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Comitês de Bacias: base democrática e local

Estruturas fundamentais para que a Cogerh exerça sua missão com sucesso são os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) do Estado. Pela Lei Estadual nº 14.844/2010, os CBHs são “entes regionais de gestão de recursos hídricos com funções consultivas e deliberativas”, vinculados ao Conselho de Recursos Hídricos do Ceará (Conerh). É a instância fundamental para execução dos princípios de participação e integração do planejamento e das iniciativas da gestão de águas. As competências previstas são:

1. promover o debate de questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação com entidades interessadas;

2. propor a elaboração e aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica; 3. arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; 4. fornecer subsídios para a elaboração do relatório anual sobre a situação dos recursos hídricos da bacia hidrográfica; 5. acompanhar a implementação do plano de recursos hídricos da bacia hidrográfica e sugerir providências para cumprimento das metas;

6. propor ao Conselho de Recursos Hídricos do Ceará, critérios e mecanismos a serem utilizados na cobrança pelo uso de recursos hídricos, e sugerir os valores a serem cobrados; 7. estabelecer os critérios para o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo;

8. propor ao Conerh programas e projetos a serem executados com recursos oriundos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos;

9. constituir comissões específicas e câmaras técnicas diante de questões necessárias;

10. acompanhar a aplicação dos recursos advindos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos;

11. aprovar a proposta de enquadramento de corpos d’água em classes de uso preponderante das Bacias Hidrográficas.

Ainda pela lei, a composição dos comitês deve observar uma proporção de participantes: 30% de usuários de água bruta da bacia, 30% de representantes de organizações civis de recursos hídricos; 20% de representantes de órgãos estaduais e federais e 20% de integrantes dos Poderes Públicos Municipais localizados na bacia respectiva. Em alguns casos, há municípios com participação em mais de um comitê.

Quando o território de um CBH abrange terras indígenas ou quilombolas é obrigatória a inclusão de representante dessas comunidades. A quantidade de membros por comitê é variável, mas a proporção de representação de setores deve ser preservada. Pelo regimento interno, os integrantes têm permanência prevista no comitê por quatro anos, sendo todos aptos a candidatura aos cargos de diretoria, cujo mandato é de dois anos. As assembleias são públicas, com poder de voto para cada membro.

Aliás, a estrutura de composição do colegiado, que dá maior proporção aos usuários e à sociedade civil, constitui um diferenciado Ceará diante de outros estados que priorizam estabelecer uma proporção de 40% das vagas para representantes do Poder Público, limite estabelecido na lei federal. Cada comitê se configura como um fórum para articular todos os aspectos relacionados não apenas à disponibilidade de água, mas de conservação dos recursos através de diversas medidas e reivindicação de melhorias. Deve funcionar como um organismo basilar para garantir a sustentabilidade local.

“Os comitês são importantes, pois são um espaço de negociação social participativa, que permite a sociedade participar da discussão, formulação de propostas e intervenção na política de gestão dos recursos hídricos”, defende Flaviana Guimarães de Lima, representante do Instituto Regional de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (IRDSS) e presidente do Comitê da Bacia do Médio Jaguaribe.

João Lúcio Farias, presidente da Cogerh, relata um fenômeno provocado pelo desenho dos Comitês de Bacias: “Eles começaram a conhecer a sua bacia, começaram a conhecer seu açude… Tinha gente que estava na parte mais à jusante, mais abaixo do reservatório, que não conhecia os problemas da pessoa que está lá do lado do reservatório tem, porque quando baixa o reservatório aqueles ribeirinhos, os vazanteiros, começam a ter problemas de afastamento da água, portanto dificultando a sua atividade, e quem está lá embaixo quer água para as suas atividades (…) Usavam a água, mas não tinham conhecimento das necessidades dos outros”.

O processo para começar a implementar os CBHs no Estado começou em 1994, junto com a configuração da Cogerh. A experiência foi inaugurada com o Comitê da Bacia do Curu, no Norte do Ceará, instituído em 17 de setembro de 1997. O êxito da instalação desse comitê guiou o desenho dos outros

“OS COMITÊS SÃO IMPORTANTES, POIS SÃO UM ESPAÇO DE NEGOCIAÇÃO SOCIAL PARTICIPATIVA, QUE PERMITE A SOCIEDADE PARTICIPAR DA DISCUSSÃO, FORMULAÇÃO DE PROPOSTAS E INTERVENÇÃO NA POLÍTICA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS”

FLAVIANA GUIMARÃES DE LIMA

A ÁGUA É UM BEM PÚBLICO, GERIDO PELO ESTADO, MAS CUJA ADMINISTRAÇÃO, NESSE MODELO, SE SUSTENTA SOBRE EXERCÍCIOS DEMOCRÁTICOS CONFORME A DEMANDA DE CADA TERRITÓRIO.

estruturados desde então. “Se era pra liberar um tanto de água para determinados usos nós fazíamos todo um trabalho de acompanhamento, de ir lá medir trechos do rio, saber se aquela água estava chegando em cada comunidade. Passou a ser uma prática da Cogerh. E quando eles (usuários) queriam ir junto, podiam acompanhar. Isso criou uma cultura interessante que os usuários ligavam pra Cogerh. Não tínhamos as gerências regionais que hoje nós temos (oito) e ligavam pra cá (sede, em Fortaleza): ‘Olha, a água está sendo consumida por alguém porque não está chegando aqui”. O pessoal passou a ser fiscal do uso da água”, rememora João Lúcio Farias.

A metodologia para a formação dos colegiados, desenvolvida pela Cogerh para integrar as ações para o apoio a organização dos usuários, funciona com três níveis de atuação: açude, vale perenizado e bacia hidrográfica. No caso do Curu e de outras três bacias (Baixo Jaguaribe, Médio Jaguaribe e Acaraú), a formação dos respectivos comitês teve como ponto de partida a operação participativa dos vales perenizados. “Na época, nós criamos uma comissão permanente de usuários do Vale do Jaguaribe. Era uma grande comissão, formada pela sociedade civil, pelo poder municipal, pelos órgãos estaduais e federais que tinham atuação na Bacia do Jaguaribe. Então, essa comissão foi o início de um processo de gerenciamento compartilhado, com participação social. Iam os prefeitos, vereadores, sociedade civil, sindicatos, associações, federações…”, conta João Lúcio Farias.

A água é um bem público, gerido pelo Estado, mas cuja administração, nesse modelo, se sustenta sobre exercícios democráticos conforme a demanda de cada território. E, além de ofertar ferramentas para a tomada de decisão, a Companhia assume a tarefa de prestar contas da execução do que foi combinado.

Maria Luisa Soares, secretária de Agronegócios, Irrigação, Desenvolvimento Econômico e Pesca de Acaraú e presidente do Comitê da Bacia do Litoral, define a Cogerh como uma parceira fundamental: “Sem ela não existiria nada. É uma companhia que se destaca no Brasil inteiro e serve de modelo. Nós temos aqui o monitoramento em tempo real, é feito todo um trabalho com muita responsabilidade, muito critério, sabemos exatamente quanto tem de água, quantos metros cúbicos se pode liberar durante o ano, já vendo a previsão do próximo ano, com mais chuva, menos chuva”.

CRÉDITO: FÁBIO LIMA/ O POVO

Com participações e interesses tão distintos reunidos num fórum, os impasses surgem. E muitas vezes são resolvidos no CBH, que é a primeira instância para solução de conflitos de água. “Somos, no comitê, 30 pessoas. Já tivemos reuniões com 400, 500 pessoas, vários segmentos se organizando, tentando de toda forma interferir para que a gente escancarasse (a vazão), mas decidimos democraticamente, no voto, na discussão. Conseguimos garantir uma liberação de vazão dentro da nossa realidade, da necessidade de poupar, de economizar, de segurar para ter mais na frente. Muito bonito, muito importante o exercício da democracia, a gente resolvendo no debate, no diálogo, na defesa de direito”, narra Jaime Gomes da Fonseca Filho, secretário-adjunto de infraestrutura de São Benedito e presidente do Comitê da Bacia da Serra da Ibiapaba.

Esse, junto com o Comitê dos Sertões de Crateús, foi o último a ser criado no Ceará, em função de ser abastecido por um rio federal (Poti), que atravessa ao Piauí. “A gente tinha essa limitação, não sabia se podia fazer, se não podia, porque está dentro da grande bacia do (rio) Parnaíba, né? Se o Governo Federal iria tomar alguma iniciativa de criar um grande comitê da bacia do Parnaíba, que hoje está criando. Então, nessa dúvida, demorou o gerenciamento local dos reservatórios e não avançava na gestão da bacia em função dessa limitação. De certa forma, as bacias de rios estaduais foram mais rápidas do ponto de vista de organizar o gerenciamento e, portanto, a gestão dos recursos hídricos”, conta João Lúcio Farias.

Além de integrar o organograma do Sigerh, os Comitês têm um espaço à parte, que é o Fórum Cearense de Comitês de Bacias Hidrográficas (FCCBHs), que tem a missão de formular e articular políticas públicas de recursos hídricos em âmbito municipal, estadual e nacional. O objetivo é fortalecer os Comitês de Bacias Hidrográficas. Esse colegiado, que reúne representantes dos 12 CBHs do Ceará também tem papel importante na participação e articulação junto ao Fórum Nacional, vinculado à Agência Nacional de Águas (ANA).

Além dos Comitês de Bacias, outras instâncias compõem a engrenagem de gestão participativa, descentralizada e integrativa, como as Comissões Gestoras de Sistema Hídrico, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e as Gerências Regionais da Cogerh.

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