Arte, sonho, sociedade

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Antonio Meneghetti

ARTE, SONHO E SOCIEDADE

Ontopsicolรณgica Editora Universitรกria R ecanto M aestro 2015


Título do original italiano: Arte, Sogno e Società Por Psicologica Editrice, Roma, 2010.

M541a

Meneghetti, Antonio, 1936-2013. Arte, sonho e sociedade / Antonio Meneghetti ; tradução Ontopsicológica Editora Universitária. – Recanto Maestro, Restinga Sêca, RS: Ontopsicológica Editora Universitária, 2015. 178 p. ; 20 cm. Título original italiano: Arte, sonho e società ISBN 978-85-64631-21-2 1. Ontopsicologia. 2. Renascimento. 3. Humanismo. 4. Cinema. 5. Internet I. Título. CDU (1997): 7: 111

Catalogado na publicação: Biblioteca Humanitas da AMF.

© 2015 Todos os direitos reservados à Ontopsicológica editora Universitária Rua Oniotan, 490 | Un. 21 | Distrito Recanto Maestro 97230-000 | São João do Polêsine | RS | Brasil +55 55 3289 1140 | info@ontopsicologia.com.br | www.ontopsicologia.com.br


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................. 9 1. Da exatidão do conhecer à exatidão do fazer histórico...............................................9 2. Introdução ao tema “arte, sonho e sociedade”.......... 12 3. O conceito de “laos”............................................................. 15 4. Dimensão intrínseca dos valores humanistas........... 20 Primeiro Capítulo

A CULTURA DO “VAMPIRISMO” NA SOCIEDADE ATUAL............................................. 23 Segundo Capítulo

O POVO CONTRA O HUMANO.............................. 35 1. A consciência humana esquizofrênica......................... 35 2. A doença inconsciente do povo...................................... 37 3. A arte que mata .................................................................... 39 4. Cinelogia sobre o filme “Na presença de um palhaço”.......................................... 42


6 • Arte, Sonho e Sociedade Terceiro Capítulo

A IMPORTÂNCIA DO SENTIDO BIOLÓGICO DA VIDA.................................................. 47 1. A ciência em vantagem do humano de um ponto de vista biológico....................................... 47 2. Casuística clínica: Os sonhos de Andrej Tarkovskij...................................... 50 3. A “password” da infância................................................... 56 4. O particular que ativa a esquizofrenia........................... 60 5. A “peste”................................................................................... 65 Quarto Capítulo

A SOCIEDADE ROBÓTICA....................................... 69 1. O controle da máquina sobre o humano..................... 69 2. Tese........................................................................................... 73 3. Cinelogia sobre o filme “O Terminal”............................. 75 Quinto Capítulo

GÊNESE DO MONITOR DE DEFLEXÃO E EXPIAÇÃO.................................................................... 79 1. Sistema de informação, de comunicação e a hipótese de uma inteligência da internet................... 79 A gestão das informações da internet: algoritmo e popularidade....................................................... 79 Como a internet verifica a verdade dos próprios dados.................................................................. 82 Em direção à personomy....................................................... 85

2. O ipse dixit da internet: da dificuldade técnica à anulação.................................. 87


Sumário • 7

Sexto Capítulo

TIPOLOGIAS DE SONHOS....................................... 95 Sétimo Capítulo

OS FUNDAMENTOS DO HUMANISMO EMPRESARIAL...................... 107 1. Operatividade da ciência ontopsicológica no campo econômico: o exemplo da FOIL................ 107 2. O empresário monástico................................................. 113 3. Os pontos cardeais do Humanismo perene............. 122 São Bento de Núrsia.............................................................. 122 São Francisco de Assis ....................................................... 127 São Domingos de Gusmão ................................................. 130 Oitavo Capítulo

ARTE E SOCIEDADE................................................. 133 Nono Capítulo

MICHELANGELO COMO RENASCIMENTO DO HOMEM........................... 147 1. O amor pelo humano na arte......................................... 147 2. “Guernica” de Picasso: cidade bombardeada, morte de um toureiro ou amor de grupo?.................. 151 3. Michelangelo e a Capela Sistina................................... 154 4. Análise de alguns afrescos............................................. 163

