Do humanismo historico ao Humanismo Perene

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Antonio Meneghetti

Do Humanismo Histรณrico ao

Humanismo Perene

Ontopsicolรณgica

Editora Universitรกria Recanto Maestro 2014


Título do original italiano: Dall’umanesimo storico all’umanesimo perene. Por Psicologica Editrice, 2ª edição, Roma, 2011.

M541h

Meneghetti, Antonio, 1936-2013. Do Humanismo Histórico ao Humanismo Perene / Antonio Meneghetti ; tradução Ontopsicológica Editora Universitária. – Recanto Maestro, Restinga Seca, RS: Ontopsicológica Editora Universitária, 2014. 176 p. ; 20 cm. Título original italiano: Dall’umanesimo storico all’umanesimo perene ISBN 978-85-64631-21-2 1. Ontopsicologia. 2. Ontologia. 3. Renascimento. 4. Crise - Humano. I. Título. CDU (1997): 111

Catalogado na publicação: Biblioteca Humanitas da AMF.

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Sumário Primeiro Capítulo A crise do humano........................................ 7 1. Introdução............................................................. 7 2. A cultura midiática estadunidense....................... 14 3. A juventude “desfasada”..................................... 20 4. A filosofia do “be stupid”.................................... 24 5. A recuperação da informação-base da vida......... 27 Segundo Capítulo O humanismo.................................................. 29 1. Introdução........................................................... 29 2. O Humanismo clássico....................................... 30 3. O Humanismo histórico...................................... 40 4. O Humanismo civil............................................. 53 5. Os valores do Humanismo histórico-civil........... 56 6. A metafísica do business humanista.................... 59 7. O Humanismo renascentista............................... 68 8. Características da cultura humanista renascentista............................................................ 71 9. Michelangelo e o Renascimento......................... 78 Criação de Adão..................................................... 81 Pecado original e expulsão do Paraíso terrestre... 82 Juízo Universal....................................................... 84 Cristo Juiz............................................................... 88 10. Arianismo, Cristianismo e Humanismo............ 88 Civilização acádica e arianismo............................. 91 Terceiro Capítulo O humanismo ontológico................... 105


1. Introdução......................................................... 105 2. Memética e original.......................................... 111 Conceito de meme................................................. 111 Memética e Ontopsicologia.................................. 113 3. Cérebro cerebral e cérebro viscerotônico......... 114 4. Experiência evidente direta............................... 118 5. Ciência e democracia........................................ 119 6. Valores sistêmicos e valores existenciais.......... 122 7. O homem ontológico......................................... 128 8. A técnica ontopsicológica para a repristinação do homem ontológico ..................... 129 9. Conclusão.......................................................... 135 Quarto Capítulo Humanismo e Ontopsicologia........... 137 1. Premissa............................................................ 137 2. Humanismo e Ontopsicologia........................... 139 Quinto Capítulo Ontologia e humanismo futuro..... 153 1. .......................................................................... 153 2. .......................................................................... 157 3. Síntese............................................................... 167 Bibliografia do autor........................... 169


Primeiro Capítulo

A crise do humano1

1. Introdução Este encontro de cultura viva é uma ocasião para entender com maior exatidão os princípios do valor e da importância de ser a si mesmo, cujo fundamento reside em “o que é o homem”, porque cada um de nós é, acima de tudo, um ser humano. O termo “homem” parece claro, previsível, de normal experiência. Todavia, depois de milênios de filosofia, religião etc., ainda hoje o homem permanece o primeiro interrogativo2. Os grandes sábios, incluindo Jesus Cristo, não parecem claros e compreensíveis porque não é claro e compreensível o homem. Por exemplo, se um   Reelaboração da conferência realizada pelo autor no Centro Internacional de Arte e Cultura Humanista “Recanto Maestro” (RS – Brasil), no dia 5 de março de 2010, durante o residence “Critério existencial e psicotea”. 2  Em vez disso, o conceito de Deus resulta já bem “sistematizado” no interior das diversas religiões. 1

