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Etanol: nova opção para o diesel
ethanol summit 2009 etanol: nova opção para substituição de diesel
Francisco Emilio Baccaro Nigro Assessor Científico da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo
Quando se trata do uso de derivados de petróleo em motores de combustão interna, estão bem estabelecidas as vantagens competitivas dos motores de ignição por compressão - motores Diesel, para aplicações de maiores potências e de serviço pesado, e a dos motores de ignição por centelha - motores Otto nas aplicações de menor po- tência e de uso menos intenso. Tais diferenças se devem principalmente à maior eficiência energética dos motores do ciclo Diesel - digamos 15% em aplicações veiculares, em contraposição ao menor custo de fabricação dos motores do ciclo Otto para a mesma faixa de potências, uma vez que o custo por unidade de energia dos respectivos combustíveis – óleo diesel e gasolina – são, aproximadamente, os mesmos. Com o aumento de preço dos combustíveis e com a redução de custo dos investimentos observados na última década, a tendência global tem sido de ligeiro crescimento da participação de motores Diesel.
Quanto à emissão de poluentes atmosféricos locais, embora o motor diesel emita menor massa de poluentes por unidade de trabalho útil, os sistemas de pós-tratamento de gases tornam as aplicações com motores de ignição por centelha, em geral, menos poluentes por unidade de trabalho que aquelas com motores de ignição por compressão. Em particular, grande parte da poluição de grandes centros urbanos é atribuída às emissões de óxidos de nitrogênio e material particulado provenientes de veículos com motor diesel. Em contraposição, a emissão de gases de efeito estufa por unidade de trabalho útil é menor para motores do ciclo Diesel do que para motores do ciclo Otto, em função da maior eficiência energética dos primeiros, se ambos estiverem funcionando com os derivados de pe- tróleo para os quais foram desenvolvidos.
Por outro lado, as propriedades físico-químicas do etanol, principalmente a volatilidade e a alta resistência à autoinflamação, tornam-no, naturalmente, um combustível ideal para motores de ignição por centelha, da mesma maneira que os óleos vegetais e seus derivados, como o biodiesel, são mais adequados para motores de ignição por compressão. 80
Vale ressaltar que, quando motores do ciclo Otto são otimizados para o uso de etanol, seu rendimento energé- tico é superior ao de motores do mesmo ciclo otimizados para o uso de gasolina. Já no caso dos motores de ciclo Diesel, seu rendimento energético pouco varia quando eles são otimizados para diferentes combustíveis, embo- ra as dificuldades de adaptação dos motores possam ser muito diversas entre combustíveis. No caso do etanol, as modificações necessárias são grandes, enquanto para o biodiesel são quase nulas.
Portanto, em um mercado de combustíveis líquidos para motores, que em termos globais se mantém razoavelmente equilibrado e amplamente dominado pelos combustíveis derivados de petróleo - gasolina e óleo diesel, faz mais sentido utilizar o etanol como substituto da gasolina e extrair maior percentual de óleo diesel do petróleo. Junte-se a isso o fato de que, na maioria dos países, os tributos incidentes sobre a gasolina (mais utilizada no transporte individual) são mais elevados que sobre o óleo diesel (mais utilizado em transportes coletivos e de carga), e poderíamos concluir que o mercado global não tem lugar para o uso do etanol nas aplicações atualmente dominadas pelo óleo diesel.
No Brasil, e principalmente no estado de São Paulo, a relação de preços entre etanol, gasolina e óleo diesel é tal, que a possibilidade não pode ser descartada. Do ponto de vista energético, é necessário 1,72 litro de etanol hi- dratado ou 1,22 litro de gasolina C para substituir 1 litro de óleo diesel. Assim, admitindo-se que o preço do diesel será mantido na faixa de 85% a 90% do preço da gasoli- na C, toda vez que o preço do etanol cair abaixo de um piso de 49% a 52% do preço da gasolina nos postos de abastecimento, passa a existir potencial econômico, mas não necessariamente técnico, para que consumidores que abastecem na rede de postos utilizem etanol em substi
tuição ao óleo diesel. Atualmente, esse piso tem sido ultrapassado, o que reforça o interesse pela substituição. É oportuno mencionar que a relação de preços entre etanol hidratado e gasolina C que viabiliza economicamente o uso do primeiro na frota de veículos flexíveis é de 70%, o que mostra claramente o quão longe do equilíbrio está o mercado.