BIBLIOGRAFIA DO AUTOR................................... 171



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INTRODUÇÃO

1. Da exatidão do conhecer à exatidão do fazer histórico

Ontopsicologia1 significa “como a nossa mente é capaz de conhecer a identidade do que o ente é”. O homem é um ente posto nesta situação; a mente deve saber identificar a identidade do operador interno e externo, como sujeito e objeto, como eu e o outro etc. Portanto, retorna a verificação crítica, muito mais do que a científica, em que a última hipótese do nosso juízo se certifica e se presencia exata. Substancialmente, a Ontopsicologia é a verificação ou a posição daquela evidência que faz a unidade entre o objeto e o sujeito, portanto é um conhecimento que consente a reversibilidade de objeto e sujeito em que a relação não só é o meio termo entre os dois, mas é – por evidência – a identidade de ambos. O homem pode conhecer a verdade se ele está na própria verdade e não no próprio complexo ou na própria cultura, portanto retorna o conceito da metanoia, que depois constitui a autóctise histórica do homem vencedor, do homo faber, que sempre é amigo do criador criante.   Do grego w[n, o[ntoV, particípio presente do verbo eijmiv [eimí] = ser; yuchv [pychḗ] = alma; lovgoV [lógos] = estudo. 1


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Portanto, ao final a Ontopsicologia é a exatidão do fazer histórico, do fazer como artesão com resultado material-sensório. Após ter tratado os instrumentos da exatidão do conhecer2, a Ontopsicologia define os princípios para proceder com exatidão em âmbito econômico-político3, de fato, em alguns grandes países esta ciência é usada como estrutura para uma política futura do homem. Há muita alienação na sociedade, e essa alienação é devida à preponderância de uma cultura de massa já autônoma, iniciada pelos Estados Unidos, que ostenta a estátua da liberdade e ninguém mais encontra a casa da livre intimidade do homem de sempre. A alienação de consciência projeta a sociedade alienada. Hoje há uma juventude “de chupeta”, mas a culpa é dos professores, das instituições, das universidades de 1968 em diante. Eu procuro repristinar a superioridade dos grandes mestres: desses pais nascerá um novo saber, uma nova atração para os jovens em que investir. A Ontopsicologia realizou descobertas que   Cf. em particular os seguintes textos do autor: fundamentos de filosofia. São Paulo: Ontopsicológica, 2005; Intelecto e personalidade. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2006; e Conhecimento ontológico e consciência. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2011, presentes também na obra Da consciência ao ser: como impostar a filosofia do futuro. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2014. 3   Cf. os seguintes textos do autor: A crise das democracias contemporâneas. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2007; Sistema e personalidade. 3. ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2004; Direito, consciência e sociedade. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2009. 2


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consentem a exatidão do investimento econômico e político e, portanto, a exatidão: conhecido o método e as indicações que a intuição do líder possui (identificadas, por exemplo, através da exata leitura dos sonhos), o sucesso é inexorável, é uma questão de técnica. A escola ontopsicológica tem os instrumentos para ler a sabedoria dos instintos, dos inconscientes, portanto, sabe decifrá-los: é a vida que fala aos seus viventes. Tudo isso se faz com ciência, análises, confronto, verificação. Se a semente é válida, se é como o carvalho, primeiro ele desce no fundo, depois com os séculos faz seu campo no céu e sucessivamente a história faz dele símbolos arcaicos, testemunhos do que aconteceu. Para isso é preciso estar ainda mais preparados: já existem países, cidades, estradas, universidades, hospitais que nascem em base a esta nova cultura, na qual em sentido político defendem-se dois aspectos: a tranquila e abundante sustentabilidade econômica privada, por isso são pagas abundantes taxas ao Estado que hospeda, mas com contínua inovação científica, produção de informação, que dá a posse do processo, a realização do projeto. Deve-se estudar e trabalhar, porque é belo, proporciona prazer e dá uma satisfação total no interior de si mesmo: todo grande não pode ser feliz se não souber fazer felizes os outros.


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2. Introdução ao tema “arte, sonho e sociedade”

Ao longo desta Summer University of Ontopsy­ ­ 4 chology será conduzida uma análise do interior da sociedade, com todas as problemáticas que isso comporta, por isso far-se-á uma investigação do inconsciente, abrindo os cofres do sonho. Até mesmo quando se está em um estado consciente de vigília, ao lado da própria reflexão consciente e das próprias memórias, a atividade onírica – que não é outra coisa senão conservação biológica – está continuamente ativa. Se não fosse assim, nenhum ser humano poderia viver, enquanto a atividade onírica, mesmo se não compreendida, restabelece a ordem psicobiológica. Com a própria psicologia externa os seres humanos são construtores de patologia que, no transcurso de poucos meses, provocaria a destruição da própria possibilidade neurônica. Os neurônios seguem ordens precisas entre eles e o instinto faz a coordenação disso. Portanto, a atividade onírica é o background constante que consente a sobrevivência da individuação. No decurso dessas conferências, mais do que cientista, serei um pouco o livre pensador de diversas análises, desde os célebres diretores que perlustraram os fundamentos do inconsciente até os grandes pintores, chegando à descoberta do verdadeiro Michelangelo5 que   A presente obra reúne as conferências realizadas pelo autor por ocasião da Summer University of Ontopsychology “Arte, sonho e sociedade”, que se realizou no Vale de Assis de 9 a 19 de agosto de 2009. 5   1475–1564. 4


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estava alinhado também com Rafael6, Brunelleschi7, Masaccio8, Caravaggio9, Mantegna10 etc. Com Cimabue11, e sucessivamente com Giotto12, delineia-se a hipótese do homem cosmoteândrico13: os grandes artistas humanistas instrumentalizavam a cultura religiosa para fazer passar o humano na sua totalidade original. Depois do Humanismo, o Renascimento continuou essa pesquisa, da qual Michelangelo representa a apoteose. Com a Reforma e a Contrarreforma ocorre um desvirtuamento e, como resultado, perde-se o único bem pelo qual se diz que mesmo Deus tenha se encarnado: o homem. Tão precioso, tão frágil, tão contraditório, no entanto os grandes sempre o amaram. Na minha visão, é impossível não amá-lo, porém não é preciso fazê-lo de modo religioso ou caridoso: o verdadeiro homem não tem necessidade da piedade, da caridade e do sacrifício de um outro, tem muito orgulho e muita divindade autônoma naquele coração em que está presente o reino dos céus. Deve-se, portanto, suscitar, despertar esse original que está sufocado por tantas próteses culturais e históricas, por tantos sobrepostos estereótipos etc. É necessário recuperar o homem novo e sepultar com   1483–1520.   1377–1446. 8   1401–1428. 9   1571–1610. 10   1431–1506. 11   1240-1302. 12   1267-1337. 13   Do grego kovsmoV [kósmos] = cosmo, natureza; qeovV [theós] = deus; ajnhvr, ajndrovV [anḗr, andrós] = homem. 6 7


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decência o homem velho, “velho” porque sufocado por demasiadas próteses. Mas o Humanismo semeado por São Bento de Núrsia, por São Francisco e por São Domingos de Gusmão, poderia ser redescoberto para vivê-lo em uma síntese superior para o futuro. Investigando, por exemplo, a figura de Francisco de Assis14, sem dúvida um dos maiores homens da humanidade, seria interessante conduzir uma análise sobre o seu nascimento e sobre o percurso de sua vida, para compreender como se motiva o sucesso através de potentes frustrações desde o ventre materno. Para compreender como Francisco de Assis consegue realizar uma mudança no mundo, é preciso rever a figura dos pais: a mãe – a nobre Pica Bourlemont – fica em casa, o pai – Pedro Bernardone – é um riquíssimo comerciante de tecidos sofisticados da Provença, em uma civilização em que os detentores dos maiores bens econômico­ ‑políticos, e também religiosos, daquele tempo, eram os únicos considerados, enquanto ao lado existia uma grande massa, da qual fazia parte também a esposa dona de casa de Bernardone. Sabemos o quanto é motivadora a vingança de compensação de uma mãe com energia psíquica particular. Neste caso, a mãe de Francisco consegue dar à luz não no rico palácio do marido, mas em uma pobre estrebaria, sobre um pouco de palha e ao lado de um asno. Caso se aceite o testemunho religioso, não se discute; mas caso se entre com análise científica podem ser descobertas realidades maravilhosas da força do inconsciente, que consente ao sujeito uma grandeza   Aprox. 1182-1226.

