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Philip Martin Fearnside

Philip Martin Fearnside Pesquisador Sênior do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Florestas energéticas

Philip Fearnside

Florestas energéticas têm um papel para desempenhar no combate ao efeito estufa, mas se for desejado que estas florestas tenham o efeito de mi- tigação de emissões, sem causar per- da de biodiversidade, isto requer mu- danças significativas no sistema de avaliação e contenção de impactos ambientais.

A biomassa de madeira produzida de forma renovável pode ser usada para substituir fontes de carbono fós- sil na geração de eletricidade, assim como no uso direto do calor pela combustão e como agente de redução na fundição de ferro-gusa.

O termo “florestas energéticas” é comumente usado, tanto para plantações silviculturais (como de eucalipto, por exemplo), como também para o manejo de florestas nativas. Os impactos ambientais dos dois são bastante diferentes. Plantações representam uma área na qual o Brasil tornou-se um dos principais atores globais e o país tem um grande corpo de profissionais qualificados (diferentemente do caso de manejo de florestas nativas, na Amazônia).

Quando substituem a vegetação natural, as florestas plantadas podem gerar severos impactos sobre a biodiversidade. Causam também, de forma indireta, idêntico impacto, quando provocam o deslocamento da agricultura e da pecuária para as áreas de vegetação nativa. Até agora, as plantações têm avançado, principal- mente, às custas do Cerrado e de al- gumas sobras de Mata Atlântica.

A maior parte destas plantações é dedicada à produção de celulose, e não à geração de energia. Embora, deva ser esperado que o uso de ma- deira oriunda de florestas plantadas, para este propósito, aumente, inde- pendente de considerações sobre as emissões de gases de efeito estufa. Isto também é verdade para a produ- ção de plantações voltadas a atender à demanda de mercados domésticos para madeira serrada e para outras formas de madeira maciça, que hoje têm origem, principalmente, da flo- resta amazônica.

Como a área que pode ser dedi- cada a plantações fora da Amazônia está se aproximando do esgotamento, é lógico esperar um grande desloca- mento futuro da atividade de estabe- lecimento de novas plantações para a Amazônia: o “pulo da onça”.

Até agora, plantações silvicultu- rais na Amazônia têm sido de área limitada. A plantação de Jari, na fron- teira entre Pará e Amapá, e a plan- tação Amcel/Champion, no Amapá Central, são as maiores, mas nenhuma dessas é dedicada à produção de energia. Há muito tempo, foram pla- nejadas grandes plantações na área da Estrada de Ferro de Carajás, dedica- das à geração de energia, mas a con- tinuada disponibilidade de madeira “grátis”, a partir do desmatamento, limita a competitividade de florestas plantadas, enquanto existirem flores- tas nativas acessíveis, e o esforço de fazer cumprir os regulamentos am- bientais for fraco.

Embora as usinas de ferro-gusa aleguem que o carvão vegetal que utilizam do desmatamento não cau- sam nenhum impacto, a demanda para este carvão representa uma parte representativa do lucro, o que torna o desmatamento uma melhor opção financeira e empurra para adiante uma modificação do presente ce- nário. A indústria de carvão vegetal no corredor de Carajás é notória por suas violações ambientais, assim co- mo também pelo uso de trabalho in- fantil e de escravidão de adultos por dívidas. É esperada que a produção de ferro-gusa aumente enormemen- te, o que, juntamente com o esgota- mento da floresta nativa, fará com que as plantações silviculturais tornem-se as principais fontes de ma- deira para carvão vegetal, no futuro. Dentre as vantagens deste cenário, está a perspectiva de redução dos abusos trabalhistas.

O manejo florestal também pode produzir biomassa para energia, mas requer cuidados especiais para assegurar a sustentabilidade e para li- mitar os impactos ambientais. Quan- do a floresta tropical é manejada para a produção de carvão vegetal, as árvores pequenas são as preferi- das, diferentemente do manejo para a madeira de lei, onde as grandes árvores são as mais valiosas. A preferência por árvores pequenas sig- nifica que a sustentabilidade de produção em longo prazo pode ser prejudicada, se estas classes de idade forem eliminadas. Também aumenta a tentação para simplesmente explo- rar toda a área, pois a mesma floresta pode atender aos mercados de carvão vegetal e de madeira de lei.

A CVRD - Companhia Vale do Rio Doce, executou uma série de ensaios (hoje abandonados), visan- do testar o manejo da floresta ama- zônica para produção de carvão ve- getal, em Buriticupu, Maranhão. Os tratamentos a respeito dos quais os pesquisadores da CVRD estavam mais entusiasmados foram aque- les onde a mais alta porcentagem da área basal foi cortada, deixando apenas algumas árvores espalhadas, em uma área que, de outra forma, foi desmatada. Embora oficialmente chamada de “manejo”, para os olhos da maioria das pessoas, e também para um satélite, seria chamado de corte raso. A biomassa da floresta amazônica tem sido usada para energia em vários contextos, onde poderia ser obtida madeira de desmatamento, sem a necessidade de manter uma floresta energética sob manejo.

Quando o projeto Jari estava des- matando para ampliar as suas planta- ções, foi queimada madeira das der- rubadas, como fonte de energia para a usina de celulose.

Da mesma maneira, a mina de bauxita da Mineração do Norte, em Trombetas, no estado do Pará, usou madeira nativa objetivando prover calor para secar a bauxita antes de carregar o minério em navios para 16

exportação. Fazer cavacos e quei- mar madeira de floresta tropical não é tão fácil quanto pode parecer, em função de que algumas espécies têm alto conteúdo de sílica e podem da- nificar a maquinaria.

Na hidrelétrica de Balbina, a ma- deira dos 2% da área do reservatório, onde a floresta foi derrubada antes de inundar, foi transformada em cavacos e queimada em uma termoelétrica, para fornecer energia às operações de construção. Várias cidades na Amazônia, tais como Manacapuru, Amazonas, e Ariquemes, Rondônia, tiveram usinas termoelétricas, quei- mando madeira, quando estas cidades eram menores e mais floresta estava disponível. Hoje, estas cidades trocaram madeira por outras fontes de energia, e as “florestas energéticas”, que foram planejadas, por exemplo, no caso de Manacapuru, não se de- senvolveram.

O avanço da tecnologia poderia tornar o futuro diferente do passado, no caso da Amazônia. O trabalho pa- ra o desenvolvimento de processos economicamente viáveis, para a pro- dução de etanol celulósico, a partir de qualquer forma de biomassa, inclusi- ve madeira, está acontecendo em um ritmo febril.

