14 minute read

A fábrica de carbono brasileira

" Cada quilo de polietileno feito de cana- -de-açúcar captura de 2,5 a 4,4 kg de CO 2 . Estes plásticos verdes podem ser considerados como grandes aspiradores de gás carbônico. "

Marco Aurélio Pinheiro Lima Diretor do CTBE - Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol

A cana-de-açúcar é uma eficiente fábrica de carbono, cujo potencial nós, brasileiros, aproveitamos como poucos. Há 500 anos, utilizamos o açúcar contido no seu caldo, formado por átomos de carbono, que um dia compuseram o CO 2 atmosférico, para adoçar o nosso cafezinho. Além disso, no último século, passamos a fermentar o caldo dessa planta e a convertê-lo em combustível líquido. Atualmente, as usinas brasileiras são capazes de ajustar suas produções de modo a fabricar mais etanol que açúcar - ou vice-versa, em uma proporção que varia de 40% a 60%, conforme as expectativas de lucro na próxima safra para ambos os produtos.

Não satisfeitos com essa versatilidade, descobrimos um uso para a biomassa da cana, que antes era desperdiçada ou parcialmente queimada no canavial. Continuou-- -se a queimar, só que agora dentro de caldeiras que produzem eletricidade. Essa energia gerada pode garantir a suficiência energética das empresas do setor e ainda permite que possíveis excedentes sejam revendidos para redes de abastecimento de eletricidade. Termoelétricas a gás, carvão ou usinas nucleares já não fazem mais sentido em diversas regiões onde se planta cana.

Em tempos recentes, novas utilidades para a cana-de-- -açúcar surgiram através da tecnologia. Graças ao empenho de cientistas, dos governos e da iniciativa privada - que passa a enxergar a possibilidade de maior êxito financeiro, começam a despontar projetos industriais, ou quase industriais, de etanol oriundo do bagaço de cana e de outros produtos criados pela indústria alcoolquímica.

Dentre esses projetos, podemos destacar um que, inclusive, foi tema de uma conferência no Ethanol Summit 72

2009. Falo dos plásticos verdes. Fui o moderador da mesa redonda sobre este tema, na qual, três grandes empresas - Braskem, Dow e PHB Industrial, apresentaram seus produtos e estratégias nessa que se mostra uma promissora área de negócios.

Antes de abordar as iniciativas apresentadas, é preciso explicar melhor o que é um “plástico verde”. São assim chamados os polímeros feitos a partir de matéria-prima renovável. Estes, ao contrário do que muitos pensam, não precisam ser necessariamente biodegradáveis. O polietileno feito de cana-de-açúcar, que tanto a Braskem quanto a Dow trouxeram ao Summit, é química e mecanicamente igual ao material oriundo do petróleo. Sua única diferença é que, ao invés de desenterrar carbono e o transformar em plástico, tais empresas se utilizam da biomassa - que absorve CO 2 do meio ambiente, e a convertem em polímero.

Já o produto da PHB Industrial se diferencia dos demais. Esta fabrica o poli-b-hidroxibutirato (PHB), um plástico gerado por um processo fermentativo - via bactérias naturais, não geneticamente alteradas que se alimentam do açúcar contido na cana e acumulam o PHB dentro de suas células. Certas aplicações desse material, uma vez em contato com ambientes compostáveis, degradam-se dentro de, aproximadamente, 120 dias, segundo o Diretor Executivo da empresa, Sylvio Ortega Filho.

Os plásticos verdes podem substituir os convencionais em diversas situações. Do biopolietileno, por exemplo, é possível fabricar embalagens plásticas, como sacos de arroz e açúcar, fraldas descartáveis,

engradados de bebidas, baldes, etc. Sem contar que, segundo os fabricantes, não há necessidade de adaptação nas atuais máquinas de transformação de polímeros em objetos plásticos, para se trabalhar com os plásticos de fontes renováveis. Isso desobriga as indústrias a lançarem mão de vultosos investimentos em suas plantas fabris.

