9 minute read

Augusto Fernandes Milanez

Augusto Fernandes Milanez Especialista Sênior em P&D da Suzano Papel e Celulose Substituição da matriz fóssil por matriz renovável

O uso globalizado das matériasprimas fósseis para a produção de energia, como o petróleo, carvão mineral e o gás, tem fornecimento fini- to. O petróleo é, sem dúvida alguma, a matéria-prima de maior uso nesta matriz, tendo aumentado o seu custo de US$ 15/barril, para US$ 130/bar- ril, nos últimos 10 anos, e o mercado aponta para o custo de US$ 200/bar- ril, até o final de 2008. Portanto, a situação atual demanda alteração da matriz energética, o que vem sendo acelerada pelas pressões socioam- bientais, principalmente ligadas ao efeito estufa, ocasionado pelo au- mento de poluição e temperatura do planeta, principalmente pela emis- são de gases de queima, lançados na atmosfera.

O consumo mundial de matériasprimas fósseis está ao redor de 10 bi- lhões de toneladas/ano, e, apenas 3% destes materiais são fixados na con- versão de produtos químicos. Cerca de 97% destes são utilizados na gera- ção de energia, sendo os residuais de CO 2 despejados na atmosfera. A agricultura contribui com 7 bi- lhões de toneladas/ano de biomassa, enviando, aproximadamente, 95% desta para fins alimentícios e apenas 5% para a indústria química, incluin- do a biomassa para a produção de ce- lulose e papel. Portanto, com maior potencial de fixação de carbono e um sistema auto-sustentável por plantios regulares, a biomassa torna-se uma atraente matéria-prima, substituta dos combustíveis fósseis, podendo gerar, também, polímeros interessantes pa- ra diversos usos.

As novas tecnologias de produção de químicos orgânicos derivados de biomassa inovam consistentemente o mercado de produtos, nas linhas bioplásticos, cosméticos, aromáticos, combustíveis, etc.

O petróleo tem a sua formação fundamentada na fixação de CO 2 , há milhares de anos. Composto, es- sencialmente, pela modificação de substâncias orgânicas derivadas das plantas, a madeira tem em sua com- posição básica o mesmo potencial de produção de quase todos os deriva- dos do petróleo.

Por que então ainda utilizamos o petróleo?

As razões eram justificadas como, principalmente, econômicas e tecno- lógicas. Com a significativa elevação do preço do petróleo e as novas tecnologias de biorrefinarias, a biomas- sa florestal é uma das mais atraentes fontes de matéria-prima para a pro- dução dos mais variados produtos poliméricos e na aplicação com fins energéticos.

Os materiais lignocelulósicos, vindos de florestas plantadas de cres- cimento rápido ou de resíduos agrí- colas (palhas de milho, cana-de-açú- car, etc), são mais atrativos do que aqueles que competem diretamente com a matriz alimentar, como o mi- lho, beterraba e outros. A explicação para isto está no fato de não compe- tirem com os alimentos e terem alta produtividade: 1 hectare de madeira de floresta plantada pode produzir, no Brasil, 9.500 litros de etanol, enquan- to que o milho produz apenas 3.400 litros. A fixação do CO 2 pela fotossín- tese nas árvores e a transformação das mesmas em bioplásticos também agrada a todos, pois se trata de uma das mais interessantes formas de bus- car a redução do CO 2 da atmosfera, podendo ser biodegradável e socio- ambientalmente corretos.

As tecnologias de produção de biocombustíveis de primeira geração, como a fermentação do suco da canade-açúcar para a produção de álcool, já se encontram à disposição, há mui- tos anos. O uso do bagaço da canade-açúcar para também produzir ál- cool é uma tecnologia de segunda geração, a qual já está fundamentada na aplicação de enzimas e hidrólises ácidas, aumentando a capacidade das fábricas em produzir o álcool, pelo uso da biomassa dos resíduos. Plan- tas em demonstração já se encontram funcionando no Brasil.

O crescimento da linha dos bio- combustíveis de primeira geração tem a tendência exponencial em produção, alavancados, principal- mente, para a produção do etanol e, em menor escala, para o biodiesel. No Brasil, a cana-de-açúcar segue em liderança absoluta, produzindo um dos biocom- bustíveis de menor custo no mundo.

Conhecidas como subs- tâncias não desejáveis nas fábricas de celulose, a lig- nina e os extrativos da ma- deira podem tomar novos rumos e serem desejados nos novos processos de biorrefinarias. A lignina pode, agora, ser importante fonte de matéria-prima na fabricação de bio- plásticos, produtos aromáticos, cos- méticos, farmacêuticos, e aplicada como biocombustível, visto que tem poder calorífico em torno de 26 MJ/ kg. Portanto, alterações na seleção de clones florestais podem ser esperadas em um futuro muito próximo, visto que as biorrefinarias devem levar a essas necessidades.

As hemiceluloses da madeira sem- pre foram desejadas para o aumento da capacidade de ligação interfibras, na formação dos papéis. Na biorrefinaria, pode tomar um novo rumo e seguir para a produção de fil- mes bioplásticos, cosméticos (impor- tante na hidratação da pele), aditivos, filmes nanocompositos, etc. O eucalip- to é uma das plantas mais atraentes de crescimento em biomassa florestal no mundo, tendo concentrações de xila- nas na ordem de 14 a 18%.

A celulose tem, hoje, aplicação na fabricação de papéis para variados fins, bioplásticos como o acetato de celulose ou fibras rayon, carboxi me- til celulose e outros. Na biorrefinaria, continuará a ter as mesmas aplica- ções, oferecendo a vantagem do pro- cesso ser conduzido para os produtos desejados.

As fábricas de celulose e papel podem ser integradas com a biorre- finaria e a bioenergia, e levar à pro- dução de biocombustíveis, celulose, eletricidade, bioplásticos e outros produtos de maior valor agregado, como fibras de carbono, ácido succinico, etc.

Ayrton Martins

Nos últimos meses, a atenção de países mais desenvolvidos, por ra- zões geopolíticas, econômicas e am- bientais, está se voltando para fontes alternativas energéticas mundiais e, em especial, para o etanol combustí- vel. Preocupados com o seu próprio bem-estar e, por que não, com o futu- ro da humanidade, estas nações vêm encarando nosso país como o grande fornecedor de matérias-primas reno- váveis, de fontes recicláveis. As ra- zões para isto podem ser sumarizadas em apenas duas, muito simples: a dis- ponibilidade de clima favorável, sob todos os aspectos, e de uma imensa área para a expansão da produção agrícola. Porém, o interesse dos go- vernos, instituições e pesquisadores do mundo não se restringe tanto ao agora (injustamente) polêmico álcool combustível, mas tende a se estender ao etanol grau químico – matéria-pri- ma para produtos químico-petroquí- micos – levando à súbita redescober- ta da alcoolquímica, muito discutida em nosso país na década de 70, do século passado.

A previsão de elevação da deman- da de etanol nos países desenvolvi- dos (conseqüência do petróleo a US$ 130/barril) permite projetar um brutal incremento de sua produção mundial, que já está desencadeando, além de uma intensa atividade de P&D, uma busca incansável por fontes alterna- tivas de matérias-primas. Por esta razão, as propostas de utilização da biomassa lignocelulósica para a pro- dução de álcool e de construção de biorrefinarias integradas vêm domi- nando as discussões e as estratégias de planejamento político-tecnológi- co, internacionalmente.

No Brasil, as atenções também começam a se voltar para a alcool- química, como estratégia para supe- rar a carência de nafta petroquímica. Contudo, não mais contando apenas 42 com a rota sucroquímica, desenvolvi

Ayrton Figueiredo Martins Professor Associado do Programa de PósGraduação em Química da UF de Santa Maria Biorrefinaria: um novo paradigma

da com sucesso nos últimos 30 anos, mas investindo no desenvolvimento de novas tecnologias, com base na biomassa residual. As biorrefinarias propostas até o momento, no país, entretanto, privilegiam o viés estraté- gico da indústria da cana e não pro- priamente o das indústrias de celulo- se e agroindústrias, outras potenciais gigantes para a refinação de biomassa residual, em diversos pontos do país.

Ademais, não podemos esquecer a tecnologia das biorrefinarias térmi- cas, onde os processos de pirólise, ga- seificação e combustão (e combina- ções diversas) podem, direta e muito rapidamente, transformar a biomassa lignocelulósica residual (ou não) em bioprodutos, biomateriais, bioener- gia, insumos químicos-petroquími- cos e, logicamente, biocombustíveis e substitutos de derivados do petróleo também. A necessidade de pesquisa e desenvolvimento nesta rota também é grande, embora tais tecnologias venham sendo pesquisadas e aper- feiçoadas há mais de 30 anos. No Brasil, temos alguma experiência em processos térmicos que, certamente, precisa ser ainda comprovada e con- solidada em escala-piloto.

No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o panorama é diferente. As iniciativas de investimento apontam para futuras biorrefinarias, com um viés mais eclético, e para um va- riado leque de matérias-primas ligno- celulósicas. Os grandes investimentos em reflorestamento e em produção de celulose sinalizam para grandes bior- refinarias de base florestal, no futuro. Por outro lado, sendo o maior pro- dutor de arroz do país, o RS dispõe de 1,4 milhão de toneladas anuais de casca de arroz, que podem ser conver- tidas não apenas em bioenergia, mas também em produtos de maior valor agregado, em biorrefinarias específi- cas. Da mesma forma, vale mencionar outros subprodutos da agroindústria e da indústria de alimentos, que es- tão disponíveis para serem refinados e convertidos em produtos com valor agregado, deixando de constituir um problema ambiental.

Os especialistas em refinação de biomassa acreditam que as futuras biorrefinarias constituirão a indústriachave para o presente século, promo- vendo o que se pode designar como uma nova revolução industrial, tama- nha é a importância de que se reveste em termos de tecnologia e dos seus efeitos sobre o atual paradigma industrial, tão dependente da matriz ener- gética dominada pelo petróleo e seus derivados. Já estamos vivenciando as estratégias de segunda geração, em termos de refinação da biomassa, e muito mais ainda está por vir, em um curto espaço de tempo, modificando tudo que tivemos até o momento. Há como que uma sensação de se estar à beira de uma revelação ou descoberta tecnológica de refinação para canade-açúcar, milho e as mais diversas biomassas, residuais ou não.

Contudo, é necessário que se rea- firme: estamos no início de um novo século e a tecnologia de biorrefina- rias está apenas em sua infância. Ao longo dos próximos 100 anos, apren- deremos a trabalhar a biomassa, co- mo aprendemos a trabalhar o petró- leo, no último século. Tudo o que ele representa e fornece, hoje, poderá e deverá ser parcialmente provido pe- la biomassa – nossa única fonte de carbono e hidrogênio – alternativa ao petróleo, ao gás natural e ao carvão.

Para maior clareza da situação, pode-se acrescentar, também, que ainda não existem padrões interna- cionalmente aceitos para os desejados produtos da biorrefinaria e, possivel- mente, por um largo período de tempo ainda não existirão. Nem mesmo se sabe, se o padrão dominante nas fu- turas biorrefinarias será o de produtos de grande volume de produção, que poderão servir de matérias-primas para as atuais refinarias e plantas in- dustriais químicas, ou, ao contrário, o de produção de produtos finos, de al- to valor agregado. O certo é que, sem dúvida, as biorrefinarias de biomassa do futuro deverão constituir sistemas integrados e (mais) sustentáveis, que irão se adaptar às limitações da reali- dade planetária e procurar tirar pro- veito da infra-estrutura tecnológica pré-existente (da base petrolífera).

Em nosso país, os investimentos dos governos em biorrefinarias ainda são bastante modestos, mas crescen- tes, e o setor privado tem acenado com as primeiras iniciativas de pe- so. Só nos resta esperar, agora, que governos e empresas unam-se em torno deste novo paradigma, a exem- plo da maioria dos países desenvol- vidos, detentores de grandes avanços e experiências tecnológicas. Com as vantagens que dispomos, em termos de clima e área agriculturável, certa- mente, estaremos, muito em breve, falando de uma nova disciplina no Brasil: a bioeconomia.

This article is from: