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Estefano Paludzysyn Filho

Estefano Paludzysyn Filho Pesquisador da Embrapa Florestas Melhoramento de eucalipto para produção de energia

Na atualidade, o Brasil conta com milhares de novos tipos de eucaliptos, criados pelo melhoramento genético, o que o coloca como recordista mundial na produtividade média de madeira, que atinge, em alguns casos, 80 metros cúbicos de incremento médio anual por hectare. O melhoramento do eucalipto vivencia a segunda fase, enquanto aguarda a chegada da seleção genômica ampla.

A primeira, iniciada nos anos 70, foi centrada na busca de sementes de matrizes em países da Oceania. Do mutirão Governo-Empresas, resultou uma rede experimental com, pelo menos, 172 testes, em nove estados. A ampla base genética introduzida permitiu a seleção de matrizes em cerca de 15 espécies, que apresentaram maior adaptação, qualidades silviculturais e produção de madeira. Nessa fase, ainda foi desenvolvido o sistema de clonagem de árvores selecionadas, que revolucionou a silvicultura, propiciando quatro grandes vantagens: maior homogeneidade dos produtos florestais, maximização da intensidade de seleção e do ganho genético, fixação de combinações híbridas heteróticas, propagação de genótipos resistentes a doenças.

Na segunda fase do melhoramen- to do eucalipto, iniciada nos anos 90, busca-se desenvolver materiais gené- ticos, com características desejáveis em um único indivíduo, que se adap- te a novos locais de plantio e atenda às necessidades industriais.

Os híbridos resultantes, adequa- damente avaliados e selecionados por poderosas ferramentas computadori- zadas, que combinam a estatística e a genética, possibilitam o plantio co- mercial e o uso da madeira direcionada a cada segmento industrial – celulose, papel, chapas de fibras, sólidos madeiráveis e produtos energéticos – com o mínimo de desperdícios e resíduos.

Nessa fase, foi também eliminada a morosidade na recombinação de árvores, pelo desenvolvimento da polinização controlada, dando origem aos pomares indoor e milhares de híbridos, com diferenças nas suas propriedades químicas e físicas da madeira. Essas, analisadas em laboratórios, permitem qualificar aquelas que apresentam a melhor qualidade da matéria-prima. Na produção da celulose dos eucaliptos atualmente cultivados, o conteúdo de lignina é o vilão do processo industrial, devido à sua baixa reatividade, o que dificulta a sua remoção e aumenta os custos industriais. Busca-se no globulus – um eucalipto adaptado ao cultivo na Europa e não produtivo no Brasil – genes que conferem aos eucaliptos nacionais menor teor de lignina, maior densidade da madeira e maior rendimento de celulose.

Para fins energéticos, o melhoramento enfatiza eucaliptos com elevado potencial produtivo, madeira densa e alto teor de lignina. Depois da lenha, o segundo produto energético mais consumido é o carvão, usado na siderurgia como termorredutor do minério de ferro, razão porque o Brasil detém o título de maior produtor mundial de carvão vegetal.

O rendimento nos alto-fornos é maximizado com o uso de carvão obtido de madeira mais densa, de maior poder calorífico e com teor de carbono de, ao menos, 75%.

Para detectar clones com madeira que resulte em carvão de alta qualidade, os laboratórios analisam as propriedades da madeira e do carvão, atendo-se, principalmente, ao rendimento de carvão, teor de carbono fixo, teor de cinzas, material volátil, friabilidade e resistência mecânica.

Análises com equipamento de absorção atômica e espectrofotômetro na região UV/VIS para os compostos inorgânicos da madeira e do carvão, ao lado de análises convencionais, como o teor de lig- nina, extrativos totais e teor de celulose, podem ser complementadas em espectrofotômetro, na região do NIR, face ao elevado número de amostras que os programas de melhoramento florestal utilizam e da premência do tempo.

O germoplasma prioritário de eucaliptos para produção de carvão siderúrgico está centrado em E. urophylla e E. urocam (híbrido de E. urophylla e E. camaldulensis), melhorados por estratégias como a Seleção Recorrente Recíproca (SRR) e a SRR Intrapopulacional, em População Sintética (SRIPS), híbrida entre clones elite. No geral, ênfase maior tem sido dada a SRIPS, para o principal objetivo do melhoramento para carvão, que é a PCF - Produção de Carbono Fixo, representado por PCF = volume de madeira x densidade x rendimento gravimétrico.

O rendimento gravétrico é dado, aproximadamente, por RG = teor de lignina x 0,60 + teor de celulo- se x 0,30 + teor de hemicelulose x 0,10. Assim, o programa de melho- ramento visa aumentar o volume de madeira, a densidade e o teor de lignina e diminuir o teor de hemicelulose.