Isto é motivado pelo fato dos Es- tados Unidos terem uma nova “lei de energia”, aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente George W. Bush, em 17 de dezembro de 2007, que declarou um “mandato”, reque- rendo, até 2022, uma produção anual de 136 bilhões de litros de etanol (5 vezes a produção atual dos EUA), dos quais 44% virão de fontes ce- lulósicas.

A provisão deste volume tem um impacto direto em potencial sobre a vegetação nativa dentro dos Estados Unidos. Se já são preocupantes os efeitos nos preços globais de alimen- tos pelo atual uso de 23% da safra de milho dos Estados Unidos para a produção de etanol, pode-se imaginar que os esforços para cumprir o “man- dato” do etanol poderão gerar um sig- nificativo aumento deste problema.

Caso se torne lucrativo triturar uma floresta e convertê-la em álcool, as implicações para a Ama- zônia são claras. Atualmente, ela está protegida pela inviabilidade econômica de colheita de florestas inteiras, mas o fato do setor ma- deireiro na Amazônia, hoje, operar, em grande parte, de forma ilegal é uma indicação de que um nível de governança muito maior será real- mente necessário, se a região for resistir ao impacto em potencial de futuros desenvolvimentos em flo- restas energéticas.

Elesier Lima Gonçalves Diretor Superintendente da ArcelorMittal A floresta energética

O atual momento em que vivemos no setor de florestas plantadas, com novo ciclo de expansão em todos os segmentos de produção, dentre os quais cito a siderurgia a carvão vege- tal, celulose e painéis de madeira, faz parte do ciclo maior de crescimento, que é o da economia nacional.

O crescimento da demanda vem sendo atendido por madeira de origem de florestas plantadas de alta produ- tividade, fruto dos investimentos de longo prazo, realizados pelas empre- sas privadas e públicas, técnicos, uni- versidades e instituições de pesquisa.

As áreas de florestas plantadas no Brasil (Eucalyptus e Pinus), segun- do o Anuário Estatístico de 2008 da Abraf – Associação Brasileira de Pro- dutores de Florestas Plantadas, são de 5.560.203 ha, apresentando um cres- cimento de 3,4%, em relação a 2006.

O setor tem importância expressiva e crescente nos indicadores econômicos, sociais e ambientais do Brasil. Tem sido reconhecido pela sua efetiva contribuição na geração de empregos, rendas e tributos. Tem trabalhado dentro dos princípios fundamentais de sustentabilidade, com respeito ao meio am- biente e com responsabilidade social.

Há mais de 100 anos, o país tem investido na atividade, sendo com expressão maior a partir da década de 60, com o advento dos incentivos fiscais e, nos anos recentes, condu- zido pelas demandas nacionais e internacionais, nos diversos segmentos industriais, que utilizam a madeira como matéria-prima.

O Brasil tem vocação natural para a produção de florestas. Tem especiais condições para o plantio: terra, sol, chuva, pessoal qualificado, investiu e continua investindo milhões em desenvolvimento tecnológico, meio am- biente, saúde, segurança e aplicando as melhores práticas de gestão. Os resultados são visíveis e estão dispo- níveis, mostrando nossa capacidade competitiva nos mercados globais.

Com a evolução alcançada até aqui, fruto do árduo trabalho das últimas décadas, acredito, estamos preparados para enfrentar novos desafios, que já se apresentam, sendo, um dos mais significativos, o suprimento de matéria-prima, para atender à crescen- te demanda por produtos originados de florestas renováveis, e que, como exemplo, podemos citar o Brasil, a Ín- dia e a China. Por outro lado, o setor florestal brasileiro tem sido visto co- mo alternativa para atender às novas demandas.

Os especialistas indicam que, no máximo em 100 anos, teremos o esgotamento das reservas dos com- bustíveis fósseis, principalmente, o petróleo. A atual crise energética, a demanda da sociedade por fonte mais limpa e renovável, a necessidade de redução do efeito estufa, dentre outras coisas, coloca-nos o desafio co- mo oportunidade.

Dentro dessa realidade, nosso país tem demonstrado a capacidade efetiva e potencial de contribuição, apre- sentando a alternativa das florestas energéticas. Florestas de que temos pleno conhecimento tecnológico, conhecemos seus resultados e disponibi- lidade de recursos para crescimento, incluindo terras. Florestas com eleva- da produtividade e que são manejadas de forma sustentável, com vantagens competitivas, no cenário mundial.

As aplicações da energia, gerada pela biomassa florestal, são muitas: lenha, madeira, carvão vegetal, briquetes e bio-óleo. Do ponto de vista energético, biomassa é todo recurso reno- vável, oriundo da matéria orgânica, origem vegetal ou animal, que pode ser utilizada para geração de energia.

Em maior ou menor escala, mui- tos países estão promovendo ações para mudanças em suas matrizes energéticas, privilegiando as energias alternativas renováveis, pois é neces- sário reduzir o uso de derivados de petróleo e a dependência energética. Das tecnologias existentes, com possibilidades comerciais, somente a biomassa possui flexibilidade de suprir energéticos para energia elétrica e para biocombustíveis; além de sua contribuição para o balanço próximo de zero entre emissão e captação de carbono.

Temos certeza de estarmos vivendo uma nova e especial oportunidade de desenvolvimento do setor florestal brasileiro e temos, agora, que transformar essa oportunidade em reali- dade.

O tema florestas é item de pauta nas principais discussões mundiais. A importância das florestas renováveis tem crescido, a cada dia, em razão da sua real capacidade de contribuição econômica, social e ambiental.

Barreiras existem, mas também existem soluções; dependem de nós.

No caso específico da siderurgia brasileira, estão ocorrendo investi- mentos em novas unidades industriais e na expansão das existentes. Prevêse elevar a produção anual de 33 milhões, para 57 milhões de toneladas, nos próximos 10 anos.

A maioria utiliza o coque como redutor, porém, o preço está elevado e com tendência de altas.

O setor siderúrgico a carvão vegetal fez crescer o consumo desse insumo fundamental, nos últimos 10 anos, em mais de 50%. Apesar do crescimento dos plantios na ordem de 3% a.a. é ainda insuficiente para atender à demanda crescente. O dé- ficit tem sido, em parte, compensado pelo aumento da produtividade das florestas plantadas e através dos pro- gramas fazendeiros florestais.

Não há, no presente, carvão ve- getal de florestas energéticas renová- veis para atender à demanda, a curto e médio prazos. Aí se apresenta uma nova oportunidade para investimen- tos no setor, que exige planejamento de longo prazo. Estamos prontos para esse novo cenário.