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Introdução • 15

maior. Francisco de Assis é um derrotado como militar, como cavaleiro, porém daquela derrota dos estereótipos sociais nasce uma nova força, um novo renascimento da espiritualidade. Não se pretende diminuir a grande contribuição da fé, que ajuda a maioria, porém o líder não tem perdão no exclusivo da fé: pode fazer e deve fazer mais. Portanto, trata-se de preparar-se e aperfeiçoar­ ‑se para superar tudo aquilo que, na produção cultural proposta pela sociedade (best-seller, música, filme etc.), deprava a própria inteligência inocente15. É preciso saber trabalhar, oferecendo aos outros a possibilidade de compreender e depois renovar-se e incentivar-se. 3. O conceito de “laos”

Além do conhecimento técnico, filosófico, analítico que a Ontopsicologia possui, para compreender o background filosófico-sócio-político – que é o povo – deve-se retomar o conceito de “laicidade”, que nasceu sobretudo na Itália, em contraposição ao poder clerical. “Clero” significa: aqueles da roda, isto é, aqueles que fazem parte exclusiva de um círculo ou de um circuito, conforme ainda se usa hoje. O círculo, assim como a cúpula, é uma imagem usada na magia negra, nos Ku Klux Klan, em um certo tipo de empresariado estadunidense, norueguês, sueco, finlandês, de menos de um século atrás. Uma vez, na Itália, os monges – em   Não obstante a União Europeia proclame 2009 como o “Ano europeu da criatividade e da inovação”, é preciso lembrar-se que uma coisa é a arte verdadeira e outra coisa é a produção esquizofrênica. De fato, no social – desde as exposições aos festivais – vende-se, compra-se, admira-se esquizofrenia. 15


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geral, todos os que fazem parte da Igreja – realizavam a tonsura; os outros eram laicos. “Laico” era considerado um normal, um homem que não tem valores, no máximo faz número. Considerando que a Ontopsicologia é uma visão laica, é preciso primeiro compreender o significado histórico, autêntico, etimológico do conceito de laicidade e depois a sua motivação. A religião promete um paraíso e ameaça com o inferno; o assistencialismo político oferece o biologismo – “penso eu sobre isso, não faça nada, eu te garanto a pensão” –, isto é, hoje para ser ajudado pelas instituições (se vale a pena isso), quanto mais se é portador de deficiência, mais se recebe assistência. Esse é um ponto de vista de justiça social, porém dever-se-ia sempre consentir o trabalho a quem produz providência para todos, sem oferecer privilégios, porque não tem necessidade disso. Pelo menos estes valores devem retornar dentro da universidade: a meritocracia do saber para garantir valores na sociedade do humano. Se um dia todos portarem deficiências, quem cuidará? É portanto, necessário retornar às fontes. A raiz de “laico” é o termo grego laovV [laós]16. “Laos” indica o que hoje se entende pela palavra “povo”, um termo não muito elevado, do qual também deriva “pop art” etc. Do mesmo modo, caso se considere o epicentro

Essa palavra não tem nenhuma relação com a República Popular Democrática do Laos, considerado o país mais esquecido da Indochina, um Estado-tampão que faz fronteira com a China, Vietnã, Camboja, Tailândia e Birmânia. 16


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de “Dalai Lama” em “lai”17, evidencia-se como este termo, unido ao “da” (do latim dux, de ducere = guiar, conduzir), é a via, a indicação, a luz, o mestre do povo. Recorrendo à língua aramaica, quando se usa o termo “el”18 – que ainda hoje é usado no mundo árabe – entende-se o soberano, o grande. Portanto, substancialmente, “Dalai Lama” é o soberano condutor do povo, portanto, o mestre. Repensando na Ilíada, a guerra das guerras do povo de Ílio (Troia)19, também em “Ilíada” está presente a raiz laos20 – união, agregação, unidade –, portanto, “Ilíada” é “o povo reunido, congregado” e essa guerra referia­ ‑se justamente às contraposições a essa congregação. Em um certo momento, os pontos-força – como em um campo físico – mudam, segundo o ponto-força prevalente que absorve outros pontos-força mais fracos. Nisto tinha em parte razão Immanuel Kant21 quando afirmava que as guerras se justificam quando há contraposição entre dois ou mais pontos-força, motivo pelo qual deve prevalecer um equilíbrio estático. Se não   Cada letra tem as suas variáveis, mas a raiz constante certifica os significados originais. 18   Origina-se neste também a palavra “Ellade”: el-laos. 19   Lembre-se que o verdadeiro Homero é do Báltico, por isso para compreender as lendas que depois foram lidas e vividas na Grécia sempre se deve voltar aos mares do norte. Cf. MENEGHETTI, A. Intelecto e personalidade. op. cit. e também VINCI, F. Omero nel Baltico. 5. ed. Roma: Palombi, 2008. 20   i[lh [íle] = massa, multidão (de eijlevw [eiléo] = envolvo, constrinjo, dobro; de onde [Ilisn e [IlioV [Ílion e Ílios] = Cidade de Troia) ou então laovV = povo. 21   1724-1804. 17