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indivíduo afirma “Eu sou homem”, os conceitos de “eu” (ecceidade) e “sou” (ser) são claros, mas e o “homem”? Na informação do nosso planeta, lendo os jornais de qualquer tipo, damo-nos conta de que se está perdendo o conceito original do que é o homem e também a memória do homem: fala-se de galáxias, tecnologia, câncer, política, business transversais, e as novas “divindades” da cultura são internet, network, web, windows, yahoo, google, wikipédia etc.3 Esses são os apodíticos aos quais se referem todos os jovens mais inteligentes ou de primeira linha da cultura não só ocidental, mas também oriental. De fato, do Japão à China, à Coreia etc., esses jovens não são diferentes daqueles de Washington, São   Mas o que significam todos esses nomes? Analisemos alguns deles. “Internet”: dentro da rede, mas a rede do quê? Do pescador? Da aranha? O fio de arame farpado de Auschwitz? “Yahoo”: o miado de um gato. “Google”: glu, glu, glu..., como quando uma criança pequena chama porque quer beber um suco. “Mouse”: ratinho, mas poderiam ter escolhido “seletor”, “vetor”, isto é, um dos tantos nomes mestres que existem. “Wikipédia”: é a expressão de uma criança que não sabe ainda pronunciar “enciclopédia”, por isso esse termo nasce do “balbucio” de um infantil. Um dos poucos nomes mais sérios é “windows”, porque, com efeito, há uma associação com as janelas, mas para o resto, analisando os antecedentes desses “grandes” nomes, emerge que foram todos escolhidos por alguns autores que os empregavam quando crianças ou tinham um filho ou netinho que usava essas palavras, e assim as imortalizaram. Não é que elas sejam falsas: o problema é a massa das “ovelhas” que mitificou as fantasias de alguns que começaram a fazer business e os jovens agora “bebem” dessas convicções. Cf. MENEGHETTI, A. Direito, Consciência e Sociedade. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2009. p. 59-60. 3

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Francisco, Berlim, Londres4 etc. Estou falando dos jovens que escrevem o futuro, que se sentem os líderes, os indicadores de toda a humanidade, seja para o homem, seja para a máquina, seja para a mídia. Além disso, quanto à política e à economia mundial, à medicina e à filosofia e, claramente, a tudo o que diz respeito ao cinema, teatro, música, moda, costume etc., esses jovens têm a convicção de que o futuro dependa exclusivamente deles e que será condicionado ao seu modo de expor-se, isto é, eles estão reconstruindo o mundo do início. Os inspiradores do mundo “matrix”5 são esses jovens que têm dos 16 aos 35 anos, vestem-se todos do mesmo modo (um tipo de casual negro), com os cabelos carregados de gel e um certo ar de fora da lei e, mesmo que não tenham ainda dinheiro, estão convencidos de que o terão, que a alta finança tem necessidade deles. São os jovens que fazem as manchetes dos jornais, que aconselham os telejornais, que organizam os festivais, que expõem as notícias, a publicidade etc. Esses jovens sabem que já existe aquela inteligência coletiva que eles escrevem, por isso através da mídia existe uma web – uma trama, uma pele, uma gosma, uma tela, algo que une – e eles podem marcar, incidir, escrever a história e a verdade do homem e da sociedade.   Londres é o primeiro porto da cultura da Europa e às vezes também aquela das duas Américas: um espetáculo ou uma música começa tímida nos primeiros teatros de Londres e depois se sobressai e chega a toda a parte. 5   Cf. o filme Matrix de A. e L. Whachowski, com K. Reeves, L. Fishburne, C. A. Moss, G. Foster (EUA, 1999). 4

