Intelecto e Personalidadade

Page 1



ANTONIO MENEGHETTI

INTELECTO E PERSONALIDADE Tradução: Ontopsicologica Editrice

Ontopsicologica Editrice Recanto Maestro - RS 2006


© Copyright 2006 Ontopsicologica Editrice Do original Intelletto e Personalità (2005) Todos os direitos reservados pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Depósito Legal na Biblioteca Nacional Brasileira conforme a Lei 10.994 de 14/12/2004. M541i Meneghetti, Antonio, 1936Intelecto e personalidade / Antonio Meneghetti; tradução Ontopsicologica Editrice. – Recanto Maestro, RS : Ontopsicologica Editrice, 2006. 170 p. ; 20cm Inclui bibliografia ISBN 85-88381-31-1 1. Ontologia. 2. Epistemologia. 3. Psicologia. 4. Filosofia. 5. Personalidade. 6. Ontopsicologia. I. Título. CDU: 159.9

Nota de tradução: por se tratar de um livro que apresenta uma rica linguagem epistemológica, optamos por utilizar neologismos na tradução de vocábulos existentes na língua italiana que não possuem um correspondente exato na língua portuguesa, ao invés de utilizar termos aproximativos e expressões interpretativas ou explicativas. Nota dos editores: muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa editora para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a Ontopsicologica Editrice nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais bens ou danos originados do uso desta publicação.

Ontopsicologica Editrice Rua Recanto Maestro, s/n - São João do Polêsine/RS - 97230-000 www.ontoed.com.br - info@ontoed.com.br


5

SUMÁRIO

PRIMEIRA CONFERÊNCIA

Introdução..................................................................9 1.1 A economia baseada na desgraça.....................10 1.2 O judaísmo como elemento que pré-condiciona a civilização e cultura européias.....................11 1.3 Esquizofrenia (individual e coletiva) e tecnologia digital..........................................15 1.4 A civilização acádica........................................21 SEGUNDA CONFERÊNCIA

2.1 Recuperação do conhecimento clássico da psicologia superior......................................35 2.2 O conhecimento filosófico do Em Si ôntico para a solução do problema crítico do conhecimento.............................................39 2.3 O objeto primeiro do intelecto: o ente enquanto ente.......................................42 2.4 As posições do intelecto (possível e agente) e as suas manifestações (consciência e razão)...............47


6

• INTELECTO E PERSONALIDADE

TERCEIRA CONFERÊNCIA

Premissa...................................................................53 3.1 O intelecto agente e o conceito de “verdade”...53 3.2 Memória e formação dos estereótipos.............59 3.3 A visão ôntica e a espiritualidade do universo.............................63 3.4 O erro..............................................................68 3.5 O juízo e a razão..............................................69 QUARTA CONFERÊNCIA

4.1 Uma constante colocação no ponto consente verificar a própria autonomia de pensamento e de comportamento........................................73 4.2 Como impostar hoje a filosofia do futuro........74 4.3 Vontade e liberdade..........................................76 4.4 Três estradas para chegar ao verdadeiro saber..82 4.5 A auto-reflexão da alma...................................85 4.6 Alma e matéria................................................86 4.7 O conceito de “pessoa”...................................87 4.8 Divagações filosófico-teológicas.....................90 QUINTA CONFERÊNCIA

5.1 5.2 5.3 5.4

A presença da alma no corpo..........................93 Unicidade e irrepetibilidade da alma...............95 Relação entre Ser e existência.......................101 O aparecimento da alma e problemáticas bioéticas..............................103 5.5 Racionalidade e justiça..................................107 5.6 A imortalidade da alma..................................110


SUMÁRIO

7

SEXTA CONFERÊNCIA

Como impostar a filosofia do futuro: aplicações do método ontopsicológico aos princípios da filosofia perene...........................115

SÉTIMA CONFERÊNCIA

7.1 O nucleotídeo informático: o módulo elementar que formaliza o universo..............141 7.2 Criacionismo e evolução................................145 OITAVA CONFERÊNCIA