Quando se consideram os preços de venda do etanol hidratado - sem tributos, e o preço de compra do óleo diesel pelo setor sucroalcooleiro, a oportunidade de substituição fica mais clara e se mostra economicamente vantajosa quando a razão de preços etanol/gasolina nos postos cai abaixo de 77% a 81%, para as mesmas razões apontadas de preço diesel/gasolina C. Mesmo quando se supõe o etanol sendo utilizado em motores de ignição por centelha, que tem menor rendimento energético que os motores de ignição por compressão, esses limites ficam em torno de 68%. Tal fato mostra que a substituição do diesel pelo etanol no setor sucroalcooleiro tem grande potencial econômico, o qual pode ser inclusive superior ao de substituição da gasolina C pelo etanol hidratado nos veículos flexíveis.
Dentro dessa realidade de preços, fica patente a necessidade de desenvolver alternativas técnicas para uso de etanol em substituição ao diesel. Vale reforçar que, em junho de 2009, os preços médios dos combustíveis por unidade de energia nas distribuidoras em São Paulo foram: etanol hidratado - R$44/GJ; óleo diesel - R$52/GJ; e biodiesel - R$70/GJ. O elevado incentivo ao biodiesel ilustra a importância que vem sendo dada para se conseguir um substituto renovável para o óleo diesel, que inclusive pode ser utilizado na frota existente.
Duas aplicações típicas de motor a diesel foram consideradas mais promissoras para uso de etanol, a saber: 1. ônibus para transporte urbano de passageiros, e 2. máquinas agrícolas e veículos de transporte de carga no setor sucroalcooleiro.
A primeira apresenta a vantagem de ter seu uso restrito a frotas cativas com o benefício adicional de redução da emissão de poluentes locais em ambiente urbano e, portanto, com potencial adequado para receber incentivos fiscais ou requisitos legais que facilitem sua viabilização.
A segunda aplicação apresenta indiscutível viabilidade econômica na parcela referente ao custo de combustível e, portanto, oferece alguma margem para o desenvolvimento de soluções técnicas otimizadas para etanol.
No contexto de divulgar tecnologias de substituição de óleo diesel por etanol, foram feitas três apresentações no painel “Etanol: Nova Opção para Motores Diesel”.
O professor José Roberto Moreira, Presidente do Conselho do CENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa da USP, e Coordenador do projeto BEST - Bioetanol para um Transporte Sustentável, apresentou o estágio atual do projeto de demonstração de ônibus urbano movido a etanol hidratado aditivado. O veículo utiliza um motor Scania, Diesel, com taxa de compressão 28:1 e sistema de injeção Bosch especial para operação com etanol. A tecnologia, que inicialmente foi aplicada no Brasil em ônibus e caminhões no final dos anos 1970, usando nitratos orgânicos como aditivos promovedores de ignição, foi modificada para utilizar aditivo à base de etileno glicol, mais compatível com a preservação ambiental. A tecnologia vem sendo aplicada em ônibus urbanos em Estocolmo desde 1990, formando uma frota de cerca de 600 veículos. A reduzida emissão de poluentes tem permitido manter os veículos produzidos à frente dos requisitos ambientais europeus, sendo que a 3ª geração de motores satisfaz com folga os requisitos da legislação EURO V. O consumo de etanol medido nos testes em São Paulo, quando comparado ao de diesel em veículo semelhante, vem confirmando a relação de conteúdo energético dos combustíveis. A viabilidade econômica da aplicação requer incentivos que reconheçam os benefícios ambientais da alternativa, uma vez que o custo do aditivo importado, que é utilizado na proporção de 5%, representa cerca de R$ 0,40/litro do combustível final.
O engenheiro Guilherme Ebeling, Gerente de Engenharia da MWM International, relembrou as soluções que foram desenvolvidas no início dos anos 1980 para substituição de óleo diesel por etanol no setor sucroalcooleiro. Receberam menção especial o sistema de dupla injeção do motor MWM PID D229-4 e o motor Otto Perkins AE 4.236 convertido de motor Diesel, ambos aplicados em tratores. Em seguida, foram apresentados os desenvolvimentos atuais, que se baseiam nas tecnologias: diesel-etanol e ottolização de motor Diesel. Na primeira alternativa, que está sendo aplicada ao motor P4001, o motor original recebe um sistema de injeção de etanol nas portas de admissão e mantém a possibilidade de operação exclusivamente com diesel. A quantidade de etanol injetado é controlada eletronicamente, conforme as condições de carga e rotação do motor, conseguindo-se uma substituição parcial do óleo diesel consumido - 30% a 50%. A segunda alternativa está sendo aplicada ao motor D229-4 e compreende a redução da taxa de compressão do motor pela troca dos pistões, a substituição do sistema de injeção de óleo diesel na câmara de combustão (alta pressão) por um sistema de injeção nas portas de admissão, a adaptação de velas de ignição na posição dos injetores e a introdução de borboleta de acelerador e dos controles eletrônicos típicos de motores de ignição por centelha. Essa solução fornece substituição integral do óleo diesel com baixa complexidade, o que pode levar a um custo menor de motor, mas implica aumento do consumo energético para a realização do mesmo trabalho que o motor do ciclo Diesel.
O Engenheiro João Irineu Medeiros, Diretor de Engenharia do Produto da FPT Mercosul, lembrou a postura inovadora da Fiat desde o lançamento do primeiro automóvel a álcool em 1979, passando pelo motor flexível em 2003. Mencionou a parceria com a Bosch para realizar o desenvolvimento do sistema diesel-etanol aplicado ao motor Cursor 9 em 2007 e anunciou que a FPT está desenvolvendo um motor do ciclo Otto para uso de etanol (Cursor 8-E100) semelhante à versão a gás natural (Cursor 8-CNG). A versão ottolizada será turbinada com intercooler e utilizará injeção mutiponto e catalisador de três vias.
Resumindo, as relações de preço entre óleo diesel e gasolina, assim como sua provável evolução, indicam que a substituição de óleo diesel por etanol dentro do setor sucroalcooleiro apresenta um potencial de ganho mais favorável que a comercialização do etanol. Além disso, esse potencial deverá manter-se positivo, mesmo para preços de etanol próximos do preço de equilíbrio energético com o da gasolina C.
Embora o setor automotivo esteja desenvolvendo soluções tecnológicas para aproveitar esse potencial, é importante acelerar o processo por meio de uma participação maior do setor sucroalcooleiro, inclusive fazendo valer seu poder de compra com uma atuação coordenada. A utilização de etanol no transporte urbano de passageiros, em substituição ao diesel, fica na dependência de incentivos ambientais que valorizem a redução de emissão de po- luentes e gases de efeito estufa. 81
Francisco Emilio Baccaro Nigro, Scientific Advisor of the State of São Paulo Development Secretariat
When the issue is the use of petroleum derivatives in combustion engines, the competitive advantages of ignition by compression engines (Diesel engines) over spark-ignited engines (Otto engines) are well known. They are mainly due to the higher energy efficiency of diesel engines in comparison to the lower production cost gasoline engines in a same power range, given that the cost of a unit of energy of the two fuels is about the same. The global trend has been a slight increase in the share of diesel engines.
Although a diesel engine emits a smaller quantity of pollutants per net work unit, post-combustion gas treatment systems render spark-ignited engine applications less polluting. Most of the pollution of large urban centers is due to nitrogen oxide emissions and particulate material from diesel engines. In contrast, the emission of greenhouse gases per net work unit is lower in diesel engines than in gasoline engines, given the former’s higher energy efficiency.
On the other hand, because of ethanol’s volatility and high resistance to self-inflammation, it is an ideal fuel for spark-ignited engines, just as vegetable oils and derivatives, such as biodiesel, are better suited for ignition by compression engines.
One should, however, observe that, when Otto cycle engines are optimized for ethanol, their energy yield is better than when optimized for gasoline. In the case of diesel cycle engines, however, the energy yield varies little when optimized for different fuels, albeit the difficulties in engine adaptation may vary greatly between fuels. In the case of ethanol, unlike biodiesel, the changes needed are big.
Therefore, in a fuel for engines market that is reasonably balanced and dominated by fuel from petroleum, it makes sense to use ethanol rather than gasoline and to extract more diesel oil. In addition, in most countries, taxes on gasoline are higher than on diesel oil, so one may conclude that there is no room for ethanol in applications dominated by diesel oil.
However, there still is no global market for ethanol and local markets are far from balanced, creating opportunities for the use of ethanol instead of diesel oil.
