Dezembro de 2021 • Ano 02 • Nº 18 • R$ 15,99
2021 O QUE PERDEMOS O QUE GANHAMOS Do garimpo ilegal em um dos maiores rios da Amazônia à vacina contra a ignorância no país do ‘Kit Covid’
Ou nós salvamos a Amazônia agora, ou ela nunca mais vai nos salvar. A Amazônia nos salva da falta de biodiversidade, da seca, das mudanças climáticas e até da fome. Duvida? Pois a floresta é a casa de milhões de espécies, protege as nascentes dos rios, ajuda a estabilizar o clima e a irrigar as plantações de alimentos do Centro-Sul. Porém, a Amazônia nunca esteve tão ameaçada. O desmatamento está batendo recordes. O Greenpeace Brasil está lutando para manter a floresta em pé há mais de 20 anos, monitorando o desmatamento,
© Valdemir Cunha / Greenpeace
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Entre perdas e ganhos, o caminho
A luta para retomar o controle econômico com a chegada da vacina em meio à recessão financeira sob um cenário de alto índice inflacionário e a preocupação de manter ou aumentar os próprios rendimentos nos fez esquecer que há perdas que são incalculáveis.
O ano que se encerra, o segundo da pandemia de Covid-19, pode ser considerado um dos piores da nossa história recente. Já vítima do desleixo governamental, a saúde pública brasileira colapsou, com muito mais gente adoecendo do que se esperava numa situação emergencial como essa – cenário influenciado diretamente por ataques de Jair Bolsonaro (PL) e sua campanha de boicotes às recomendações da ciência.
Imagens de meninos e meninas semelhantes às retratadas em documentários em regiões miseráveis do continente africano e que, um dia, nos pareceram pertencer a uma realidade distante, mas que, agora, estão a quilômetros de nossas casas e, mesmo com a proximidade, estamos imóveis diante de um verdadeiro genocídio de parte de nossa ancestralidade.
Editor-Executivo – TV Cenarium Gabriel Abreu
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Dignidade, uma perda incalculável
No segundo semestre deste ano, assistimos a imagens de uma realidade que, para humanos normais, deixarão marcas profundas diante das trágicas características que envolvem crianças, indígenas, subnutridas e com olhares perdidos. Falamos da tragédia do povo Yanomami no Estado de Roraima.
Editores-Executivos – On-line Luís Henrique Oliveira
Fotojornalismo Ricardo Oliveira Arlesson Sicsú
Editorial
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Embora tenha virado pauta de um programa de grande repercussão nacional, a situação das crianças Yanomamis, em Roraima, permanece sem solução, ainda que haja pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando providências do governo federal. São famílias inteiras reféns de garimpeiros e da omissão de gestores, como o governador Antônio Denarium (PSL) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). A região Yanomami tem 9 milhões de hectares e abrange os Estados de Roraima e Amazonas. São 30 mil indígenas que habitam a extensa área dentro da floresta amazônica contra mais de 20 mil garimpeiros ilegais que atuam sob uma espécie de “licença política”. Em maio deste ano, uma imagem rodou o mundo e se tornou um retrato da realidade da crise sanitária que atinge o povo Yanomami. Na aldeia Maimasi, uma criança deitada em uma rede escura estava tão magra que era possível ver as suas costelas. A menina tinha 8 anos e pesava apenas 12,5 quilos — o peso mínimo normal para a idade seria de 20 quilos — acometida por malária, pneumonia, verminose e desnutrição. Telespectadores deste cenário, finalizamos o ano, ainda, inertes. O escritor Franz Kafka (1883-1924) escreveu que: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”. Kafka retratava a alienação do homem do século passado, mas, caso nos visse hoje, nos atestaria como piores que os primatas.
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O País também sofreu com outras investidas do presidente, que, seja com ações concretas ou simbólicas, ajudaram a agravar problemas históricos, como a desigualdade, o desrespeito às populações indígenas e ao meio ambiente. Refém dessa anomalia sociopolítica, a crise sanitária culminou numa segunda onda devastadora da Covid-19 e, ao longo de 2021, vimos mais de 380 mil pessoas morrerem no Brasil. Insuflados pelo ambiente político mais que favorável, assistimos garimpeiros desafiarem as autoridades e invadirem um trecho do Rio Madeira vizinho à maior cidade da Amazônia. Nas áreas urbanas, custo de vida impraticável e precarização das relações de trabalho (quando há!). Nas Terras Indígenas, crianças Yanomamis desnutridas. Em meio a esse caos político, econômico, social e ambiental, coube ao jornalismo, também alvo de ataques, reportar, contextualizar e analisar tudo isso, oferecendo à população um serviço público fundamental para a reflexão, discussão e tomadas de decisão nos mais diversos níveis e esferas. Nesta última edição de 2021, que edito de forma excepcional, a CENARIUM traz um balanço do ano, destacando alguns dos temas tratados em outras edições. E, seguindo a premissa de que toda experiência (mesmo as ruins) deixa aprendizados e serve de motor para transformações, fizemos um exercício de listar vitórias conquistadas, apesar dos pesares, como a descoberta de vacinas contra o coronavírus. Nesse ano difícil, pela primeira vez, vimos a indústria da desinformação sofrer reveses importantes. Boa notícia para o jornalismo profissional, pilar fundamental da nossa combalida democracia, que necessita urgentemente ser fortalecida. A CENARIUM deu sua contribuição nesse sentido. Ao longo de 2021, a revista apresentou aos leitores todas essas problemáticas que afetam os brasileiros e, principalmente, os amazônidas. Deu espaço às vozes, por vezes, silenciadas e questionou o poder opressor. E sigamos rumo a 2022 neste caminho, lutando e sem esmorecer!
Luciano Falbo Editor-Executivo substituto
Sumário
Leitor&Leitora
Dezembro de 2021 • Ano 02 • Nº 18
💬 Punição aos responsáveis Eu espero que esse governo receba toda a punição possível devido ao que foi feito contra o povo brasileiro, em especial contra o Amazonas. Matheus Prado São Paulo/SP
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💬 Resgate das raízes amazônicas Eu gosto de acompanhar a REVISTA CENARIUM porque ela resgatou o valor das nossas raízes enquanto caboclos, indígenas, ribeirinhos. Espero que o trabalho continue.
► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Governo do AM vai turbinar o Bolsa Floresta.....................08
Ladeira abaixo.........................................................................38
Jarderson Viana
Manejar é preciso....................................................................10
Anori/ AM
Saúde em colapso...................................................................42
Mais calor, mais raios ............................................................14
► ARTIGO – ANDRÉ ZOGAHIB Mesmo com a pandemia, AmazonPrev avança .................15
► CENARIUM+CIÊNCIA Alternativa alimentar .............................................................16
💬 Esperança de dias melhores
💬 Defesa contra a perseguição étnica
Ler a reportagem Vozes da Amazônia me trouxe esperança em dias melhores, quando as vozes das pessoas que aqui vivem ganharão espaço nacional e internacional em busca de melhorias e proteção para nosso povo.
Fico feliz de ver uma revista falar e defender os indígenas como nunca antes foi feito. Essa perseguição étnica sempre existiu e a diferença é que, agora, está nos holofotes.
Natália Campos
Rio de Janeiro/RJ
Manaus-AM
Luis Gonzaga
► PODER & INSTITUIÇÕES Bolsonarismo ‘expulsa’ liberais do PL..................................18
Recordes de desmatamento...................................................46 Indígenas têm vez e voz.........................................................50 A política que causa repulsa..................................................51 Desnutrição Yanomami.........................................................54 Retomada à vista.....................................................................56 Luzes que não se apagam......................................................58
TCE se reinventa......................................................................22
Punidas por ‘saberem demais’...............................................60
‘Pacotão’ beneficia servidores................................................24
► ARTIGO – TENÓRIO TELLES O que ganhamos e perdemos em 2021................................25
► ECONOMIA & SOCIEDADE O QUE GANHAMOS E PERDEMOS EM 2021 2021 – Da vacina à sobrevivência.........................................28
💬 E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573
Rede de saúde sai fortalecida.................................................44
Inexperiência preocupante....................................................20
Coluna Via Brasília ................................................................26
💬 MANDE SUA MENSAGEM
Descoberta da vacina..............................................................36
► ENTRETENIMENTO & CULTURA Tradição valorizada.................................................................62
► ARTIGO – PAULA LITAIFF A culpa é quase sempre ‘dela’ ...............................................65
► DIVERSIDADE
Rio Madeira: esperança e tragédia.........................................30
Combate à gordofobia...........................................................66
Cenas da busca pelo ouro......................................................34
Medo diário de importunadores...........................................68
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Ricardo Oliveira
Eduardo Taveira concedeu entrevista à CENARIUM
Governo do AM vai turbinar o Bolsa Floresta
cadeias produtivas. Eles estão dispostos a financiar esse cenário de transição e colocar recursos que a gente chama de Reddness, como se fossem compromissos assumidos até que o Estado possa reformular com novos créditos de carbono”, enfatizou ainda. O secretário da Sema não falou de valores, mas disse que os resultados da ida à COP26 foram satisfatórios, na viagem que ele considerou como “missão cumprida”. Crédito: Mário Vilela | Funai
Ao fazer balanço da participação do Amazonas na COP26, secretário de Meio Ambiente anuncia aumento no valor pago pelo programa e no número de pessoas beneficiadas Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O governo do Estado vai aumentar o valor pago pelo Bolsa Floresta no ano que vem e ampliar o número de pessoas beneficiadas. A informação foi dada pelo secretário de Meio Ambiente do Amazonas (Sema), Eduardo Taveira, em entrevista à CENARIUM.
e um dos condicionantes para liberar o crédito são os compromissos ambientais que o Estado apresentou, “inclusive um deles foi o aumento do Bolsa Floresta”, disse. “Até ano que vem, o governador vai fazer um anúncio do Bolsa Floresta, que a gente está chamando de Bolsa Floresta +”, destacou.
Ele avalia que o desenvolvimento de políticas públicas para a redução de emissões de gases e enfrentamento às mudanças climáticas realizados pelo Amazonas, junto com a presença do Estado na COP26, traz visibilidade e aumenta a possibilidade de investimentos e financiamento de grandes empresas em projetos ambientais.
Turbinado, o programa será “uma recompensa efetiva para que moradores de comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhos, que cuidam da floresta, sejam remunerados com essa iniciativa”, segundo Taveira.
Taveira representou o governador Wilson Lima na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) e, na entrevista, fez balanço da participação do Amazonas no evento internacional, que aconteceu em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro.
“Nós vimos uma oportunidade muito grande, em especial empresas do setor de energia que procuraram o Estado do Amazonas para saber como a gente pode, a partir dos resultados que a gente tem de redução, ser recompensado e poder ampliar o pagamento do Programa Bolsa Floresta, inclusive, aumentando o valor da
O secretário explicou que o governo pediu um empréstimo do Banco Mundial 08
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bolsa e a quantidade de pessoas beneficiadas”, defendeu o secretário. “Por outro lado, os investidores sabem que o Governo do Amazonas tem investido no combate a essas ilegalidades [os crimes ambientais] e tem investido também em
O reconhecimento do Amazonas e de outros Estados da Amazônia Legal brasileira no enfrentamento a crimes ambientais foi destaque no evento. Taveira salientou como é importante que o Amazonas, por causa da sua agenda climática, esteja representado nesses lugares de debate.
“O governador Wilson Lima tem insistido para que a gente encontre soluções para que a floresta em pé e o manejo florestal também gerem riquezas, para que a população indígena e ribeirinha ascenda também, supere a pobreza, que ainda é prevalente em nossa região”, destacou.
Desafios e ações do governo Entre os desafios enfrentados pelo governo estadual, Eduardo Taveira pontua duas situações centralizadas no sul do Amazonas, com o avanço do desmatamento ilegal na fronteira do Estado com o Pará, Rondônia e Mato Grosso. “A gente tem uma condição muito peculiar no sul do Estado, que 90% da área são áreas federais, sejam glebas, assentamentos, unidades de conservação… a gente precisa muito que o Incra [Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária] estabeleça um processo de regularização fundiária naquela localização, para que a gente possa monitorar e fiscalizar melhor”, disse Taveira. “Mas, o Amazonas já tem um trabalho de maneira efetiva. Aumentamos a contratação de assistência técnica ambiental. A Secretaria de Produção Rural tem se engajado para dar uma orientação a produtores para que haja um aumento de produtividade, com redução de impacto ambiental”, finalizou o secretário.
