanos” (Zipf, que, para Décio, tem tudo a ver com redundância), a “Estétística” de Max Bense, além de tratar dos levantamentos estatísticos de palavras em textos, ou seja, linguística matemática/ análise estatística e informacional de estilos literários (esses estudos são efetuados com o emprego de computadores eletrônicos...) Poucos dominaram tanto a aplicação de critérios estatísticos como Décio. Esses estudos repercutiram enormemente no Desenho Industrial. Décio também endossa uma tendência captada por Marshall McLuhan de que o “veículo novo artistifica o anterior”. No tocante ao isolamento de Brasília, Décio também se ocupa do ruído na cadeia de transmissão da mensagem disseminado em Brasília pela precariedade do seu sistema nervoso, ou seja, da comunicação pouco desenvolvida. Reclama, então, o concurso de engenheiros-de-sistemas para o desenvolvimento dos “sistemas nervosos” nos edifícios, núcleos habitacionais e cidades. Para Décio, só se cuidou da “comunicação motofísica, digamos assim (sistema viário).” (p. 74) Décio lembra, ainda, que o cineasta russo Eisenstein buscou inspiração na composição figurativa do ideograma para suas técnicas de montagem. Veja-se citação de um site que consultei há pouco: “O filme é

dividido em cinco partes que se ocupam em provocar uma situação tal de espaço-tempo onde todos os pormenores apresentam um significado a ser apreendido pelo espectador. De forma a transcrever ideias complexas e ideologias profundas, Eisenstein chegou ao uso de técnicas de montagem inspiradas nos ideogramas orientais. Se determinado ideograma significa ‘telhado’ e outro, ‘esposa’, a união dos dois é lida como lar. Desta forma, é o choque entre duas imagens aparentemente díspares que cria o impacto, o sentido a que se quer chegar.” A conclusão a que chego depois de muito perquirir e aprender com este manual é que o tempo todo o autor parece estar preocupado com a otimização da mensagem, com o rendimento do sistema. Décio, como seus parceiros Haroldo, Augusto, Grunewald e Ronaldo de Azeredo, sempre manobrou o triálogo música-poesia-imagem, mediante instalações, intervenções, animações, videoarte, gravações, oralizações das suas poesias experimentais. Enfim, transcriações intermidiáticas, como eles gostariam de dizer...mas, apesar de todo esse legado, esse compromisso com a experimentação formal e as controvérsias até hoje suscitadas e acesas, o autor do romance Panteros parecia não dar a mínima para o reconhecimento, como decretou em entrevista à Folha de S. Paulo em 2.007: “Eu não quero saber disso, não me importo. Não existe vanguarda majoritária. O signo novo não pode ser majoritário. O novo põe em questão o que foi feito antes.”

Gabriel Kwak é jornalista, secretário-geral da UBE e membro da Academia de Letras de Campos do Jordão. senador.gabriel@gmail.com

Saudação a Lobato Senhor Presidente da Academia Paulista de Letras e colegas acadêmicos. Meu querido Monteiro Lobato, que nos visita hoje. Sua morte, em 1948, coincide com o início de sua sobrevivência como escritor. Somos herdeiros não de seu talento, mas da indignação que o revelava. Hoje, o que existe de relevante na literatura infantil, que se edita em nosso país, deriva dos livros que saíram de seu gênio irado, irreverente, irônico, sempre inteligente e muitas vezes profético. Não obstante, você escreveu para o seu tempo, frente a frente, expondo-o e expondo-se. A prisão política que o diga. Disse De Gaule ao descartar a prisão de Sartre: “Não se prende Voltaire.” Mas aqui encarceraram Dona Benta, Tia Nastácia, Pedrinho, Narizinho, o Visconde de Sabugosa e, imaginem, a Emília, uma boneca de pano que virou gente. Estamos reformando a sede da Academia de que você é símbolo. A reforma do Brasil fica para depois da Copa. Em sua homenagem, Lobato, neste 18 de abril de 2013, ocupamos uma mesa retangular e sóbria, onde se pratica a fraternidade do café e da memória. Não temos saudade. Que tipo de criatura sente saudade de retratos históricos? Somos sujeitos da cultura que nossa sociedade produziu e produz. O que sentimos é a responsabilidade de não parar, porque parar já é retroceder. Temos que seguir apesar de tudo. Apesar dos leitores insensíveis. Apesar dos editores com todas as sensibilidades, menos as culturais. Você disse uma vez: “Estou condenado a ser o Andersen da literatura brasileira.” Foi mais que isso. E tanto, e com tanta coragem e desprendimento, que refreamos a vontade de reformar o Brasil antes da Copa. Lobato. Meu velho. Feliz aniversário. Mafra Carbonieri, associado da UBE, é titular da cadeira nº 26 da Academia Paulista de Letras. jfrmafra@uol.com.br