8.1 Humildade do homem nos confrontos da ordem universal da vida...........................147 8.2 Síntese ética...................................................149 8.3 Conclusão poética..........................................154 BIBLIOGRAFIA DO AUTOR...................................157



9

PRIMEIRA CONFERÊNCIA

Introdução

Esta é uma conferência de cultura geolingüística que, partindo da ótica de uma cultura de pelo menos 5.000 anos (e talvez até mesmo de 8.000 anos), revendo – em um certo sentido – o planeta Terra por meio das culturas que buscaram ocupá-lo, propõe-se fazer compreender do que os homens são o resultado, sobretudo os europeus (compreendida a Rússia), ou seja, toda a faixa que vai dos Urais até a Espanha, à Inglaterra, à Suécia, deixando de fora somente a China e as civilizações conexas a ela; as duas Américas são dependência, apêndices da grande mãe Eurásia. Esta revisão é muito importante para os intelectuais de crítica ontopsicológica, para entender qual superego, qual hipermoral, qual língua-mãe, quais foram os modelos primordiais da chamada “cultura humanista”. A partir das origens é possível entender o próprio presente e, portanto, adquirir maior consciência, autenticidade e – sobretudo – responsabilidade para centrar o modo de adesão, a própria inteligência e vontade nas coisas que contam; e é sobretudo quem tem iniciação ontopsicológica que pretende ter também uma exatidão de formação histórica.


10

• INTELECTO E PERSONALIDADE

1.1 A economia baseada na desgraça

A ocasião desta conferência partiu da constatação que, enquanto na Europa se enfatizava a explosão de algumas bombas em Londres1 (que, se é verdade, entre certos e incertos teria causado cerca de oitenta mortes), contemporaneamente, nos telejornais russos, a questão destas bombas era somente um caso normal de crônica, enquanto era relatada a notícia dos desastres naturais que aconteciam na China (e em outros lugares) que tinham provocado centenas de mortes. A Europa, portanto, de um lado enfatizava um fato e, do outro, não informava sobre situações nas quais outras pessoas eram mortas em modo maior. Nos jornais europeus – neste caso por “Europa” entendo: França, Alemanha, Inglaterra, Itália etc. – era apresentada essa notícia massificante e todos eram levados por uma necessidade de escândalo. Diz-se que tenham sido quatro (como os quatro cavaleiros do Apocalipse) jovens terroristas. Jovens que são capazes até mesmo de perder a vida para seguir um mandato, ainda que depois é de se verificar de quem parte um mandato como esse. Aqui surgem os questionamentos dos jogos das grandes potências, que têm sempre interesse de que a guerra seja alimentada, abastecida de ocasiões, de desculpas. De fato, enquanto para um pobre basta meio quilo de pão para viver, a indústria bélica de uma grande Na manhã de 7 de julho de 2005, a explosão de quatro bombas atingiu o sistema de transporte público de Londres, durante o horário de pico para o transporte de pessoas que iam trabalhar. Três metrôs de Londres foram atingidos quase contemporaneamente e, pouco menos de uma hora depois, um ônibus foi explodido. 1


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

11

nação consumista tem necessidade de milhares de coisas (ferro, petróleo, carbono, urânio etc.) e, de qualquer modo, tenta recuperar poder econômico de qualquer parte. Por aquela que é a visão apresentada há pelo menos um século de história, o dinheiro hoje é ganho por meio da desgraça: incrementando a desgraça – de qualquer forma, da doença à epidemia, à guerra etc. – ganha muito bem quem inteligentemente sabe discriminar esse marketing sobre o limite e a desgraça do homem. A desgraça está na base da grande economia, sobretudo daquela norteamericana e européia. 1.2 O judaísmo como elemento que précondiciona a civilização e a cultura européias