Crédito: ISA reprodução
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MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Manejar é preciso Na região do Purus, apesar da necessidade de mais apoio financeiro e da constante ameaça de ‘invasores’, pescadores se organizam para realizar o manejo sustentável do peixe
REVISTA CENARIUM
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DS PIAGAÇU-PURUS (AM) – Na região do Rio Purus, não há gado e pouco se come carne vermelha. Mas, tem peixe grande. É lá que reside o maior deles: o pirarucu (Arapaima gigas), também chamado pelos ribeirinhos de “rei dos rios”. É preciso fazer uma longa viagem pelas curvas do Purus até seus lagos. Para chegar à morada do grande peixe, temos que furar os varadores mata adentro. O gigante vêr-se brincando de pular e mostrar sua cauda colorida em vermelho chamariz e, ao nos avistar, encabulado, se refugia no capinzal. No período de manejo da pesca, de agosto a novembro, a Associação dos Manejadores da Reserva Piagaçu-Purus (AMEPP) realiza as viagens pelas áreas de pesca, e os diversos lagos e paranás são
explorados pelos manejadores “setoristas” – cada um tem suas comunidades e sua organização para a grande pesca. Subindo o rio, a ordem dos setores se dá logo na entrada Cauacuianã, Itapuru, Ayapuá cabeceira, Arumã, Paraná do Macaco, sendo Supiá Redenção o último.O barco de madeira Promessa de Deus, com forma que lembra um charuto, durante dez dias é a casa da diretoria da AMEPP. Vai deslizando por diversos paranás e lagos, até o encontro com os outros manejadores que lá se encontram. No percurso, como “pano de fundo”, a fauna com mergulhões, biguatingas, jacarés, macacos e tantos outros. A região abriga a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (RDS), Unidade de Conservação (UC) do
Crédito: Ricardo Oliveira
Ricardo Oliveira – Da Revista Cenarium
O peixe, com mais de 100 quilos, é transportado nas costas pelos mais jovens 10
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MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
São vastas áreas de floresta de terra firme contendo castanhais e uma variedade de ambientes alagáveis de diferentes origens. As ricas várzeas do Solimões e Purus abrangem diversos lagos, que ocupam 44% da reserva. A região tem alta diversidade biológica, elevada produtividade e grande importância econômica proveniente de seus recursos naturais. O Paraná do Macaco é um complexo de 28 lagos dentro da área de manejo, e são os moradores da comunidade de São Sebastião e São Pedro que, logo nas primeiras horas, se engalfinham – homens e mulheres – nos varadores mata adentro até o grande lago Parí. Bem mais presentes que nos anos anteriores, as mulheres ficam com a missão de
limpar o terreno para levantar as lonas e preparar o fogo para o acampamento de apoio e preparação do almoço. Os homens se dividem para a grande pesca com malhadeiras e canoas a postos. “O pirarucu é um peixe muito esperto. Ele sabe que vai ser capturado e se embrenha no capinzal para não ser pego”, diz Abel Aquino, de 67 anos. Para o pescador Francisco da Silva, de 54 anos, o manejo do pirarucu é uma libertação do homem ribeirinho. “Antes, era ilegal a pesca, e tinha uma escassez. O manejo evita que nossos filhos migrem para a cidade”. São esses jovens manejadores que, no final do dia, ficam com a missão de levar nas costas o grande peixe já capturado para o flutuante, onde será limpo e congelado para o transporte até a cidade de Manacapuru e, de lá, para Manaus. A RDS Piagaçu-Purus pode ser considerada um exemplo de coletividade para a subsistência. Numa pequena canoa e com muita técnica o ribeirinho captura o peixe grande
Crédito: Ricardo Oliveira
Estado do Amazonas, localizada entre os rios Purus-Madeira e Purus-Juruá, inserida em um mosaico de áreas protegidas de, aproximadamente, 2 milhões de hectares e criada em 2003, por meio do decreto estadual 23.723.
REVISTA CENARIUM
Associação precisa de apoio financeiro
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O manejo do pirarucu é uma libertação do homem ribeirinho”
Atualmente, a AMEPP conta com 300 manejadores vinculados à associação, segundo o presidente José Mello. “Aqui, procuramos nos fortalecer como categoria”, afirma Antônio Souza, vice-presidente. Segundo ele, os jovens das comunidades procuram a associação em busca de trabalho. “O trabalho do manejo começa logo em janeiro e se estende até o final de cada ano. Nós ensinamos o jovem aprendiz com prática e conhecimento dos mais experientes, que orientam como se realiza a contagem dos peixes”, diz.
Francisco Silva, pescador.
Uma das reinvindicações da AMEPP é obter ajuda financeira mensal para os manejadores. “Quando o manejo começa em janeiro é porque já temos que localizar os lagos e realizar a contagem para a grande pesca, que se inicia em meados de agosto. O pescador cai em campo logo no início do ano e deixa a família em casa durante esse período. O manejo evitou a escassez não somente do pirarucu, mas do tambaqui e das tartarugas e tracajás”, explica Souza.
Vigilância contra a ameaça de invasores
Leandro relata o trabalho em parceria para evitar invasões e conflitos. “Aqui, acontece ataque de invasores, estamos para evitar e também orientar. A gente nunca pode ficar só; como é um trabalho
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de vigilância, a gente trabalha sete dias por semana, no decorrer de 35 dias de uma vigilância para outra e, com meu parceiro, vamos um ajudando o outro”. O pescador manejador Francisco Freitas da Silva, 40 anos, conta que, nesses anos de manejo, quando “seca o peixe”, ficam no lago tambaquis, pirarucus e tracajás. Segundo ele, é uma facilidade para os infratores, situação que aumenta a cada ano. “Nós aqui chamamos de invasor, porque tiraram as malhadeiras do nosso povo, usam até nome de facção. Nós somos pais de família, não temos armamento e pedimos ajuda, porque eles
chegaram com armas e nós tivemos que entregar”. Francisco conta que eram 12 “invasores” contra nove do pessoal dele. “E disseram que tinham mais 14 em outro canto. Isso fora os que estavam em outros lagos. Eles foram na nossa área de proteção e ninguém sabe quantas tartarugas levaram, fizeram uma farra lá. Então, a gente, nesse momento, fica de mão atadas. O setor pede mais segurança. Daqui a pouco, vamos ter autorização e não vamos ter peixe para tirar. Esses invasores metem medo na gente. Não há polícia. Não tem forças armadas. Estamos sós”, lamentou.
Crédito: Ricardo Oliveira
É na base flutuante de vigilância que o barco Promessa de Deus atraca quando adentra o paraná na entrada do setor Cauacuianã – área de pesca com mais de 200 lagos, do qual fazem parte as comunidades do Cauã e Cuianã. O vigilante Leandro Silva, 24 anos, dá as boas-vindas. “Eu fico aqui na vigilância porque nosso trabalho é voltado para conter as invasões dentro do nosso setor”.
Na plenitude do lago, o pescador e seu troféu 13
ARTIGO – ANDRÉ ZOGAHIB
Mais calor, mais raios Por causa das mudanças climáticas, pesquisa mostra que a incidência de raios na Amazônia deve aumentar 50%
Aqui, eles caem no mesmo lugar O Brasil é o lugar do mundo onde os raios sempre caem no mesmo lugar, mais de uma vez. Com 70 milhões de raios por ano, é o país mais atingido da Terra. Em função das mudanças climáticas, esse número subirá para uma média de mais de 100 milhões de raios por ano, até o fim do século, segundo os especialistas. A força dos raios no País está registrada nos recordes oficiais da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que reconheceu como o raio mais longo do mundo o que cobriu uma distância horizontal de 709 quilômetros, no Rio Grande do Sul, em 31 de outubro de 2018.
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*
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ANAUS (AM) – As mudanças climáticas devem aumentar em cerca de 50% a ocorrência de raios apenas na Amazônia, região que já é o lugar com o maior número de descargas elétricas do Brasil, até o fim do século. Os pesquisadores Osmar Pinto Junior e Iara Cardoso, do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no livro “Brasil: campeão mundial de raios”, apontam que o aumento implicará no equilíbrio da floresta, telecomunicações e, até mesmo, nas redes de energia. A localidade mais afetada por raios, em todo o País, fica no Amazonas, mais especificamente nas imediações de Manaus. Segundo o estudo, a Região Nordeste também deve sofrer um aumento de 10%, além das demais regiões brasileiras que vão registrar aumento entre 20% e 40% na ocorrência de raios. Para fazer as projeções, os cientistas se basearam nas análises dos 12 principais modelos climáticos globais. O aumento no número de dias de tempestade, por grau de aumento na tempe-
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ratura no Hemisfério Sul, é de 35%. A temperatura do planeta aumentou 1,18ºC, desde o fim do século XIX, com a maior parte do aumento concentrada a partir de 1970, sendo os últimos sete anos os mais quentes já registrados. A pesquisa mostra que a maior parte dos raios que atinge a superfície cai nas florestas tropicais e os raios fazem parte da dinâmica das florestas, pois influenciam o volume de biomassa e a estrutura das matas. “Todos os modelos indicam a mesma tendência: mais calor e, consequentemente, mais tempestades e raios”, afirmou Osmar Pinto Jr. ao jornal O Globo.
IMPACTOS O aumento da incidência de raios impacta diretamente nos desligamentos das linhas de transmissão e de redes de distribuição de energia. Atualmente, os pesquisadores estimam que 70% e 40% desses eventos, respectivamente, são causados por raios e alertam que “os prejuízos aumentarão, caso medidas de prevenção de acidentes não sejam tomadas”. O mesmo
pode acontecer com as mortes — em torno de 100 por ano. “Um raio pode incinerar uma árvore, mas o fogo não se espalha, porque a floresta é muito úmida. As árvores mortas abrem espaço para que outras se desenvolvam. Porém, se cair um número maior de raios do que a floresta pode suportar, esse equilíbrio é rompido”. *Com informações do Infoglobo
Floresta ‘eletrizada’ Com tempestades frequentes, a Amazônia não fica mais de três ou quatro dias sem descargas elétricas. Análises de dados de satélites revelaram que uma área de cerca de 25 km², a cerca de 100 quilômetros de distância da capital amazonense, às margens do Rio Negro, é a localidade mais afetada de todo o País: esse fragmento de floresta é atingido por raios 250 dias por ano.
Mesmo com a pandemia, AmazonPrev avança * André Zogahib
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ercado de desafios, o ano de 2021 é, sem dúvida, um ano onde todos nós estamos tentando nos adaptar ao novo “normal”, bem distante dos hábitos do passado. Após um período conturbado, no qual enfrentamos, sem proteção alguma, um vírus mortal, agora conseguimos lutar e conscientizar as pessoas através de uma intensa campanha de vacinação contra a Covid-19. Assim como as demais empresas e instituições, a Fundação do Estado do Amazonas (AmazonPrev) continuou exercendo seu papel enquanto administração pública ofertando ininterruptamente serviços à população. A instituição é a única gestora de previdência do Estado, prezando por um atendimento de qualidade, desde 2001. Ao longo dos 20 anos de intensa atuação, a AmazonPrev traçou o caminho ascendente na administração pública, contemplando análise dos problemas, planejamento das ações e acompanhamento da execução por técnicos qualificados para as tarefas. O cumprimento das metas trouxe retorno positivo tanto para servidores quanto para funcionários da instituição, como a recertificação da norma ISO 9001, a implementação do Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações (PCCR) dos servidores e a ratificação do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) junto ao governo federal, que confirma a solidez e a segurança financeira do regime previdenciário amazonense.
Driblando as adversidades do início do ano, conseguimos manter o reconhecimento da Associação Brasileira de Instituições de Previdência Estaduais e Municipais (Abipem) ficando em primeiro lugar no Prêmio Destaque Brasil de Responsabilidade Previdenciária 2021. Permanecendo na mesma posição pelo terceiro ano consecutivo, é nítido o comprometimento dos servidores da instituição em manter um padrão sólido e eficiente na gestão. Ter esse reconhecimento após um ano cheio de desafios nos mostra que é possível continuar proporcionando um bom funcionamento da entidade, seguindo os critérios exigidos, como transparência, equilíbrio e conformidades. A administração pública continuou atuando e prestando atendimento aos servidores que precisavam de atenção básica, por meio de programas ou concessão de benefícios. Outra importante vitória alcançada neste ano está relacionada à apresentação do balanço financeiro da AmazonPrev. A empresa Actuarial Assessoria e Consultoria Atuarial (Paraná) avaliou a instituição do Amazonas como a mais consolidada entre as demais instituições de outros Estados, refletindo o trabalho integrado satisfatório entre diretores e colaboradores. Mudanças estruturais também foram realizadas no último ano, por conta da pan-
Crédito: Divulgação
Brasil é o ‘campeão mundial’ em incidência de raios
Crédito: Marcelo Casal Jr | Agência Brasil
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
demia. Com o alto risco de contaminação por contato direto e indireto, serviços foram disponibilizados via web, como a solicitação de pensão por morte. O que antes era feito de forma presencial, agora pode ser requerido via internet, de forma prática e simples. O investimento no atendimento virtual passou a ser prioridade por conta da segurança sanitária. Não conseguirei citar todos os avanços alcançados em 2021, mas posso garantir que estamos trabalhando para alavancar, cada vez, mais o setor previdenciário no Estado, sendo por meio de parcerias ou reuniões técnicas. Estamos concluindo o ano de 2021 com o sentimento de dever cumprido; no entanto, já estamos projetando programas que irão abranger de forma mais completa e eficiente os agentes públicos que precisam da AmazonPrev. Assim como os demais diretores e colaboradores, iremos usar todo o nosso conhecimento que agregamos ao longo de nossas carreiras para proporcionar o melhor gerenciamento da instituição pública. (*) O autor é diretor-presidente do Sistema Previdenciário do Amazonas (Amazonprev) e professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), tem doutorado em Administração Pública, e é graduado em Administração de Empresas e em Direito. 15
REVISTA CENARIUM
CENARIUM+CIÊNCIA
Entenda o que são as Plantas Alimentícias Não Convencionais, as Pancs, que surgem como opção para combater a insegurança alimentar, problema que aumentou durante a pandemia
Com a ideia original de autonomia alimentar, o pesquisador reforça que o objetivo é mostrar que é possível comer a banana madura, convencional, mas também fazer o uso da casca e do “coração
da banana”, o mangará. “Além de ser supermedicinal, é uma planta alimentícia maravilhosa, de múltiplos usos. Com as flores possíveis (do mangará) é possível fazer conserva. Também é só cozinhá-las, deixá-las de molho, trocar a água duas vezes e comer como se fosse um camarão”, explica ele. Em tempos de pandemia e consequente aumento da insegurança alimentar, desenvolver a autonomia alimentar por meio das Pancs pode se tornar uma opção acessível. “Atualmente, o que me motiva é a questão da autonomia alimentar. Hoje, com a pandemia, com a questão de insegurança política, sanitária, econômica, eu vejo que, mais do que nunca, estou no caminho certo de soberania, de autonomia”, afirma.