Precisamos continuar atuando unidos, com todos os agentes da sociedade civil organizada, para aprimo- rarmos os mecanismos que regem o setor, fortalecendo e tornando-o cada dia mais competitivo.

Com os avanços conseguidos pelo setor brasileiro de florestas renováveis, temos a certeza de nossa competência para crescer no ritmo requerido.

É necessário maior conscientiza- ção da sociedade, para entender que temos condições, de forma sustentável, de suprir as necessidades de produtos de origem florestal, sem com- petir com a produção de alimentos.

A união de esforços permite-nos assegurar um presente e um futuro me- lhores. Floresta energética renovável, sinônimo de planeta lim- po e de me lhor qua- lidade de vida.

A madeira sempre representou para a raça humana uma fonte de sobrevivência, sendo, ainda hoje, a principal fonte energética, atendendo cerca de 33% das nossas necessidades. No contexto mundial, observa-se que uma pessoa consome o equivalente a 0,67 metros cúbicos de madeira por ano de vida, sendo que no Brasil este número atinge a cifra de 0,87 metros cúbicos, por ano.

A vocação florestal brasileira está clara, quando analisamos os dados da evolução da silvicultura em nosso país. O incremento médio anual das florestas no país chega a ser superior a 7 vezes, quando comparado ao dos países de clima temperado do hemisfério norte, grandes produtores de madeira. A diferença está na característica dos solos brasileiros, no

Mário Eugênio Lobato Winter Superintendente Geral da Vallourec & Mannesmann Florestal O potencial energético das florestas

clima e regime de chuvas, no elevado desenvolvimento da tecnologia de plantio de florestas e na ca- pacidade empreende- dora dos silvicultores brasileiros. Dentro deste ce- nário, desenvolveu-se a tecnologia de for- mação das florestas energéticas, capazes de fornecer, em re- gime de sustentabilidade plena, um termorredutor renová- vel, o carvão vege- tal, único, em escala mundial, capaz de substituir, com van- tagens econômicas e ambientais, o uso de combustíveis fósseis, pois é o único modelo que tem balan- ço zero de emissões de CO 2 na fabricação do aço bruto, propiciado pela absorção do CO 2 na fase de formação das florestas, para a produção do biorredutor carvão vegetal.

A evolução da silvicultura, focada, assim, na formação dessas florestas, propiciou a elevação tanto do rendimento florestal, com a consequente redução da demanda por áreas de plantio, como na melhoria físicoquímica do termorredutor, favorecendo equilíbrio e aumento de produtividades dos altos fornos, ou seja, maior competitividade do setor.

No âmbito da tecnologia de carbonização, dos primórdios da fabricação de carvão, através de medas, evoluímos para os fornos de alvenaria circulares, retangulares e já iniciamos os primeiros passos dos processos de carbonização contínua, com controle pleno de todo o processo, garantindo, assim, uma homogeneidade singular ao produto final, dentro de parâme- tros preestabelecidos, melhorando o desempenho dos altos fornos.

Uma ampla gama de alternativas vislumbra-se com a recuperação do alcatrão vegetal no processo de car- bonização, podendo ser utilizado na cogeração de energia (queima de al- catrão e gases de alto forno), na présecagem da madeira para a posterior carbonização, ou mesmo na destila- ção de seus subprodutos químicos de alto valor agregado.

Porém, a maior virtude deste ter- morredutor é a de propiciar a fixação da mão-de-obra no campo, destacando-se, regiões sem aptidões agrícolas. Leva a estas comunidades o aprendizado pelo respeito ao meio ambiente, com a criação de reservas ecológicas, que funcionam como abrigos da biodiversidade das regiões onde estas florestas estão inseridas.

E, com o advento da mecanização das atividades florestais, novos postos de trabalho são criados, agregando conhecimento, desenvolvimento e renda à população, ampliando, assim, a fixação das pessoas pela geração de renda e desenvolvimento nas comu- nidades, medidos pelo incremento do IDH, onde se situam os projetos florestais, como ilustra a tabela em destaque.

Face a todas as vantagens agre- gadas ao uso da madeira, como fonte energética para a siderurgia, restavanos comprovação final de sua econo- micidade, já que apenas 1,3% do gu- sa fabricado no mundo, exatamente o fabricado no Brasil, tem como origem o termorredutor carvão vegetal, sendo o restante produzido com coque, a partir do carvão mineral.

A recente crise no mercado mundial de carvão mineral está trazendo como contrapartida positiva para os produtores nacionais de carvão vegetal, que não é só ambiental ou social, o apelo pelo uso do termorredutor renovável, que se trata de uma fonte economicamente rentável e que permite sustentabilidade plena do termorredutor, através do plantio de florestas.

Rosa Ana Conte e Daltro Garcia Pinatti Professora de Engenharia de Materiais da USPLorena e Consultor da Probem, respectivamente Refinaria de biomassa viabiliza florestas energéticas

As tecnologias atuais para gerar energia a partir de fontes renováveis são biunívocas, ou seja, cada biomassa gera apenas um produto principal, que tem de pagar todos os custos (matéria-prima, investimento, insumos, mão-de-obra). Os principais exemplos são etanol da cana, biodiesel de óleos vegetais, queima de biomassa em caldeira para geração de vapor e energia elétrica.

A RB - Refinaria de Biomassa, é um paralelo da Refinaria de Petróleo, constituída de 11 tecnologias, gerando 13 produtos básicos. Pode ser implantada por etapas, com geração simultânea de 4 a 11 produtos, dependendo do tipo de biomassa. O fracionamento da biomassa permite valorizar as frações nobres, possibilitando que a cogeração de energia elétrica seja competitiva com energias fósseis e hidrelétricas.

Na RB, as biomassas são agrupadas em lignocelulósicas ou lenhosas (floresta, bagaço/palha da cana, resíduos agrícolas, babaçu, pinhão manso, bambu, manejo sustentado de floresta natural, resíduo orgânico municipal), e oleosas, contendo proteínas e lipídeos (tortas, farelos, dejetos, graxarias, pneus usados). As lenhosas são, inicialmente, craqueadas por préhidrólise ácida diluída, que converte 80% da biomassa em celulignina sólida, com porosidade nanométrica e baixo teor de potássio, e 20% em solução líquida de açúcares, chamado pré-hidrolisado. A solução de açúcares de qualquer biomassa permite gerar furfural ou etanol e gesso agrícola com K, P (reciclagem de fertilizante para floresta ou lavoura). As oleosas são craqueadas por CBT - Conversão em Baixa Temperatura, gerando óleos com frações esterificáveis a biodiesel e frações aromáticas para combustí- veis e carvão vegetal. Neste artigo, os dados apresentados referem-se a florestas energéticas de curta rotação (2 a 3 anos de corte), produzindo 40 TBS/ha/ano (TBS - Tonelada de Biomassa Seca), mostrando a geração de alguns produtos, na ordem crescente de investimentos.

