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Biocombustíveis no contexto global
O mundo está debruçado sobre estudos e pesquisas que encontrem energia renovável, não poluente e que reduza o aquecimento global. A agroenergia está pronta para atender a essa demanda, seja produzindo biocom- bustíveis, seja com a bioeletricidade, seja usando pellets de bagaço ou de folhas secas para substituir o carvão mineral e vegetal em lareiras dos países frios. Está tudo pronto: a tecnologia agrícola, a tecnologia industrial e a automotiva; sabemos como fazer a mistura e a distribui- ção; conhecemos a comercialização e já erramos tanto, que podemos ensinar só os acertos.
É impressionante a resistência que existe, globalmen- te, quanto a essa alternativa. É claro que não se preten- de que a agroenergia seja a única solução para a grande questão da segurança energética. Mas, sem dúvida, é uma das boas soluções já resolvidas: não é preciso reinventar nada para que ela se torne uma alternativa globalizada. Mais do que isso: a agroenergia certamente mudará o paradigma agrícola mundial de forma positiva, mediante definição de matérias-primas adequadas à produção de energia sem concorrência com alimentos. E, ainda mais, pode mudar de maneira notável a geopolítica global, dando aos países mais pobres do planeta uma oportunidade de desenvolvimento sustentável. Produzir agroenergia é diferente de produzir alimentos. Estes, qualquer país pode fazer, embora possa custar caro.
A segurança alimentar deflagrou o processo de protecionismo agrícola que até hoje tolhe as negociações para liberação do mercado, mas resolveu o problema do abastecimento na Europa, no pós-guerra. Com subsídios, é possível produzir comida em qualquer lugar, com artificialismo, como as estufas.
Mas agroenergia não, porque esta depende de 3 fatores: o solo (com tudo que há nele, como nutrientes e água), a planta e o sol. Sem sol à vontade, não há agroenergia. E o sol está disponível entre os dois trópicos - Câncer e Capricórnio, região que engloba os países po
bres da América Latina, da África e da Ásia. Esses países serão os garantidores da segurança energética, financia- dos pelos grandes consumidores do hemisfério norte.
Com a cana ou com a celulose, esses países terão em- prego, renda e riqueza, produzirão energia para consumo próprio, o que impulsionará seu desenvolvimento, além dos excedentes exportáveis e ainda produzirão alimentos na rotação com a cana, conforme já se faz há décadas no Brasil, desde o famoso programa “Cana e Alimentos”, implantado pelo Planalsucar, nos anos 70.
Mas isso só acontecerá com uma estratégia inter- nacionalmente desenhada, e falta o desenhista. Falta a vontade de desenhar. O acordo entre o Brasil e os Esta- dos Unidos para produzir etanol no Caribe e na América Central está andando, com o protagonismo do Itamaraty, da Apex e do BID. E já há rudimentos de conversa no mesmo sentido entre o Itamaraty e a União Europeia pa- ra desenvolver projetos na África, bem como vai andan- do a negociação entre Petrobras e Mitsui, tendo em vista o mercado japonês e asiático. Há, portanto uma lógica que coloca os biocombustíveis no contexto global de forma irreversível. Vai acontecer, mesmo que pela inércia, característica das grandes mudanças.
Poderíamos apressar esse projeto, se o Brasil tivesse uma estratégia clara. Mas, infelizmente, não a temos. Embora o discurso nacional, público e privado, seja perfeito, as ações são inconsistentes, vão à matroca, sem planejamento e sem estratégia. É claro que esforços na direção do planejamento são feitos, sobretudo pelo setor privado, mas esbarram na descoordenação das ações públicas. Cerca de 12 ministérios tratam da agroenergia, fora a Petrobras, a ANP, a Embrapa, o Inmetro, o Inmet, a ANA e mais uma centena de instituições federais, estaduais, regionais e municipais.
E todas com gente da maior qualidade, técnicos competentes, patriotas esforçados e cheios de boa vontade e boas intenções... mas que não conversam entre si.
Roberto Rodrigues Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas
MATRIZ ENERGÉTICA NO MUNDO Energy matrix in the World MATRIZ ENERGÉTICA NO BRASIL Energy matrix in Brazil Precisamos mostrar ao mundo todo o que muita gente já sabe sobre a nossa matriz energética, com 45,8% da energia renovável. Precisamos fazer propaganda da impressionante redução de emissão de CO 2 que o etanol promove, em relação à gasolina.