Os homens encontram-se em uma situação mental na qual observam o mundo com olhos pré-impostados, telecomandados, e não o observam por como ele realmente é. Indagando, por exemplo, como este planeta era no início, não se pode prescindir do fato que, no século XIV a.C., Moisés escreveu a Bíblia, o Decálogo, um livro (que trata da história dos judeus de cerca de 2.000 a.C) que devia ser o vade-mécum, o estereótipo, a referência legal2 para o seu povo. O pequeno povo judeu não tinha nem uma grande terra, nem uma grande história, nem um grande reino, e esperava o Messias. Era um povo que freqüentemente era humilhado e, portanto, na sua Porque na visão judaica é preponderante a lei, enquanto na islâmica e na cristã é preponderante a fé. 2


12

• INTELECTO E PERSONALIDADE

psicologia, tinha a necessidade de um redentor, de um salvador: necessitava compensar a própria frustração de séculos, por ter sido vencido e pisado pelos outros povos, e transmitia a idéia necessária de que Deus o salvaria e, conseqüentemente, a idéia do novo conquistador, o novo grande Golem definitivo3. Tal mentalidade chegou íntegra até o completo islamismo. Também Maomé (séc. VI d.C.) definiu-se um profeta e criticou “a gente do livro”, ou seja, os cultores da Bíblia (os judeus e os cristãos) acusando-os de não entender aquele livro e afirmando que o Livro deveria ser entendido como era também apresentado no Alcorão. Portanto, até o islamismo entrou nessa formação cultural reflexa a partir da unicidade de um livro: a Bíblia, que vai do Gênese ao Deuteronômio, até todo o Novo Testamento (Buda, Lao Tsé, Confúcio são do século VI a.C. Eles falam de um pensamento pré-existente há alguns milênios). O judaísmo, que é a cultura-mãe da Europa atual, influenciou todo o período helenístico4; em seguida, formou-se a ideologia cristã que usou o Cristo histórico ao seu modo e, sucessivamente, a Roma pagã se converteu ao monoteísmo, centralizando dessa maneira a autoridade de modo teístico. Voltando à grande cultura grega (que não é muito antiga: começa aproximadamente nos séculos IV-V a.C.), ainda que ela se movesse com os próprios poetas, tragediógrafos, filósofos e alguns legisladores, Tenha-se presente que, enquanto os cristãos afirmam que o Redentor chegou, os judeus ainda o esperam, ou então declaram que apareceu em diversas formas. 4 No período helenístico, a Bíblia é traduzida para o grego. 3


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

13

contemporaneamente era já presente a comunidade judaica, por isso todo o helenismo foi um conúbio que arruinou e destruiu a identidade cultural da primeira humanidade. A humanidade viva, aquela operante, ao invés disso, que psicologia, que história tinha? Como pensava? Como vivia? Os europeus realmente se originam de modo total da civilização greco-romana? Olhando para trás, o único livro antigo que chega – de modo revisto, corrigido, e sempre exato – é a Bíblia. Os outros (milhões de livros) foram destruídos, seja pelos cristãos, seja pelos islâmicos, seja pelos judeus. As grandes bibliotecas, onde era recolhido o saber de todos os tempos foram completamente devastadas5 e foram salvos somente a Bíblia, os Evangelhos e o Alcorão. Todavia, a destruição dos livros antiqüíssimos já havia acontecido. Quando escrevia a Bíblia, porém, Moisés conhecia uma cultura mais antiga, ou seja, a cultura mesopotâmica (a civilização que se desenvolveu entre o Tigre e o Eufrates, e que atualmente é o Iraque) e usou algumas fontes históricas dessa antiga civilização, retomando algumas passagens e reapresentando-as de modo unívoco para garantir a superioridade dos judeus – como povo eleito – sobre todos os outros povos. Por isso, nos tempos dos filósofos da primeira Era cristã, dos Pais da igreja, dos evangelistas e do próprio Cristo, quando freqüentou a comunidade de Qumran (os Essênios), não havia a Por exemplo, os repetidos incêndios aos quais foi submetida a famosa Biblioteca de Alexandria, no Egito, que destruíram milhares de exemplares.

