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Editorial da Edição
Opiniões editorial dezembro de 2009, um momento histórico
Estamos às vésperas da COP 15, a Conferência do Cli- ma da ONU, que acontecerá em Copenhague, na Dina- marca, durante a primeira quinzena de dezembro. É um momento de muita expectativa e apreensão, uma vez que os grandes blocos de negociação e países não assumem propostas capazes de articular as iniciativas de governos locais, empresas, empreendedores e cidadãos em uma única direção: reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa - GEEs, de modo a estabilizar sua concentração na atmosfera terrestre em níveis que possam ser considerados seguros para a espécie humana e outras formas de vida no planeta.
December of 2009, an historical moment
We are on the eve of COP 15, The UNO’s Climate Convention, to be held in Copenhagen, Denmark, in the first half of December. It is a moment of great expectation and concern, given that the large nego- tiation blocks and countries lack proposals capable of directing the initiatives of local governments, com- panies, entrepreneurs and citizens in one single direc- tion: to significantly reduce greenhouse gas (GHG) emissions, so as to stabilize the concentration of these gases in the Earth’s atmosphere, at levels one may consider safe for mankind and other forms of life on the planet.
Marina Silva Senadora da República
Senator of Brazil
Esses níveis seguros, segundo o painel científico IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em português), têm sido traduzidos em percentuais que acabam virando um caldeirão de números de difícil compre- ensão para os não especialistas. O que se quer é obter uma redução de emissões, dentro de certo prazo, tomando co- mo base o nível de emissões existente no passado.
Ou seja, colocar um freio na escalada da degradação ambiental, criando uma referência que possa ser utilizada, medida e compreendida em todo o mundo. Assim, o pata- mar de segurança a ser atingido, identificado pelos cientis- tas, exigiria uma redução global das emissões de GEEs de modo que, em 2030, não sejam maiores que 60% a 75% das emissões existentes em 1990. Além disso, em 2050, elas não podem ser maiores que 20% a 40% das emissões de 1990. Esses números não deixam dúvidas de que são necessárias mudanças profundas nos padrões de consumo e produção de bens e serviços em nossas sociedades. Não serão medidas do tipo “um pouco menos do mesmo” que nos conduzirão a níveis seguros de concentração de GEEs na atmosfera. Se o mundo acatar essas recomendações do IPCC e fizer sua lição de casa com responsabilidade e seriedade, a previsão é de que haja um aumento da temperatura média do planeta de 2 ºC até o final deste século. Se mantivermos os padrões atuais de emissões globais, o aumento de temperatura atingirá 2 ºC já por volta de 2060, o que traria grandes complicações para as condições de vida na Terra e afetaria de imediato, e principalmente, as popula
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These safe levels, according to the scientific panel IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) have been translated to percentages that end up in a heap of numbers, difficult to comprehend by non-specialists. What one wants to accomplish is a reduction of emissions, within a certain time, based on the level of emissions that existed in the past. In other words, to put the brakes on the escalation of environmental degradation, creating a useful reference that can be measured and understood around the world.
Thus, the safety level to be attained, identified by the scientists, would require a global reduction in GHG emissions, so that in 2030 they would be no higher than 60% to 75% of the emissions measured in 1990. In addition, in 2050 they may not be higher than 20% to 40% of the 1990 emissions. These figures leave no doubt that farreaching changes in consumption and production standards of goods and services in our societies are necessary. It will not be initiatives of the type “more of the same” that will lead us to safe levels of GHG concentrations in the atmosphere.
If the world accepts these IPCC recommendations and does its homework in a serious and responsible manner, the outlook would be an average temperature increase on the planet of 2 °C by the end of the century. If we stick to current global emission standards, the increase in temperature would reach 2 °C around 2060, bringing about major complications for life on Earth and would immediately
6ções mais pobres. É preciso levar em conta, ainda, que essa recomendação do IPCC contém uma dose inevitável de in- certeza, podendo ocorrer tudo um pouco antes do que hoje podemos prever. Ou seja, não há tempo a perder.
O que pode ser feito? Muita coisa. Sem perder de vis- ta que a Convenção do Clima introduz um princípio de justiça, ao estabelecer responsabilidades comuns e dife- renciadas - que correspondem ao peso das economias, da participação dos países na configuração do problema e de sua capacidade para contribuir na solução -, podemos co- meçar por identificar em nossas sociedades quais as fon- tes de emissões de GEEs a serem reduzidas ou eliminadas ao longo das próximas décadas.