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Na sua acepção, matrix é essa enorme web, esse tecido de tela neutra que ninguém define se é uma névoa de lama, isto é, algo que está ali como uma película de névoa sobre toda a extensão da possível comunicação. Sobre essa enorme página, jornal, enciclopédia, esses jovens escrevem a história, a ciência, a filosofia etc.: eles “blogam”6 e se faz o homem, constroem-se ao infinito zeros que são individuações, sinais que correspondem a milhões de avatares7, protagonistas de Second Life8, que é um novo “paraíso terrestre” que cada um pode construir para si, depois vender e, assim, recriar uma dependência. Ainda existe a televisão, mas dentre alguns anos poder-se-á chegar ao ponto em que, através do celular, ter-se-á a televisão holográfica: o usuário, ligando o seu aparelho telefônico de um certo modo, a uma certa distância de si (por exemplo, um metro ou dez metros, de acordo ao que estabelecer)   “Blogar” = escrever um blog. “Blog” (termo derivado de “web-log”, isto é, “diário em rede”) é uma página da internet na qual a pessoa ou o ente que a administra publica periodicamente material. 7   Cf. o filme Avatar de J. Cameron, com S. Worthington, Z. Saldana, S. Weaver, G. Ribisi, M. Rodríguez (EUA, 2009). Cf. também a cinelogia desse filme relatada em MENEGHETTI, A. Os jovens e a ética ôntica. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2013. p. 102-111. 8   Mundo virtual tridimensional de multiusuários on-line, inventado em 2003 pela sociedade americana Linden Lab, no qual são os próprios residentes a determinar o desenvolvimento. Cf. CIVITENGA, N.; DI PIETRO, D.; McFARLANE, A.; ZOPPOLATO, A. Na internet uma “segunda vida”? In: Revista Nova Ontopsicologia, Recanto Maestro: Ontopsicológica, ano XXV, n. 2-2007/1-2008, p. 35-45, mar. 2008. 6

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terá um monitor ótico, portanto holográfico, e poderá escolher o programado. Deste modo, do próprio celular gerenciará as imagens pré-ordenadas, exatamente como hoje, através de um controle remoto, é possível selecionar os programas. O pequeno homem escreve a sua história, as suas ideias, as suas convicções como saber universal. O problema é que será conhecido qualquer tipo de computador com digitação infinita, mas a medicina permanecerá atrasada, a preguiça aumentará e quando o próprio fígado sofre muita bílis, o olho não vê, a própria atividade erótica não funciona etc., poderão ser criados sex-symbol ao infinito, porém faltará a naturalidade eficiente, a realidade com prazer nas próprias mãos: permanecerá a convicção, a confirmação psicodélica, isto é, a própria psique estará satisfeita nas imagens9, porém o câncer e sobretudo a esquizofrenia patológica aumentarão. Prosseguindo desse modo é provável que se desenvolva também um sistema legal através do computador. Por exemplo, desaparecerá a moeda e permanecerão somente os cartões de crédito. O fato é que, se o cartão de crédito é lido pelo “cérebro eletrônico” como inativo, o proprietário de milhões de avatares, de tantos lugares no Second Life, aquele que escrevia a enciclopédia wikipédia do saber universal, não terá o dinheiro para tomar a cerveja ou o sorvete, o carro estará bloqueado, a luz em casa não se acenderá, a geladeira não funcionará, as janelas   Exatamente como quando uma pessoa vai ao cinema, o filme é de seu agrado (o seu herói vence, a sua princesa se casa etc.) e, portanto está contente. 9

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e as portas da casa permanecerão fechadas etc.10 Isso não é ficção científica, basta pensar quando um controle remoto não funciona: tudo o que é ativado por aquele mecanismo permanece bloqueado. Se avançar essa cultura tecnologicamente impetuosa do digital, é provável que as olimpíadas sejam feitas com os avatares. Em âmbito bancário, se poderá fazer acreditar que existe o dinheiro mesmo que não exista ou falte o poder aquisitivo. Em substância, está-se entrando em uma civilização totalmente telecomando-robótica em mãos das grandes crianças que não sabem o que é o homem, esse antigo mito do qual todos falaram, da esfinge de Édipo ao filósofo cínico Diógenes11 (que de dia, com o lampião aceso, procurava o homem), dos vikings à civilização acádica, dos assírio-babilônicos aos egípcios, do hebraísmo ao cristianismo, segundo o qual até mesmo Deus teria se encarnado e feito tantas coisas para o homem etc. Tudo isso não é um extremismo, mas uma forma já operativa: é suficiente refletir sobre quantos jovens se nutrem todos os dias da internet, e quem não o faz está fora do jogo. A internet é a nova Bíblia, lei, revelação, salvação, revolução para a vida. É o mundo dos conceitos, das imagens, das palavras: não existe mais a “bestialidade” dos sentidos e as guerras, estão todos dentro daquilo que a internet  Experimentemos pensar em existir sem carteira de identidade, sem passaporte: somos imediatamente delinquentes. Cf. MENEGHETTI, A. O sistemismo legal. In: A Psicologia do Líder. 5. ed. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2013. p. 114-119. 11   Ca. 412-323 a.C. 10