In Brazil, the price relation between ethanol, gasoline and diesel oil cannot be ignored. From the energy point of view, 1.72 liters of hydrated ethanol or 1.22 liters of gasoline C are necessary to replace 1 liter of diesel oil. Thus, admitting that the price of diesel is within a range of 85% to 90% of the price of gasoline C, every time the ethanol price drops below the gasoline price floor of 49% to 52%, there is economic potential for consumers to use ethanol. One should mention that the price relation between hydrated ethanol and gasoline C, that makes the former feasible, is 70%.
When considering the sale price of hydrated ethanol (w/o taxes) and the purchase price of diesel oil, the opportunity for replacement becomes economically advantageous when the price ratio falls below 77% to 81%. Even when one considers ethanol being used in spark-ignited engines, these limits are at about 68%. This shows that replacing diesel with ethanol has economic potential that is even higher when replacing gasoline C by hydrated ethanol in flex-fuel vehicles.
Given this reality, the need to develop technical alternatives for use of ethanol as replacement of diesel becomes apparent. In June 2009, average fuel prices per unit of energy in São Paulo were: hydrated ethanol - R$44/GJ; diesel oil - R$52/GJ; and biodiesel - R$70/GJ. The large incentive provided biodiesel illustrates the importance of finding a renewable replacement for diesel oil.
Two typical applications in diesel engines are promising for the use of ethanol: 1. buses for urban passenger transportation, and 2. agricultural machinery and cargo vehicles.
The former has the advantage that its use is limited to private fleets, with the additional benefit of potentially qualifying for fiscal incentives.
The second application’s feasibility lies in the cost of the fuel and, hence, in developing optimized technical solutions for ethanol.
Three presentations on this subject were made in the panel “Ethanol: New Options for Diesel Engines”.
J. Moreira, President of the Board of CENBIO – National Reference Center on Biomass – and coordinator of project BEST – Bioethanol for Sustainable Transportation, presented the development of the demo project of the urban bus powered by additivated hydrated ethanol. It runs on a Scania diesel engine, with a compression rate of 28:1 and a special Bosch injection system for ethanol. The technology was modified to use an ethylene glycol based additive. This technology has been applied in buses in Stockholm. The reduced emission of pollutants has allowed keeping this bus fleet ahead of European environmental norms, and the 3 rd engine generation complies with EURO V legislation. Ethanol consumption tests in São Paulo, comparing with similar diesel vehicles, confirmed the energy content relation of the fuels. The economic feasibility of the application requires incentives that acknowledge the alternative’s environmental benefits, given that the cost of the imported additive represents R$ 0.40/l of the end fuel price.
G. Ebeling, of MWM, recalled the solutions developed in the 80’s to replace diesel oil with ethanol. The double injection system of the MWM PID D229-4 engine and the Otto cycle Perkins AE 4.236 engine converted from a diesel engine were especially praised.
Next, current developments were presented, as based on the following technologies: diesel-ethanol and the “ottolization” of the diesel engine. In the first alternative, applied to the P4001 engine, the original engine receives an ethanol injection system installed at the admission inlets, while maintaining the possibility of running only on diesel. The quantity of ethanol injected is controlled electronically, resulting in the partial replacement of diesel oil (30 - 50%). The second alternative is being applied to the D229-4 engine and consists of reducing the engine compression rate by changing pistons, replacing the diesel oil injection system in the combustion chamber (high pressure) with a system at the admission inlets, adapting the spark plugs and introducing the butterfly throttle valve and electronic controls of spark-ignition engines. This allows fully replacing low complexity diesel oil, resulting in a lower engine cost, but implies an increase in energy consumption.
J. Medeiros, of FPT, recalled Fiat’s innovative stance from when the first ethanol car was launched in 1979, until the introduction of flex engines in 2003. He mentioned the partnership with Bosch to develop the diesel-ethanol system and said that FPT is developing an Otto cycle engine for ethanol. The “ottolized” version will have a turbo with intercooler and multipoint injection and a 3-way catalyzer.
In summary, price relations between diesel oil and gasoline, as well as their likely evolution, indicate that the replacement of diesel oil by ethanol has a more favorable potential than simply introducing ethanol. This potential must stay positive, even with ethanol prices close to the energy equilibrium price for gasoline C. Although the automotive industry is developing technological solutions, it is important to accelerate this process by further involving the sugar and alcohol industry, also using its purchasing power. The use of ethanol in urban transportation replacing diesel will depend on environmental incentives that value the reduction in the emission of pollutants.