A celulignina é um volumoso para ração de ruminantes, com digestibi- lidade de 58%, similar à silagem de milho ou alfafa. Com uma dieta de 7 kg seco/cabeça/dia, pode-se alimentar até 14 cabeças/ha de floresta. Como a 20

conversão em carne e respiração é de 1 kg/cabeça/dia cada uma, sobram da ordem de 5 kg/cabeça/dia de esterco que, processados por CBT, geram óleo e carvão, recuperando 60% da energia contida na biomassa original. Infelizmente, o setor sucroalcooleiro abandonou os confinamentos e os americanos vêm fazendo álcool de milho.

A celulignina pode ser peletizada, alcançando densidade de 1.250 kg/m 2 e densidade energética de 23 MJ/m 3 (PCI = 4.400 kcal/kg ou 18,4 MJ/kg), próxima do carvão betuminoso (26 MJ/m 3 ) e 60% da densidade energética do óleo combustível (39 MJ/m 3 ). É uma commodity que, na entressafra, usa a mesma logística de transporte de grãos (caminhões, vagões, portos e navios) para abastecimento mundial de energia, componentes de ração animal e de materiais.

A pré-hidrólise é a melhor tecnologia para preparação da biomassa para produção do etanol de celulose pelo processo enzimático, gerando, aproximadamente, 330 L/TBS (por volta de 13.300 L/ha). A celulignina pode ser convertida por reforma autotérmica em syngas, com composição em %-volume de 37 H 2 , 41 CO, 16 CO 2 , 4 CH 4 e PCI = 11,2 MJ/m 3 , substituindo gás natural na geração de energia elétrica, combustíveis, produtos químicos e materiais.

A geração de energia elétrica dáse pela queima do syngas, pelo ciclo combinado composto de turbina a syngas e caldeira de recuperação, e turbogerador a vapor, alcançando ren- dimento termelétrico de 41%. Baseado nos parâmetros 40 TBS/ha/ano, 80% de conversão em celulignina, PCI = 18,4 MJ/kg, 330 dias/ ano de operação, gera-se uma po- tência específica de 8,5 kWe/ha. A maioria das hidrelétricas não alcança esta taxa, quando se divide sua potência pela área inundada do reservatório. Os 100 GW de consumo elétrico nacional poderão ser gerados com 118.000 km 2 de florestas energéticas, apenas 1,4% do território nacional. A cana só perde para o petróleo como vetor energético e o aproveitamento das florestas energéticas, através da RB, poderá ultrapassar o do petróleo.

Por último, a geração de metanol, cru sintético, diesel e outros monômeros da petroquímica poderão ser gerados pelo syngas, pela tecnologia GTL - Gas to Liquid (processo FisherTropsch), utilizando diferentes tipos de catalisadores. Para esta etapa de complementação ou substituição integral das energias fósseis, a biomassa tem deficiência de hidrogênio, que a RB suprirá com a geração de silício solar, obtido a partir da sílica da casca do arroz (cf. www.geea.com.br, primeira RB que está sendo instalada em Alegrete, RS). Utilizando a energia elétrica fotovoltaica na eletrólise da água, supre-se a deficiência de H 2 e o O 2 é utilizado na reforma auto- térmica, para a geração do syngas. A fazenda energética deve conter 80% da área em floresta energética e 20% em painéis fotovoltaicos, para abas- tecer a maioria das necessidades das atividades humanas.

O investimento da RB, proces- sando acima de 1000 TBS/dia, é da mesma ordem que as termelétricas convencionais (US$ 1500.00/kW) e os custos dos produtos são inferiores ao dos produtos fósseis: celulignina – US$ 35.00/t (US$ 2.00/MBTU), syngas - US$ 3.00/MBTU, comparados com US$ 6.00/MBTU do gás natural, e energia elétrica US$ 80.00/MW (R$ 140.00/MWh). A RB é a melhor resposta às críticas de organismos governamentais internacionais e dos ambientalistas, pois é técnica, econômica e ecologicamente possível maximizar a geração de energia, simultaneamente com a maximização da produção de alimentos.

A qualidade de vida de um país e a robustez de sua economia requerem a segurança, a disponibilidade e a sustentabilidade no suprimento de alimentos e de energia. Desta forma, a produção de alimentos, a conversão de energia e os acessos aos mesmos estão entre os grandes desafios de nosso tempo. Um dos caminhos leva à continuidade da dependência de combustíveis fósseis e o outro, aliado à competência existente na produção do etanol, às diversas fontes de biomassas disponíveis e factíveis de serem processadas, por serem susten- táveis e ambientalmente amigáveis.

Levando-se em conta a estabili- zação na produção de etanol a par- tir de cana-de-açúcar, o sucesso do crescimento deste setor dependerá do desenvolvimento de um novo sis- tema, envolvendo o uso de resíduos agroindustriais e urbanos, madeiras excedentes e resíduos de florestas plantadas, plantas energéticas e ou- tros. Para que se alcance um grande avanço tecnológico, os programas de pesquisa, desenvolvimento e inova- ção deverão abranger toda a cadeia do biocombustível, visando à obten- ção de processos viáveis técnica e economicamente.

Muitas áreas do conhecimento estão sendo demandadas para responder a esses desafios e uma das mais poderosas é a biotecnologia, que é capaz de originar os mais importantes e inovadores processos de conversão de energia, entre eles o etanol a partir da celulose, material biológico mais abundante da Terra. 22

Sonia Couri Pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos Processo enzimático na produção de etanol, a partir de celulose

A celulose é uma molécula que consiste em 3.500 a 10.000 unidades de glicose, unidas por ligações 1,4- glucosídica, que a torna a matériaprima com maior potencial para a indústria de fermentação, na produção de biocombustível. Na natureza, o material celulósico é hidrolisado pela ação de enzimas produzidas por bactérias, actinomicetes e fungos, sendo, porém, este processo de desarranjo estrutural, muito lento.

Quando o interesse é comercial, a conversão bioquímica da celulose a etanol envolve três etapas básicas: 1. o pré-tratamento, que causa o rompimento da hemicelulose, a transformação da lignina e o aumento do potencial de hidrólise da celulose; 2. a hidrólise da celulose por enzimas celulolíticas para a obtenção de uma solução rica em glicose e, 3. a fermentação alcoólica.