Balanço das emissões
de CO 2 : Considerando o ciclo completo, a produção e o consumo de 1.000 litros de etanol emitem: 2.961 kg de CO 2 na etapa de cultivo e colheita; 3.604 kg no processamento da cana; 50 kg no transporte do campo à usina, e 1.520 kg na combustão dos automóveis, totalizando, em Por isso não avançamos mais depressa. Por esse mo- tivo vivemos situações como os ciclos de preços altos e todo o processo, 8.135 kg de CO 2 . Em contrapartida, no crescimento da cana necessária à produção desses 1.000 baixos, sem nenhuma lógica. litros de álcool, o processo de fotossíntese absorve 7.650 Sequer sabemos, com segurança, de quanto etanol precisamos e/ou queremos produzir ao longo do tempo. Nem qual será o modelo de produção, se concentrador de renda ou distributivista, como propôs Barbosa Lima kg de CO 2 , e a bioeletricidade gerada evita a emissão de 225 kg, totalizando 7.875 kg de CO 2 , resultando, no balanço final, a emissão de apenas 260 kg de CO 2 , 89% menos que a gasolina, que gera, no final do mesmo processo, Sobrinho no Estatuto da Lavoura Canavieira. Grupos de 2.280 kg. Precisamos acabar com esses mitos estúpidos, interesse debatem a logística, da zona de produção aos que atrapalham todo o processo, entre os quais dois são centros de consumo e portos. Pelo menos 3 grupos que- inacreditáveis hoje em dia: o de que o biocombustível vai rem fazer o alcoolduto e só caberá um. encarecer o preço dos alimentos, e o de que vamos derru
Não se define quem vai cuidar da estocagem, tema bar a floresta Amazônica para produzir etanol. São mitos fundamental para um produto estratégico como é o comtão ridículos, e já tão intensa e cabalmente desmentidos, bustível, criador da cogeração. que só a má vontade e a má fé justificam a existência.
Os recursos para tecnologia estão dispersos, sem uma Em suma, os biocombustíveis acabarão entrando no coordenação entre os excelentes centros de pesquisas mundo todo, porque estão prontos e são necessários. Mas existentes, antigos ou recém-criados. seria muito mais rápido se o Brasil tivesse uma estratégia
O macro zoneamento agro-econômico-ecológico para interna tão poderosa quanto a ideia em si, que acabaria a cana está pronto, mas é preciso cuidar de detalhá-lo por contaminando o mundo todo muito mais rapidamente, região, porque isso é o que definirá o crédito adequado para o bem de toda a humanidade. para a produção. A formação de recursos humanos para um projeto dessa magnitude é essencial e também vem sendo feita sem articulação alguma. CONSUMO DE ENERGIA PER CAPITA Per capita energy consumption
A montagem de modelos de difusão de tecnologia para o exterior, que nos permitirá vender usinas completas, estações experimentais inteiras, sistemas de produção, de mistura, de distribuição, é fundamental. Devemos vender etanol para o mundo todo, mas, antes, precisamos ensinar os países a produzi-lo, para criar nos mesmos um mercado interno. Só assim haverá um mercado global. E o Brasil ganhará muito dinheiro vendendo o que tem de melhor, que é a experiência, o know-how.
Precisamos, portanto, cuidar de tudo isso, e a articulação só poderia ser imple- mentada consistentemente com uma Secretaria Nacional de Agroenergia, de nível ministerial, para montar toda essa estratégia, inclusive de comunicação.
Roberto Rodrigues, Coordinator of the Agribusiness Center of the Getúlio Vargas Foundation (FGV)
The world is dedicated to studies and research for the purpose of finding renewable, non-polluting energy that reduces global warming. Agro energy is ready to meet this demand, whether by producing biofuel, through bioelectricity, or by using pellets made of bagasse or dry leaves to replace mineral and vegetable coal in fireplaces of the cold countries. Everything is ready: the agricultural technology, the industrial and the automotive technologies; we know how to do the mixing and the distribution; we know all about selling and we have erred so often that we could even only teach how to do things right. The existing global opposition to this alternative is really impressive. Obviously one does not intend agro energy to be the only solution for the overriding issue of energy safety. However, there is no doubt that it is one of the good solutions that has already been resolved: there is nothing needing to be reinvented in order for it to become a globalized alternative.
Even more than that: agro energy will certainly change the world’s agricultural paradigm positively, by defining the appropriate raw materials for producing energy, without competing against food. Furthermore, it might change global geopolitics in a remarkable manner, providing the planet’s poorer countries opportunity for sustainable development.
To produce agro energy is different from producing food, which any country can produce, albeit possibly at a high cost. Food safety unleashed the process of agricultural protectionism, which to this day limits negotiations to free up the market, but brought forth a solution for Europe’s supply problem after the war. With subsidies, one can produce food anywhere, with artificialisms, like in greenhouses. But not agro energy, because it depends on 3 factors: soil (with everything in it, like nutrients and water), the plant, and the sun. Without abundant sunlight, there is no agro energy.