Potencial de geração de renda A descoberta e promoção das centenas de possibilidades do uso das variadas Pancs podem, também, potencializar a geração de renda de pequenos empreendedores. O Sítio Panc é um dos fornecedores do restaurante Caxiri, localizado no Centro de Manaus, foi o principal fornecedor da ‘Expedição Boto da Amazônia’, realizada por cientistas da Sea Shepherd Global, no Brasil, e Inpa, em outubro deste ano, na capital amazonense.
Um dos funcionários do Sítio Panc, Ronald Charitaba colhe ariás
Crédito: Ricardo Oliveira
Alternativa alimentar
“Em 2002, a gente já falava das plantas alimentícias ou comestíveis e, em 2003, começamos propriamente o trabalho. A ideia do meu trabalho, do meu livro, é mostrar que isso: tem potencial culinário. Então, a partir do momento que está no livro, várias pessoas começam a busca; nós temos, por exemplo, a Bela Gil, que começou a fazer isso em um programa no GNT. Então, hoje, tem um monte de gente fazendo com plantas mais acessíveis”, explica Kinupp.
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Em um sítio na Zona Leste de Manaus, um fragmento de terra de, pelo menos, três hectares tem sido transformado em solo fértil para o desenvolvimento de um método de autonomia alimentar conhecido como Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs). No Sítio Panc, o doutor em Fitotecnia Valdely Kinupp trabalha diariamente para promover e também divulgar o potencial culinário de plantas que são subutilizadas ou negligenciadas na alimentação. Para ele, as Pancs são uma opção de combater a insegurança alimentar potencializada na pandemia. Residindo em Manaus há 16 anos, o carioca se mudou para a capital amazonense a fim de fazer mestrado em Botânica no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Kinupp também é um dos autores do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas”.
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Criado em uma família de agricultores e feirantes, ele sempre teve curiosidade e habilidade com plantas e animais, como cabras, porcos e coelhos. É essa experiência que Kinupp usa para cuidar do “sítio escola”, oferecendo cursos, serviços de consultoria alimentar, produtos agroecológicos, alimentos sem agrotóxicos e abrindo as portas para visitas técnicas e hospedagens. O interesse de Kinupp pelas Pancs surgiu a partir do gosto por cozinhar “coisas diferentes” e da oportunidade de, com os alunos, cultivar plantas e criar receitas. Para ele, o mundo das Pancs ainda é uma “bolha”, mas tem se tornado uma “bolha gigante”. À CENARIUM, o pesquisador lembrou que o estudo do uso dessas plantas na alimentação já ocorre há quase 20 anos, porém, foi apenas mais recentemente que o potencial culinário delas passou a ser explorado mais popularmente, aparecendo, até mesmo, em programas culinários na televisão.
Valdelino Kinupp exibe o mangará, conhecido, popularmente, como o ‘coração da banana’
O pesquisador observa que o acrônimo Pancs não contempla apenas as plantas e seus frutos, mas também as outras partes do vegetal e formas de preparo. Por isso, no Sítio Panc é comum ele estar cercado pelas variadas plantas usadas, diariamente, no preparo dos alimentos. Algumas são destaques no cardápio de Kinupp, como o ariá, a banana e o cará-de-espinho. O ariá (Calathea allouia), também conhecido como areiá e batatinha-ariá, por exemplo, é uma planta de folhagem densa e raízes tuberosas, como pequenas batatas, que podem ser consumidas como importante fonte proteica, pois possuem altos níveis de aminoácidos essenciais em sua composição. “Ela é mais tradicional em Rio Preto da Eva (no interior do Amazonas), mas, até lá, as pessoas não levam a sério o cultivo. Tinha, num café regional, em Rio Preto da Eva, mas em pequena escala”, observa. 17
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“É natural que haja uma debandada de parlamentares, de lideranças políticas, de filiados, porque a ideia do presidente Bolsonaro de buscar uma política que favoreça aos interesses do grande capital, uma política com forte apelo à pauta dos costumes, contra gays, contra negros, contra ativistas sociais de causas em defesa da democracia, é inaceitável para muitos brasileiros e brasileiras filiados ao Partido Liberal. Por outro lado, com a chegada de Jair Bolsonaro ao PL, o partido vai crescer”, avaliou. Advogado, especialista em Ciências Sociais e professor universitário, Helso Ribeiro avalia como contraditória a filiação de Bolsonaro a um partido que, em tese, prega o Liberalismo.
Entrada de Jair Bolsonaro no partido provoca debandada natural de filiados
Crédito: Isac Nóbrega | PR
Iury Lima – Da Revista Cenarium
Eleito pelo PSL, Bolsonaro se filiou ao PL no dia 30 de novembro
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do PL com Bolsonaro, avisou que não estaria “no mesmo palanque” que o presidente da República em 2022. “Eu vou sair do partido. A gente tem ideias diferentes, além do que já sofri ataques pessoais de membros da família do presidente, inclusive contra o meu filho quando ainda era um recém-nascido. E eu não entrei na política para atacar ninguém, para desrespeitar qualquer
pessoa que seja, eu não entrei para lutar contra políticos, e sim para lutar pela nossa gente”, declarou o vereador em um vídeo no Twitter. No dia 7 de dezembro, Marcelo Ramos oficializou sua saída do partido e não anunciou para onde migrará. “Meu incômodo pessoal é de estar embarcando em um projeto que eu não acredito”, declarou na ocasião.
“O Liberalismo nada mais quer do que o respeito à individualidade e a ausência do Estado, isso aí é o cerne. Um partido que tem o nome de Liberal, é claro que ele deveria defender a população LGBTQIA+, defender as pessoas que estão excluídas da sociedade, os negros, as mulheres, indígenas, enfim. E essa a gente sabe que não é a tônica do discurso do presidente da República. Ele se pauta por uma veia conservadora e isso representa mais uma das contradições da filiação a partidos políticos”, declarou.
Vereador Thammy Miranda decidiu sair do PL após a entrada de Bolsonaro
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Eu vou sair do partido. A gente tem ideias diferentes, além do que já sofri ataques pessoais de membros da família do presidente”
Thammy Miranda, vereador em São Paulo (SP)
Crédito: Pedro França | Agência Senado
Bolsonarismo ‘expulsa’ liberais do PL
ILHENA (RO) – A filiação do presidente Jair Bolsonaro ao Partido Liberal (PL) incomodou alguns filiados. No mesmo dia em que o partido comemorou a chegada do presidente, o vereador de São Paulo Thammy Miranda anunciou a saída da legenda. Outro filiado ilustre que deixou o partido foi o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos, que, desde o início do “namoro”
Crédito: Divulgação
À CENARIUM, o cientista político Carlos Santiago analisou que essa movimentação é uma “debandada natural”.
REAL INTERESSE Bolsonaro passa a integrar o PL depois de quase dois anos sem partido, desde que se desfiliou do PSL, em novembro de 2019, sigla pelo qual foi eleito à presidência um ano antes. A filiação, para Carlos Santiago, não é coincidência, tendo em vista a corrida eleitoral de 2022 batendo à porta. O especialista também afirma que, com a entrada de vários deputados federais, senadores, administradores públicos estaduais e municipais, o PL deve crescer, e que isso, “do ponto de vista quantitativo, supera as saídas de filiados”. Helso Ribeiro diz que a entrada de Bolsonaro no PL é “casuística”, tendo em vista que este é o nono partido ao qual integra em toda sua trajetória política. “Servirá apenas para que ele seja candidato”.
Marcelo Ramos deixou o PL no dia 7 deste mês
“
Meu incômodo pessoal é de estar embarcando em um projeto que eu não acredito”
Marcelo Ramos, deputado federal pelo Amazonas. 19
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Inexperiência preocupante
para entender e dar à Amazônia a sua devida importância”. “É um absurdo que, em pleno processo eleitoral, a Amazônia não tenha destaque na agenda do governo federal e dos pré-candidatos. É muito mais fácil encontrar, fora do Brasil, debates sobre a importância da Amazônia. Candidatos como Sergio Moro e outros com o perfil burocrático, insensível, dificilmente vão entender a Amazônia”, destaca o especialista.
Falta de experiência em gestão pública e de conhecimento sobre a Amazônia permeiam a pré-candidatura de Sergio Moro, o que preocupa cientistas sociais
O professor Ademir Ramos, coordenador do Núcleo de Cultura Política da Universidade Federal do Amazonas (Ufam),
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – As articulações em torno da disputa presidencial de 2022 começam a movimentar a política nacional, e a Amazônia deverá estar na pauta dos candidatos. Um deles é o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que já deu início a sua pré-campanha pelo Podemos e figura na terceira colocação nas pesquisas de intenção de voto. A CENARIUM conversou com especialistas em economia e política sobre o que esperar do candidato sobre temas relacionados à maior região do País, pois a falta de experiência de Moro na gestão pública preocupa. Moro foi ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL). Deixou o cargo em abril do ano passado, após
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Sobre a Amazônia, o professor reitera a análise de Carlos Santiago sobre não haver “nenhuma possibilidade” de Moro dar atenção especial à região, mas que a disputa do ex-juiz, no pleito, é importante para se tornar mais uma opção aos brasileiros. A economia da Amazônia também é vista com preocupação por parte dos especialistas. Uma “boa assessoria” nas áreas científicas e ambientais é uma opções para que Moro se destaque na campanha eleitoral. “O desafio consistirá em como conciliar a ocupação já feita, da região, com as necessidades recentes, ambiental e reinserção nas cadeias globais de valor”, destaca o economista Mauro Thury de Vieira Sá, professor do Departamento de Economia e Análise da Ufam. “Se ele se mostrar disposto a recompor o aparato relativo ao meio ambiente, dentro de um caráter constitucional, talvez transmita maior segurança sob o prisma internacional. Resta saber como, internacionalmente, o mesmo será visto, devido ao que foi revelado pela ‘Vaza Jato’”.
acusar Bolsonaro de tentativa de interferência na direção da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O ex-juiz então foi trabalhar como consultor em uma empresa nos EUA, vínculo encerrado em outubro deste ano. Em novembro, filiou-se ao Podemos e assumiu o discurso de pré-candidato a presidente da República. O cientista político Carlos Santiago analisa que os futuros candidatos não parecem ter respostas sólidas para os problemas brasileiros. Para ele, o perfil de Moro é de alguém sem experiência em gestão pública e que, portanto, poderá enfrentar dificuldades “enormes
Contexto amazônico atual
Ex-juiz da Lava Lato e ex-ministro de Bolsonaro, Sergio Moro está filiado ao Podemos
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destaca que a bandeira central de Moro é o genérico combate à corrupção, mas que essa “velha bandeira” já foi levantada em governos anteriores problemáticos, como o do ex-presidente Fernando Collor– com a “caça aos marajás” – e do próprio Bolsonaro.
O Brasil tem se tornado destaque internacional pela falta de governança no enfrentamento a crimes ambientais, como o desmatamento ilegal dos biomas, principalmente, da Amazônia. Recordes históricos da perda da vegetação natural são alcançados que mensalmente, um problema ambiental que precisa de política nacional e efetiva para a região. Esses são alguns dos problemas que deverão ser enfrentados pelo futuro presidente da República. 21
REVISTA CENARIUM Crédito: Ana Claudia Jatahy | TCE-AM
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De olho na saúde e no meio ambiente Referência em fiscalização dos gastos públicos, o Tribunal chegou a voltar suas atenções de forma especial aos gastos feitos com a saúde que, durante a pandemia, virou prioridade mundial. “Fiscalizamos com rigor a aplicação dos recursos públicos na saúde pelos Executivos e nos colocamos à disposição para sentar à mesa e discutir como poderíamos contribuir
para a redução no número de casos e com as medidas de prevenção”, comentou o presidente. Além da saúde, o órgão também focou na gestão ambiental. “O TCE-AM sai desse período pandêmico com o rótulo de selo mundial de Tribunal Verde, um Tribunal que se preocupa, que preserva e fiscaliza as ações que podem impactar os ecossistemas”, ressaltou.