As principais pesquisas em andamento, em todo o mundo, estão sendo direcionadas, principalmente, para a conversão bioquímica da celulose. Os entraves técnicos estão associados, em primeiro lugar, à hidrólise enzimática e o principal desafio é reduzir o custo relativo ao uso das enzimas de US$ 0,30 – 0,50 por galão de etanol produzido nos Estados Uni- dos, para menos de US$ 0,05. Com este objetivo, a primeira etapa para o desenvolvimento do processo de pro- dução de enzimas é a seleção de um microrganismo com alto potencial de síntese destas enzimas.

Em seguida, deverá ser buscado um melhoramento genético, seja através de técnicas de DNA recombinante ou mesmo através de técnicas de indução de mutação por agentes químicos e físicos, tendo em vista o aumento da atividade específica da enzima, da termotolerância e um melhor entendimento do sistema de re- gulação da síntese de celulases.

Atualmente, o mecanismo mais aceito para a hidrólise enzimática des- creve sinergismo de, pelo menos, três enzimas, que são as endoglucanases (β-1,4-D-glucan-glucanohidrolase), exoglucanas (β-1,4-D-glucan-celobiohidrolase) e β-glucosidase ou celobia- se (β-D-glicoside-glucohidrolase).

O pré-tratamento da biomassa também tem sido alvo de vários estu- dos, uma vez que os processos atuais são onerosos e impõem condições severas para o rompimento da hemicelulose e da lignina, durante a exposição da celulose. Para esta etapa, estão sendo investigadas novas enzimas, que sejam capazes de aumentar o rendimento do pré-tratamento e reduzir o custo deste processo.

Na fermentação, a eficiência da conversão, pelo microrganismo, do açúcar em álcool pode ser comprometida por compostos formados durante o pré-tratamento e pelo aumento da concentração de etanol e sólidos. Pesquisas em andamento podem contribuir para a eliminação da etapa de separação sólido-líquido, na cofermentação de açúcares de carbono 5 e 6, no aumento da tolerância e resistência aos inibidores e, por último, no aproveitamento dos resíduos formados, retornando os minerais para o solo.

As etapas de destilação, separação e desidratação terão que ser adequadas ao novo processo, uma vez que a composição do mosto fermentado será diferente para cada tipo de biomassa utilizada.

Hoje, o maior desafio para viabilizar economicamente a produção de álcool, através da hidrólise da fibra de celulose em açúcar fermentável, é fazer com que as quatro etapas, [1. a produção de enzimas sacarificantes (celulases, hemicelulases); 2. a hi- drólise dos carboidratos componentes presentes na biomassa pré-tratada à açúcar; 3. a fermentação das hexoses (glicose, manose, galactose), e 4. a fermentação de pentoses (xilose e arabinose)] ocorram em uma simples etapa, chamada CBP - Bioprocesso Consolidado.

Neste contexto, a Embrapa Florestas lidera um projeto de pesquisa em rede, criado recentemente, denominado “Florestas Energéticas na Matriz da Agroenergia Brasileira”, no qual a Embrapa Agroindústria de Alimentos coordena um PC - Projeto Componente, que tem como objetivo geral a obtenção de produtos de alto valor agregado da biomassa florestal, destinados à geração de energia. Para isso, serão aprimoradas tecnologias e/ou processos para a obtenção de um extrato enzimático rico em atividade celulolítica, para a hidrólise de uma matriz lignocelulósica pré-tratada.

O volume mundial de madeira, anualmente consumida, tem se situa- do na mesma ordem de grandeza que o de grãos alimentícios e é superior ao de plásticos e de cimento, sendo que a metade desse valor é destina- da para finalidades energéticas. No Brasil, temos uma situação muito parecida, com o uso energético, supe- rando o somatório de todas as demais aplicações da madeira, sobretudo considerando-se o seu uso como carvão vegetal.

Maior produtor mundial, o Brasil tem gerado, anualmente, em torno de 10 milhões de toneladas de carvão vegetal, representando o consumo de, pelo menos, 60 milhões de metros cúbicos de madeira. Se, no passa- do, essa madeira era proveniente de florestas sem nenhuma proposta de renovabilidade, hoje, a maior parte dela é oriunda de florestas plantadas sustentáveis.

Pelo menos 75 % do carvão vegetal produzido em nosso país é destinado para a indústria siderúrgica e metalúrgica, concentrada, sobretudo, em MG, PA e MA, onde é usado na produção de ferro-gusa, aço e ferroligas, sendo tal aplicação considerada como irreversível junto ao setor.

Para tanto, contribuem fortes elementos estratégicos, sobretudo associados à total possibilidade das empresas usuárias alcançarem suas au- to-suficiências e independências em relação a esse termorredutor. Além disso, há elementos de ordem eco- nômica e de qualidade dos produtos industrialmente obtidos, além dos ganhos ambientais que podem ser alcançados, comparativamente, por exemplo, ao uso do coque mineral. Nesse último aspecto, os Mecanismos e De- senvolvimento Limpo, direta e indire- tamente atrelados às regras do Proto- colo de Kyoto, são estímulos adicio- nais à intensificação do uso do carvão vegetal na siderurgia nacional.

Se o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de carvão vege24

José Otávio Brito Professor Titular da Esalq-USP e Especialista em madeira para energia e carvão vegetal Os principais desafios da prática de produção de carvão vegetal no Brasil

tal, a expressividade dos números en- volvidos refletem-se na grandeza dos desafios existentes nas atividades.

A primeira e talvez a mais impor- tante questão atualmente ligada ao carvão vegetal refere-se à oferta de matéria-prima, para sua produção.

Ainda que em declínio, é sabido que uma boa parcela da madeira usa- da na obtenção do produto ainda é originária de florestas não-renovadas e em regime não-sustentado.

Independentemente de qual seja o argumento, a produção siderúrgica brasileira não pode continuar sendo atrelada ao carvão obtido dessa ma- neira. É por conta desse fato, que as principais indústrias do setor têm se empenhado no estabelecimento de programas de plantios florestais, vi- sando, em breve futuro, ter nessa pro- dução, a única fonte de madeira para a obtenção de carvão vegetal.

O segundo grande desafio ligado ao carvão vegetal diz respeito à tec- nologia empregada na sua produção. O nosso carvão vegetal ainda é obti- do, na sua maior proporção, da mes- ma forma como era séculos atrás.