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fosse por Milcíades22 que – com as suas táticas – permite aos atenienses derrotar os persas na batalha de Maratona (490 a.C.), se em 480 a.C. os persas tivessem vencido na batalha das Termópilas23, hoje haveria uma civilização diferente: as coisas correm por consequência. Passemos à cultura hebraica. Segundo a Bíblia na versão Septuaginta, escrita em grego helênico (koinhv [koiné]), no antigo povo de Israel, Deus – YHWH (Iahvé) – é o único protagonista, portanto o povo hebraico seria o único povo de Deus e Deus seria o Dalai Lama, o líder. Basílica24 era um termo muito apreciado pelos antigos romanos, de fato até mesmo a administração do direito (justiça sócio-legal) acontecia na basílica de modo ativo 24 horas por dia. “Basílica” é a base do laos, o lugar do povo, a base-povo em que o chefe reconhecido organizava, administrava, legislava. Portanto, também este conceito não nasce da religião, mas deste primordial, documentado exposto: o povo. O gerador do poder é o povo25. O problema é: qual povo?   546-488 a.C.   A batalha das Termópilas aconteceu entre uma aliança de cidades-estados gregas e o império persa dos Aquemênidas, concluindo-se com a vitória dos gregos. O sacrifício dos 300 espartanos junto às Termópilas estimulou uma rica produção artístico-literária e cinematográfica, a última foi o filme “300” de Zack Snyder (EUA, 2007, com Gerard Butler no papel de Rei Leônidas). 24   Da mesma raiz também basileus – que, segundo os povos que usaram essa palavra (gregos, persas, bizantinos), significava o comandante, o príncipe, o rei – e Palatium: o ato de todo o povo. 25   Cf. MENEGHETTI, A. A crise das democracias contemporâneas. op. cit. 22 23


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O que até agora foi analisado diz respeito ao povo segundo o modo pelo qual a natureza – de modo original – construiu o humano, ali estão as fontes de qualquer governo ou cultura: o conjunto dos Em Si ônticos constitui a base do poder. O Em Si ôntico do homem daquele lugar, daquela terra, daquela cidade formalizava a própria personalidade histórico-sócio­­­­ ‑política, artística etc. Depois os povos se unem, um olha o outro e – como a guitarra não tem nada a invejar do piano, a flauta não se sente diminuída pelo trombone ou a clarineta não inveja o violino – a diversidade dos povos é um enriquecimento para todos, se eles são fundamentados em base à onticidade original. Eis que retorna a ontologia, não a de Aristóteles ou de outros filósofos, mas sim aquela nativa, biológica26. Portanto, falando de “laos”, não se entende o povo das várias democracias, mas sim o povo que deve reencontrar o íntimo da própria terra nativa, porque ali as leis universais escrevem, ali o poder central da vida faz aparição, que nada tem a ver com as próteses que cada sociedade inventa. Retomando o conceito de civilização humanista (do latim humus = terra, pó, barro), do momento em que somos terrestres, este é o nosso habitat natural, decorre que deste devemos saber fazer a história para estarmos satisfeitos e felizes. * O código base da vida humana é um formal que projeta um orgânico complexo constituído por um   Cf. MENEGHETTI, A. Da consciência ao ser: como impostar a filosofia do futuro. op. cit. 26