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diz, mas não demonstra. É provável que logo sejam feitos jornais em que o leitor poderá reescrever a notícia, fornecendo-lhe uma interpretação diversa, por isso existirão jornais segundo o resultado do que alguém quis escrever e do que um outro quer corrigir, porque cada um ambiciona ser protagonista desse código universal da informação. A internet sozinha já supera rádio-TV-jornais. Por isso, qualquer um pode globalizar midiaticamente a si mesmo; mas também é possível ser infectados, privados dos próprios avatares, codificados, inexistentes ou inventados sem reversibilidade, julgados e condenados ou absolvidos etc., sem apelo físico. O único protagonista é o sistema tecnológico da internet, fiador e justiceiro. O critério é constituído pela inserção de dados e função técnica. Hoje a internet já é plurilaureada, pluridocumentada, pluriministério, pluriparlamento etc., e todos estão dentro. Eu uso a internet exclusivamente para verificar certas informações e noto que alguma coisa ela adivinha, mas que de muitas outras não sabe nada, e é simpático observar que existem certas notícias absolutas, mas escritas por pessoas que têm somente convicções ou probabilidades. O que quero sublinhar não é tanto a falsidade da notícia, porque mesmo os jornais sempre contaram os fatos em um modo diverso de como eram na realidade. Tomemos todas as previsões econômicas: não houve nunca uma acertada. Além disso, agora sobressai a informação do meme, ou seja, uma cópia que não reflete o original, por isso, é falsa. O XVI Congresso Internacional de Ontopsicologia (18 a 21 de maio de 2002, em Milão) foi centrado exatamente

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sobre esse tema, para evidenciar o erro da notícia, da imagem, da convicção que se define “meme”. 2. A cultura midiática estadunidense A Revolução Francesa, com a tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789, muda completamente a ordem sócio-política do tempo e dá vida a uma nova democracia e sociedade, que se difunde em todo o mundo. Primeiro havia o saber canônico, dogmático – a Bíblia, a Santa Mãe Igreja Católica, as diversas Igrejas protestantes em acordo ou desacordo etc. – portanto, o grande sistemismo teológico. Descartes12, Kant13, Fichte14, Hegel15, Schelling16, também Marx17, eram todos filhos de uma cultura monolítica. O Papa, e também os monarcas, vestiam-se daquela cultura do poder que se afirmava descender de Deus: a lenda do Rei Artur, aquela do Santo Graal, os Merovíngios, Clodoveu18, portanto também as Cruzadas, as grandes guerras conduzidas por uma ideologia etc. Com exceção da Itália, onde a situação é diversa19, todas  1596-1650  1724-1804 14  1762-1814 15  1770-1831 16  1775-1854 17  1818-1883 18  O autor analisa a origem dessas lendas e dinastias na obra MENEGHETTI, A. O conceito de “imaculada conceição” como transcendência sexual. In: Seis mulheres e a imaculada conceição. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2013. p. 83-115. 19   Cf. mais adiante o capítulo sobre o Humanismo. 12 13