Para fatores bióticos e abióticos adversos são enfatizados também a maior resistência à seca (usando, para isso, a hibridação com o E. camaldulensis) e, recentemente, a resistência ao fungo patogênico Ceratocystis. Segue-se a esses procedimentos a seleção genética na experimentação com clones e famílias híbridas, em delineamentos estatísticos, que permitem o uso de softwares do tipo Selegen-Reml/Blup.

A terceira fase do melhoramento será impulsionada pela seleção genômica ampla - GWS. Esse método será utilizado, face ao desenvolvimento dos marcadores moleculares tipo SNP - Single Nucleotide Polymorphism, e permitirá alta eficiência, rapidez e baixo custo na seleção, quando comparada à seleção por dados fenotípicos.

A seleção genômica terá grande utilidade no melhoramento genético, via métodos do tipo BLUP/GWS, que equivalem ao procedimento BLUP, aplicado sobre dados moleculares, permitindo a predição de valores ge- néticos genômicos. 37

Jorge Luiz Colodette

Jorge Luiz Colodette Professor Titular da Universidade Federal de Viçosa Biorrefinaria ou Biomania?

O termo biorrefinaria é relativa- mente novo e refere-se à conversão da biomassa em uma gama de pro- dutos, com pouco desperdício e mí- nimas emissões. É aplicado à indús- tria que transforma materiais brutos de fonte renovável (bagaço de cana, bambu, palha de cereais, madeira, li- cor negro Kraft, etc), em produtos de maior valor agregado (energia, mate- riais e produtos químicos). Fabrican- do produtos múltiplos, a biorrefinaria permite maximizar o valor derivado da matéria-prima. Entretanto, esse conceito tem sido muito debatido na atualidade, tendo em vista seus pos- síveis impactos na agroindústria e, particularmente, na indústria de celu- lose e papel. Em relação à indústria de celulose e papel, existem duas es- tratégias de biorrefinaria: 1. processamento completo da bio- massa, com geração de produtos de alto valor agregado, espelhando nas refinarias petroquímicas, e 2. conversão eficiente de algumas frações da biomassa em combustí- veis, energia, materiais e/ou produtos químicos, sendo as demais utilizadas para fabricação de pol- pa celulósica.

O conceito de biorrefinaria tem sido aplicado, há décadas, pela indústria de celu- lose ao sulfito, onde o licor residual é utili- zado para gera- ção de produtos de alto valor, tais como lignossulfonatos, ácido acético, etanol, furfural, etc. Em menor extensão, também na in- dústria de celulose ao sulfato (Kraft) aplica-se esse conceito pela recupe- ração do licor negro (vapor/energia), da teribintina e do tall oil. Recente- mente, em face ao crescente aumento de preço da energia e dos combustí- veis fósseis, o conceito de biorrefi- naria evoluiu grandemente. Estudos realizados pelo USA Federal Ener- gy Council indicam que o aumento anual de consumo de petróleo tem sido superior às novas descobertas dessa matéria-prima. Esse fato concreto tem gerado uma avalanche de esforços, no sentido de tornar realidade o conceito de biorrefianaria, com investimentos milionários em P&D, especialmente na América do Norte e Europa. Na verdade, estamos vivendo um momento que poderíamos chamar de biomania, já que todo mundo está trabalhando no assunto, i.e., grande parte dos esforços científicos, outrora dedicados à indústria de celulose e pa- pel e de produtos sólidos da madeira, estão sendo dedicados à biorrefinaria.

O Departamento de Energia dos EUA - DOE, define as plataformas termoquímicas e dos açúcares, para as futuras biorrefinarias. Nos EUA, o foco tem sido maior na platafor- ma dos açúcares, enquanto que na Europa, a termoquímica tem sido mais estudada. Dentro des- tas duas plataformas, existem inúmeros caminhos que podem ser seguidos, alguns destes já em fase avançada de projeto e/ou de im- plantação, como bem descreve o es- tudo de Ben Thorp, Compelling case for integrated Biorefineries, Nordic