A tecnologia é antiga, o controle operacional dos fornos de carboni- zação é pequeno, e muito pouco se pratica em termos de controle qua- litativo e quantitativo da produção. Além disso, por conta da emissão de gases durante a carbonização, são descartados milhões de toneladas de co-produtos, que poderiam ser eco- nomicamente aproveitados, trazendo, conjuntamente, enormes benefícios ambientais.

Preocupadas com a emissão ga- sosa de seus processos, já há alguns anos, as mais importantes empresas do setor vêm conduzindo ações para a implantação de sis- temas de recuperação dos gases da carbonização, na forma de produtos químicos e/ou energéticos.

Algumas delas já fazem, rotineiramen- te, a recuperação do alcatrão para uso combustível, do mesmo modo que a utilização do licor pirolenhoso, como insumo para a agricultura, também tem se mostrado pre- sente.

É evidente que a adoção de solu- ções de mais amplo espectro, junto ao setor de carvão vegetal no Brasil, implica em alterações na sistemáti- ca hoje utilizada. São alterações que exigem, em primeiro lugar, a adoção de modernas tecnologias e modernos conceitos agroindustriais, fugindo, assim, da definição que ainda se dá à atividade produtiva, como sendo algo marginal e secundário da ativi- dade rural.

Além disso, exigem a disponi- bilização de recursos financeiros, sobretudo destinados aos milhares de micro e pequenos produtores.

Sabemos que, hoje, a sociedade não mais admite, qualquer que seja a situação, a não agregação de esforços relacionados à necessidade da mi- nimização dos impactos ambientais nos processos industriais.

Dentro desse mesmo contexto, a atividade de produção de carvão vegetal apresenta-se totalmen- te disponível para ações. Se existe a necessidade de investimentos, os ganhos ambientais e o potencial de agregação de novos valores econô- micos à atividade poderão ser muito significativos.

Desse modo, ao lado da convic- ção de que o nosso país continua- rá a manter sua forte atividade de produção e consumo de carvão vegetal, fica a certeza de que são irreversíveis as demandas por trans- formações de conceitos e práticas a elas vinculadas.

As respostas tecnológicas para a maioria dos questionamentos estão disponíveis, havendo apenas neces- sidade de uma estratégia política para o setor e do incentivo e da dis- posição para colocá-los em prática.

Paulo Fernando Trugilho Professor de Industrialização da Madeira da Universidade Federal de Lavras A carbonização da madeira

No Brasil, a atividade de carvoe- jamento da madeira está intimamente ligada ao setor siderúrgico. Este se- tor, grande produtor e consumidor de carvão vegetal, utiliza-o como termorredutor, na redução do minério de ferro para produção do ferro-gusa. Segundo a AMS - Associação Mineira de Silvicultura, em 2006, o con- sumo de carvão vegetal no Brasil foi da ordem de 35 milhões de m ³ (mdc). Mi- nas Gerais participou com 60% desse total, tendo a produção de ferro-gusa sido responsável por 65% desse consu- mo. Apesar da expressiva participação da siderurgia no consumo do carvão vegetal, este produto também é maté- ria-prima de outros setores industriais.

A elevação do consumo, aliada à valorização do carvão vegetal, têm contribuído para a retomada da discussão por diferentes segmentos, seja acadêmico, técnico ou industrial, so- bre os entraves relativos à sua produ- ção. O que será benéfico para o apri- moramento da produção e devida va- lorização tanto da madeira, como do carvão vegetal, um produto sempre marginalizado da cadeia produtiva. Para resolver essa situação desfavorável, os produtores e utilizadores do carvão vegetal devem investir em tecnologia, tanto na seleção de matériaprima de alta qualidade, como em sistemas ou processos mais eficientes e que, ao mesmo tempo, não provo- quem conseqüências desfavoráveis ao homem e ao ambiente. Isto requer, inicialmente, um entendimento de alguns pontos da cadeia produtiva envolvida com esse importante biocombustível.

A carbonização pode ser definida, como sendo a operação de decompo- sição térmica que a madeira sofre na ausência ou presença controlada de ar (oxigênio), gerando um resíduo sóli- do, chamado de carvão vegetal, além de gases. Trata-se, especificamente, de uma reação de combustão incom- pleta ou indireta da madeira. Este fa- to indica que a eficiência da carboni- zação está diretamente ligada ao con- trole sobre a combustão incompleta, ou seja, sobre o manejo e o controle eficiente, em relação à admissão de ar (oxigênio) no sistema.

Vários fatores exercem influência sobre a eficiência da carbonização da madeira, dentre eles, destacam-se a matéria-prima e o sistema ou pro- cesso de carbonização utilizados. Com relação à matéria-prima, sabese que características químicas, tais como o teor de lignina e certos extrativos, exercem importante papel nesse contexto. É interessante que a ma- téria-prima tenha elevado teor desses componentes químicos, para que se obtenha a máxima eficiência do pro- cesso de carbonização. Além dessas outras características, são também importantes a densidade básica, a ta- xa de crescimento volumétrico, a pro- dução de massa seca, entre outras.

Sempre que possível, deve-se conciliar o incremento volumétrico da madeira, com as características desejáveis e sua conversão em carvão ve- getal. Dessa forma, podem-se criar as condições necessárias para a implan- tação da Floresta Energética, com material selecionado, de alta qualida- de. Em relação à matéria-prima, mui- tos estudos já foram realizados por diversos pesquisadores, no Brasil.

Outro fator muito importante é relativo ao sistema ou processo de carbonização utilizado. Dentro desse contexto, pode-se dizer que existem diversos tipos de sistemas, os quais podem ser usados para a produção de carvão vegetal. Com relação ao sistema de produção, a taxa de aque- cimento, a temperatura final de car- bonização e a pressão de trabalho são as variáveis mais importantes e que definem tanto a quantidade, como a qualidade do carvão vegetal produ- zido.

Os sistemas de carbonização da madeira podem ser classificados, quanto à evolução, em: primitivos, descontínuos e contínuos. Os siste- mas primitivos são os mais rudimen- tares sistemas utilizados. São com- postos pelas medas ou caieiras, sendo ainda utilizados em algumas regiões do Brasil. Este sistema caracteriza-se pela ineficiência, desperdício e heterogeneidade do carvão vegetal pro- duzido. O sistema descontínuo sur- giu da necessidade de se melhorar a eficiência da carbonização, facilitar a sua operação, fixar as frentes de car- bonização (formação das baterias e carvoarias) e dar melhores condições de vida aos carvoeiros.