Servidores, os principais responsáveis pelo bom desempenho do Tribunal na pandemia Crédito: Ana Claudia Jatahy | TCE-AM
TCE se reinventa Durante a pandemia, o Tribunal de Contas se reiventou e implantou uma gestão inovadora Com informações da assessoria
S
uperação. É como define Mario de Mello, conselheiro-presidente do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), após quase dois anos à frente da Corte de Contas durante um dos momentos mais difíceis da história por conta da pandemia da Covid-19. Chegando ao fim de sua gestão, o conselheiro conta que teve que lidar com decisões inéditas e desafiadoras, como manter o Tribunal funcionando, mesmo com a sua sede totalmente fechada. “Minha gestão já iniciou enfrentando a pandemia. Foi um período de grandes
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dificuldades e de decisões que mudariam a história da Corte de Contas amazonense”, relembra. A rapidez e a seriedade das mudanças implementadas no Amazonas chegaram a tornar o TCE-AM uma referência para os demais tribunais do País, destaca Mario de Mello. “Fomos o primeiro Tribunal a decretar o home office para a proteção dos servidores. Inovamos ao realizar sessões virtuais, ao sanitizar e dedetizar as dependências da Corte de Contas e a testar os servidores, ainda em 2020. Desde o início da pandemia, nossa maior preocupação foi garantir
não só a continuidade das nossas ações, mas, acima disso, a saúde dos servidores e de seus familiares. A vida está acima de tudo!”, enfatiza. Mesmo com a sua sede fechada pela primeira vez em 70 anos, o Tribunal de Contas do Amazonas seguiu em funcionamento. Conforme Mario de Mello, a transição para o home office só foi possível devido aos esforços da Corte de Contas de, já durante a última década, ter investido em digitalização processual e em tecnologia da informação.
Além de zerar os processos físicos, o TCE-AM passou a utilizar suas redes sociais para realizar as sessões do Tribunal Pleno e das Câmaras. “Implantamos o Plenário Virtual com sessões 100% virtuais transmitidas pelas redes sociais e acompanhadas por mais de 3 mil pessoas, instalamos e inauguramos um estúdio de rádio e TV para dotar as ações de mais transparência e publicidade, publicamos cartilhas e notas técnicas para orientar gestores e a sociedade em geral, passamos a realizar cursos e capacitações pela Escola de Contas Públicas (ECP) de forma virtual, levamos a Ouvidoria do TCE-AM e a ECP para o interior do Amazonas com discussões que aproximaram o Tribunal da sociedade, inovamos e colocamos o Tribunal nos anais da história, ao realizar workshops, videoconferências e websimpósios para discutir a proteção do meio ambiente, especialmente do bioma amazônico”, relembrou.
Mario de Mello está fazendo a transição de gestão para Érico Desterro
Crédito: Ana Claudia Jatahy | TCE-AM
Mario de Mello: ‘Fomos o primeiro Tribunal a decretar o home office para proteção dos servidores’
“Sem a digitalização processual, iniciada desde a primeira gestão do conselheiro Érico Desterro, há quase 10 anos, nada do que realizamos seria possível durante os piores períodos da pandemia. Isso foi fundamental para que não parássemos. E não paramos um só instante. Fechamos as portas físicas e todos os servidores trabalharam, inicialmente, de casa para que o Tribunal de Contas continuasse a executar suas atividades. Nossos sistemas foram todos readequados para a utilização de forma virtual, em um ambiente seguro, que garante a confidencialidade dos processos”, observa.
Transição: um tribunal humano Mario de Mello diz que os principais responsáveis pelo sucesso do Tribunal durante a sua gestão são os servidores, funcionários e estagiários que compõem o quadro do TCE-AM.
O retorno gradual para o presencial na sede da Corte de Contas foi possível após uma grande mobilização para que todos os servidores, funcionários e estagiários se vacinassem contra o coronavírus.
“O Tribunal de Contas é feito de pessoas, cada uma com suas próprias histórias de vida, suas próprias dificuldades enfrentadas nesse terrível momento de pandemia, que deram tudo de si, mudando completamente a forma de trabalhar, para que o Tribunal não parasse.O corpo técnico da Corte de Contas foi implacável e, hoje, em 2021, depois de tudo que passamos, todas as barreiras enfrentadas, a união faz com que possamos comemorar as vitórias e os avanços nesse período”, comentou.
“A aceitação ao plano de imunização por parte dos nossos colaboradores foi fundamental. Com essa mobilização, pudemos montar um plano estratégico de análise e retorno gradual das ações, inicialmente em home office, depois em regime híbrido de atividades e, mais recentemente, para o retorno presencial em etapas, chegando, finalmente, aos 100% de funcionamento presencial da Corte de Contas”, disse.
Segundo ele, tamanha dedicação dos colaboradores facilitou um momento crucial ao final da gestão de Mario de Mello.
O retorno presencial, após o turbulento momento da pandemia, coroou, de acordo com Mario de Mello, um biênio atípico, com muitas dificuldades, mas com muita superação. 23
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ARTIGO – TENÓRIO TELLES
Anúncio foi feito na véspera do Dia do Servidor, comemorado em 28 de outubro
O que ganhamos e perdemos em 2021 * Tenório Telles
‘Pacotão’ beneficia servidores Governo do Amazonas anuncia pagamento de datas-bases, promoções e progressões de carreira para funcionários públicos estaduais Crédito: Diego Peres/Secom
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“Desde o primeiro dia de governo, trabalhamos para mudar e fazer a diferença na vida das pessoas. Mesmo com as dificuldades enfrentadas nestes quase dois anos de pandemia, nosso governo vem atuando para corrigir injustiças, para que os servidores estaduais possam, a partir de agora, se aposentar com dignidade, após mais de 30 ou 35 anos de serviços dedicados ao Amazonas. Temos servidores com mais de 40 anos de dedicação ao Estado”, ressaltou Wilson Lima. Durante a coletiva, o governador explicou que haverá uma reestruturação na Lei Estadual 3.510/2010. Essa legislação, que atualmente rege, de forma geral, o Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações (PCCR) de 1.987 servidores ativos de 27 órgãos e instituições estaduais será modificada, possibilitando reajustes de vencimentos. 24
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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
ANAUS (AM) – O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou, no dia 26 de outubro, uma série de benefícios para os servidores estaduais. As medidas alcançarão mais de 70 mil funcionários públicos e incluem revisão de datas-bases salariais, promoções, progressões e enquadramento de carreiras, além da reestruturação da Lei 3.510/2010, que vai corrigir distorção histórica para servidores que esperam pela aposentadoria. O anúncio foi feito às vésperas do Dia do Servidor Público, celebrado em 28 de outubro.
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um de seus célebres sonetos, Camões expressa seu desassossego com a inconstância da vida, o devir permanente que caracteriza a humana lida e a finitude das coisas. Nosso viver se define pela mudança:
Será uma correção histórica, pois há mais de 10 anos os servidores regidos pela lei 3.510 não têm reajuste no PCCR. Atualmente, esses servidores, quando vão para a aposentadoria, deixam de receber a Gratificação de Atividade Técnico-Administrativa (Gata), que representa quase 70% da remuneração deles, o que obriga a grande maioria, mesmo com tempo e idade de aposentadoria, a continuar na ativa.
EDUCAÇÃO, SAÚDE E SEGURANÇA Wilson Lima anunciou aumento de 9,19% referente à data-base dos anos de 2020 e 2021 para 32.478 servidores da Secretaria de Estado de Educação e Desporto, além de pagamento do maior abono do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) já feito pelo Estado e cujos valores serão anunciados em breve. O governador também anunciou a implementação da Lei 4.736/2018, que beneficia
300 servidores técnico-administrativos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a concessão de promoções. Na Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM) e fundações de saúde, 23.317 servidores públicos serão beneficiados com a implementação da Lei 4.852/2019 e da data-base de 2020, totalizando correção salarial de 8,9%. Na segurança pública, o pagamento da data-base de 2020, no percentual de 3,30%, será feito a 9.661 servidores da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Os escrivães e investigadores da Polícia Civil receberão escalonamentos referentes ao período de 2021 e os servidores administrativos da instituição também receberão data-base de 7,34% referentes a 2019 e 2020. O Governo do Estado também avança na tramitação do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos servidores do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-AM).
Reconhecimento e estímulo O titular da Sead, Fabrício Barbosa, afirma que o servidor é um agente fundamental para a garantia de um serviço de qualidade. “Queremos reconhecer todo o esforço e dedicação do funcionalismo público, estimular e, consequentemente, garantir mais eficiência na prestação de serviços. O Estado, como ente que administra a sociedade, não se traduz apenas em instituições, mas, essencialmente, naqueles que fazem esse organismo complexo funcionar”, destacou o secretário.
Nesse eterno vir-a-ser que é a existência, somos surpreendidos a qualquer momento pela sorte adversa: perdas, conflitos e doenças nos ameaçam e põem em risco nossa sobrevivência. O ano de 2021 foi pródigo em vivências dramáticas para a humanidade e para cada ser humano em particular. Todos perdemos algo ou alguém que nos era caro. As perdas, as dores, as derrotas, a solidão, os embates para nos mantermos vivos são experiências que nos forjam física e subjetivamente, e depuram nossa humanidade. Cada travessia que vivenciamos nos exige, além de força, uma imensa capacidade de sobreviver e nos impõe a necessidade de tomar decisões. Ficar, desistir, seguir – são questões que nos são postas a todo instante. O ano de 2021 será lembrado na história como uma das mais difíceis travessias da humanidade. Um ano em que fomos confrontados por um imperceptível vírus que pôs em xeque nossa segurança, poder, conforto, arrogância. Foi um ano também em que fomos chamados a reconsiderar muitas coisas, das quais necessitamos para viver: perder o medo e exercitara convivência com o outro, a liberdade, o trabalho, a saúde... 2021 foi o ano em que fomos expostos ao que somos: seres precários e frágeis diante do grande jogo da vida. O poeta inglês John Donne, após atravessar um período de peste no século XVII e ter adoecido, escreveu uma meditação em que retrata, com profunda humanidade e beleza, o drama das perdas e o significado
que a morte de um amigo, um parente, de qualquer pessoa tem para o gênero humano: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. A frase final de Donne é misteriosa e enseja muitas reflexões: “... não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Talvez o poeta pretenda expressar o fato de que as experiências dolorosas atingem a todos, inclusive os que sobrevivem e que ficam marcados pela dor da perda. Mas viver é imprevisível e surpreendente. Em meio às maiores desgraças, guerras e destruições, a vida conspira para a sua própria continuidade – e o anseio de sobreviver, movido pela esperança,impulsiona os seres humanos. Talvez, por isso, o ano de 2021 foi também de ganhos e aprendizagem. Muitas lições balizarão nossa caminhada daqui pra frente: provavelmente, o ganho mais significativo tenha sido a noção de que a solidariedade humana e o altruísmo são imperativos para a sobrevivência da espécie, mesmo que tenhamos tantos exemplos de pequenez humana. O trabalho dos médicos e demais profissionais da saúde, os voluntários que se arriscaram para salvar a vida dos outros são exemplos de cuidado e de que tudo pode ser diferente. Não podemos esquecer os agricultores que seguiram plantando para levar o alimento à mesa, os motoristas, as redes de comércio informal que se criaram online... A realidade nos impôs um aprendizado novo, mesmo considerando que o festival de bizarrices e insanidade ainda impere nas redes sociais. Mas a vida é maior que tudo isso.
Crédito: Acervo Pessoal
Momentos como este, que ainda atravessamos, servem para revelar, principalmente, os atos de grandeza humana e os grandes espíritos que se arriscam para salvar os que se encontram em perigo e, assim, assegurar a continuidade da vida. Isso nos enche de motivação, pois mostra que nem tudo está perdido. O ser humano sempre encontra forças para se erguer dos escombros e continuar sua saga, como expressa de forma vívida e bela a poeta americana Maya Angelou no seu poema “Ainda assim me levanto”: Deixando para trás noites de terror e atrocidade, eu me levanto. Em direção a um novo dia de intensa claridade, eu me levanto trazendo comigo o dom de meus antepassados, eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado. E assim, eu me levanto eu me levanto eu me levanto. 2022 é o ano que, esperamos, seja de renascimento, de reencontro com nossos amigos, parentes e amores. De reencontro com o coração da vida – e o nosso também. Que seja um ano de retomada, quem sabe, de redenção: que sejamos capazes de curar nossas feridas e dores e nos levantarmos para a nossa eterna vocação, viver, e, assim, honrarmos o milagre que é estar aqui. (*) O autor é escritor, professor e preside o Conselho Municipal de Cultura (Concultura). 25
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Como previsto, a 2ª Turma do STF manteve o foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das “rachadinhas”. A Corte também invalidou os relatórios do Coaf que apontaram o suposto esquema de desvio de salário de servidores, bem como as provas posteriormente obtidas com base neles. Com isso, Flávio ganha alguns anos para ficar sem se preocupar com as investigações, que voltam à estaca zero. 26
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VALE-TUDO
Com isso, o caso das “rachadinhas” segue no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, longe das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, responsável pelas quebras de sigilo que revelaram o suposto esquema no gabinete do senador quando ocupava o cargo de deputado estadual fluminense. Votaram favoravelmente a Flávio os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques. Somente Edson Fachin defendeu que o processo fosse enviado para Itabaiana.