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ENSAIO

Psicanálise e prazer estético A autora explora as relações entre estética e produção criativa, nas artes, estabelecendo aproximações desde a antiguidade.

olga de sá

A Filosofia, desde Platão, tem focalizado a beleza como fator de ordem universal. Platão distingue o belo, da arte. Enquanto o belo reside no mundo das Idéias e preside, com a Idéia do Bem à ordem do mundo, a arte é questionada como prejudicial ao Estado ideal. A relação da arte com a realidade é designada pelo termo mimese, cuja complexidade ocupou os teóricos da arte, através dos tempos. Mimese significa cópia da realidade, e daí, sob a influência platônica, gera as denominações de ilusão, representação, simulação etc. A arte – techné – é sempre uma instância segunda, pois é cópia da natureza, que já é cópia do mundo das Ideias. Aristóteles resgata o conceito de mimesis, concebendo-a como mudança de forma, isto é, transformação. Mímesis não é cópia, mas poiesis, isto é, criação de algo novo, produto da imaginação criativa orientada pelo fazer, instrumento do poeta para uma representação consciente, ou seja, a verossimilhança. A arte, para Platão, pode ser fonte de ilusão e levar ao engano por alimentar as emoções e as paixões. Para Aristóteles, a arte pode reparar as deficiências da natureza, especialmente as deficiências humanas, trazendo com isso uma contribuição moral inestimável. A beleza é uma propriedade objetiva da obra de arte e não é irracional. Há um jogo de forças complementares entre racional e irracional, entre os poderes imaginativos e construtivos da arte e as faculdades intelectivas da filosofia (cf. SANTAELLA, 1994). Se saltarmos da filosofia

grega para Kant, na Crítica da faculdade de julgar, o prazer estético reaparece ao lado do conhecimento e da vontade. A faculdade de julgar subsume o particular no universal, tomando como parte dessa operação o entendimento e a imaginação. A análise do belo feita por Kant diz que o belo é o que agrada universalmente, pois posso imputá-lo a todos, o que não ocorre com o simplesmente agradável, em que o sentimento de prazer é contingente. O prazer estético é também desinteressado, não obedecendo às finalidades cognitivas e práticas. Ele emerge do livre jogo das faculdades do conhecimento, sem determinar um conhecimento preciso. Emerge de sua capacidade ociosa, por ocasião da intuição de uma representação, que, por sua forma, pode ser considerada bela. Freud declara nada conhecer de estética, mas o prazer, segundo ele, assimila-se a um alívio de tensão, a uma descarga psíquica, quando não precisamos de nosso aparelho psíquico para nenhuma de nossas atividades, e deixamo-lo trabalhar por puro prazer. O sujeito transcendental para Kant é a sede de faculdades que operam na mesma direção e, por esta razão, podem engendrar o prazer estético pelo acordo espontâneo das faculdades cognitivas, e julgar uma representação como bela. O conceito freudiano implica num conflito de forças, cada qual pressionando numa direção diferente. Enquanto Kant visa à constituição transcendental do sujeito, tornando possíveis a experiência e o pensamento, Freud busca a constituição metapsicológica dos processos psíqui-

cos, isto é, a determinação de sua modalidade, seguindo o jogo de forças e a quantidade de energia envolvidos, em que um dado processo vence a barreira da censura, tornando-se consciente ou fantasia e permanece inconsciente. O ponto de vista econômico, que avalia os processos psíquicos, sob o ângulo do dispêndio de energia, tem um papel importante a desempenhar na estética freudiana: o prazer ou desprazer é a resultante afetiva dessa luta, que culmina com a descarga ou retenção da energia em pauta. Freud permanece tributário da tradição kantiana ao considerar que o prazer e a estética são termos da mesma série, mas subverte essa mesma tradição ao conceber o prazer não como soma harmoniosa das potências anímicas, mas como subtração efetuada por uma delas às expensas da outra. Ao mesmo tempo, o transcendental é eliminado, sendo substituído pelo metapsicológico.

A estética, como articuladora entre o sensível e o inteligível, possibilita vias de sensibilização e de apreciação da experiência de um sujeito.