Wood Biorefinery Conference, de março passado, em Estocolmo: 1. Termoquímica 1: gaseificação da biomassa ou licor negro Kraft, com subseqüente conver- são dos gases gerados (syngas) em biocombustíveis líqui- dos (Fischer-Tropsch catalytic reactor), tais como biogasolina, biodiesel, etc, com recuperação de calor. 2.Termoquímica 2: gaseificação da biomassa ou li- cor negro Kraft, com subseqüente fermentação do syngas e produção de etanol e outros produtos quí- micos. 3. Açúcar 1: hidrólise ácida da bio- massa e/ou lixo municipal seleciona- do, seguida de fermentação e produ- ção de etanol. 4. Açúcar 2: hidrólise enzimática da biomassa, seguida de fermentação e produção de etanol. 5. Açúcar 3: polpação organosolve da biomassa, com recuperação de polpa e de lignina e hemiceluloses do licor negro, sendo esta última fermentada a etanol. 6. Açúcar 4: extração das hemicelu- loses dos cavacos e fermentação para produção de etanol, com subseqüente polpação dos cavacos extraídos, pa- ra produção de polpa e licor negro. Açúcar 5: polpação organosolve da biomassa, com recuperação da ligni- na e fermentação de toda a fração de carboidratos para etanol.

O conceito de biorrefinaria está alicerçado em muitos tipos de bio- massa, que incluem amiláceos, ma- deira, resíduos de madeira, bambu, gramas, resíduos agrícolas (palhas de cereias, bagaço de cana, etc) e até mesmo em lixo municipal seleciona- do. Existe muito debate, na atualida- de, em relação à biomassa mais ade- quada, do ponto de vista econômico, da competição em relação à produção de alimentos e da neutralidade, em relação ao balanço de CO 2 . Nesse particular, a madeira e os resíduos de madeira apresentam-se como exce- lentes fontes de biomassa. Enquanto não competem com a produção de alimentos, 1 hectare de floresta pode produzir 9.500 litros de etanol, en- quanto que a mesma área cultivada com milho produz apenas 3.400 litros desse combustível. Por outro lado, a produção de biomassa florestal exige manejo muito menos intensivo que os produtos agrícolas (fertilização, irrigação, colheita, etc), atendendo melhor à neutralidade de CO 2 . Deve ser destacado que um hectare cultiva- do de cana-de-açúcar pode produzir até 13.000 litros de etanol, se for con- siderada também a produção advinda do bagaço. Naturalmente, o cultivo da cana-de-açúcar é privilégio de poucos países, estando o Brasil em uma posição muito favorável, em re- lação a esta biomassa. É provável que o avanço da biorrefinaria no Brasil se dê, inicialmente, com a cana-de-açú- car, em vez da madeira.

A maioria dos esforços em bior- refinaria estão focalizados na área de produção de energia, aqui incluídos os biocombustíveis. Deve ser ressaltado que a biomassa anualmente produzi- da no planeta é insuficiente (< 30%) para atender à demanda de energia hoje proveniente do petróleo.

Grandes investimentos terão que ser realizados no aumento da produ- ção de biomassa. Embora a demanda mundial de biomassa para a produção de materiais e de produtos químicos seja muito pequena, não mais que 6% daquela necessária à produção de energia, existe muito interesse tam- bém nestes produtos, dado os seus elevados valores agregados, em al- guns casos. Exemplos destes incluem os chamados produtos químicos ver- des, já usados em larga escala (xilitol, ácido succínico e seus derivados), produtos bioativos, utilizados nas indústrias de alimentos saudáveis (si- tostanol), farmacêutica e cosmética (flavonóides, estilbenos, lignanas e outros antioxidantes). Dentre os ma- teriais, destacam-se os bioplásticos, resinas furânicas, derivados de hemi- celuloses, fibras de carbono, carbono ativo, resinas fenólicas e emulsões betuminosas derivados de lignina, e outros biopolímeros, tais como ácido poliláctico, nanocristais, etc.

Um estudo recente (não publica- do) indica que, considerando os pre- ços atuais de mercado da madeira, do petróleo e do bioetanol, a utilização mais lucrativa da madeira em grande escala é ainda para a produção de pol- pa Kraft branqueada. Neste estudo, foi determinada a seguinte relação relativa de lucratividade, para o uso da madeira: 100% (produção de polpa Kraft branqueada) > 7% (queima em caldeira de biomassa, para produção de vapor/energia) > -46% (produção de bioetanol). Porém, a produção de ácido succínico, a partir da madeira, apresentaria lucratividade de 800%, isto é, 8 vezes maior que a produção de polpa branqueada. Deve ser ressal- tado que o mercado mundial de ácido succínico não excede a 2 milhões de toneladas anualmente. Naturalmente,

todos esses cálculos econômicos são baseados no preço de US$ 110/barril de petróleo.

Em sumário, pode ser dito que estamos vivendo o momento da “bio- mania”, porém com os crescentes au- mentos no preço do petróleo e a po- tencial exaustão desse recurso natural não renovável, a biorrefinaria tornarse-á uma realidade, a menos que en- contremos uma forma mais efetiva de capturar a energia solar, que não seja através da fotossíntese.

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