O sistema é formado pelos fornos de alvenaria e metálicos, indo des- de o forno de encosta ou barranco, até o de superfície, com câmara de combustão externa. Atualmente, outros tipos de fornos estão em evidência, fornos retangula- res de grande porte, os quais permitem a mecanização da carga e descarga, reduzindo o trabalho braçal do homem. Entretanto, este sistema ainda provoca grande desperdício de mate- rial, uma vez que a conversão é bai- xa, cerca de 25 a 27%, em relação à matéria seca utilizada, e dificultando o aproveitamento dos gases energé- ticos gerados. Além disso, devido à grande dimensão dos fornos, ocorre uma distribuição não uniforme da temperatura no seu interior, o que contribui para a produção de um car- vão vegetal mais heterogêneo.

O sistema contínuo constitui o ponto máximo de desenvolvimen- to da tecnologia de carbonização de madeira. É formado pelas retortas, que são vasos em forma de reatores. A grande vantagem deste sistema é o controle completo da combustão incompleta, gerando produção de carvão vegetal mais homogêneo, alto rendimento da carbonização, aproveitamento dos gases energéticos pelo sis- tema e, conseqüentemente, ausência de poluição. Apesar de todas essas vantagens, possui como desvantagem o alto investimento inicial.

Este pode ter sido o fator determi- nante pelo seu não desenvolvimento no Brasil, tendo em vista o relativo baixo custo de construção dos fornos de alvenaria. Atualmente, uma em- presa multinacional está investindo em um sistema contínuo de produ- ção de carvão vegetal, a Valourec & Mannesmann.

O sucesso desse empreendimen- to pode mudar toda a perspectiva da discussão sobre a produção de carvão vegetal no Brasil. Logicamente que o valor de mercado do carvão vege- tal pode influenciar positivamente a retomada e incremento da discussão sobre esse jeito todo tecnológico de produzir carvão vegetal, adotando os princípios da sustentabilidade, onde os vértices socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente viável, deverão ser respeitados, para promover um desen- volvimento mais integrado.

As chamadas rotas termoquímicas são muito conhecidas, há muito tempo. A principal delas é a combustão. Porém, não é a única. Além da combustão, que é o processo no qual todos os combustíveis são usados, também existe a gaseificação e a pirólise. Ambas ganham notoriedade nessa época de escassez e busca frenética por inovação tecnológica, na corrida por combustíveis limpos. O principal produto da pirólise rápida é o bio-óleo.

Da forma bruta como sai do processo primário de transformação, o bio-óleo é um combustível não veicular, mas serve para alimentar caldeiras e fornalhas, com altos ganhos em termos energéticos e de emissões de poluentes, quando comparado ao óleo combustível de origem fóssil. O refino do bio-óleo e o seu processa- mento secundário, aos moldes do que se faz hoje nas refinarias de petróleo, é uma opção de fonte de energia re- novável e sustentável e também de matéria-prima.

Temos que lembrar que o petróleo não é somente energia e combustí- veis, mas também materiais, insu- mos, etc., e a sua falta trará grande impacto em várias cadeias produti- vas. A indústria de fertilizantes, por exemplo, que é profundamente de- pendente dos combustíveis fósseis e da extração de minerais, passará por profundas transformações energéti- cas e de fontes de matérias-primas. A biomassa deverá suprir várias dessas cadeias, substituindo as matérias-pri- mas tradicionais, baseadas em fontes fósseis.

Como biomassa pré-processada, o bio-óleo tem toda a facilidade logística de estar no estado líquido. O bio-óleo é a própria biomassa liquefeita e constituída de seus com

José Dilcio Rocha Pesquisador da Embrapa Agroenergia O bio-óleo e as rotas termoquímicas de produção de agroenergia

ponentes estruturais, como é o caso das celuloses e da lignina fragmentadas. A biomassa no seu estado natural apresenta baixa densidade energética e, por isso, seu transporte não deve ser feito por longas distâncias, para não inviabilizar seu uso.

O bio-óleo concentra a energia da biomassa. A aplicação em larga escala da pirólise rápida e a produção de bioóleo, a partir de biomassa residual, poderão transformar o Brasil no celeiro mundial dos biocombustíveis, juntamente com o álcool e o biodiesel.

A gaseificação centralizada de bio-óleo, usando oxigênio pressurizado, é uma rota viável para a produção de gás de síntese e a subseqüente produção de hidrocarbonetos sintéticos, por catálise. Esses novos bio-hidrocarbonetos sintéticos levariam à substituição gradativa dos combustíveis fósseis e à completa renovabilidade da matriz energética mundial dos transportes.

A transição das refinarias de petróleo, como conhecemos hoje, seria, gradativamente, mudada para as futuras biorrefinarias de bio-óleo, provenientes da transformação de resíduos das culturas de alimentos agrícolas.

A produção agrícola de alimentos e de agroenergia não são concorren- tes, como erroneamente se propaga, mas sim complementares e ecologi- camente desejáveis. Isso tudo dito, parece um sonho inatingível, mas, na verdade, é um grande sonho possível de ser implantado, nas condições brasileiras.

A agricultura deverá substituir a maioria dos produtos de origem mineral que a humanidade consome nos dias atuais, com grande vantagem econômica, social e ambiental, e sonhadores serão aqueles que não acreditam nisso.

Os biocombustíveis brasileiros apresentam grande atratividade para os investidores e abrem um caminho promissor para o desenvolvimento e a aplicação de variada tecnologia na sua produção, ao longo de toda a cadeia produtiva. Historicamente, os programas de biomassa no Brasil são estudados e reconhecidos mundial- mente pelo seu grande êxito.

Isso deve ser a nossa força para continuar desenvolvendo e melho- rando o desempenho do setor. Tanto a produção de florestas energéticas, quanto o programa do etanol de cana são modelos para o mundo. A produção eficiente de matéria-prima é uma etapa fundamental para o sucesso de qualquer programa de biocombustíveis.

O conhecimento de processos industriais de altos rendimentos, baixo índice de geração de resíduos, menos poluentes e inovadores, constitue-se na outra etapa, igualmente fundamental, nesse ciclo virtuoso de uso sustentável e renovável da biomassa.

Também devemos nos lembrar do importante setor siderúrgico a car- vão vegetal. Esse setor necessita de mudanças tecnológicas e substancial aumento de sustentabilidade e renovabilidade na sua fonte de biomassa.

A manufatura de ferro-gusa, um precursor do aço, que usa o carvão vegetal de lenha, deverá usar o carvão de resíduos agrícolas, na sua forma pulverizada, briquetada ou peletizada. Somente desta forma a siderurgia brasileira a carvão vegetal conseguirá manter sua produtividade e continuar transformando o minério de ferro em produtos e divisas para o país.

Para atingir todas essas novas metas da agroenergia será necessário investir pesadamente na força ino- vadora e empreendedora dos brasi- leiros. A grande disponibilidade de biomassa não é sinônimo de sucesso, no mercado competitivo da agroe- nergia. Devemos ter a capacidade empreendedora de desenvolver as tecnologias mais apropriadas para produzir e transformar essas matérias-primas do campo em bens comercializáveis e geradores de renda e postos de trabalhos.

Para isso, os profissionais e as universidades estão todos convocados a contribuir. As incubadoras de empresas de base tecnológica darão contribuição no âmbito do empreen- dedorismo, da mesma forma que a transformação de idéias dá em em- presas rentáveis.

Se a agroenergia tem um papel fundamental no futuro da humanidade, e eu acredito que tem, o Brasil é o lugar onde as maiores taxas de viabilidade serão alcançadas, devido às suas condições naturais, excepcio- nalmente favoráveis, e à sua capaci- dade humana.

Waldir Ferreira Quirino Analista Ambiental do Serviço Florestal Brasileiro Podemos exportar biomassa para uso energético?

Acredito que o Brasil tem uma grande oportunidade de produzir mais alguns combustíveis de interesse internacional, além do etanol e do biodiesel. Temos vários tipos de resíduos vegetais, além dos resíduos madeireiros e florestais. Toda cadeia agroindustrial é grande produtora de diversificados resíduos vegetais, tais como resíduos de colheita, resíduos do beneficiamento, cascas, palhas, caroços, etc.

Primeiro, falta-nos uma estatística sobre a disponibilidade dos resíduos, assim como sua distribuição geográfica e suas características físicas e químicas. Para estabelecermos políticas públicas e estratégias para seu aproveitamento, são necessários dados sobre os resíduos, atualizados de forma dinâmica e continuada.

Que organismo nacional poderia se ocupar desse trabalho e centralizálo? O importante é que tenhamos esses dados e possamos atacar um dos maiores problemas relativo à valorização dos resíduos, qual seja, sua logística de coleta, processamento e distribuição dos combustíveis, além de alguns desenvolvimentos tecnológicos e gargalos, para produção de energia em escala.

Segunda consideração, os resíduos necessitam de tratamento, de forma a evoluírem para a categoria de “combustível limpo” de biomassa. Uma característica marcante dos resíduos vegetais é sua heterogeneidade, umidade elevada, baixa densidade e dispersão geográfica. Todas essas características em conjunto exigem uma estratégia bem elaborada para viabilizar sua valorização energética.

Além disso, alguns resíduos podem estar contaminados com produtos químicos, tais como resinas sintéticas, produtos preservativos, colas, produtos de acabamentos ou excesso de produtos inertes (cinzas).

Alguns processos podem promover um tratamento de homogeneização dos resíduos vegetais. Um processo mais simples de homogeneização é picar, peneirar e secar. Permite obter cavacos ou resíduo particulado, facilitando transporte, estocagem, movimentação e alimentação mecanizada de caldeiras industriais.

Outro procedimento, que difundimos há vários anos é a compactação, seja na forma de peletes ou briquetes. Esses processos de compactação proporcionam combustíveis com densidades energéticas importantes, se comparados com lenha, carvão vegetal ou mesmo cavacos de madeira. São secos e muito adensados.

Aqui, vem uma terceira consideração. Como são inúmeras fontes de resíduos vegetais, em conseqüência, serão diferentes produtos compactados, com diferentes características. Então, pensando em grandes mercados, precisamos estabelecer classes de qualidade para nossos briquetes e peletes, assim como podemos estabelecer classes de qualidade para resíduos particulados ou em forma de cavacos. Acredito que teremos possibilidade de atender diferentes exigências, para diferentes utilizações energéticas.

A quarta consideração é com referência aos mercados interno e externo, relativamente aos nossos resíduos vegetais compactados. Ainda temos um grande mercado interno não atendido. Existe uma lacuna imensa entre demanda de biomassa tratada e/ou compactada e ofertada no mer- cado nacional. Com a crescente fis- calização sobre o comércio de lenha, aumentam as possibilidades de sua substituição por briquetes, ou mesmo peletes em caldeiras industriais.

Muitas indústrias não substituem suas caldeiras a óleo por biomassa tratada, unicamente por falta de garantias de fornecimento desses com- bustíveis alternativos. Naturalmente, o BTU gerado por biomassa tem pre- ço inferior ao BTU gerado por combustível fóssil, além do impacto ambiental muito mais positivo e capitalizável com marketing verde.

Mas, também, é inegável que existe um mercado internacional ávido por energia limpa. Essa energia, sem sombra de dúvida, pode ser nossa biomassa tratada e compactada, na forma de briquetes, peletes, ou até cavacos. Hoje, temos experiência, por parte de algumas empresas brasileiras, com exportação de cavacos, de briquetes e, em breve, com exportação de peletes. Os especialistas europeus reconhecem que não possuem biomassa suficiente para atender às suas políticas de substituição, propostas pelo “livro branco” da Comunidade Européia.

Vejo, em um futuro próximo, empresas integradas, especializadas em ofertar combustíveis de biomassa, de diferentes tipos: lenha, resíduos particulados, em forma de cavacos, secos ou torrados, compactados na forma de briquetes ou peletes, com diferentes classes de qualidade e para diferentes tipos de utilização (queima direta, gaseificação, ou em co-combustão com outros tipos de combustíveis, geração de eletricidade, produção de vapor industrial e outros). Esse tipo de empresa terá capacidade para atender aos mercados interno e externo, além de poder atender também ao consumo doméstico e comercial. Para isso, é importante a classificação desses produtos e a organização de seus produtores.

É necessário estabelecer normas de qualidade para os combustíveis sólidos de biomassa, principalmen- te briquetes e peletes e também que os produtores organizem-se em uma associação, que se defenda da “con- trapropaganda” de pessoas ou em- presas oportunistas, incompetentes ou inescrupulosas. Essa associação permitiria o atendimento a contratos de grandes volumes e por longos pra- zos, geralmente para abastecimento de termelétricas.

Em contrapartida, defendo ações de estímulo e facilitação de empre- endimentos, para valorização dos resíduos vegetais, e da biomassa em geral, para produção de energia lim- pa. Defendo também maior apoio aos centros de pesquisa e desenvolvimen- to, para estudos e difusão das tecno- logias de conversão da biomassa em energia. Dessa maneira, podemos até não mudar o perfil de consumo ener- gético mundial, mas, sem dúvida, contribuiremos enormemente para atenuar o nível de emissões poluen- tes no planeta.

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