Sunlight is available between the two tropics (Cancer and Capricorn), the region that encompasses the poor countries of Latin America, Africa and Asia. These are the countries that will guarantee energy safety and will be financed by the big investors of the northern hemisphere. With sugarcane or pulp, these countries will offer jobs and provide income and wealth, they will produce energy for their own consumption, which will foster their development, in addition to exportable surpluses, and they will furthermore produce food in rotation with sugarcane, as has been common practice in Brazil for decades, ever since the famous program “Sugarcane and Food”, implemented by Planalsucar in the seventies.
However, this will only occur following an internationally designed strategy, and what is lacking is the designer. There is the lack of the will to design. The agreement between Brazil and the United States to produce ethanol in the Caribbean and in Central America is progressing, supported by Brazil’s Ministry of Foreign Relations (Itamaraty), Export Promotion Agency (APEX), and the Interamerican Development Bank (IDB). Preliminary talks in this matter have taken place between Itamaraty and the European Union to develop projects in Africa, and also negotiations between Petrobras and Mitsui are evolving with an eye on the Japanese and Asian markets.
Hence, there is a logical pattern that irreversibly places biofuel within the global context. This is bound to occur, even if brought about by the typical inertia of big changes.
One could accelerate this project if Brazil had a clear strategy. However, unfortunately, we do not. Although the national discourse, both public and private, is perfect, actions are inconsistent, lacking direction, without planning and without a strategy. Obviously, efforts in the direction of planning are made, foremostly by the private sector, but they are held up by the lack of coordination of initiatives by the public sector. Some 12 different ministries handle agro energy, not to mention Petrobras, the National Petroleum Agency (ANP), the Brazilian Agriculture and Livestock Breeding Research Company (EMBRAPA), the National Metrology Institute (INMETRO), the National Meteorology Institute (INMET), the National Waters Agency (ANA) and dozens of federal, state, regional and municipal institutions. All of these are staffed with top quality personnel, competent technicians, dedicated patriots awash in good will and good intentions... but who do not communicate among each other. That is why we do not move forward at a quicker pace. Hence, too, the cycles of high and low prices that make no sense.
We do not even know for sure how much ethanol we need and/or want to produce over time, or which will be the production model, whether a wealth concentration or distribution one, as was proposed by Barbosa Lima Sobrinho in the Sugarcane Plantation Statute. Interest groups debate the logistics, from production areas to consumer centers and ports. At least 3 groups are eager to build the ethanol pipeline, but there is room for only one. No decision is made as to who will handle storage, a fundamental theme for a strategic product such as fuel, which brought about co-generation. Resources for technology are widespread, with no coordination among the excellent existing research centers, both the old and the newly created ones. The agricultural-economical-ecological macro zoning for sugarcane is ready, but it must be detailed by region, because this is what will determine the appropriate amount of credit for production. Training human resources for a project of this magnitude is essential and is also being done without any coordination. The creation of models to publicize the technology abroad, which will allow us to sell entire industrial plants, complete experimental stations, production, mixing and distribution systems, is essential. We should sell ethanol to the entire world, but first we must teach countries how to produce it, for them to create their domestic market. This is the only way to have a global market. Brazil stands to earn a lot of money selling the best it has, which is experience, its know-how. We must, therefore, handle all this and bringing about the implementation of the coordination could only be consistently achieved through a National Agro Energy Office, at the ministerial level, to put together this entire strategy, including communications. We need to show the whole world what a large number of people already know about our energy matrix, with its 45.8% of renewable energy. We must advertise the impressive reduction in CO 2 emissions brought about by ethanol, in comparison with gasoline. Balance of CO 2 emissions: Considering the entire cycle, the production and consumption of 1,000 liters of ethanol emit 2,961 kg of CO 2 in the plantation and harvest phases, 3,604 kg in the sugarcane processing, 50 kg in the transportation from the fields to the mill and 1,520 kg in the combustion in vehicles, totaling, throughout the process, 8,135 kg of CO 2 . On the other hand, in growing the sugarcane necessary for the production of these 1,000 liters of alcohol, the photosynthesis process absorbs 7,650 kg of CO 2 and the bioelectricity generated avoids the emission of 225 kg, totaling 7,875 kg of CO 2 , resulting, in a final balance, in the emission of only 260 kg of CO 2 , 89% less than gasoline, which would generate, at the end of the process, 2,280 kg of CO 2 . We furthermore need to do away with these stupid myths that adversely affect the entire process, including two that nowadays are unbelievable: • that biofuel increases the cost of food; • that we are going to deforest the Amazon forest to produce ethanol.
These are absurd myths, which have been extensively and thoroughly refuted, so that only ill will and bad faith still justify their existence. In short, biofuel will eventually be found around the world, because it is ready for that and necessary.
However, this process would be faster if Brazil had an internal policy as powerful as the idea itself, which would ultimately more rapidly contaminate the whole world, for the benefit of all humanity.
