
13 minute read
Matriz energética: como o governo pode contribuir
Ricardo de Gusmão Dornelles Diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia
A matriz energética brasileira é, inegavelmente, exemplo para as grandes economias do mundo. Nela, destaca-se principalmente a participação dos recursos energéticos renováveis, atualmente de mais de 45%, entre todas as fontes primárias de energia no país. Falar de matriz energética é falar de segurança energética e, em última análise, de soberania nacional.
Não é um tema estático. Com isso, quero dizer que não se trata de um tema que seja um dado da realidade imutável para o nosso país, mas sim que se trata de uma construção, dinâmica, de condições para que se possa assegurar a oferta de energia, de preferência cada vez mais limpa, para que se tenha, a partir daí, a base do crescimento econômico sustentado.
Foi com base nessa visão que, acertadamente, a Unica, ao formatar o Ethanol Summit 2009, decidiu abordar esse tema, trazendo para a mesa de debate representantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da iniciativa privada. O Estado não participa do processo produtivo, mas atua de modo decisivo na ação reguladora, dentro de um contexto de economia de mercado, articulando um modelo de desenvolvimento que possa trazer para a sociedade amplos benefícios econômicos, sociais e ambientais.
Da mesa da qual participei foi moderadora a Sub- chefe Adjunta de Articulação e Monitoramento da Casa Civil do Governo Federal, Tereza Campello; e

foram palestrantes o Deputado Federal e ex-Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o Diretor do Departamento de Agroenergia do Ministério da Agricultura, Alexandre Strapasson, e o Vice-presidente do Sindicom, Alísio Vaz.
Atualmente, os produtos da cana-de-açúcar são o segundo maior energético do país, sendo responsável por 16,7% da oferta interna de energia no Brasil, em 2008. Perdem apenas para o petróleo e seus derivados (37,6%), tendo ultrapassado a hidreletricidade (14%), e constituem-se, assim, como a principal fonte energética renovável para o país.
Em que pese a participação cada vez maior do bagaço de cana-de-açúcar na cogeração de energia elétrica nas usinas produtoras de etanol e açúcar, é a participação do etanol na matriz de combustível a grande responsável pela posição de destaque dos produtos da cana-de-açúcar na matriz energética.
Dessa forma, o primeiro ponto abordado no debate foi precisamente a necessidade de se dotar o país de um marco regulatório que trate o etanol no contexto da legislação de combustíveis. Como primeiro palestrante, o Deputado Antônio Palocci enfatizou a importância estratégica de dotar o país de instrumentos legais capazes de elevar o etanol à categoria de combustível, o que facilitaria sobremaneira a "como- ditização" do biocombustível. Esse, aliás, é um ponto de fundamental importância na estratégia brasileira
de promoção dos biocombustíveis no mercado inter- nacional. O etanol brasileiro tem todas as condições para competir com seu concorrente fóssil, a gasoli- na, e para estabelecer um modelo de comercialização compatível com a escala de abastecimento no merca- do de combustíveis.
A política energética brasileira, estabelecida na Lei 9.478/97, é clara em seus princípios, quais sejam: assegurar o suprimento energético de longo prazo, buscar a modicidade dos preços dos energéticos, pro- mover a manutenção da competitividade da indústria local e levar em consideração as mudanças climáticas e o meio ambiente.
Nesse contexto, a participação dos biocombustí- veis é fundamental. A mesma lei também evidencia isso ao, textualmente, orientar a política energética no sentido de incrementar a participação dos biocombus- tíveis na matriz energética nacional para: 1. promover a segurança energética com menor de- pendência externa; 2. proteger o meio ambiente; 3. proteger os interesses do consumidor através da re- gulação e fiscalização do órgão regulador, e 4. promover a livre concorrência.
E quais são os instrumentos capazes de promover essa política energética? Ou, usando a pergunta co- locada no painel para esse debate, como o poder pú- blico pode contribuir? A resposta está, em parte, no planejamento indicativo, capaz de nortear as ações de governo e da iniciativa privada.
Outra dimensão importante, que está situada na governança do poder público, é a oferta de um mar- co regulatório estável e compatível com o mercado em que se insere. Outras opções incluem a criação de mercados específicos mandatórios - mais importante hoje, no Brasil, no caso do biodiesel, a política tributária, capaz de corrigir distorções de mercado, e, finalmente, linhas de financiamento e incentivos econômicos.
Por fim, mas não menos importante, é a que diz respeito às questões de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação para a produção sustentável de biocombustíveis. Este, que foi um vetor determinante para que o Brasil alcançasse a liderança que hoje representamos nesse setor, certamente é estratégico e deve estar presente em qualquer modelo que se estabeleça, para promover e induzir uma maior representação dos biocombustíveis, na matriz energética nacional.
Para que o Brasil possa continuar sua trajetória de sucesso na produção e utilização de biocombustíveis, há, portanto, um grande desafio à frente. Pretendemos ampliar a utilização do etanol na matriz energética. Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE, publicado pelo Ministério de Minas e Energia, espera-se um aumento da demanda total por etanol em torno de 11,3% ao ano, até 2017.
Se essa expectativa for confirmada, a produção brasileira de etanol dará um salto de 27 bilhões de litros ao ano, em 2008, para 64 bilhões de litros, em 2017. Assim, o etanol poderá representar 80% dos combustíveis líquidos utilizados em veículos leves no Brasil na próxima década. Outra ferramenta para o planejamento das ações de governo dá a noção precisa do desafio que se impõe para o Brasil. O Plano Na- cional de Energia 2030 aponta um aumento da oferta interna de energia de 218 milhões de TEP (em 2005) para mais de 557 milhões de TEP em 2030.
De acordo com o mesmo documento, o país de- verá contar com uma parcela renovável de 46,5% em 2030. A participação dos produtos da cana-de-açúcar aumenta de 13,8% (em 2005) para 18,5% em 2030. Ou seja, o Brasil deverá mais que triplicar a produção de energia a partir da biomassa, para atingir a partici- pação prevista no planejamento setorial, saltando de uma participação de 30 milhões de TEP (em 2005) para mais de 103 milhões de TEP em 2030.
Esses números comprovam que a cana-de-açúcar terá um papel ainda maior como energético no Brasil. Seu potencial é conhecido por todos nós que defen- demos continuamente sua expansão em base susten- tada, precisamente porque o conteúdo energético da cana, por tonelada cultivada, é bastante expressivo. Na safra passada, mais de 570 milhões de toneladas de cana-de-açúcar foram colhidas.
Em tese, isso representa quase 700 milhões de bar- ris equivalentes de petróleo, considerando que o con- teúdo energético potencial da cana seja de 1,2 barril de petróleo equivalente por tonelada. Para que possa- mos fazer uma comparação, em 2008, o Brasil produ- ziu 687 milhões de barris de petróleo.
Fica evidente que a cana-de-açúcar tem e terá uma importância no setor energético cada vez maior. Por isso, será necessário que o setor privado e o governo possam tratar a cana-de-açúcar como energético que é dotar o país de um marco regulatório capaz de corresponder a essa realidade. Não se pode pensar a realidade dos produtos da cana-de-açúcar no horizonte de uma safra, mas sim no médio e longo prazo, porque a sociedade demanda segurança energética capaz de conferir ao país as condições de um crescimento sustentado.
Da parte do poder público, as portas para o diálogo construtivo estarão sempre abertas, e restou evidente desse painel no Ethanol Summit que todos concordam com a necessidade de se aperfeiçoar o marco regulatório do setor. Mais do que nunca, este é o momento e esta é a oportunidade para que o Brasil ocupe seu devido espaço na arena internacional.

Ricardo de Gusmão Dornelles, Director of the Renewable Fuel Department of the Ministry of Mines and Energy
The Brazilian energy matrix is no doubt an example for the world among the large economies. The matrix stands out mainly due to the share of renewable energy resources, currently in excess of 45%, considering all the country’s primary energy sources.
To talk of an energy matrix is to talk of energy safety, and ultimately, of national sovereignty. This is no static theme. By that I mean that it is not a theme which is data in the immutable reality of our country, but rather, that it is in fact the dynamic construction of conditions to assure the supply of energy, preferably increasingly cleaner, so as to achieve, based thereupon, sustained economic growth.
It was based on this version that UNICA, upon formatting the 2009 Ethanol Summit, rightly decided to cover this theme, bringing to the debate representatives of the Executive Branch, the Legislative Branch and of private initiative. The State does not participate in the production process, but it decisively performs through regulatory actions, within the context of a market economy, articulating a development model that can provide society widespread economic, social and environmental benefits.
The panel in which I participated was moderated by Tereza Campello – Deputy Sub-Chief for Articulation and Monitoring of the Federal Government’s Office of the Chief of Staff. Speakers were Antônio Palocci - Federal Congressman and former Minister of Finance; Alexandre Strapasson - Director of the Agroenergy Department of the Ministry of Agriculture, Livestock Breeding and Supply, and Alísio Vaz, Vice-president of the National Association of Fuel & Lubricant Distribution Companies (SINDICOM), who contributed with the vision of private initiative, in the capacity as an essential agent in the fuel distribution chain.
Currently, products obtained from sugarcane are the country’s second largest energy source, responsible for 16.7% of Brazil’s domestic energy supply (2008). Second only to petroleum and its derivatives (37.6%), but having surpassed hydroelectricity (14%), these products are the country’s main renewable energy source.
With respect to the increasing share of sugarcane bagasse in the co-generation of electric power in ethanol and sugar producing mills, it is this participation of ethanol in the fuel matrix that is responsible for the distinct position of sugarcane-derived products in the energy matrix. Therefore, the first topic covered in the debate was precisely the need to provide the country with a regulatory mark that places ethanol in the context of the legislation on fuel. As the first speaker, Congressman Antônio Palocci stressed the strategic importance of providing the country the legal instruments capable of placing ethanol in the fuel category, which would extraordinarily facilitate making biofuel a commodity.
Actually, this is a topic of essential importance in the Brazilian strategy for promoting biofuel in the international market. Brazilian ethanol has all the prerequisites to compete against its fossil competitor, gasoline, and to set up a trading model compatible with the supply scale in the fuel market.
The Brazilian energy policy, established by Law 9.478/97, is clear in its principles, which are: assure the long-term energy supply, seek to make energy prices affordable, promote the maintenance of local industry’s competitiveness, and take into consideration climate changes and the environment. In this context, biofuel's participation is essential. The referenced law also makes this evident when it textually orients the energy policy towards incrementing biofuels’ participation in the national energy matrix, to: 1. promote energy safety with less external dependency; 2. protect the environment; 3. protect consumer interests through regulation and monitoring by the regulatory body, and 4. promote free competition.
What are the instruments capable of promoting this energy policy? Or to use the question placed before the panel in this debate, how can the public authority contribute? The partial answer is through indicative planning, which can guide government and private initiative actions. Another important dimension, which addresses government governance, is to provide a stable regulatory mark, compatible with the market of which it is a part. Other options include creating specific mandatory markets (more important nowadays in Brazil, as in the case of biodiesel), fiscal policy, capable of correcting distortions in the market, and, finally, credit lines and economic incentives. Lastly, but not less important, are the issues involving research, technological development and innovation for the sustainable production of biofuel. The latter, which was actually the determinant vector in Brazil reaching the leading position we nowadays occupy in the industry, is no doubt strategic and would be expected to be present in any implemented model, to promote and bring about increased importance of biofuel in the national energy matrix.
Thus, in order for Brazil to stay its course in the successful production and utilization of biofuels, there is still a large challenge ahead. We intend to increase the use of ethanol in the energy matrix. According to the Decennial Energy Expansion Plan (PDE), published by the Ministry of Mines and Energy, one expects an increase of total demand for ethanol of about 11.3% per year, by 2017.
If this expectation is confirmed, Brazilian ethanol production will leap from 27 billion liters per year, in 2008, to 64 billion liters in 2017. Thus, ethanol may represent 80% of liquid fuel used in light vehicles in Brazil in the next decade.
Another tool for planning government actions provides a precise notion of the challenge Brazil faces. The National Energy Plan for 2030 indicates an increase in domestic energy supply from 218 million TPE (in 2005) to more than 557 million TPE in 2030. According to said same document, the country is expected to have a renewable portion of 46.5% in 2030. The share of sugarcane-derived products increases from 13.8% (in 2005) to 18.5% in 2030. This means Brazil is expected to more than triple the production of energy obtained from biomass, to achieve the participation projected in the industry’s planning, growing from a share of 30 million TPE (in 2005) to more than 103 million TPE in 2030.
These figures show that sugarcane will play an even greater role as a source of energy in Brazil. Its potential is known by all of us who continuously defend its expansion on a sustainable basis, for the simple fact that its energy content per cultivated hectare is so expressive. In the past harvest, more than 570 million tons of sugarcane were harvested. In theory, this represents almost 700 million barrels of petroleum equivalent, considering that the potential energy content of sugarcane is 1.2 barrels of petroleum equivalent per ton. In order to draw a comparison, in 2008 Brazil produced 687 million barrels of petroleum.
It is quite obvious that sugarcane has and will have an increasingly important role in the energy sector. Therefore, it will be necessary that the private sector and the government treat sugarcane as a source of energy capable of providing the country a regulatory mark in tune with this reality. One cannot think of the reality of sugarcane-derived products limited to the horizon of a single harvest, but rather must do so in the medium and long term, given that society demands energy safety capable of providing the country the conditions required for sustained growth.
On the part of the public authority, the doors to constructive dialogue will always be open. It became apparent in this panel at the Ethanol Summit that everyone agrees that the regulatory mark of the industry needs improvement. More than ever, this is the time and this is the opportunity for Brazil to occupy its proper place in the international arena.