Feita essa apresentação, resta-nos responder à seguinte pergunta: por que empresas de grande porte - inclusive multinacionais, têm investido quantias substanciais de dinheiro em projetos que visam produzir plásticos, semelhantes ao que temos hoje no mercado, a partir da cana-de-açúcar? Quem participou da mesa redonda sobre o assunto alegou como principal argumento para isso a tão discutida sustentabilidade.

Conforme informações repassadas pelos empresários no Summit, cada quilograma de polietileno feito de cana captura 2,5 kg de CO 2 da atmosfera. No caso do PHB, a captura chega a 4,4 kg. Dados como esses levam alguns empresários a classificar seus plásticos verdes como “grandes aspiradores de gás carbônico”.

Um argumento como esse parece fazer a diferença a favor dos plásticos renováveis em uma nova realidade na qual, segundo o Presidente da Braskem, Bernardo Gradin, a sustentabilidade será cada vez mais demandada pelo consumidor final. “Ele é quem vai determinar, independente de regulamentações ou iniciativas das empresas, a velocidade de alterações de produtos, processos e negócios para algo sustentável”, afirma o empresário.

Entretanto, um olhar mais criterioso sobre esse tema pode revelar coisas interessantes. São frequentes, por exemplo, mudanças em processos ou produtos serem anunciadas pelas companhias como demandadas por questões ambientais ou sociais. Em muitos desses casos, se vê que o motivo real - e velado, de tal transformação é o fator econômico. O caso atual dos plásticos verdes talvez se assemelhe, inclusive, à história do etanol brasileiro durante o programa Proálcool. Há 35 anos, o que realmente fez com que o nosso país investisse tanto na fabricação de carros movidos 100% a etanol, quanto na produção de álcool combustível a partir da cana-de-açúcar, não foi o discurso “vamos salvar o planeta”. A principal motivação naquele momento foi o aumento considerável no preço internacional do barril de petróleo que dificultou a comercialização desse produto no mercado nacional.

Durante a conferência sobre plásticos no Ethanol Summit 2009, dois dos três palestrantes comentaram que a Petrobras tem tido dificuldades em suprir por completo a demanda nacional de nafta, substância derivada do petróleo e utilizada como matéria-prima na fabricação de polímeros e outros produtos da indústria petroquímica. Haveria, segundo eles, um déficit de 30% no suprimento desse material. Isso pode ter contribuído significativamente para o desenvolvimento de plásticos e outros produtos “sustentáveis”, como o alto preço do petróleo, que, no passado, levou ao surgimento da atual indústria de etanol brasileira.

Já que a discussão circunda sobre a sustentabilidade, é preciso colocar outro ponto em discussão. Uma das primeiras palavras que nos vêm à mente quando se fala em plástico é lixo. Como será que os produtores de biopolímeros veem esse assunto? Será a biodegradabilidade - que libera novamente na atmosfera o gás carbônico capturado pela cana-de-açúcar, gerando um ciclo, mais eficiente que os métodos convencionais de reciclagem? É preciso lembrar que tais métodos possuem restrições, como, por exemplo, a impossibilidade de reaproveitamento de plásticos contaminados por certos tipos de materiais - hospitalares, orgânicos etc.

Acredito que uma resposta definitiva a esse assunto só será possível de ser dada - e precisa ser dada, quando nossos cientistas concluírem uma série de cálculos. Precisamos mensurar o nível de emissões de gases de efeito estufa envolvido no ciclo produtivo dos vários tipos de plásticos, temos que calcular o consumo de energia fóssil e renovável relacionado a esses processos - entre outros, se quisermos obter respostas conclusivas.

Entretanto, gostaria de comentar uma interessante alternativa comentada por Diego Donoso, Diretor da Dow. Ele alerta sobre a eficiência da reciclagem energética no assunto lixo, utilizando os resíduos plásticos como combustível na geração de energia elétrica ou térmica. “O lixo plástico é uma fonte de energia incrível. Cada 1 kg de plástico equivale energeticamente a 1 kg de diesel. Ao enterrar plástico, é como se enterrássemos óleo diesel”, declara Donoso.

O executivo da Dow conta que algumas nações da União Europeia, EUA e Japão têm construído inúmeras usinas de reciclagem energética, evitando que mais combustível fóssil seja trazido à superfície. No Brasil, algumas iniciativas nesse sentido têm aparecido nos últimos anos. Entretanto é preciso levar em consideração nessa conversa questões como o custo de implantação dessas instalações.

Gostaria de fechar este artigo com o mesmo tema com o qual o abri. O Brasil possui uma matéria-prima, a cana-de-açúcar, que é fonte de produção do tripé açúcar/ bioetanol/eletricidade. O plástico verde surge com forte apelo ambiental e, de certa maneira, convida a indústria a explorar possibilidades de gerar outros produtos com alto valor agregado.

Esse potencial precisa ser investigado por nossos centros de pesquisas e empresas do setor. No Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol - CTBE, que atualmente dirijo, iniciamos o desenvolvimento de um programa para criar uma importante ferramenta computacional que visa auxiliar nessa tarefa. Nós a batizamos de Biorrefinaria Virtual.

Através da simulação computacional de processos - elaborada em cooperação com uma rede de pesquisadores, indústrias e instituições de pesquisa participantes do programa, essa ferramenta avaliará a sustentabilidade econômica, ambiental e social de uma tecnologia em desenvolvimento.

Os resultados dessa análise serão comparados a uma cadeia de produção padrão do setor de cana e, quando possível, validados por empresas e instituições atuantes nessa área. Desse modo, por exemplo, será possível analisar o nível de sucesso de novas tecnologias antes de se investir pesado em plantas industriais. Esperamos que essa ferramenta seja uma de nossas contribuições na busca por um melhor aproveitamento dessa impressionante fábrica de carbono que é a cana-de-açúcar.

Marco Aurélio Pinheiro Lima, Director of the Bioethanol Science and Technology Center (CTBE)

Sugarcane is an efficient carbon producer, whose potential, we, Brazilians, take advantage of like few others. For 500 years, we have used sugar contained in its juice, consisting of carbon atoms, that one day were part of CO 2 in the air, to sweeten our coffee. In the past century, we began fermenting this juice and converting it to liquid fuel. Currently, Brazilian industrial plants can adjust their production to produce more ethanol than sugar (or vice-versa, in a proportion varying from 40% to 60%), depending on the profit outlook in the next harvest. Not satisfied with this versatility, we discovered a use for sugarcane biomass, which was previously disposed of or partially incinerated. Incineration continued, but now this took place in boilers producing electricity. This energy generated can assure energy sufficiency of companies in the industry, while allowing possible surpluses to be sold to electric power networks. Thermoelectric gas plants, coal-fueled or nuclear power plants no longer make sense in several sugarcane producing regions. In recent years, new utilities for sugarcane resulted from technology. Thanks to the commitment of scientists, governments and private initiative (which sees possible higher financial gains), industrial projects based on ethanol from sugarcane bagasse and other products are beginning to appear. Among these projects, we can highlight one which was theme of a conference at the 2009 Ethanol Summit. I’m talking about green plastic. On that occasion, when I mediated the respective round table, three large companies (Braskem, Dow and PHB Industrial) presented their products and strategies in what is a promising business area.

Before focusing on the initiatives presented, one must explain what a “green” plastic is. Polymers made of renewable raw material are thus called. Contrary to common belief, they need not necessarily be biodegradable. Polyethylene made of sugarcane is chemically and mechanically equal to material made from petroleum. The difference is that instead of extracting carbon from the earth and transforming it to plastic, companies use biomass (which absorbs CO 2 from the air) and convert it to a polymer. PHB Industrial’s product is different from the others. This company produces Poly-bHydroxybutyrate (PHB), a plastic generated by a fermentation process (using natural bacteria, not genetically modified, which feed on the sugar contained in sugarcane and accumulate the PHB inside their cells). Sylvio Ortega Filho, the company’s Executive Director, states that in certain applications, once it comes into contact with compostable environments, it degrades in about 120 days. Green plastic can replace conventional plastic in several situations. For instance, from bio-polyethylene one can manufacture plastic packaging, such as packs for rice and sugar, disposable diapers, etc., not to mention that there is no need for any adaptations of the current machinery used to transform polymers to plastic objects, using plastic made from renewable sources. This allows companies to forgo making heavy investments in industrial plants. With this introduction, we must now answer the question: why have large companies invested considerable amounts of money in projects developed to produce plastic made from sugarcane, similar to the kind we can currently find in the market? Those who took part in the round table debate on the 2 nd of June argued the point that this was because of the so intensively debated sustainability. According to corporate executives at the Summit, each kilogram of polyethylene made from sugarcane captures 2.5 kg of CO 2 from the air. In the case of PHB, this figure reaches 4.4 kg, and justifies its green plastic being referred to as a huge “carbon dioxide aspirator”.