Freud recolhe assim, uma parte da herança filosófica, colocando-se no campo da psicologia dita científica , integrando-a em um novo sistema conceptual (cf. MENZAN, 1970).

O prazer estético para Freud, em relação às artes, apresentava-se numa ordem, em que a poesia estava em primeiro lugar, seguindo-se a escultura, a arquitetura, a pintura e, por último a música. Na Vida e Obra de Freud escrito por E. Jones, verificamos que os artistas tinham má compreensão do que Freud escreveu sobre eles, porque suas críticas eram dirigidas a criadores literários e não a pintores. Entretanto, nas Conferências Introdutórias, Freud diz que a arte é um caminho que sempre conduz de volta, da fantasia à realidade. (cf. FREUD, v.14, Imago, 1974). A esta afirmação, seguem-se outras, que foram alvo de críticas cerradas por parte dos artistas, quando Freud afirmou que o desejo insatisfeito de honra, poder, riqueza, fama e amor das mulheres, leva o artista a dar as costas à realidade e transferir sua libido, para a criação. A princípio, o misterioso dom artístico, não necessariamente identificado com a apreciação estética – serve de isca para despertar o interesse do espectador e levá-lo a apreciar a satisfação dos desejos inconscientes, que o artista esteja apresentando: o prazer preliminar (vorlust) que conduz ao prazer final (endlust) da satisfação. A análise da técnica e da significação do chiste é considerada o marco inicial da estética freudiana: o modelo oferecido por ela consiste na elaboração engenhosa de conteúdos reprimidos. O procedimento parte da distinção entre a técnica artesanal, - encarregada de fornecer o prazer preliminar – e o elemento propriamente ideacional, que se


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ENSAIO exprime por seu intermédio. A análise procurará pôr à mostra as representações reprimidas a que o conteúdo manifesto alude, indiretamente, estabelecendo o balanço em termos de prazer-desprazer, tanto do lado do autor, quanto do destinatário da obra de arte. Esta operação pressupõe que os conteúdos reprimidos são idênticos ou semelhantes, em um como no outro. Isto permite, por um lado, a fruição da obra por parte do destinatário – como se estabelecesse uma comunicação cifrada de inconsciente a inconsciente – mas, por outro, torna possível a reconstrução do processo criativo, a partir da emoção sentida pelo espectador, o que funda a validade do método de interpretação, mesmo sem as associações do autor, e sugere, por uma rede de indícios convergentes, o sentido da obra em questão (cf. FREUD, v. IX, 1974). O estudo sobre o chiste fornece um fio condutor, em que a repressão pressupõe determinada reação no sujeito, capaz de suscitar prazer em outrem. O chiste se aproxima das produções literárias, que têm como ponto de partida determinado conteúdo, submetido a uma elaboração formal. A teoria aristotélica da catarse, como mostra Freud, tem a função de proporcionar-nos acesso a fontes de prazer e de gozo inexistentes em nossa vida afetiva (...), tornadas inacessíveis pela ação do intelecto. (FREUD, 1974, v. XIII, p. 75-6). As representações reprimidas são, segundo Freud, como as remanescentes da vida infantil, em que o conteúdo dos jogos é a realização imaginária de um desejo de ser como adultos. Este desejo se realiza pela criação de um mundo gratificante e que tem o tom da culpabilidade que é lidar, como os adultos, com o sexo oposto. A herdeira do jogo infantil é para Freud, a fantasia, como mostra no Poeta e a Fantasia, em que a criança

ao brincar se comporta como o escritor criativo, reajustando o seu mundo a outro que lhe agrade: as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória. (FREUD, 1974 v. IX, p. 152). Considerando, as conexões entre a vida do escritor e suas obras, Freud observa que à luz da compreensão interna (insight) de tais fantasias, podemos encarar a situação, como se uma poderosa experiência da infância se originasse de um desejo que encontra sua realização na obra, que revela elementos motivadores do presente e lembranças antigas da vida do escritor, como se fosse um devaneio infantil. Freud questiona a representação, cujo processo de comunicação está sujeito à repulsa do receptor, que estaria indiferente às fantasias do autor, ou ao sentimento de um grande prazer, provavelmente originário de muitas fontes. A verdadeira ars poética está na técnica de superar esse nosso sentimento de repulsa, sem dúvida ligado a barreiras que separam cada ego dos demais. (FREUD, 1974, v. IX, p. 158) Nesta técnica, ou o escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal ou estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias. Denominamos de prazer preliminar a este prazer que nos oferece a possibilidade de liberação de um prazer maior, proveniente de fontes psíquicas mais profundas. O efeito que o escrito nos oferece está na possibilidade de nos deleitarmos com nossos devaneios sem auto-acusação (cf. FREUD, 1974, v. IX) O prazer do espectador deriva da identificação das repressões com as personagens do autor, que pela ars poética realiza o trabalho de deformar suas fantasias repelentes e convertê-las em algo aceitável

para a censura. A obra de ficção, como prazer preliminar, serve de alívio das tensões instintivas reprimidas, prazer centrado no conteúdo do texto. O poeta funciona como um psicanalista avant la lettre, como comenta Freud na Gradiva, sendo que a analogia entre o processo psicanalítico e a fruição do texto de ficção, deriva de um mesmo registro: a fantasia. A apreciação estética, em Freud, voltou-se ao campo da literatura. Sua curiosidade era impelida a ver na obra de arte o que levara o artista a produzir aquela obra particular. Essa preocupação punha de lado o interesse pela técnica da arte, que para a maioria dos artistas, constitui o essencial da arte. O seu impulso científico predominava sobre o artístico. Nos textos sobre Leonardo e Michelangelo, Freud não aborda de forma direta o tema da apreciação estética, mas deixa a certeza de que o impulso criativo devia situar-se numa fantasia inconsciente, segundo ele, os artistas são dotados de poderosa capacidade de sublimação e de certa flexibilidade em suas repressões. Freud deixa transparecer em várias manifestações a respeito da capacidade artística, que é impossível defini-la do ponto de vista psicanalítico. A determinação do prazer estético como prazer de si no outro pressupõe a unidade primária do prazer cognoscente e da compreensão prazerosa, realizando-se uma reciprocidade entre o objeto e o sujeito. Este, na apropriação de uma experiência do mundo, explora tanto a sua atividade produtiva, quando a integração da experiência alheia, passível de ser confirmada, pela anuência de terceiros. O prazer estético, desta forma, se realiza na oscilação entre contemplação desinteressada e a participação experimentadora, é um modo de experiência de si mesmo na capacidade de ser outro, capacidade a nós aberta pelo com-

portamento estético. O sentimento do sublime em Kant é uma mistura de alegria e mágoa. Mágoa, pela verificação da insuficiência do sensível. A não presença cria uma nostalgia da presença – que é uma das dimensões, talvez a mais visível, da modernidade. Alegria, por adquirirmos o sentimento do nosso destino supra-sensível, por sermos capazes de pensar a grandeza da Ideia, mesmo se essa Ideia, na sua desproporção em relação ao sensível, nos surge como inumana. A lalangue lacaniana diz que toda escrita gira em torno da impossibilidade de dizer. A articulação possível, da arte e psicanálise, deverá ser feita a partir da revelação de que o ponto de impossibilidade de dizer é a não relação sexual, de que Lacan fez o cerne da descoberta freudiana. Mas tal como o amor deve compensar a não relação sexual, a literatura deve compensar a impossibilidade de dizer. A estética, como articuladora entre o sensível e o inteligível, possibilita vias de sensibilização e de apreciação da experiência de um sujeito, em uma situação, enquanto, a ética parece estar ligada, de um lado, à questão da moralização do percurso do sujeito e, de outro, à questão da re-semantização dos objetos do mundo pelo sujeito. No principio de tudo, está o sentir, o vivido, que desencadeia o reagir à experiência do conhecimento do que se deve e o que se sabe fazer. Ensaio originalmente publicado na Revista Ângulo, da Faculdade Teresa D’Ávila de Lorena, edição 119 (2009). Olga de Sá é doutora em letras e diretora da Faculdade Teresa D’Ávila de Lorena. Associada da UBE.


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O textual e o emocional na tradução literária

O autor deste artigo trata dos desafios enfrentados pelo tradutor de obras literárias OLEG ALMEIDA

“Só se pode chamar de tradução uma transposição do original para outra língua que suscite ao leitor as mesmas emoções (...) que o próprio original” – essa ideia do grande arabista russo Teodor Chumóvski (1), com a qual se solidarizam, aliás, Georges Mounin (2) e numerosos adeptos de sua consagrada escola, vem-me à mente cada vez que me vejo incumbido de uma nova tradução literária. Em primeiro lugar, ela se refere ao eterno binômio forma versus conteúdo, fadando o tradutor, por mais talentoso e experiente que seja, a hesitar entre dois tipos de adequação – a textual e, diria eu, a emocional – de seu trabalho interlinguístico. “O que teria mais relevância: o enunciado ou a alusão, o acontecimento descrito com todas as letras ou o sentimento, não raro subentendido, que lhe deu início” – pergunta-se, um dia, qualquer tradutor sério. – “E, assim sendo, o que seria a tradução em si: um processo meramente técnico que tem por objetivo a reprodução de certo texto num idioma diferente daquele em que foi redigido ou uma verdadeira arte que visa a aproximação das culturas e, por meio desta, a socialização das pessoas e, quem sabe, nações inteiras?” Ciente, desde os anos estudantis, desse dilema, eu não me importava com ele. Dois episódios vivenciados mudaram, de modo radical, a minha opinião. Quando a editora paulistana Martin Claret me encomendou a tradução das celebérrimas Pequenas tragédias, de Alexandr Púchkin, fiquei um tanto angustiado. Não estaria a obra-prima do teatro russo, escrita, para cúmulo da dificuldade, em versos, acima do meu

nível profissional? E como a faria provocar, no coração brasileiro, o impacto estético que ela causa, há quase duzentos anos, ao coração eslavo. Se tencionasse traduzi-la em prosa, minha tarefa seria muito mais fácil, porém o texto puchkiniano perderia, aos olhos do leitor lusófono, todo o seu encanto; a pérola de inspiração poética se transformaria numa tosca bugiganga artesanal, denegrindo inclusive a imagem de seu autor. Descartei a possibilidade da tradução prosai-

ca numa ambiciosa tentativa de adaptar as Pequenas tragédias aos cânones da prosódia portuguesa, mas aí surgiu na minha frente um problema inesperado. Composto o original russo de hendecassílabos e decassílabos brancos com finais alternadamente paroxítonos e oxítonos, seria lógico usar igual esquema métrico na versão portuguesa. Nem pensei, a princípio, que o decassílabo de Púchkin jamais equivaleria ao de Fagundes Varela, sendo os fenômenos da

sinalefa, comuns na versificação românica, alheios ao verso russo. O resultado que consegui, após várias semanas de incansável contagem de sílabas, foi negativo. O estilo puchkiniano, solene e coloquial, arcaico e moderno, dramático e irônico, tornou-se completamente artificial, a ponto de eu me sentir um padre jesuíta do século XVI que lançara mão da macarrônica “língua geral” para ensinar a doutrina cristã aos nativos da Terra Brasilis. “E se deixasse as regras de lado, ou melhor, se fizesse de conta que elas não dizem respeito a este caso específico?” – tomei, então, uma resolução ousada. – “Se construísse as frases portuguesas espontaneamente, pelo ouvido, provendo-as de um charmoso e indisfarçável acento russo?” Fiz isso, e minha empreitada acabou frutuosa: o sinistro solilóquio de Salieri decidido a envenenar seu rival Mozart, da peça Mozart e Salieri, e o ardente monólogo de Dom Juan a confessar sua impura paixão à virtuosa Dona Ana, da Convidado de pedra, passaram a soar com total naturalidade na língua camoniana, como se nela tivessem sido escritos. “Estás contente, pois, escrupuloso artista?” (3) – indagar-me-ia Púchkin em pessoa. “Estou, sim” – responderia eu. – “O esforço foi grande, mas certamente valeu a pena!” Mesmo se algum purista me imputasse a consciente subversão da ordem gramatical, quem lesse essas páginas comoventes não apenas conheceria as peripécias arrebatadoras das Pequenas tragédias como também chegaria a descobrir o aspecto sonoro delas, fascinante em sua multicolor expressividade. Tornei a enfrentar o dilema de forma e conteúdo, quando me encarreguei de traduzir Os cantos de Bilítis, de Pierre Louÿs, mais tarde lançados pela Ibis Libris. Não pretendia dedicar a esse “romance lírico” mais de um mês, tão simples


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UBE

O ESCRITOR

JUNHO, 2013

ARTIGO (continuação) ele me parecera à primeira vista. Transcorreram, de fato, seis meses, sem que nenhum trecho da tradução feita e refeita me agradasse, e uma espécie de desespero criativo levou-me a reconsiderar toda a metodologia pela qual tinha amiúde optado antes e que sempre se revelara aceitável. Meu texto se espelhava, até os menores detalhes, no original francês, mas não lhe correspondia no plano sentimental: leves, sucintos e consoantes à tradição literária da Grécia clássica, que o autor erudito empregara como modelo, os poemetos falsamente ingênuos de Pierre Louÿs redundavam, se transpostos para o português, numa trivial novela erótica com que um leitor culto se enfadaria de imediato. Por conseguinte, o desafio se resumia em poetizar o texto produzido, contanto que ele mantivesse sua literal fidelidade ao original – um paradoxo que logo me fez lembrar o coitado asno de Buridan. Comecei a estudar, com o entusiasmo de um calouro da faculdade de Letras, a herança crítica referente a Os cantos de Bilítis, e esta me sugeriu uma conclusão norteadora. Se não era possível interferir na parte narrativa da obra, cuja integridade eu deveria preservar a todo custo, nada impedia que me valesse de umas artimanhas inócuas a fim de realçar, em momentos oportunos, a beleza de seu estilo. Não excluiria nem acrescentaria meia palavra, mas alteraria o ritmo e a tonalidade do escrito, agindo como aquele músico audacioso que arranja uma sinfonia para a banda de jazz. O ponto de partida que escolhi no intuito de aprimorar a versão portuguesa de Os cantos foi a prosa cadenciada de Longo, escritor grego do século III d.C., cujo livro Dáfnis e Cloé, bem popular na época do Arcadismo, impulsionara o desenvolvimento do gênero bucólico em toda a Europa. Não seria justo que, advindo ele próprio de uma brilhante imitação da poesia helênica, o texto de Pierre Louÿs adquirisse um pouco de sua plácida e melodiosa fluidez? Terminando esta breve reflexão sobre os dilemas que o tradutor encontra em sua prática cotidiana, eu gostaria de explicitar o meu credo profissional. Concordo com Paulo Rónai (4), cujos passos me proponho seguir no Brasil: a tradução perfeita é uma quimera. Se pudés-

Oleg Almeida e os dilemas da tradução literária.

semos, ainda, traduzir um romance em plena conformidade com o desígnio autoral, nem que nos cumprisse, para realizar tal façanha, guarnecê-lo de inúmeros comentários históricos e linguísticos, essa tática teria imensas chances de falhar caso aplicada a um poema. Há quem procure, ao deparar-se com este impasse, pelo rigor filológico, tremendo sobre cada linha do escritor traduzido; há quem prescinda, pelo contrário, deste e dá largas à mais intrépida fantasia. Não tiro a razão de ambos, embora o fato seja cediço: uma tradução realmente boa, por dentro e por fora (aqui me recordo, em particular, das magistrais Flores das Flores do Mal, de Guilherme de Almeida), apresenta-se tão excepcional como qualquer coisa benfeita. Quanto a mim, tenho tomado, em semelhantes circunstâncias, um terceiro caminho, o da precisão que não

seja servil e da criatividade que não conduza à anarquia. Se, por algum motivo, a exatidão absoluta se anuncia inalcançável, nada me resta senão recorrer aos inúmeros estratagemas de meu conhecimento em busca daquela exatidão emocional de que falei no começo do artigo. Uma obra literária de qualidade, seja ela criada em primeira mão ou traduzida, não se limita a entreter os leitores e transmitir-lhes uma porção de informações úteis, mas tem como propósito tocar nas cordas mais íntimas de seu espírito para deixá-los alegres ou tristes, pasmados ou arrepiados – numa palavra, cheios de emoções – e, máxime, incentivá-los a refletir sobre o lido. Ora, a meta principal do tradutor consiste em localizar essas cordas e fazê-las vibrar, convertendo-se para tanto no coautor dos maiores mestres da literatura universal e partilhando

com eles, primeiro, um árduo labor intelectual, e depois um grão de efêmera satisfação ante o efeito obtido. Afoita engenhosidade em interpretar as obras de outrem e sóbria humildade na hora de submetê-las ao julgamento público, essas são as virtudes intrínsecas a quem abraçar o ofício de tradutor. NOTAS: (1) Chumóvski, Teodor Adâmovitch (1913-2012): egrégio cientista russo, autor da tradução poética do Alcorão. (2) Georges Mounin (19101993): linguista francês, autor dos livros As belas infiéis: ensaio sobre a tradução e Os problemas teóricos da tradução. (3) Verso do soneto A um poeta, de Púchkin. (4) Paulo Rónai (1907-1992): ensaísta, crítico literário e tradutor húngaro, naturalizado brasileiro; autor dos livros Escola de tradutores e A tradução vivida.


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