5


14

• INTELECTO E PERSONALIDADE

civilização e o conhecimento da verdadeira gnose. Até hoje, quando se tenta entender o que é o gnosticismo, ele é encontrado corrompido, impreciso, velado pela atmosfera judaico-helênico-cristã: não se têm fontes verdadeiras, mas se parte de híbridos culturais, manipulados, e ainda hoje se insiste nestes pressupostos de cultura que historicamente nunca existiram. A cultura mais difusa de modo natural era, ao invés disso, o paganismo, ou seja, a cultura, a religião das pequenas vilas. O paganismo é uma dimensão extraordinária, visto que representa a psicologia ecológica que o homem tem do mundo, a psicologia espiritual do sacro natural: os ritmos das estações cadenciados pela cultura, pela poesia, pelas danças das estações por parte do homem, tudo em um sincretismo entre homem e natureza; a cultura da oliva, do carvalho, de um certo tipo de animais – o touro, a cabra, as pombas6. Essa é a primeira forma que é encontrada junto a todos os povos. A liturgia das atuais religiões monoteístas conservou datas e comportamentos síncronos entre homem e natureza: manteve o fato antropológico e lhe mudou a referência ideológica. Isso não significa que as pessoas inteligentes considerassem que no início existissem muitos deuses: essa questão não era enfrentada profundamente. Pretendia-se enfatizar que, junto à fenomenologia das coisas, da natureza, da vida, existem causas simples, primordiais, princípios estratégicos que regulam as leis da natureza, do cosmo e do homem. Cada povo tinha a própria tradição e, embora Estes princípios podem ser reencontrados também na cultura dos “filhos das flores”. 6


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

15

mudassem os nomes dos deuses e das coisas, a substância era sempre a mesma: o fogo, o vento, a água, a terra e, sobretudo, a fertilidade. Portanto, retornando ao judaísmo, por necessidade de sobrevivência do seu pequeno povo, é construído este livro, este monumento de unidade racial que, de modo perseverante, é conservado, atualizado, protegido, escondido e defendido. É um livro que tem cerca de 3.500 anos e é um silogismo, uma constituição da qual não se pode prescindir – ou de modo arqueológico, ou de modo etimológico etc. – quando se quer compreender algumas realidades. Todavia, a natureza da civilização européia, a sua psicologia, a sua filosofia, a sua política sinaliza, indica outros fatores, outras presenças. 1.3 Esquizofrenia (individual e coletiva) e tecnologia digital

De acordo com documentações da Organização Mundial da Saúde (Genebra), na “classificação” das doenças mais fortes, mais difusas e “perigosas” hoje no mundo, no planeta Terra, em primeiro lugar estariam algumas doenças infecciosas parasitárias. Todavia, muitos aspectos desse tipo de doença, analisados com a ótica ontopsicológica, revelam-se fenômenos de expectativa psíquica ou complexual do sujeito. Em segundo lugar, estão os tumores – mas, para a Escola Ontopsicológica, todos os tumores têm a causalidade primeira na atmosfera psíquica do sujeito. Em terceiro lugar, encontram-se as doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns distúrbios do sistema imunitário (por exemplo a aids) – porém tam-


16

• INTELECTO E PERSONALIDADE

bém estas têm inervatura na primeira causalidade psíquica dos sujeitos. O quarto lugar é ocupado pelas doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas – as quais, também neste caso, representam uma enorme fenomenologia de distorção psíquica. Em quinto lugar, são posicionados os distúrbios psíquicos e comportamentais que, ao meu ver, deveriam estar em primeiro lugar. Seguem as doenças do sistema nervoso, respiratório, circulatório etc. Não é mencionado, porém, o fato de que na Itália, por exemplo, a cada ano acontecem 4.500 suicídios entre os jovens e que, na China, entre os 20 e os 35 anos, o suicídio está em primeiro lugar. Disso não se fala, porque é proibido falar de suicídio, a partir do momento em que este tem uma forma de infecciosidade psíquica7. Em uma civilização de avançadíssimo bem-estar, as várias organizações, as instituições e os sindicatos discutem sobre a “fome no mundo”, sobre a “pobreza”, sobre os “povos subdesenvolvidos”, porém o primado das mortes é aquele psíquico nos países do bem-estar. Os países atualmente mais potentes e mais desenvolvidos de um ponto de vista tecnológico têm maior necessidade de ocupar os outros8. De fato, a descoberta tecnológica que, observando a história (da descoberta da roda àquela da eletricidade, das ondas etc.), resulta de