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conjunto de micro-organismos uni e pluricelulares. Este formal – Em Si ôntico – projeta o orgânico­ ‑homem à evolução contínua de mais vida por quanto é possível em base ou em conformidade com a própria identidade formal. Este, enquanto é operativo presente, é transcendente a toda própria operação objetiva. 4. Dimensão intrínseca dos valores humanistas

Na religião ou na política se afirma: “Se não fizeres isto acabarás no inferno”, “Se não te comportares assim serás colocado no cárcere”, “Se fizeres isto dar-te-ão a medalha ou o prêmio Nobel” etc. Substancialmente, em base a certos aspectos, o sujeito é promovido ou reprovado. Mas qual é o valor, o motivo, o critério que pode justificar a filosofia humanista? No interior do saber primígeno, nativo do homem, o que é que faz atração, fascínio, beleza, alegria? É o idêntico valor que diferencia entre alguém que tem e alguém que não tem, entre alguém que é e alguém que não é. Por exemplo, se um homem tem a propriedade de um apartamento, na sua própria casa ele é patrão, é livre, não tem necessidade de filosofias, de pedagogias, de religiões para ser convencido a ser patrão. Se um indivíduo possui dez hectares de terra, pode plantar uma vinha e assim, ao lado da própria individualidade, incrementar a vida, o bem-estar. O homem é mais naquilo que tem. Para compreender a simplicidade de amor a si mesmo, ser vencedores e belos, cuidar da própria saúde etc. não servem novas filosofias, religiões ou outra


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coisa: são valores nativos que dão incremento de vida e criatividade a cada um. Portanto, é importante saber reencontrar-se e renovar-se centrando a si mesmo no fazer bem a si mesmo. “Bem” significa mais saúde, mais energia, mais juventude, mais sucesso, mais reconhecimento, mais simpatia: é belo sermos amados, proporciona prazer sermos reconhecidos, porque somos sensíveis. Eis onde estão os valores intrínsecos, que são autóctones, ínsitos, não são valores extras, alheios. O sacro também é um conceito nativo: o homem, no ser plenamente a si mesmo, encontra-se junto àquele (o ser transcendental), sem entrar em alienações. Caso se dê essa mensagem de “ser para um outro”, a vida está morta. Experimente dizer a um carvalho, a uma ovelha ou a um micróbio de viver para um outro! A vida é egoísmo pleno ordenado, do qual nasce a plenitude orquestral do violino, da clarineta etc. Em substância, o Humanismo não tem necessidade de procurar valores fora, se o homem encontra e faz autóctise histórica de si mesmo. Diferentemente disso, faz-se algo que diminui o humano. Ele é o real de um projeto que o transcende. No responder totalmente a como é, responde ao criador. Se o Humanismo de qualquer modo não se acorda, é claro que se irá sempre mais em direção a uma sociedade robótica, porque a tecnologia multimidial digital, se não tem a montante patrões constantes, de instrumental torna-se ditatorial. Mas tudo parte de uma escolha interior: sou vivo, aceito a psicologia da árvore, procuro fazer bem a mim mesmo no ambiente onde


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vivo e junto com os outros, porque juntos se faz mais, é mais belo. Depois da biologia da nossa individualidade, somos baseados na sociedade27, por isso o outro sou eu aumentado, uma coisa leva a outra. Esse é o humano perene, que de modo perene, quando acontece neste planeta, quer fazer e pode fazer. * O critério perene sempre é o utilitarismo funcional à identidade de natureza. Desta nasce a intencionalidade histórico-evolutiva. O jusnaturalismo fundamenta-se neste conceito e não na fenomenologia histórica dos povos. Arte, sonho e sociedade sempre devem lembrar esse critério original, embora considerando a factualidade das relações em situação. Essas fazem as categorias para a hierarquia de intervento e autorizam variáveis também contra a identidade caso esta, na lógica situacional, for contraditória à intencionalidade geral ou social de natureza. Ubi maior, minor cessat. Porque é sempre o mais que pode garantir todo particular enquanto é possível. O individual, mesmo se metafísico, não se substitui à ordem causal do inteiro. Por isso, o utilitarismo funcional varia segundo a importância ôntica da identidade.

Cf. MENEGHETTI, A. A origem da socialidade. In: A crise das democracias contemporâneas. op. cit. p.71-79. 27


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