No Brasil, essas fontes já estão identificadas: desma- tamento e pecuária, seguidos dos transportes e, num futu- ro muito próximo, geração termoelétrica de eletricidade. Com base nesse conhecimento, é possível planejar, com razoável segurança, os passos concretos para a redução a curto prazo das emissões de GEEs e, mais importante, as mudanças no consumo e na produção de bens e servi- ços que tornem a vida sustentável. No Brasil, o fato de as fontes renováveis ocuparem 46% da matriz energéti- ca dá uma boa vantagem na formulação e introdução das mudanças em direção a uma sociedade ajustada aos limi- tes e demandas atuais do sistema climático global. Mas avançar nessa direção é apenas uma das nossas tarefas. A outra, tão importante quanto essa, é compartilhar com o resto do mundo as nossas experiências de sucesso na pro- dução e consumo de energia de fontes renováveis.
Nesse ponto, o etanol da cana-de-açúcar joga um papel ímpar. As áreas do planeta adequadas à produção da cana- -de-açúcar coincidem com as de países em desenvolvimen- to com forte tradição agrícola. Mesmo alguns países afri- canos e do Caribe, com histórico de conflitos armados em períodos recentes, podem vir a se beneficiar, à medida que avance o processo de transição para regimes políticos mais democráticos. Pode ser até que a produção de etanol a par- tir da cana-de-açúcar seja um componente importante no estabelecimento de relações comerciais estáveis desses países com a comunidade internacional. A inserção comercial dos países em desenvolvimento no mercado internacional, por sua vez, tem papel importante na estabilidade política das suas sociedades, pela geração de renda e criação de empregos e ocupações em diferentes segmentos da população.
Não se preconiza aqui a volta da produção de derivados da cana-de-açúcar em países em desenvolvimento para consumo apenas nos países mais ricos. Ao contrário, o consumo interno seria o primeiro passo para assegurar que, nas relações comerciais, os países ricos não desequilibrem totalmente as negociações. Tampouco se desconhece que o desenvolvimento tecnológico irá diversificar as culturas e as matérias-primas para a produção do etanol. Desenvolvimento tecnológico exige recursos excedentes. A cana- -de-açúcar é ainda a única matéria-prima capaz de produzir etanol e gerar recursos fundamentais para uma série de investimentos prioritários, como, por exemplo, a educação.
O Brasil pode dar significativa contribuição nesse processo, seja pelo compartilhamento de nossa expertise na produção, seja por meio de uma atuação internacional em defesa da adoção de padrões internacionais que assegurem a sustentabilidade social e ambiental da produção de biocombustíveis. Dessa forma, estaríamos não só nos comprometendo de fato com a sustentabilidade socioambiental da nossa própria produção, como também esti- mulando a adoção de políticas públicas avançadas e pro- cessos virtuosos em outros países.
and mainly affect poorer populations. Furthermore, one must take into consideration that the IPCC’s recommendation inevitably entails a certain degree of uncertainty, meaning that all this may actually happen a little earlier than one can predict today. In other words, there is no time to lose. What can be done? Much. Bearing in mind that the Climate Convention introduces a principle of justice when it sets ordinary and differentiated responsibilities - which are the weight of the economies, the participation of countries in formatting the problem and their capability of contributing to the solution -, we can begin to identify, in our societies, the GHG emission sources that can be reduced and eliminated over the next decades. In Brazil, these sources have already been identified: deforestation and cattle-raising, followed by transportation, and in the near future, the thermoelectric generation of electricity. Based on this knowledge, one can plan, with reasonable safety, concrete steps for the short-term reduction of GHG emissions and, more importantly, the changes in consumption and production of goods and services that make life sustainable. In Brazil, the fact that renewable sources account for 46% of the energy matrix provides the country a major advantage in formulating and introducing changes and directing them towards a society adjusted to the current limits and demands of the global climate system. However, to advance in this direction is but one of our tasks. The other, just as important, is to share with the rest of the world, our successful experiences in the production and consumption from renewable energy sources. In this respect, ethanol from sugarcane plays a unique role.
Areas around the globe appropriate for sugarcane production happen to be in developing countries with a strong agricultural tradition. Even some countries in Africa and the Caribbean that have a recent history of armed conflict can benefit to the extent that the transition process to more democratic regimes progresses. Actually, it is quite possible that ethanol production from sugarcane will be an important component for establishing stable trade relations between these countries and the international community. In turn, the commercial insertion of developing countries in the international market plays an important role in these societies’ political stability, by generating income and creating jobs and professional activities in different segments of society.
We are here not advocating a return to the production of sugarcane-derived products in developing countries for exclusive consumption by the richer countries. Quite to the contrary. Domestic consumption would be the first step in warranting that in trade relations the rich countries would not completely unbalance the negotiations.
One can also not ignore that technological development will bring about diversification of crops and raw materials to produce ethanol. Technological development requires surplus funds. Sugarcane is the only raw material capable of producing ethanol and generating essen- tial funds for a series of priority investments, such as in education.
Brazil can significantly contribute to this process, whether by sharing our expertise in production, or by means of international activities to defend the adoption of international standards, warranting social and environmental sustainability in the production of biofuel. In doing so, we would truly commit to social and environmental sustainability of our own production, while also fostering the adoption of advanced public policies and virtuous processes in other countries.