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as grandes nações convivem nesse monolitismo de uma cultura dogmática, por isso, precisava ser conforme ao saber, caso contrário, era encarcerado, havia a fogueira, a Inquisição, a excomunhão, a caça às bruxas etc. Era fácil condenar um homem, bastava acusá-lo – por exemplo – de falar com o diabo e, se era rico e importante, a acusação era aceita e seus bens eram depredados etc. Com a Revolução Francesa se ativa a liberalização da razão, a liberdade da ciência e, sobretudo, a autonomia do papado20. Alguns anos antes da Revolução Francesa foi publicada a Encyclopédie21: os iluministas (em  O papado era a máxima autoridade medieval em toda a Europa. Era um governo teocrático, portanto baseado em Deus, sobre a revelação não discutível, portanto era um poder soberano, absoluto, e era um papado armado, que controlava seja a vida externa, seja a consciência no foro interno dos próprios cidadãos. Para compreender de que poder se tratava, recordemos de que todos os imperadores (da Alemanha, França, Espanha etc.), se não eram aprovados pelo Papa, perdiam o trono. 21  Obra vastíssima, publicada em 17 volumes entre 1751 e 1765. É preciso recordar, todavia, que as primeiras obras enciclopédicas remontam há muito tempo antes. Já Aristóteles (384-322 a.C.) pensava na sistematização racional do saber então conhecido em forma escrita. Plínio, o Velho (23-79 d.C.), com o seu Naturalis historia, uma história natural em 37 volumes, pode ser considerado para todos os efeitos um enciclopedista. As Institutiones divinarium et saecularium litterarum (Instituições das letras sacras e profanas) de Cassiodoro (ca. 490 – ca. 583) é considerada a primeira enciclopédia da era cristã. Diversas foram em seguida as publicações similares ao gênero enciclopédico. Entre todas, recordamos a obra renascentista em 49 volumes De expetendis et fugiendis rebus (Discurso sobre as coisas a perseguir e sobre aquelas a evitar) do filólogo italiano Giorgio Valla (1447-1500). 20

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particular Diderot22 e D’Alembert23) tinham elaborado um texto de conhecimento universal em que qualquer um podia encontrar aquilo que se sabia sobre um certo argumento, sem o filtro da religião, da autoridade, de um imprimatur. Eram cientistas, literários, pessoas verdadeiramente sapientes que escreviam, cada uma segundo a própria especialização, sobre o próprio argumento (o que era, qual era a sua história, como se apresentava e quais eram as ideias diversas de outros personagens). Essa obra gigantesca foi uma liberação de um saber muito unívoco e promoveu uma liberdade ao conhecimento, tornando-se também fonte de inspiração para diversas outras célebres enciclopédias como a Encyclopædia Britannica (I ed. 1768-1771), a Brockhaus Enzyklopädie (I ed. 1809), o Grand Dictionnaire universel du XIXe siècle (conhecido também como Larousse du dixneuvième, I ed. 1866-1870), a Grande Enciclopédia Soviética (hoje Grande Enciclopédia Russa, I ed. 1926), a Enciclopedia Italiana di scienze, lettere ed arti (conhecida como Enciclopedia Treccani, I ed. 1937) etc. Algumas notícias não coincidem, porém na substância são livros de saber científico confiável. Agora, wikipédia, google e muitos outros que escrevem na internet procuram fazer o passe-partout do saber e tudo isso ocorre quase com uma forma de arrogância. Na realidade, o fato de que todos possam escrever não significa uma garantia objetiva. Wikipédia é uma liberdade de opiniões, mas de quem? Dos melhores pensadores? Dos melhores cientistas?  1713-1774  1717-1783

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Dos melhores operadores experimentais? Não. É escrita por quaisquer pessoas, mas para a maioria dos jovens está se tornando o ipse dixit, o novo Evangelho. A potência que está por detrás dessa cultura são os Estados Unidos sob todos os pontos de vista. Eles sempre foram ignorantes por falta de conhecimento de língua: não sabiam bem o grego, o latim, o aramaico, em que, ao contrário, os europeus facilmente se encontram em casa. Por exemplo, é impossível encontrar um filme estadunidense no qual se fale bem do Império Romano e, sobretudo, da República Romana: parece que Roma tenha sido um povo de depredadores e destruidores24. Na realidade, deixando de lado o papado, Roma teve 2000 anos de história: mesmo com todas as suas contradições, o Império de Roma é um fato histórico, político, social, cultural do homem. O direito em si, isto é, o equilíbrio da racionalidade das coisas e dos fatos, foi Roma a formalizá-lo, em modo racional. Somente por isso Roma permanece superior a todos os impérios que já existiram. Era um império que media o mundo com as dimensões do corpo humano: cotovelos, pés etc.25 Gostaria, porém, de sublinhar um aspecto: depois   Cf. a cinelogia sobre o filme Gladiador (de R. Scott, com R. Crowe, J. Phoenix, C. Nielsen, O. Reed, EUA, 2000) na Rivista Nuova Ontopsicologia, nº 2/2001, p. 20-21, na qual o autor evidencia que nesse filme “se lê - com muita ignorância – a grandeza de Roma através da ótica de uma vingança e instrumentalidade da atual ideologia política, a serviço do primado estadunidense”. 25  Também o sinal com o polegar para cima ou para baixo que se usava, por exemplo, nas lutas, quando se devia decidir sobre a vida ou a morte de uma pessoa. 24

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de quarenta e cinco estadunidenses condecorados com o “Prêmio Nobel de Economia”, chegou-se a uma crise econômica na qual são sobretudo os Estados Unidos a sofrer, junto a todos os seus colaterais. Na minha experiência pessoal, toda vez que me encontrei com representantes do saber estadunidense, sempre encontrei ignorantes, mesmo que uma das suas universidades, a University of Albany de Nova York, tenha me conferido em 1994 o título honoris causa em Física26, entregue no Salão Nobre dos Grupos Parlamentares em Roma. Tudo isso, porém, não dependeu de uma superioridade estadunidense, mas da submissão de outros povos que foram buscar ajuda. Portanto, não foram os Estados Unidos que fizeram violência27: foi a estupidez dos outros povos, incluindo a Itália (menos a França), que promoveram aquela cultura. Todavia, iniciam-se as lutas literárias: a língua inglesa começa a ter os seus opositores no mundo e se procura voltar à língua esperanto, que todos compreendem e que também eu conhecia nos meus verdes anos. É uma língua que agrada. Hoje se está retomando essa linha também em âmbito político: alguns partidos lutam para recuperar a própria cultura   Cf. BERNABEI, P.; ZOPPOLATO, A. Antonio Meneghetti: uma viagem de sucesso. Recanto Maestro: Ontopsicológica, ano XXV, n. 2-2007/1-2008, p. 64-65, mar. 2008. 27  No início, os Estados Unidos procuravam roubar até mesmo uma pedra na Itália para levá-la ao próprio país. Por exemplo, a famosa Porziuncola, a pequena capela que está em Assis, foi reconstruída igual nos Estados Unidos e permanece objeto de devoção, de história etc. Estamos sempre no conceito de imitação (meme). 26

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linguística. O inglês permanece unicamente uma questão comercial. A qualidade de uma língua não depende da sua difusão, mas da riqueza de cultura que lhe está conexa. As mídias são o business número um dos EUA. Em particular, internet e filmes capitalizam tudo na Califórnia. Todo o dinheiro mundial da internet se deposita no domínio da Califórnia. Mesmo o controle das mediações bancárias (menos a China sobre a China e a Rússia sobre a Rússia) permanecem controladas pela polícia federal dos EUA. Desde que a cultura foi hipotecada pelos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial, não ocorreram mais descobertas científicas a serviço do humano. O fato que a vida humana tenha se prolongado depende do bem-estar, por exemplo, do fato de que uma vez o bom arroz (o mesmo vale para a carne, as batatas, os sapatos, as roupas etc.) não era encontrado facilmente, enquanto que agora pode ser adquirido em abundância em qualquer supermercado28. Tudo isso graças a empresários que sabem trabalhar e distribuir produtos de qualidade: eles ganham, mas oferecem bem-estar e higiene nos respectivos campos, das casas às comidas etc., e isso criou menos fome, menos sede, menos doença para   “Além disso, em relação à questão do prolongamento da vida, existe uma interferência cósmica: os seres humanos vivem em um momento em que a Terra, em órbita com todo o resto do ciclo estelar e solar, consente uma maior vitalidade, a despeito do ozônio, das poluições, das radioatividades etc. Nesta era, são facilitadas diversas formas vitais.” MENEGHETTI, A. Conselhos práticos. In: A crise das democracias contemporâneas. Recanto Maestro: Ontopsicológica, 2007. p. 123. 28

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Para continuar lendo, adquira o livro em www.ontopsicologia.com.br


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