Such argument seems to make the difference in favor of renewable plastic in the context of a new reality in which, according to Braskem’s President, Bernardo Gradin, sustainability will increasingly be demanded by the end consumer. “He is who will determine, irrespective of rules or company initiatives, the speed at which products, processes and business change to become sustainable.” A more detailed assessment of this issue may reveal interesting features. For instance, it is quite common that companies announce changes in processes or products as they are required due to environmental or social considerations. In many of these cases one can see that the actual (and hidden) reason of such transformation is the economic factor. The case at hand of green plastic is perhaps similar to the history of Brazilian ethanol during the Pro-alcohol program. Thirty-five years ago, what really made our country invest in the manufacture of cars that ran entirely on ethanol, as well as in the production of ethanol fuel made from sugarcane, was not the discourse “let’s save the planet”. The main motivation then was the increase in the international oil price, which made it difficult to market oil domestically. At the 2009 Ethanol Summit, two of the three speakers commented that Petrobras has encountered difficulties to fully satisfy the national demand for naphtha, a substance derived from petroleum and used as raw material in polymers and other petrochemical products. Accordingly, there supposedly is a 30% deficit in the supply of this material. This may significantly have contributed to the development of plastic and other “sustainable” products, just like in the past the high oil price led to the creation of the Brazilian ethanol industry.

Since the debate is about sustainability, one must add another topic to the debate. One of the first words that come to mind when talking about plastic is waste. How do bio-polymer producers see this issue? Is it that bio-degradability (which again frees carbon dioxide captured by sugarcane into the air, closing a cycle) is more efficient than conventional recycling methods? One must bear in mind that such methods are subject to restrictions, such as, for example, the impossibility of recycling contaminated plastic (by hospital or organic materials, etc.). I believe a definitive answer to this issue will only be possible (but must be provided) when our scientists finish a series of calculations. We must measure the greenhouse gas emissions’ effect on the production cycle of plastic, and calculate fossil and renewable energy consumption if we want to obtain conclusive answers. However, I wish to comment on an interesting alternative mentioned by Diego Donoso, of Dow. He calls attention to the efficiency of energy recycling involving waste. In this process, plastic residue is used as fuel in the generation of electric or thermal energy. “Plastic waste is a remarkable source of energy. Each 1 kg of plastic is energy wise equivalent to 1 kg of diesel. To bury plastic is like burying diesel oil”, states Donoso. The Dow executive says that some European Union countries, the USA and Japan have built energy recycling plants, thus preventing additional fossil fuel being brought to the surface. In Brazil, some initiatives in this regard were undertaken in recent years. However, in the debate on this issue one must take into consideration other aspects such as the cost of implementing such installations. I wish to close this article with the same theme with which I opened it. Brazil has a raw material - sugarcane -, which is the energy source of the tripoid sugar/bioethanol/electricity. Green plastic entails a strong environmental appeal, and encourages industry to exploit possibilities of generating other high aggregate value products. This potential must be assessed by our research centers and companies in this industry.

In the Bioethanol Science and Technology Center (CTBE), which I manage, we began the development of a program to create an important computer tool to assist in this task. We call it a Virtual Bio-refinery. Through the computer-based process simulation (in cooperation with researchers, companies and research institutions participating in the program), this tool will assess economic, environmental and social sustainability of a technology under development. The analysis results will be compared with a standard sugarcane industry production chain, and whenever possible, validated by companies and institutions in the industry. By doing so, it will be possible to analyze the degree of success of new technologies before heavily investing in industrial plants. We trust this tool will be one of our contributions in the quest for better use of sugarcane, this remarkable carbon producer.

This article is from: