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46, Fernando Carazza
Maria Emilia Antunes de Rezende Diretora da Biocarbo Carvão vegetal: potencialidades por realizar
O Brasil é líder na produção de carvão vegetal, com cerca de 9 mi- lhões de toneladas, no ano de 2006. A produção de metálicos - ferro-gusa, aço e ferro-ligas - absorve mais de 90% deste montante. Para fazer fren- te à crescente demanda mundial por metais, as perspectivas são de dupli- cação da produção de carvão vegetal, nos próximos 10 anos. Em meus 30 anos de atuação no setor, nunca per- cebi cenário tão favorável. Entretan- to, cabe perguntar: O que está sendo feito neste período de bonança, para garantir a sustentabilidade e o cresci- mento dos ganhos futuros?
Nos anos 80, o que mais se escu- tava era que, no Brasil, o uso do car- vão vegetal iria ser inviável e substi- tuído pelo coque, como tinha acon- tecido nos países desenvolvidos. Na esteira deste preconceito, conjugado a um cenário de valorização cambial e de depreciação das commodities, vivemos o pior no início dos anos 90. Empresas líderes trocaram carvão ve- getal pelo coque, cortaram projetos e investimentos e equipes técnicas fo- ram esfaceladas. Reuniões entre empresários e autoridades discutiam outros usos para as florestas de Euca- lipto do estado de Minas Gerais, pois a produção de carvão vegetal iria ser drasticamente reduzida, na visão dos estrategistas daquela época.
Aconteceu o contrário, a produ- ção de carvão vegetal vem crescendo continuamente e não aconteceu sobra de florestas plantadas; elas continuam insuficientes. Tanto que a participa- ção de origem nativa saltou de 1,45 milhão de toneladas em 1987, para 4,2 milhões de toneladas em 2006. Condições para o plantio de florestas passaram a ser o principal pleito dos empresários. As autoridades vêm fa- zendo movimentos nesta direção, se- ja ao disponibilizar linhas de crédito em bancos oficiais, seja ao reprimir e denunciar o uso de madeira de ori- gem nativa não legalizada.
Isto é uma significativa diferença de postura; há anos não escuto nin- guém falando no fim do carvão ve- getal no Brasil. Mas, para um futuro sustentável, isto é pouco. A mesma ignorância dos estrategistas dos anos 90 ainda se faz presente. Não perce- bo ações conjugadas com abordagens sistêmicas, que avaliem e atuem em toda a cadeia produtiva. Plantamos e melhoramos a floresta, mas pouco tem sido feito para melhorar e para modernizar o processo de produção do carvão vegetal.
Com base em trabalhos que estou coordenando, está demonstrado que é possível aumentar a oferta de carvão vegetal em 2,5 milhões de toneladas ao ano, sem enfornar uma única to- nelada de madeira a mais. A atual eficiência na conversão da madeira em carvão é vergonhosamente baixa. Para cada tonelada de madeira isenta de umidade, são obtidos cerca de 220 kg de carvão. Uma meta de 300 kg de carvão é bastante razoável, com a substituição dos fornos tipo raboquente, por fornos de alvenaria me- lhorados, e um programa de difusão de conhecimento e treinamento da mão-de-obra operacional e gerencial. Para os operários, seria uma oportu- nidade de acoplar programas de alfa- betização e inserção social. É muito resultado para pouco investimento, basta disseminar e aplicar conheci- mentos técnicos e gerenciais.
O meu sonho é ver acontecer a modernização, via processos de carbonização, que aperfeiçoem as ativida- des de colheita flo- restal e transporte da madeira e permitam a recuperação de subprodutos, com investimentos moderados. A realidade, com suas inovações, pa- rece ir tomando o lu- gar do sonho. A tec- nologia DPC de car- bonização, já apresenta custo de pro- dução similar ao dos ineficientes for- nos rabo-quente. O principal trunfo é a eficiência, ao produzir 360 kg de car- vão por tonelada de madeira, obtidos com relativa facilidade, em um pro- cesso instrumentado e controlado. Ao carbonizar toras de 6 metros, que são levadas diretamente da floresta ao forno, de forma inteiramente mecani- zada, o processo DPC também reduz custos operacionais e racionaliza a logística da indústria.
Por sua vez, a Biocarbo, empresa piloto, com quase 15 anos de vida, sem investidores e verbas públicas, vem fazendo o P&D possível, com receitas da venda de derivados do be- neficiamento de fumaças condensa- das. Em termos potencias, os núme- ros são grandiosos. Cada tonelada de carvão vegetal pode gerar um barril equivalente de petróleo, na forma do biocombustível alcatrão vegetal. Aos preços atuais do petróleo e tomando o todo da produção brasileira, é um potencial de negócio para mais de um bilhão de dólares. Mas, não é tu- do, outros derivados, como o extrato pirolenhoso, atuam sobre as plantas, como bioestimulante: acelerando o crescimento, auxiliando na absorção de fertilizantes e na maior eficiência de defensivos agrícolas.
Para o Grupo Plantar e outros, a insistência em transformar poluição em produto já dá bons resultados, com a comercialização de créditos de carbono. Na floresta, a maior eficiên- cia na carbonização e a substituição do coque de origem fóssil ajudam a combater o efeito estufa. Grupos com presença mundial percebem que as suas operações com carvão vegetal no Brasil permitem melhorar a face ambiental do negócio siderúrgico, contribuindo para o melhor posicio- namento do seu marketing global.
O tempo passou e o carvão vegetal calou preconceitos, mostrou sua com- petitividade econômica e ambiental e continua a nos convidar para um bai- le de potencialidades. Pessoalmente, tenho participado, com grande pra- zer, apesar de quase sempre “dançar conforme à música”.
Em tempos tão favoráveis, como o atual, a minha expectativa é que a turma de convidados cresça e que possamos, atuando de forma coorde- nada, desenvolver um belo exemplo de entrelaçamento entre siderurgia e floresta, assemelhando este proces- so industrial a uma cadeia alimentar dos processos naturais. Ali, plantas e animais interagem-se, para criar um conjunto harmonioso e sem po- luição; o resíduo de um é o alimento para outro.
Não tenho dúvidas que o uso in- dustrial do carvão vegetal e subpro- dutos seja uma ótima plataforma para esta grande aventura.
Túlio Jardim Raad Gerente de P&D em Carbonização da V&M Florestal Produtos derivados da produção de carvão vegetal: uma nova visão
O Brasil é o único país no mundo que produz, em larga escala, produtos metalúrgicos, utilizando como termorredutor o carvão vegetal. Do ponto de vista ambiental, não se pode con- testar a enorme diferença entre o uso de um insumo totalmente renovável e o uso de recursos de natureza fóssil (coque). A boa notícia é que, desde a última década, esta participação vem aumentando: em 1998, a produção de ferro-gusa foi de 25 Mton, sendo 26% a carvão vegetal e, em 2006, a produção de gusa aumentou para 32,5 Mton, sendo 35% a carvão vegetal, segundo a AMS, Anuário 2007.
Mas, isto não é suficiente. Para cada tonelada de madeira utilizada no processo de produção de carvão, é lançada na atmosfera 0,65 tonelada de gases. Há algumas décadas, pode- ríamos afirmar que, do ponto de vista técnico-econômico, não tínhamos co- mo agregar valor a estes gases, mas, hoje, com as tecnologias atuais dispo- níveis de menor custo e totalmente na- cionalizadas, não temos como fugir da urgente necessidade de avançar nesta questão. Gases que ontem eram resí- duos, hoje são produtos derivados.
Vamos a alguns números básicos: ao utilizarmos uma tonelada de ma- deira (base seca), em processos convencionais de produção de carvão (fornos de alvenaria), temos, atual- mente, com uma carbonização efi- ciente, cerca de 350 kg de carvão ve- getal, 300 kg de água (pirolenhoso), 130 kg de óleo (alcatrão vegetal) e 220 kg de gases (CO 2 , CO, CH 4 ). Quando falamos em produ to de- rivado, temos que falar da tecnologia que o faz como tal e seu respectivo uso comercial. Começamos pela água destilada, denominada pirolenhoso: esta fração é obtida por equipamen
tos que recuperam, dos gases da car- bonização, o líquido condensado, via lavadores de fumaça (mais simples) ou condensadores em série (mais so- fisticados). Considerado como biofertilizante natural de alta performance, o pirolenhoso pode ser empregado na adubação foliar e/ou radicular, no preparo do solo e na aplicação de de- fensivos agrícolas. Resultados positi- vos já foram publicados na literatura para culturas de arroz, cana-de-açú- car, feijão e café.
O segundo produto, o óleo desti- lado (alcatrão vegetal), é recuperado pelas mesmas tecnologias usadas pa- ra o pirolenhoso. Quanto à sua apli- cação, podemos citar, em primeiro lugar, seu uso como combustível, em substituição aos de origem fóssil (pe- tróleo, gás natural e carvão mineral) e para geração de energia (uso em for- nos de produção de cimento ou termogeração, para produção de eletri- cidade). Deste óleo, utilizando-se de destiladores apropriados, podemos ainda produzir plásticos e resinas, ligantes e aglomerantes, medicamen- tos para a saúde animal, aromatizan- tes para uso alimentício e outros em desenvolvimento.
O terceiro produto são os gases não condensáveis. Através de quei- madores, já disponíveis no mercado, é possível queimar os gases combustí- veis não condensáveis (monóxido de carbono, CO, e metano, CH 4 ), para, em conjunto com geradores de vapor e turbina, produzir eletricidade. Não podemos esquecer aqui a importante contribuição deste processo para a re- dução do efeito estufa.
O Brasil consome, anualmente, cerca de 9 milhões de toneladas de carvão vegetal. Assim, o potencial anual de produção dos derivados é de: 7,7 Mton de pirolenhoso, 3,3 Mton de óleo destilado e 5,7 Mton de gases GNC. A tabela em destaque estima os termos de faturamento, por mercado potencial.
Com o preço do carvão, em mé- dia, a R$ 500/ton (base 2007), temse, anualmente, R$ 4,5 bilhões para este produto, versus o potencial de faturamento dos derivados, com cer- ca de R$ 2,5 bilhões, uma expressiva fatia de 56%, em relação à base do mercado de carvão vegetal. Falamos de bilhões de reais, mas não podemos esquecer dos milhares de empregos. Segundo a AMS, somando-se empre- gos diretos, indiretos e fator renda, temos quase 700 mil trabalhadores beneficiados pelo setor de produção de carvão vegetal. Bem, com os in- vestimentos necessários e mobili- zação dos setores da sociedade para assimilar os produtos “verdes” não será exagero estimar que este núme- ro passe da casa do milhão de traba- lhadores. É sempre bom lembrar dos resultados deste empreendimento no aumento da fixação do homem no campo e da melhoria correspondente do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, nas diversas regiões dis- tantes dos grandes centros urbanos. Dados da Fundação João Pinheiro e IPEA mostram que, de 1990 a 2001, o crescimento percentual médio do IDH de diversas cidades do Vale do Jequitinhonha (grande pólo de pro- dução de carvão vegetal) foi de 17%, contra 11% do estado de Minas Ge- rais e 6% de Belo Horizonte.
Neste cenário promissor, temos que destacar que grandes empresas produtoras de carvão vegetal, prin- cipalmente em MG, onde 60% dos insumos são produzidos, já vêm se mobilizando para recuperar o tempo perdido e partir para uma nova era de aproveitamento da biomassa. A solu- ção para o sucesso deste empreendi- mento já está escrita: repetir o mode- lo adotado por estas empresas, que se uniram já, há algumas décadas, para desenvolver, em conjunto, o parque florestal de alta produtividade e de invejável processo tecnológico, total- mente nacional, que temos hoje. 49