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Os limites do etanol de primeira geração
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José Goldemberg Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP
Existe um grande esforço em pesquisa e desenvolvimento para a produção de etanol de segunda geração utilizando vários métodos, dos quais o que se destaca é a hidrólise enzimática. A principal razão para isso decorre do fato de que o etanol nos Estados Unidos e em vários países da Europa é produzido a partir de milho, beterraba e trigo, competindo diretamente com a produção de alimentos. A expansão prevista do uso de etanol, como resultado de decisões governamentais nesses países, enfrenta dificuldades basicamente devido à inexistência de áreas para expansão.
As tecnologias de segunda geração resolveriam esse pro blema usando qualquer produto agrícola celulósico, como madeira, grama e até lixo orgânico. As perspectivas de sucesso desses esforços são promissoras, mas existem ainda muitas incertezas e um longo percurso antes que tecnologias de segunda geração atinjam maturidade e se tornem comer cialmente competitivas. Daí a importância de avaliar quais os limites atuais da produção de etanol com tecnologias de primeira geração, particularmente a partir de cana-de-açúcar. Em 2008, o Brasil produziu 22,5 bilhões de litros de etanol, usando 3,4 milhões de hectares, o que permitiu substituir cerca de 1,5% da gasolina usada no mundo, principalmente no próprio país, que substituiu aproximadamente 50% da gasolina que seria consumida.
A possibilidade de aumentar essa produção a partir da cana-de-açúcar, depende de dois fatores: 1. ganhos de produtividade que permitiriam produzir mais etanol na mesma área, e 2. expansão geográfica no Brasil e em outros países produtores de cana. Uma análise dos dados existentes mostra que expandir a produção de etanol por essa rota por um fator 10, isto é, substituindo 10% da gasolina usada no mun- do, não só é possível como também provável. Ganhos de produtividade: A cana é uma planta tropical, perene, com metabolismo C4, que captura 6% da energia solar incidente nela, o que corresponde a um rendimento teórico de 472 toneladas de cana por hectare - ou 219 toneladas de biomassa seca por hectare. Esse rendimento teórico não é atingido na prática devido a uma variedade de limitantes agronômicos, ambientais e fisiológicos, como doenças, qua lidade do solo e as próprias características das variedades 18
existentes, que têm teores de açúcar variáveis. Com todas essas limitações, o rendimento máximo que foi alcançado até hoje é de cerca de metade do rendimento teórico. A pro dutividade da cana, incluindo a fase agrícola e a produtividade na área industrial - que converte essa cana em etanol, tem crescido cerca de 4% ao ano desde 1975; o número de litros produzidos por hectare aumentou de cerca de 2 mil litros por hectare, em 1975, para 7 mil litros por hectare, em 2005. Isso ocorreu por meio da diversificação e da seleção das variedades usadas, que eram apenas 6, em 1984, e passaram a ser mais de 500, em 2005. Ganhos adicionais poderiam ser atingidos com modificações genéticas. Existe, portanto, a possibilidade de dobrar a produtividade atual. Expansão geográfica: A área usada por plantações de cana-- -de-açúcar destinada à produção de etanol no país é de 3,4 milhões de hectares. Outro tanto é usado na produção de açúcar. O total da área cultivada para cana representa 10% da área usada para agricultura no país; soja representa 27% e milho, 18%. O que é notável, contudo, é que pastagens cobrem 172 milhões de hectares, mais de 2 vezes a área usada para agricultura, que é de 77 milhões de hectares. É obvio, portanto, que uma forma ambientalmente mais segura de expandir as plantações de cana é sobre as pastagens, e não derrubando mata virgem. Isso não só é possível como também está ocorrendo. Só para citar um exemplo, a área dedicada à agricultura, em São Paulo, cresceu de cerca de 5 milhões para 8 milhões de hectares, de 1970 a 2006, enquanto a área de pastagens caiu de 12 milhões para 9 milhões de hectares. Boa parte dessa expansão é em razão da cana-de-açúcar. Como resultado, a densidade de gado nas pastagens aumentou de 1,1 para 1,3 cabeças por hectare, o que ainda é uma ocu- pação muito baixa do solo.
Com o recente zoneamento ecológico-econômico adotado pelo estado de São Paulo, a expansão da cultura da cana tem todas as condições para se manter aceitável, sob o ponto de vista ambiental. Há, portanto, amplo espaço para a expan são da cultura da cana no Brasil. O mesmo ocorre na região dos trópicos do resto do mundo. Açúcar de cana é produzido em cerca de 100 países, e os 15 principais produtores responsáveis por 86% da produção são listados na tabela.
A área total ocupada, excluindo o Brasil, é de aproximadamente 12 milhões de hectares. Se esses países seguissem o exemplo do Brasil, dedicando metade de sua produção à fabricação de álcool, isso aumentaria a área mundial dedicada ao etanol dos 3,4 milhões de hectares em uso no Brasil para 9,6 milhões, triplicando, assim, a produção de etanol para quase 70 bilhões de litros por ano. No mundo, a área em uso pela agricultura é de cerca de 1.400 milhões de hectares e cresce 3 a 4 milhões de hectares por ano. Dedicar 1% ou 2% dessa área (14 a 28 milhões de hectares) à cana-de-açúcar para a produção de etanol é uma meta fácil de atingir.
Somado com ganhos de produtividade ainda possíveis, como já mencionado, parece possível e realista alcançar uma produção de 200 bilhões de litros de etanol por ano - cerca de 10% do consumo mundial de gasolina, dez vezes mais do que é produzido hoje.
Se essa meta fosse atingida até 2020, teríamos aqui uma janela de oportunidade de 10 anos, em que tecnologias de primeira geração supririam as necessidades mundiais da produção de etanol, o que daria tempo para o desenvolvi mento efetivo de tecnologias de segunda geração.
Alguns países produtores de açúcar de cana já estão movendo-se na direção de diversificar sua produção para incluir etanol, como a Colômbia, que já tem 4 grandes destilarias em operação. Alguns países do Caribe, a Venezuela e Moçambique também estão considerando a instalação de destilarias de etanol.
A importância da expansão da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar deve aumentar muito, devido às dificuldades que o etanol de milho está encontrando nos Estados Unidos, onde a Agência Ambiental - EPA, pretende introduzir critérios para a aceitação do etanol como substituto da gasolina. Esses critérios devem respeito à contribuição do etanol na redução das emissões de carbono.
Como é bem sabido, o uso de etanol da cana-de-açúcar como substituto da gasolina reduz em 84% as emissões de CO 2 - um dos principais gases de efeito estufa. O uso de milho reduz essas emissões em 30%, e a beterraba, em 40%.
Sucede que a Agência Ambiental americana decidiu considerar também as emissões decorrentes das mudanças do uso da terra, o que alterou substancialmente os números menciona- dos, tornando o etanol menos atraente como combustível que reduz as emissões de gases de “efeito estufa”.
Pelos estudos da agência americana - ainda em consulta pública, o etanol da cana se qualifica como substituto da gasolina, mas não o etanol de milho.
Essa situação aumenta as possibi lidades de importação do etanol do Brasil - e de outros países produtores de cana-de-açúcar, pelos Estados Unidos. No momento, elevadas tarifas alfandegárias protegem os produtores de etanol de milho, as quais tenderão a cair, na medida em que a produção interna não conseguir atingir as metas fixadas pelo governo americano para 2022, que incluem a produção usando tecnologias de segunda geração, que ainda não atingiram o estágio comercial.

José Goldemberg, Professor at the Electrotechnical and Energy Institute of the University of São Paulo (USP)
A great effort is being made to research and develop the second generation production of ethanol using a variety of methods, foremostly enzymatic hydrolysis.
The main reason for this is the fact that ethanol in the United States and in several European countries is produced from corn, beet and wheat, in direct competition with the production of food. The expected increase in ethanol usage, resulting from governmental decisions in these countries, faces difficulties mainly due to the lack of expansion areas.
Second generation technologies would resolve this problem by using any cellulosic agricultural products, such as wood, grass and even organic waste. The outlook for these initiatives being successful is quite promising, albeit many uncertainties still exist and a long way lies ahead before second generation technologies reach maturity and become commercially competitive. Hence the importance of assessing the current limitations of ethanol production with first generation technologies, particularly from sugarcane.
In 2008, Brazil produced 22.5 billion liters of ethanol, using 3.4 million hectares, which allowed replacing about 1.5% of the gasoline used in the world, mainly in the country itself, which replaced approximately 50% of the gasoline that would have been consumed. The possibility of increasing this production – obtained from sugarcane – depends on two factors: 1. productivity gains that would allow the production of more ethanol in one same area, and 2. geographic expansion in Brazil and other sugarcane producing countries. An analysis of available data shows that increasing ethanol production, following this route, by a factor of 10, i.e., replacing 10% of the gasoline used in the world, is not only possible but also likely. Productivity gains: Sugarcane is a tropical plant, perennial, with a C4 metabolism, that captures 6% of the incident solar energy, amounting to a theoretical yield of 472 tons of sugarcane per hectare (or 219 tons of dry biomass per hectare). This theoretical yield is not attainable in practice due to a variety of agronomical, environmental and physiological limitations, such as diseases, soil quality and the very characteristics of the existing varieties that contain varied sugar content. With all these limitations, the maximum yield achieved until now is about half the theoretical yield.
Sugarcane productivity, considering both the agricultural phase and the industrial processing phase (in which sugarcane is converted to ethanol), has grown about 4% per year since 1975; the number of liters produced per hectare increased from approximately 2,000 liters per hectare, in 1975, to 7,000 liters per hectare in 2005.
This took place through the diversification and selection of the varieties used, which were only 6 in 1984 and have since increased to more than 500 in 2005. Additional gains could be achieved through genetic modifications. There is, therefore, the prospective of doubling current productivity. Geographic expansion: The area used by sugarcane plantations destined for ethanol production in the country is 3.4 million hectares. A similar size area is used for the production of sugar. The total cultivated area for sugarcane represents 10% of the area used for agriculture in the country; soya represents 27% and corn 18%. What is noteworthy, however, is that pasture lands cover 172 million hectares, more than twice the area used by agriculture, which totals 77 million hectares. It therefore becomes obvious that an environmentally safer means of expanding sugarcane plantations is by replacing pastures, rather than deforesting native forests. This is not only possible; it is actually what is happening. Just to give an idea, the area dedicated to agriculture in the State of São Paulo grew from some 5 million to 8 million hectares, between 1970 and 2006, whereas pasture lands decreased from 12 million to 9 million hectares. To a considerable extent this expansion was due to sugarcane. As a result, the density of cattle on pasture lands increased from 1.1 to 1.3 heads per hectare, which is still quite a low land occupation rate.
With the recently adopted eco-economical zoning implemented in the State of São Paulo, the expansion of sugarcane cultures complies with all the prerequisites to continue being acceptable from the environmental point of view. So there is actually enough room to expand the sugarcane culture in Brazil. The same takes place in all other tropical regions of the world. Sugarcane is produced in some 100 countries. The 15 main producers, responsible for 86% of the production, are listed in the Table.
The total occupied area, excluding Brazil, amounts to approximately 12 million hectares. If these countries were to follow the example of Brazil, dedicating half their output to the production of ethanol, this would increase the area around the world dedicated to ethanol, from the 3.4 million hectares being used in Brazil, to 9.6 million, thereby tripling ethanol production to almost 70 billion liters per year. Around the world, the area used for agriculture is of about 1.4 billion hectares and grows by 3 to 4 million hectares per year. To dedicate 1% or 2% of this area (14 to 28 million hectares) to sugarcane for the production of ethanol is an easily attainable target.
Added to still possible productivity gains, as previously mentioned, it seems feasible and realistic to achieve a production of 200 billion liters of ethanol per year (about 10% of the world gasoline consumption), ten times more than what is produced today.
If this target were reached by 2020, we would have a 10-year window of opportunity, in which first generation technologies would meet the demand in the world production of ethanol, allowing for time to actually develop second generation technologies.
Some sugarcane producing countries are already heading in the direction of diversifying their production to include ethanol, like Colombia, which already has 4 large distilleries in operation. Other countries in the Caribbean, Venezuela and Mozambique are also considering setting up ethanol distilleries.
The importance of expanding the production of ethanol from sugarcane is bound to increase considerably, given the difficulties that ethanol produced from corn is facing in the United States, where the Environmental Protection Agency (EPA) intends to introduce criteria for making ethanol an acceptable substitute for gasoline. Such criteria must take into consideration the contribution of ethanol to the reduction of carbon emissions.
As is well known, the use of ethanol from sugarcane, as a substitute for gasoline, reduces emissions of the main greenhouse gas (CO 2 ) by 84%. The use of corn reduces such emissions by 30% and of beet, by 40%.
It so happens that the U.S. Environmental Agency decided to also take into consideration the emissions resulting from changes in how land is used, which substantially changed the mentioned figures, making ethanol less attractive as a fuel that reduces greenhouse gas emissions.
According to the U.S. agency’s studies – still in a public consultation phase – sugarcane ethanol qualifies as a substitute for gasoline, but not ethanol from corn.
This situation increases the possibilities of the United States importing ethanol from Brazil (and other sugarcane producing countries). Currently, high custom tariffs protect producers of ethanol from corn; however these tariffs tend to decrease to the extent that domestic production in the U.S. fails to reach the targets set by the U.S. government for 2022, which include the deployment of second generation technology in production, which technology has as yet not reached the commercial stage.