Porém, via internet, existem pessoas que programam o próprio suicídio, descrevem-no, apresentam-no em todos os mínimos particulares e ninguém pode fazer nada. Isso, sem dúvida, é pior.

7

Considere-se que o primeiro alarme contra essa estranha psicologia ocupacional, por exemplo dos Estados Unidos, foi lançado pelo Irã, enquanto hoje é o Iraque a colocar ênfase nesta questão.

8


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

17

mais rápida e intensa difusão neste planeta é o digital que, por meio da língua inglesa, estrutura a globalização. Ainda que a tecnologia digital tenha menos de dez anos (não considerando as primeiras descobertas realizadas nos anos 40 pela Olivetti, entre outras). E se corre com uma pressa que ninguém mais pode prever. Aqui retorna a descoberta ontopsicológica do monitor de deflexão, o qual, por meio do meme da digitalidade, estrutura também a psique: os jovens sabem agir somente com o digital, sem o qual não sabem pensar. Portanto, a estrutura portante da globalização (este software, ou computer-mother), que quer a unidade técnica e lingüística de todos os povos, avança. Substancialmente, está se tentando reformar a Torre de Babel, o Echelon. Nascido durante os anos da Guerra Fria, hoje Echelon é superior, e se prevê que, em 2020 (ou até mesmo antes), todos terão à disposição um microchip para observar todas as emoções, os pensamentos, as poesias, as saudades, as dores, as aspirações, as orações, as depressões próprias e alheias: tudo contactado, revisado e colocado à disposição como um telefonema gravado (como já acontece hoje). Existe, portanto, essa corrida ao chip que rouba a alma na cabeça dos humanos. E ninguém tem medo, porque todos querem controlar quem amam, os seus inimigo, os outros etc. Conseqüentemente, todos perdem o único bem da vida: si mesmos e a própria intimidade autônoma. Naquele livro (a Bíblia) se diz que o Princípio da vida, o chamado “Deus”, refundou o caos das línguas; por isso, embora os povos quisessem a unidade nesta Torre – ou antena única que controla tudo –, Deus recolocou o pluralismo, o particularismo, as muitas estradas, as


18

• INTELECTO E PERSONALIDADE

tantas almas, os diversos percursos. O Princípio único da vida – assim como o “Deus” religioso – não tem qualquer interesse que todo o cosmo se torne uno: a criação é a divisão, o Uno que se faz multíplice. Se tudo retorna ao Uno, então retorna o Deus e não existe mais a criatura9. O mundo da vida, a natureza é o multíplice em festa, em curso, e dá a possibilidade de existir a infinitas criaturas, de infinitos modos. A existência histórica nos dá a possibilidade de repetir diversas vezes a eternidade, e de entrar nela e vencer. Após a existência ou fora dela, a eternidade é ato realizado. Por isso, a biodiversidade ontológica, metafísica é alegria: cada um a seu modo, na ordem geral, faz uma contínua maravilha. Portanto, a Torre de Babel contemporânea cedo ou tarde deverá romperse (por meio de alguma catástrofe), porque a unidade do sistema, embora prevista no mecanismo, no modo mecânico do monitor de deflexão, não é contemplada pelo mundo da vida, para o qual cada homem é – ao invés disso – um irrepetível eremita no todo. Como anteriormente mencionado, o primeiro mal do mundo é a esquizofrenia individual, difusa na maioria dos seres humanos. Dei-me conta disso em 1968, quando (mesmo não tendo nenhuma relação com a “revolução” ocorrida na França, na Itália etc.) vivi a minha crise teológica e científica em relação à minha fé e à minha convicção cultural sobre o mundo e sobre o homem.

A corrida ao Uno é, ao invés disso, justificável pelo próprio Em Si ôntico: alcançar o Único. Para cada um, alcançar de modo próprio a sumidade do Uno, do verdadeiro, do belo, é uma responsabilidade, uma possibilidade e uma arte, e portanto um devir na alegria. 9


PRIMEIRA CONFERÊNCIA

19

Naquele ano, entendi que o mais urgente a fazer era recolocar em ordem a psique dos homens: é inútil pregar, ensinar, se antes não se reconstitui o original elementar da natureza do ser humano. Feito isso, o homem segue adiante sozinho em relação ao bem, ao verdadeiro, ao amor. Certamente tive a possibilidade de compreender isso também porque eu vinha da experiência das duas Guerras Mundiais: a primeira me havia sido explicada a fundo pelos meus avós e tios, a segunda eu a tinha vivido, e a primeira constatação que fiz foi que era evidente que alguma coisa não funcionava, uma vez que, no âmbito do Cristianismo, tinham ocorrido duas enormes guerras. Comecei, então, a entender e concluí que era preciso curar a psique (que para os outros até hoje permanece a grande desconhecida). Por tal motivo, deixei tudo do meu passado e entrei na esquizofrenia de modo total: o problema estava naquele ponto (e certamente ainda hoje está). A esquizofrenia é reforçada e semeada pelo coletivo estatutário, ou seja, a lei constituída. A assembléia societária se torna o starter que motiva cada um a fim de que se elimine a diversidade do outro: os homens matam continuamente a diversidade do outro e depois, no fim, também eles permanecem alienados a si mesmos. A esquizofrenia individual não compreendida desafoga no estatutário social – com as suas leis, as suas guerras, os seus racismos ideológicos – e gera conflitualidade no interior do global terrestre. Hoje, o homem está desencadeando as próprias perdas interiores contra inimigos externos, como se afirmava – em um certo sentido – no Big Brother10: 10

Cf. ORWELL, G. 1984. 20. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1986.


20

• INTELECTO E PERSONALIDADE

indica-se o inimigo externo para alienar a responsabilidade de erros cometidos na própria casa. Porém, esta situação (as bombas, como os fatos são investidos pelos jornais) é um álibi distorsivo que, se não é detida, no fim prende a si mesma. Substancialmente, ganha o grande monitor de deflexão. Infelizmente, essa situação é possível porque o Eu – a consciência volitiva, discriminante e crítica – é baseado na memória, não no Em Si ôntico: o Em Si ôntico faz parte da liberdade do Eu Sou do grande Princípio da vida; o Eu, ao invés disso, é construído por cenas primárias, estereótipos e memórias, os quais são reduzidos e rígidos na medida em que o sujeito perde o contato com o próprio Em Si ôntico e, portanto, progressivamente, a percepção naturística; ou seja, perde a visão do conjunto e se reduz rigidamente à absolutização de alguns particulares e, naqueles únicos particulares, naquele limite, constringe a si mesmo. Sucessivamente, acontece o fenômeno da implosão: explode-se por meio de leis, política, cultura e, sobretudo, por meio do jornalismo. Hoje, o jornalismo é a verdadeira Hidra apocalíptica das sete ou cem cabeças: o mediador que instiga em agressividade o inconsciente, ou o coloca em medo, ou castiga a criatividade do homem, é “o ditado” cotidiano. No passado, eram os sacerdotes, ou os conquistadores etc., hoje são os jornais que enfatizam, inflam, têm necessidade de introduzir o medo, e assim por diante. O direito de crônica é o direito do lixo: não obstante no mundo existam tantas pessoas belas, operativas, que fazem coisas boas (e que, felizmente, são a maioria), o jornalismo é o documentário do lixo e, quando se lêem esses jornais, nutre-se de lixo e idiotice.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.