No vale-tudo pré-eleitoral, vence, por ora, o pragmatismo. Enquanto “namora” para vice o ex-governador Geraldo Alckmim, o pré-candidato Lula reformula sua comunicação nas redes, a fim de aumentar sua força no mundo digital. O partido pretende profissionalizar milhares de militantes para combater as fake news e travar o debate político com os bolsonaristas, que são maioria no ambiente on-line. Chamados de “redelheiros”, devem atuar, principalmente, em grupos de WhatsApp.
MORO E PSDB Depois de ligar para os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) pós-prévias tucanas, Sergio Moro também exercita o pragmatismo político em encontro com os dois governadores tucanos. O primeiro encontro ocorreu no dia 4 de dezembro, com Leite, em Porto Alegre (RS). O gaúcho simpatiza com Moro, que mostra muito mais capacidade eleitoral que o PSDB, de acordo com as pesquisas atuais, mas tem destacado que, mais do que se unir em torno de um nome, o centro político deve buscar um programa de governo.
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ZERO1 A SALVO
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STF PROTEGE FLÁVIO NO CASO DAS ‘RACHADINHAS’
SÓ FACHIN
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Coluna Via Brasília
Já o encontro com Doria só deve ocorrer quando o tucano retornar dos EUA. O governador de São Paulo confirmou o encontro. Nessa corrida, enquanto Moro anunciou Affonso Celso Pastore para a coordenação do programa econômico, Doria recorreu a Henrique Meirelles, seu secretário de Estado. Mas, assim como Pastore já avisou que não será o “Posto Ipiranga” de Moro, Meirelles deve trabalhar com uma equipe e fugir do personalismo.
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O QUE GANHAMOS E PERDEMOS EM 2021
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2021 – Da vacina à sobrevivência A imunização de mais da metade dos brasileiros contra a Covid-19 fez ressurgir o sonho da normalidade, mas o cenário de sequelas sociais mostra que é preciso mais do que o antídoto contra o coronavírus para se voltar a acreditar Paula Litaiff, Náferson Cruz e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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saga de trabalhadores desempregados, ex-agricultores e comerciantes falidos no garimpo criminoso do Rio Madeira, no Amazonas, após o Brasil reduzir as mortes diárias por Covid-19, revela um país convalescente e cheio de sequelas socioeconômicas, com o risco de voltar para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) se não receber, logo, o tratamento tecnocientífico necessário. Entre ganhos e perdas irreparáveis em 2021, o Brasil conseguiu, junto a outros países, encontrar a fórmula da vacina contra o coronavírus, em janeiro, resultado de uma iniciativa isolada do Governo de São Paulo, que obrigou o presidente Jair Bolsonaro (PL) a acelerar a imunização dos brasileiros e, hoje, registramos mais de 60% da população vacinada com a segunda dose ou dose única, de acordo com o Ministério da Saúde. Na Amazônia, a média é de 52% de imunizados contra a Covid-19, com resistência, ainda, no Estado do Pará, que regis-
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tra cerca de 30% de pessoas que receberam a segunda dose. A população que se nega a ser vacinada, segundo a Secretaria de Saúde do Pará, alega “questões ideológicas”. Mais de 50% dos moradores do Pará se identificam com a ideia “não científica” de Bolsonaro que associou, falsamente, a vacina ao risco de contrair o HIV. O processo de vacinação em todo o Brasil está intimamente ligado à retomada da atividade econômica, convívio social, esperança de retorno do investimento estrangeiro e novas perspectivas para o brasileiro, principalmente, aquele que está sem ocupação fixa ou que depende do mercado informal para sobreviver e sustentar a família. Com o avanço da imunização, a pergunta agora é: qual o plano? A resposta está nas falas repetidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, nas quais ele diz que “só vê crescimento” em um país cujo Produto Interno Bruto (PIB) acumulado é de 1% em 2021 e uma inflação que chega a mais de 10% em dezembro
ou está na declaração desesperada por capital estrangeiro do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na que ele abre as portas do Brasil para moradores de outros países sem cobrar cartão de vacina. “É melhor morrer do que perder a liberdade”, disse ele. O cenário econômico e social mostra que não temos plano para o pós-imunização da Covid-19, e que cada brasileiro terá que desenhar o seu próprio planejamento em meio a um cenário com desmonte de órgãos de fiscalização, com a legitimização de ações ilegais, a exemplo do garimpo no Madeira e em terras indígenas, como na região em que habita o povo Yanomami, em Roraima. Nesta edição da REVISTA CENARIUM, vamos apontar o que perdemos e o que ganhamos em 2021 nas questões sociais, políticas, econômicas, ambientais e mostrar um pouco da realidade de amazônidas, distantes de áreas metropolitanas e da presença do Estado, que sofrem com o drama de buscar a subsistência na ilegalidade para tentar sobreviver. 29
O QUE GANHAMOS E PERDEMOS EM 2021
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Rio Madeira: esperança e tragédia Conheça as histórias dos homens por trás da invasão garimpeira que chamou a atenção do mundo Náferson Cruz – Da Revista Cenarium
peiro, enquanto manuseava uma espécie de cuia de aço para mostrar os resquícios de ouro, após a intensa jornada de trabalho. O relógio em seu pulso não podia passar despercebido, indagado sobre o pertence, Sadir fez questão de dizer que era de ouro: “Aqui tem 22 gramas de ouro que extraí durante 20 horas de trabalho”, ressaltou. Joias como anéis e relógios são itens obrigatórios entre os trabalhadores do garimpo.
Muitos já estão velhos e muitos outros jovens, mas trazem a memória de suas experiências, como o ex-comerciante Sadir da Costa Oliveira, de 38 anos, natural de Manicoré. Ele passa meses longe do aconchego do seu lar. Sadir conta que iniciou sua jornada como garimpeiro, aos 26 anos, mas antes, atuava vendendo produtos industrializados pelos beiradões da Amazônia.
Antes de encerrar a conversa, Sadir disse que temia pela ação da polícia: “Se eles tocarem fogo na balsa, não sei o que farei da vida, investimos muito aqui e nós queremos apenas trabalhar”, completou. A balsa onde Sadir operava e outras dez estavam estacionadas às margens do Rio Madeira, na comunidade de Axinim, no município de Borba. Uma delas era de Gideão Bentes Sales, de 36 anos. O ex-produtor rural lamenta pela forma pejorativa como são tratados os garimpeiros. Faixas com as frases: “Queremos apenas trabalhar” foram postas nas balsas, como forma de protesto.
“Vi no garimpo uma forma de garantir o sustento da minha família. Naquela época, as coisas estavam difíceis e durante todo esse tempo que estou nessa atividade melhorou bastante”, lembrou o garim-
“Falar que poluímos o rio com mercúrio é um pensamento ultrapassado, já não jogamos mercúrio no rio, agora filtramos e o colocamos em um recipiente, reaproveitamos porque é um produto caro.
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Crédito: Ricardo Oliveira
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UTAZES (AM) – Vindos das mais variadas atividades econômicas, sendo, muitos deles, do roçado e desempregados, garimpeiros da Amazônia carregam consigo as cicatrizes de uma labuta bucólica e desumana do homem com a natureza. Após quatro décadas do fechamento oficial dos garimpos e em meio a uma nova onda garimpeira, a REVISTA CENARIUM foi buscar, na memória desses garimpeiros, suas histórias de vida, seus “bamburros”, esperanças e desilusões, suas formas de organizações alternativas nas ausências do Estado e suas estratégias de luta e de sobrevivência.
Para garimpeiros, no fundo do rio está a esperança para uma vida melhor 31
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Balsas são equipadas para ‘raspar’ o fundo do rio
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Crédito: Hermes de Paula | Agência O GLOBO
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RIO MADEIRA, SINÔNIMO DE ESPERANÇA
Crédito: Ricardo Oliveira
No Vale do Madeira, região da Amazônia que abrange os municípios de Borba, Nova Olinda do Norte e Autazes, este último com cerca de 40.000 habitantes, a 120 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas, tornou-se sinônimo de esperança para centenas de pessoas.
Balsas se deslocaram até a comunidade Rosarinho após a ‘fofoca’ sobre ouro na região 32
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Crédito: Ricardo Oliveira
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Mércurio, substância prejudicial à saúde humana, é utilizado no processo para garimpar o ouro
Agora, não vejo as autoridades fiscalizando os condomínios que fazem dos igarapés seus esgotos, nem, muito menos, fiscalizando os municípios que nunca resolvem o problema do lixão”, falou, indignado. Durante a conversa com a equipe de reportagem no interior de uma balsa, Gideão Sales recebeu a notícia que duas balsas foram incendiadas próximo ao município de Nova Olinda do Norte, há duas horas de voadeira no motor 20hp, distante de onde estava. A tensão tomou conta de todos na balsa. Informações preliminares davam conta de que o ato era parte de uma operação da polícia para conter a invasão de mais de 300 balsas de garimpo no trecho do Rio Madeira, próximo à comunidade do Rosarinho, no município de Autazes, a 120 quilômetros de Manaus. “É muito triste essa situação. Se a fiscalização aparecer aqui não sei o que vou fazer. Eles não podem fazer isso, é muita covardia. Agora, vamos ter que ficar aqui até a noite para tomarmos uma decisão de grupo se iremos subir rio acima ou permanecer”, finalizou a entrevista, às 15h do dia 27 de novembro de 2021.
No início de novembro de 2021, de acordo com sites de notícias da região, duas balsas de garimpo começaram a dragar areia e cascalho do leito do Rio Madeira, próximo à comunidade do Rosarinho, em Autazes, à procura de ouro. Depois de algumas horas, arquivos de áudio que havia ouro no local começaram a circular em grupos virtuais de garimpeiros. Em menos de uma semana, mais de 300 balsas de garimpo invadiram o local indicado para iniciar a corrida pelo ouro. Parte dos garimpeiros investiu tudo o que tinha, na esperança do retorno financeiro. Um deles, Edilon Ferreira Silva, de 38 anos, distinto dos demais, preferiu deixar a mulher e o casal de filhos em Manicoré, onde reside, e conta que está, há dois meses, longe de casa. Nascido na comunidade de Uruapinha, no município de Humaitá, Edilon se reveza com o cunhado na operação da balsa. “Até o momento, já conseguimos 25 gramas de ouro”, dizia o garimpeiro. Entretanto, 24 horas depois de ter conversado com a equipe da CENARIUM no interior de sua balsa, uma ação que reúne agentes da Polícia Federal, Ibama, Marinha e Aeronáutica, denominada “Operação Uiara”, obrigou que parte das balsas suspendessem suas operações, outra pequena parte foi apreendida e, ao menos, 31 balsas e 69 dragas, que são os equipamentos usados para sugar o leito do rio, foram destruídas na ação. As ações federais de repressão ao garimpo ilegal ao longo do Rio Madeira, no Estado do Amazonas, avançaram no segundo dia, com a destruição de todas as balsas e dragas encontradas em pontos distintos ao longo do Rio Madeira pelos agentes da operação.
Durante a Operação Uiara pelo menos 30 balsas foram incendiadas
Operação destruiu balsas Náferson Cruz – Da Revista Cenarium
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gentes da Polícia Federal (PF) e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desarticularam, no dia 27 de novembro, a ação de um grupo de garimpeiros ilegais que atuava em mais de 300 balsas dragando ouro do Rio Madeira, no trecho entre os municípios de Autazes (a 120 quilômetros de Manaus) e Nova Olinda do Norte (a 133 quilômetros de Manaus), na Operação Uiara. Durante a operação, pelo menos 30 balsas foram incendiadas, outras centenas foram interditadas, houve casos em que as embarcações foram retiradas pelos garimpeiros antes da operação, após o
vazamento da ação policial no Rio Madeira em grupos de WhatsApp. Segundo a PF, a operação contou com a ação de agentes do Amazonas e do Paraná, Distrito Federal, Paraíba e Pará. Além das “balsas-dragas”, maquinários, mercúrio e ouro foram apreendidos pelos agentes, em quantidades ainda não informadas. Vídeos divulgados pelos garimpeiros e captados por moradores também mostraram momentos da operação com as balsas incendiadas no Paraná do Maracá, um dos braços do Madeira. A operação durou todo o dia 27. Pelo menos dez garimpeiros foram presos, centenas deles conseguiram fugir para dentro
da floresta, em comunidades da cidade de Nova Olinda do Norte. A PF investiga a identificação de quem eram os responsáveis pelo maquinário. O acesso às balsas ocorreu, na maior parte da operação, por helicópteros da Polícia Federal, que aterrissaram às margens do Rio Madeira. Agentes saíram das aeronaves armados e abordaram os garimpeiros, que, em sua maioria, não apresentaram resistência, segundo relatos de moradores da Comunidade Rosarinho, região próximo ao local onde estavam parte das balsas. *Com informações de Gabriel Abreu e Priscilla Peixoto 33
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Cenas da busca pelo ouro A equipe da CENARIUM esteve na área do Rio Madeira invadida por uma caravana de garimpeiros e acompanhou a rotina deles
Crédito: Ricardo Oliveira
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Há 12 anos no ramo do garimpo, Sadir manuseia uma das dragas que sugam o leito do rio
Jovem acompanha o processo de ‘lavagem’, que tira o excesso de barro
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a área ocupada pelos garimpeiros visitada pela equipe da CENARIUM, o clima era de tensão. Eles estavam apreensivos com a possibilidade de uma operação de forças federais que destruísse as balsas que usam para procurar ouro – o que de fato aconteceu posteriormente.
Não há equipamentos de segurança para descer no fundo do rio com as dragas
Crédito: Ricardo Oliveira
Sadir estava apreensivo, por causa dos rumores de uma operação federal que destruiria balsas
À reportagem, os garimpeiros defenderam que a atividade que praticam não degrada o meio ambiente e que a fiscalização contra eles é muito dura.
O ‘mergulha e volta’ é uma constante nessa atividade 34
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“Este é um anúncio histórico para o Brasil e para o mundo. A ButanVac é a primeira vacina 100% nacional, integralmente desenvolvida e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, que é um orgulho do Brasil. São 120 anos de existência, o maior produtor de vacinas do Hemisfério Sul, do Brasil e da América Latina e, agora, se colocando internacionalmente como um produtor de vacina contra a Covid19”, disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), durante o anúncio do desenvolvimento da vacina, em março. A iniciativa do novo imunizante faz parte de um consórcio internacional do qual o Instituto Butantan é o principal produtor, responsável por 85% da capacidade total, de acordo com o governo do Estado, e tem o compromisso de fornecer a vacina ao Brasil e aos países de baixa e média renda.
Crédito: Governo de São Paulo
Descoberta da vacina
Diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas avaliou que a tecnologia utilizada na ButanVac é uma forma de aproveitar o conhecimento adquirido no desenvolvimento da CoronaVac, vacina desenvolvida em parceria com a biofarmacêutica Sinovac, já disponível para a população brasileira. “Entendemos a necessidade de ampliar a capacidade de produção de vacinas contra o coronavírus e da urgência do Brasil e de outros países em desenvolvimento de receberem o produto de uma instituição com
Crédito: Governo de São Paulo
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a credibilidade do Butantan. Em razão do panorama global, abrimos o leque de opções para oferecer aos governos mais uma forma de contribuir no controle da pandemia no País e no mundo”, disse Covas.
eficiência produtiva em um processo similar ao utilizado na vacina de influenza, conforme divulgou o Butantan e o governo estadual.
TECNOLOGIA E EXPERTISE
Além de ser barata e muito disseminada, essa técnica é uma especialidade do Butantan.
A tecnologia da ButanVac utiliza um vetor viral que contém a proteína Spike do coronavírus de forma íntegra. O vírus utilizado como vetor nesta vacina é o da Doença de Newcastle, uma infecção que afeta aves. Por isso, o vírus se desenvolve bem em ovos embrionados, o que permite
“O vírus da doença de Newcastle não causa sintomas em seres humanos, constituindo-se como alternativa muito segura na produção. O vírus é inativado para a formulação da vacina, facilitando sua estabilidade e deixando o imunizante ainda mais seguro”, diz o Butantan, em nota.
Saiba mais O Brasil também foi um dos países a encontrar a fórmula para prevenir o coronavírus. Iniciativa isolada do Governo de São Paulo, a medida pressionou o governo federal a acelerar a imunização
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tados dos testes pré-clínicos realizados com animais se mostraram “promissores”, o que permitiu evoluir para estudos clínicos em humanos.
Chamada de ButanVac, a vacina foi desenvolvida e produzida integralmente no Butantan, sem necessidade de importação do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA). Segundo o Governo de São Paulo, os resul-
Em setembro, estudos preliminares demonstraram que a vacina é segura e apresenta alta resposta imunogênica. Em novembro, estudo publicado na revista científica Frontiers in Immunology (EUA) demonstrou que, além da alta produção
pós articular a produção da vacina CoronaVac no Brasil,o Instituto Butantan iniciou a produção-piloto da primeira vacina brasileira contra o coronavírus.
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de anticorpos, a ButanVac também é eficaz contra variantes do coronavírus causador da Covid-19. A ButanVac vem sendo chamada de vacina 2.0 contra a Covid-19, já que é desenvolvida a partir da inoculação de um vírus modificado que contém a proteína S do SARS-CoV-2 em ovos embrionados de galinhas – mesma tecnologia da vacina contra a influenza (gripe comum).
Crédito: Governo de São Paulo
Com informações da Agência Brasil
O imunizante, que é chamado internacionalmente de NDV-HXP-S, foi testado no Vietnã, na Tailândia e no Brasil. De acordo com o estudo, todas as formulações da vacina foram bem toleradas nos voluntários que tomaram duas doses com intervalo de 28 dias. O estudo contou com a participação de 210 voluntários, sendo 82 homens e 128 mulheres com idades entre 18 e 59 anos. A fase 1 do ensaio clínico atestou a segurança da vacina e a seleção da dosagem que desperta a melhor resposta no organismo. Os cientistas constataram uma resposta imunológica marcante duas semanas após a aplicação da segunda dose da vacina. 37
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Em 2021, a economia do País naufragou, tudo ficou mais caro: gasolina, gás, energia e alimentos; e a inflação superou os dois dígitos Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O aumento nos preço de combustíveis e gás de cozinha, da energia elétrica e do preço de alimentos básicos para a sobrevivência, junto com o desemprego, passaram a representar a realidade do povo brasileiro em 2021. Em outubro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) , a inflação oficial no País, ficou em 1,25%. No acumulado de 12 meses, a inflação chegou a 10,67%. Com todos esses fatores, e o salário mínimo de R$ 1.100, o poder de compra da população despencou e a fome tomou conta do cotidiano. Em setembro, repercutiu internacionalmente um registro feito na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando a reportagem do jornal Extra mostrou que um caminhão com restos de carne e ossos, no bairro Glória, virou ponto de distribuição para moradores com fome. Ao jornal, o motorista do caminhão afirmou que as sobras, que antes eram procuradas para serem servidas aos cachorros, agora eram para consumo próprio. No mesmo mês, a REVISTA CENARIUM foi até a periferia de Manaus e constatou que o aumento nos preços de produtos considerados itens básicos de sobrevivência já obrigava os amazonenses a viverem na miséria, não conseguindo consumir carne e precisando cozinhar o alimento que conseguirem no fogão a lenha. Na casa de Débora Santana, 42, que dividia um pequeno barraco de madeira de três cômodos com o marido e quatro
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Ladeira abaixo Débora Santana mostra a geladeira, que tem apenas água, pedaços de frango e de peixe
filhos na Zona Sul de Manaus, a renda da família chegava a R$ 1 mil, somando os valores do Bolsa Família recebidos um dos filhos de Débora (R$ 212) e mais os trocados recebidos pelo marido nos serviços autônomos que realiza. “Acho que já faz mais de um ano”, contou a doméstica sobre ficar sem consumir carne. “Nunca mais nós comemos, porque a gente come mais é peixe, galinha, mas nunca mais comemos carne”. Na mesma localidade, a dona de casa Francisca das Dores, de 59 anos, não sabia qual seria a refeição que ela, o marido e cinco netos fariam naquele dia 27 de setembro. Com a geladeira vazia e sem alimentos em casa, não seria preciso usar o fogão a lenha, geralmente utilizado para cozinhar comida, quando tem. “Só água mesmo”, disse a dona de casa, mostrando a geladeira quase vazia.
ALIMENTOS MAIS CAROS Um levantamento feito pela REVISTA CENARIUM com base em dados divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que, com o valor previsto para o Auxílio Brasil, R$ 400, é possível comprar apenas 67% de uma cesta básica no Brasil.
DESEMPREGO Em novembro, a agência de classificação de risco Austin Rating indicou que o desemprego no Brasil, de 13,2% no trimestre encerrado em agosto, alcançou 39
mais que o dobro da média internacional, de 6,5%. Os números comparam países que divulgaram dados de desemprego de agosto e, pelo ranking, a taxa de desocupação brasileira é a quarta maior de uma lista de 43 economias mais a média da zona do euro. No desempenho em agosto, o Brasil só ficou em uma posição melhor do que Costa Rica (15,2%), Espanha (14,6%) e Grécia (13,8%).
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nal de Energia Elétrica (Aneel) divulgou que estima que as contas de luz terão, em média, uma alta de 21,04%, em 2022. Para o economista Paulo Berti, o aumento na conta de energia elétrica, justificado, pelo governo federal, com a crise hídrica, na verdade “decorre de negligência e incompetência do governo anterior e atual”. “O governo tem um conjunto de aparatos institucionais e regulatórios que dão
ampla margem de planejamento para uma atuação eficiente no setor. Temos o Ministério das Minas e Energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Empresa de Pesquisa Energética (Epe) e, é claro, a Petrobras. Nesse sentido, não existe a possibilidade de responsabilizar a ‘meteorologia’ pela falta de planejamento e controle sobre a oferta de energia e, consequentemente o seu aumento de preço”, enfatiza.
Crédito: Marcelo Camargo | Agência Brasil
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ENERGIA ELÉTRICA
Crédito: Marcello Casal Jr | Agência Brasil
A energia elétrica no País também não ficou para trás, na “corrida” do aumento de preços. O último número divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em outubro, mostrou que a luz no Brasil acumulou alta de 24,97% em 2021. O instituto indicou que o avanço está ligado às consequências da pior crise hídrica do País em mais de 90 anos. No mês passado, a Agência Nacio-
Novo Bolsa Família Neste ano, o penúltimo do Governo Bolsonaro, chegou ao fim o histórico programa de auxílio na renda de famílias vulneráveis. Após 18 anos, o Bolsa Família foi encerrado pelo governo federal para dar lugar ao Auxílio Brasil. Em substituição ao benefício médio mensal de R$ 191, as famílias cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico) começaram a receber, em novembro, o valor médio de R$ 217,18 mensais — quantia 17,8% maior do que a média da ajuda federal anterior. Mas, o valor previsto a ser pago às famílias é de R$ 400.
Combustíveis: 10 aumentos em 2021 Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
24,97% Foi a alta na conta de luz dos brasileiros, acumulada neste ano até outubro.
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constante alta nos preços dos combustíveis também pesa no custo de vida do brasileiro. Apenas neste ano, foram mais de dez aumentos anunciados pela Petrobras e o governo federal, na tentativa de “lavar as mãos” dessa responsabilidade, jogou a culpa, mais uma vez, nos Estados. Jair Bolsonaro acusou os governos das unidades federativas de aumentarem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que teria afetado diretamente os valores da gasolina e do etanol.
nomeada pelo governo, assim como a política de desindustrialização da empresa”, detalha o economista Paulo Berti.
“A Petrobras é uma empresa de capital misto em que o governo é o acionista majoritário. Se o governo é o acionista majoritário, é o governo quem define a política de preços da Petrobras. Isso precisa ficar bem claro. Os preços que a Petrobras cobra são determinados pela diretoria
Em um investida para, pelo menos, impedir novos aumentos, os Estados decidiram, no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), congelar o ICMS dos combustíveis por 90 dias. Na época, o governador do Amazonas, Wilson Lima, lembrou que o objetivo é que a medida
Os governadores, porém, não aceitaram a acusação calados. Em carta, 20 deles responderam às acusações do presidente da República lembrando que nos últimos 12 meses — o documento foi divulgado em setembro deste ano — o preço da gasolina registrou um aumento superior a 40%, “embora nenhum Estado tenha aumentado o ICMS incidente sobre os combustíveis”.
ajude a reduzir o custo para o consumidor, mas não esquecendo que “a composição do preço não depende dos Estados, e sim da política de preços da Petrobras”. O congelamento tenta manter os preços nos mesmos valores entre o período de 1º de novembro de 2021 até 31 de janeiro de 2022. O preço pago pelo consumidor sofre a influência do valor estabelecido pela Petrobras às refinarias e por impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS/ Pasep), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Só o PIS/Pasep e o Cofins somam 44% do valor final. Já a Petrobras fica com 29% do que é cobrado. “Estamos, cada vez mais, exportando óleo cru e importando combustível e derivados que poderiam estar sendo produzidos aqui com custos em reais e não em dólares. O governo federal é responsável pela política de paridade de preços internacionais que se espalha por todas as bombas de gasolina e diesel em todo o País independente do ICMS que o Estado possa cobrar. O governo, se tivesse coragem, poderia adotar um conjunto de medidas para amenizar os aumentos de preços de combustíveis. A primeira medida mais evidente seria romper com a paridade de preços internacionais”, diz Berti. 41
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Saúde em colapso Início do ano foi marcado pela crise de falta de oxigênio durante o pico da segunda onda de contaminações da Covid-19 em Manaus Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
A crise, porém, não começou no dia 14. Em dezembro, o Amazonas já sentia os primeiros sinais do que viria a ser o colapso. Em 23 de dezembro de 2020, o governador do Amazonas, Wilson Lima, anunciou que eventos e serviços não essenciais seriam proibidos em todo o Estado dali a três dias, por 15 dias. A medida de contenção era em decorrência do aumento de casos e internações por Covid-19 que ocorria na época. A resposta da sociedade, no entanto, foi de discordância.
A Venezuela doou 107 mil metros cúbicos para o Amazonas e celebridades como o humorista Whindersson Nunes, Marcelo Adnet, Tirullipa, a atriz e apresentadora Tata Werneck, as cantoras sertanejas Simone e Marília Mendonça, e os cantores Tierry e Gusttavo Lima doaram vários cilindros para o Amazonas. O Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, fez a doação, ainda, de cinco usinas independentes para a produção de oxigênio líquido. O material foi direcionado para o suporte assistencial em unidades de saúde do interior do Estado, que também foram afetadas com a escassez do oxigênio.
Às vésperas do Réveillon, época em que o comércio lucra significativamente com as datas comemorativas, uma multidão se reuniu em protesto contra o decreto estadual que proibia a abertura do comércio não essencial. Representantes do setor de comércio e de serviços do Estado pressionaram. O governo estadual decidiu reverter o decreto e a crise do oxigênio se instaurou menos de três semanas depois.
O desespero contido nas imagens que rodaram o Brasil e o mundo mobilizou chefes de Estado e celebridades. O Governo do Amazonas criou uma força-tarefa para ampliar o abastecimento de oxigênio na rede estadual de saúde, incluindo o apoio das Forças Armadas no transporte do insumo de outros Estados, assim como a preparação de um chamamento público para a implantação de miniusinas de oxigênio.
PROXALUTAMIDA
DESESPERO
Além do “Kit Covid”, a população do Estado amazonense também foi alvo de outro “experimento”. Um estudo científico com a proxalutamida – realizado e patrocinado pela rede de hospitais do Amazonas, Samel – que pode ter sido responsável pela morte de 200 pacientes com Covid-19 no Estado.
Nas unidades de saúde e em frente às empresas de produção de oxigênio em Manaus e fornecimento do insumo ao governo estadual (White Martins, Carbox e Nitron), as filas de familiares desesperados por cilindros cheios eram imensas. Muitos aguardaram horas pela produção,
Em março deste ano, o grupo hospitalar do Amazonas, Samel, apresentou um estudo no qual apontava o medicamento como um medicamento também capaz de reduzir o tempo de internação e o número de mortes de pacientes por Covid-19. A pesquisa foi feita em parceria
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com a empresa americana de biotecnologia especializada no desenvolvimento de medicamentos para doenças capilares, Applied Biology. A iniciativa buscou observar se o medicamento impedia a entrada da Covid-19 nas células e diminuía a replicação do vírus. Ao todo, 600 pacientes divididos em dois grupos participaram do estudo clínico. No primeiro grupo, foi aplicada a proxalutamida e no segundo, um placebo. No grupo que tomou a proxalutamida (296 pacientes) houve o registro de 12 mortes, apenas 3,7% do total de pacientes. Já no grupo que tomou o placebo (294 pacientes), houve o registro de 141 mortes, o equivalente a 47,6%. As conclusões do estudo mostram que a proxalutamida reduziu o número de mortes, o tempo de internação hospitalar, inibiu a progressão da Covid-19 e parece atuar nos mecanismos principais da morte pelo coronavírus.
Crédito: Arlesson | Sicsú
ou chegada dos itens que salvariam a vida de entes queridos.
Faltou oxigênio e um mês havia sinais de que haveria uma crise no sistema
Também houvem falta de leitos durante o ápice da segunda onda
Crédito: Secom
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ANAUS (AM) – O ano de 2021 mal havia iniciado quando uma crise sem precedentes atingiu um dos Estados da Amazônia. Em 14 de janeiro, as unidades de saúde de Manaus ficaram desabastecidas de oxigênio, insumo fundamental para o tratamento dos pacientes com Covid-19 que lotavam os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Muitos morreram asfixiados. A REVISTA CENARIUM também esteve em meio ao caos e fez a cobertura completa.
No entanto, meses depois, a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, revelou que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) informou ao MPF-AM (Ministério Público Federal do Amazonas) que os pesquisadores que testaram a proxalutamida em hospitais do Estado, em fevereiro passado, não cumpriram a norma que obriga a comunicação de mortes e efeitos adversos ocorridos durante a pesquisa de forma espontânea e em 24 horas. Inicialmente, a Conep havia concedido parecer favorável para que a pesquisa fosse realizada com 294 voluntários, em Brasília. No entanto, o pesquisador Flávio Cadegiani teria começado a aplicar o estudo sem autorização no Amazonas, durante o mês de fevereiro, e só depois solicitou extensão da pesquisa em Manaus, Parintins, Itacoatiara, Coari, Manacapuru, Maués e Manicoré. 43
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Rede de saúde sai fortalecida Reestruturação do sistema de saúde pública no Amazonas fica como legado do esforço para enfrentar a pandemia Marcela Leiros – Da Revista Cenarium 44
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pela Anvisa) e não-farmacológicas (uso de máscara, higienização das mãos e evitar aglomerações)”, destaca ele.
Ao longo dos meses, o governo amazonense promoveu mutirões não apenas na capital, mas também no interior, a fim de acelerar a cobertura vacinal da população. Foram 15 edições da campanha Vacina Amazonas em municípios como Manacapuru, Novo Airão, Parintins, Rio Preto da Eva, Itacoatiara, Iranduba, Itapiranga, Urucará, São Sebastião do Uatumã, Careiro Castanho, Careiro da Várzea, Manaquiri, Beruri, Caapiranga e Iranduba. Atualmente, podem ser vacinados jovens de 12 a 17 anos, e adultos com mais de 18. A dose de reforço contra a doença já é aplicada em todo o Estado.
Lima também apresentou o plano para acelerar consultas, exames e cirurgias eletivas na rede estadual de saúde. O três primeiros, os projetos Consulta+, Examina+ e Opera+, iniciaram com a oferta, por mês, de 86.471 exames e serviços terapêuticos, além de 11.990 consultas no Hospital e Pronto-Socorro (HPS) Delphina Rinald Abdel Aziz, na Zona Norte de Manaus. Com o Opera+, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) passou a ofertar, também no Delphina Aziz, 1.295 cirurgias a mais por mês para pacientes. O HPS passou a realizar um total de quase 98,5 mil procedimentos ambulatoriais por mês.
Porém, o pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, faz um alerta. “Estão sendo aplicadas doses de reforço. Mas, se pensarmos no número total de elegíveis para a dose de reforço, veremos que o número também é baixo. Para o enfrentamento da epidemia, o que devemos fazer é o que a organização mundial sempre recomendou, combinação de estratégias preventivas farmacológicas (vacina e medicamentos aprovados
Núcleo de Inteligência da Saúde foi modernizado
Crédito: Rodrigo Santos | SES-AM
Amazonas ampliou sua capacidade de atendimentos em UTI
Crédito: Rodrigo Santos | SES-AM
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ANAUS (AM) – Após a crise sanitária que explanou para o mundo um sistema de saúde enfraquecido, o Governo do Amazonas promoveu a campanha de vacinação contra o coronavírus e o fortalecimento da rede pública de saúde. No dia 18 de janeiro, a técnica de enfermagem indígena Vanda Ortega foi a primeira pessoa vacinada contra a Covid-19 no Estado. Hoje, quase 11 meses após esse dia histórico, 49,2%* da população no Amazonas tem o esquema vacinal completo, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde - Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP).
Quanto ao fortalecimento da rede de saúde, o governador do Amazonas, Wilson Lima, entregou, em outubro, a primeira ala de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do interior do Estado, no município de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus). A ação histórica marcou o início da descentralização dos serviços de alta complexidade, até então concentrados na capital. Foram instalados 11 leitos de UTI, no hospital Jofre Cohen.
RETOMADA DE EVENTOS Com o avanço da vacinação e o fortalecimento da rede estadual de saúde, o Amazonas já retoma os eventos seguindo os protocolos sanitários. O primeiro foi um evento-teste para quase 3 mil pessoas com a atração nacional Tierry, na Arena da Amazônia, onde só poderiam ter acesso pessoas com as duas doses da vacina contra a Covid-19 (ou a dose única), usando máscara e com o resultado do teste contra o coronavírus (feito até 48 horas antes do evento) com resultado negativo. No evento realizado 18 meses depois da interrupção das atividades por conta da pandemia, foram testadas 2.785 pessoas, a Arena da Amazônia também foi palco de eventos esportivos. O Brasil jogou contra o Uruguai para um público limitado a 30% da capacidade do estádio. O clássico sul-americano foi válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, que ocorrerá no Catar. A Seleção Brasileira goleou o adversário de 4 a 1. *O dado foi apurado no dia 28 de novembro. 45
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Recordes de desmatamento Entre janeiro e setembro desse ano, a Amazônia perdeu 8.939 mil quilômetros quadrados de floresta Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O ano de 2021 foi marcado por recordes históricos na devastação da Amazônia Legal, com a ação de garimpeiros ilegais, grilagem de terras públicas e, principalmente, da passividade do governo de Jair Bolsonaro diante da fiscalização e punição de crimes ambientais. O bioma, considerado o maior do País, perdeu 8.939 mil quilômetros quadrados de floresta, entre janeiro e setembro de 2021. Em 2020, o total de vegetação perdida chegou a 11 mil quilômetros quadrados. O dado foi divulgado pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e mostra, numericamente, a devastação que tem “terreno fértil” na deficiência da governança federal, reconhecida pelas próprias autoridades federais. No último dia 23 de novembro, o vice-presidente da República e presi-
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dente do Conselho Nacional da Amazônia, Hamilton Mourão, admitiu que não houve integração entre o trabalho das Forças Armadas e os órgãos de fiscalização ambiental no combate ao desmatamento da Amazônia, mesmo com as três Garantias de Lei e da Ordem (GLOs) implementadas na região. Juntas, elas custaram R$ 550 milhões aos cofres públicos. Os conflitos saíram da Floresta Amazônica e chegaram até a alta cúpula dos órgãos de governança. Neste ano, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi exonerado diante da contínua e permanente alta do desmatamento e do forte desgaste da sua figura devido a investigações abertas contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF). Salles era considerado uma ameaça ao meio ambiente, por defender a exploração “capitalista” da Amazônia, a regularização de áreas griladas, o agronegócio, minera-
ção e garimpo ilegal, e a invasão de terras indígenas. Antes da exoneração, ele ainda foi acusado, pelo ex-superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas Alexandre Saraiva, de dificultar as investigações da Operação Handroanthus, que apreendeu mais de 200 mil metros cúbicos de toras extraídas ilegalmente na Amazônia. A intenção de Salles, segundo o acusador, seria proteger os criminosos ambientais e fiscais.
IMPACTOS AMBIENTAIS As consequências do crescente desmatamento e das emissões de gases – estimativas do Observatório do Clima apontam que 46% dos gases do efeito estufa emitidos pelo Brasil são provenientes do desmatamento – já causam efeitos ambientais não apenas na Amazônia ou no Brasil, mas em outras regiões do globo. Em 2021, cheias históricas dos rios na Amazônia, chuvas torrenciais na Europa e o calor mortal na
o ambientalista, diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre, em português), organização membro do Observatório BR-319, Carlos Durigan. O especialista lembra ainda que a cada ano, com o aumento da degradação ambiental, a tendência é a intensificação das mudanças climáticas, principalmente diante do aumento das emissões de gases do efeito estufa. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e o vice-presidente Hamilton Mourão em debate da COP26
América do Norte ilustraram o desequilíbrio ambiental já em curso.
cheia em todo o Estado, segundo a Defesa Civil do Amazonas.
Os estados do Acre e do Amazonas sentiram, diretamente, esses impactos. No primeiro, o governo estadual decretou calamidade pública em virtude da cheia dos rios em dez cidades, onde 130 mil pessoas foram afetadas com o fenômeno. O Rio Acre, considerado referência para a medição feita pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) na capital Rio Branco, alcançou o nível de 15,85, em 17 de fevereiro. Alguns dos municípios registraram inundações históricas, com milhares de famílias desabrigadas. No Amazonas, o nível do Rio Negro, considerado referência para a medição na capital Manaus, atingiu os 30,02 metros, a maior cota da história desde o início dos registros em 1902. Mais de 455 mil pessoas foram atingidas pela
Na Europa, “dilúvios” impressionaram o mundo. Inundações na Alemanha e na Bélgica, os dois países mais atingidos, causaram a morte de, pelo menos, 170 pessoas e 1,3 mil ficaram desaparecidas. Já na América do Norte, mais especificamente no sudoeste do Canadá e noroeste dos Estados Unidos, uma onda de calor elevou as temperaturas aos 49º e pode ter provocado cerca de 500 mortes. “As mudanças climáticas globais e seus efeitos são resultado de um processo histórico de aumento na forma de viver e produzir da humanidade e que tem na queima de combustíveis fósseis, na intensificação do uso do solo e consequente desmatamento, e degradação de regiões naturais, suas principais causas”, pontua
“O desmatamento na Amazônia tem se intensificado nas últimas décadas, construindo um cenário de menor resiliência frente aos efeitos dessas mudanças e ainda aumentando, a cada ano, sua parcela na contribuição do volume das emissões, uma vez que a perda de florestas resulta na liberação do carbono estocado em sua biomassa e ainda na perda de capacidade de absorção de carbono da atmosfera”, finaliza Durigan.
COP26 Esse desequilíbrio ambiental tem preocupado autoridades mundiais e ambientalistas em todos os países. Tanto que, neste ano, a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima de 2021), realizada em Glasgow, na Escócia, concentrou os olhos do mundo, principalmente na atuação do Brasil, e mobilizou grandes potências e países em desenvolvimento com um objetivo: manter o aquecimento global abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais – e tentar atingir 1,5°C – para evitar uma catástrofe climática.
Desconfiança mundial com o Governo Bolsonaro A COP26 resultou na Declaração sobre Florestas e Uso do Solo, que prevê zerar o desmatamento ilegal de florestas até 2030 e contou com a assinatura do governo brasileiro, junto a mais de 100 países; e no Compromisso Global do Metano para reduzir em 30% as emissões do gás também até 2030. Além do Brasil, outros 96 países. No entanto, as subscrições pelo Brasil não conseguiram substituir a prejudicada imagem do governo federal ante os outros países. Mais uma vez, o crescente desmatamento, queimadas e inanição
do Governo Bolsonaro colocaram o País sob pressão, e as promessas feitas não demonstram confiança. “Infelizmente, tivemos poucos avanços na COP26, mesmo porque os compromissos assumidos por vários países são ainda pouco ambiciosos. O que mudou desde a última COP em 2019 foi que buscou-se passar um discurso de comprometimento que sabemos diferir bem da prática que vem sendo adotada. O diferencial realmente foi a participação dos governos estaduais e municipais, sociedade civil, que incluiu diversos segmentos, e até
mesmo de setores empresariais que buscaram se adequar a uma agenda mais responsável de sustentabilidade e de proposição de ações”, enfatiza Carlos Durigan. “Esse paradoxo entre posicionamento do governo e efetividade de ações promovidas por representações diversas não é bom, mas, de certa forma, demonstra que a sociedade está atenta e atuante e que deve buscar formas de pressionar para que a gestão federal seja mais responsável com agendas públicas globais”, conclui o diretor da WCS Brasil. 47
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Crédito: Acervo pessoal | Divulgação
A amazonense Sâmela Sateré e a sueca Greta Thunberg, em manifestação em Glasgow
Crédito: Isac Nóbrega | PR
Indígenas têm vez e voz
COP26 foi a oportunidade para jovens lideranças de povos tradicionais fazerem alertas sobre as mudanças climáticas e sobre o futuro do planeta Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Na conferência, comunidades indígenas conquistaram espaço, após serem ignoradas por décadas nos debates e compromissos das conferências climáticas. Foi representativa a participação da comitiva de 40 lideranças indígenas do País, com destaque para a participação das ativistas brasileiras indígenas Txai Suruí, rondoniense, que discursou na abertura da COP26, e Samela Sateré, amazonense, marcando posição ao lado da ativista sueca Greta Thunberg. “Eu espero para o futuro do planeta que o mundo consiga entender que a gente não tem mais tempo, né, e que tem que ser agora, que o planeta veja que se a gente não fizer nada, a gente vai destruir aquilo que é a nossa casa. Tudo que a 50
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gente tem é a Mãe Terra que dá para a gente, então ela cuida da gente, só que a gente tá destruindo ela”, disse Txai Suruí em entrevista à REVISTA CENARIUM, no dia 4 de novembro. Os órgãos estaduais não ficaram para trás. Na falta de significativa representação federal no evento (ao contrário do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Jair Bolsonaro não se fez presente), os governadores do Acre, Gladson Cameli, de Rondônia, Marcos Rocha, do Pará, Helder Barbalho, do Pará, e do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), e secretários de Txai Suruí discursa na abertura da conferência
Meio Ambiente do Amapá, Amazonas e Maranhão representaram a Amazônia. “Temos que ser ator e defensor, tanto para o mal quanto para o bem do ponto de vista das cobranças que surgem, mas não podemos deixar que terceiros falem pela gente. A floresta é nossa, mas ela tem atribuições globais e, se ela é nossa, temos que cuidar, fazer o melhor uso possível para que a gente tenha essas garantias de sustentabilidade a longo prazo”, destacou o secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, à REVISTA CENARIUM, enquanto estava na COP26.
Crédito: Fotos Públicas | Divulgação
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ANAUS (AM) – Na contramão das sucessivas derrocadas na implantação de instituições de fiscalização ee controle ambiental no Brasil e da investida do governo federal em pautas “antiambientais”, uma luz tem surgido mais intensa e significativa no fim do túnel. A COP26 mostrou isso para o mundo e a REVISTA CENARIUM fez a cobertura completa do evento.
Presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello
A política que causa repulsa Na seara do poder, o comportamento de muitos políticos foi vergonhoso, tanto no trato das questões referentes à pandemia quanto nas velhas práticas Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Em 2021, a “série” da política brasileira não deixou a desejar. Esse foi o primeiro ano das novas gestões municipais, o segundo da pandemia da Covid-19 – com mais de 600 mil mortes no País – e, ainda, o ano em que os prováveis nomes da disputa presidencial de 2022 começam a se articular para o futuro pleito. O Senado Federal instalou, em 27 de abril, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid para investigar as ações do governo federal e o uso de recursos da União por Estados e municípios no
enfrentamento da pandemia. Seis meses depois (houve prorrogação de três meses), um relatório final de 1.279 páginas foi apresentado e aprovado, com 80 pedidos de indiciamento, entre pessoas e empresas. Ao presidente da República Jair Bolsonaro foram imputados os crimes de prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado em morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
A pandemia no Amazonas foi um dos destaques do relatório. Em janeiro deste ano, os hospitais da capital Manaus entraram em colapso pela falta de oxigênio para pacientes internados com Covid-19. O general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, médica Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”, foram apontados, pela CPI, como omissos na tomada de decisões que causou a morte de dezenas de pessoas no Estado. 51
COBAIA O relatório atribuiu ainda responsabilidades sobre o “Kit Covid” e o aplicativo TrateCov, indicando que Pazuello e Mayra usaram a capital mais populosa da Amazônia como “experimento” para testar a efetividade dos métodos. “Manaus foi usada como cobaia. No momento em que faltava oxigênio aqui, trouxeram o “Kit Covid” e lançaram o TrateCov”, afirmou o senador e presidente da CPI, Omar Aziz. O kit, formado por medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, todos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, também foi amplamente defendido pelo prefeito de Manaus, David Almeida – aliado do presidente Jair Bolsonaro – que mostrou apoio, também, ao TrateCov. O documento da CPI relembrou que no dia 11 de janeiro o Ministério da Saúde lançou o aplicativo em Manaus. No evento, estavam presentes o prefeito e o governador do Amazonas, Wilson Lima. Porém, dez dias após o lançamento, em 21 de janeiro de 2021, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma nota na qual recomendava a “retirada imediata do ar do aplicativo TrateCov” e pontuava que, entre outras coisas, “assegurava a validação científica a drogas que não contam com esse reconhecimento internacional”.
MÁ REPUTAÇÃO O apoio do prefeito David Almeida ao “Kit Covid” e ao TrateCov marcou o início de uma gestão pautada em escândalos. Em meio à crise do oxigênio, a gestão municipal virou assunto nacional com a notícia dos “fura-filas” na vacinação contra a Covid-19. Também repercutiu na imprensa a revelação feita pela REVISTA CENARIUM sobre a aquisição de apartamentos no Residencial Cidadão Manauara II, destinado a famílias de baixa renda, por familiares do prefeito Em 19 de janeiro, imagens começaram a circular nas redes sociais mostrando as servidoras Gabrielle e Isabelle Lins, filhas de um influente empresário da capital e nomeadas por David Almeida, sendo vacinadas com a primeira dose do imunizante contra a Covid-19. As irmãs, que não têm comorbidades e não trabalhavam em 52
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Unidade de Terapia Intensiva (UTI), foram acusadas por órgãos de controle do Estado de trapacearem a fila de prioridades na vacinação, tomando a vez de funcionários da saúde que atuavam na linha de frente.
doses da vacina CoronaVac contra a Covid19, que seriam doadas ao Amazonas. A suspensão temporária, segundo o Governo do Amazonas, foi por falta de “planejamento” e “controle” na vacinação.
Entre as pessoas que se vacinaram também estava o filho do ex-deputado estadual Wanderley Dallas (Solidariedade), o médico David Dallas, a secretária municipal de Saúde (Semsa), Shadia Fraxe, e o secretário municipal da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), Sabá Reis.
A prefeitura decidiu exonerar as irmãs Lins e mais cinco gerentes de projetos 25 dias depois da nomeação controversa. O MP-AM ainda pediu a prisão do prefeito de Manaus, David Almeida, e da secretária municipal de Saúde, Shadia Fraxe, na ação que denunciava as irregularidades na aplicação da vacina e no favorecimento de pessoas na fila do grupo prioritário da vacinação contra a Covid-19. O pedido não foi atendido pela Justiça do Amazonas, que segue analisando a representação, desde janeiro.
Segundo o Ministério Público do Amazonas (MP-AM), a prefeitura achou uma maneira irregular de contratar dez médicos, incluindo os três já citados, às vésperas do início da vacinação (no dia 18 de janeiro) e não teve controle de quem deveria ser imunizado. Documentos mostram que os dez investigados foram nomeados como “gerente de projeto” e não com a função que realmente iriam exercer. O cargo é comissionado, sem necessidade de concurso público e com salário de R$ 9 mil. A partir de então,as descobertas de novas ilicitudes causaram desdobramentos que prejudicaram, mais ainda, a população de Manaus.
SUSPENSÃO DA VACINAÇÃO Por conta do escândalo, a vacinação foi suspensa em Manaus por dois dias, por recomendação dos órgãos de controle, até a apresentação de um plano reorganizado de distribuição das doses nas unidades de saúde, com os critérios de definição de prioridades, baseados na exposição ao risco, comorbidades e faixa etária. Em relação aos investigados pelo MP-AM, a juíza Jaiza Fraxe, da 1ª Vara da Justiça Federal no Amazonas, decidiu que as pessoas que furaram a fila da vacina contra a Covid-19 não teriam o direito de receber a segunda dose do imunizante e estariam sujeitas à prisão em flagrante. No entanto, conforme revelado pela REVISTA CENARIUM no dia 10 de fevereiro, baseado em consulta ao portal “Imuniza Manaus” atualizado pela Semsa, as irmãs médicas receberam a segunda dose do imunizante. Após o novo escândalo, o governo de São Paulo suspendeu o envio de 50 mil
Bolsonaro dá mau exemplo em Manaus Em 2021, Bolsonaro visitou o Amazonas em quatro ocasiões, sendo que em três delas o chefe do Executivo federal esteve na maior metrópole da Amazônia brasileira. Em todas as ocasiões, o presidente promoveu aglomeração e dispensou o uso de máscara, item essencial para evitar a transmissão da Covid-19. Em abril, o presidente esteve na capital amazonense para inaugurar a segunda etapa do Centro de Convenções Vasco Vasquez (CCAVV). Na época, o Brasil estava perto de alcançar os 400 mil mortos por Covid-19 e o Amazonas havia ultrapassado as 12 mil mortes pela doença. Em maio, Jair Bolsonaro foi a São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros em linha reta de Manaus) para inauguração de uma ponte de madeira na cidade, que liga o município a comunidades Yanomami. Essa foi a primeira visita de Bolsonaro a uma terra indígena, desde quando assumiu a presidência. Em agosto, o presidente esteve em Manaus para a inauguração do Conjunto Residencial Manauara 2, o mesmo imóvel que foi objeto principal do escândalo dos familiares do prefeito de Manaus. A última visita foi em outubro para participar de eventos promovidos pela igreja da Assembleia de Deus no Estado.
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Crédito: Ruan Souza | Semcom
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Prefeito David Almeida em vistoria no Residencial Manauara 2, antes da entrega
Parentes do prefeito ‘sorteados’ para receber apartamentos Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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om salários de até R$ 4 mil em cargos comissionados da Prefeitura de Manaus, as tias da filha do prefeito da cidade, a estudante Fernanda Aryel Almeida, foram contempladas no “sorteio” da Caixa Econômica para receberem apartamentos no Residencial Manauara II, na Zona Norte, conforme revelado, exclusivamente, pela REVISTA CENARIUM. A obra fazia parte de uma parceria entre a prefeitura e o governo federal. O Residencial Manauara foi destinado a famílias com renda de até R$ 2 mil, conforme o site da própria Caixa Econômica. Entre as condições previstas para participar do sorteio estavam que as famílias deveriam ser residentes em área de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas. Também poderiam participar
famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; famílias que tenham Pessoas com Deficiência (PcDs); pessoas idosas na condição de titulares do benefício habitacional; e pessoas com deficiência. O site da Prefeitura de Manaus informa que a Caixa Econômica sorteou os contemplados do Residencial Manauara com base na seleção de nomes enviados pela Prefeitura de Manaus ao banco. Para criar o banco de dados do programa habitacional, a prefeitura deveria obedecer aos critérios estabelecidos pelo Ministério das Cidades, que define características das famílias candidatas. Em setembro deste ano, após a revelação deste escândalo, agentes da Polícia Federal (PF) e membros do Ministério
Público Federal (MPF), no Amazonas, informaram com exclusividade à REVISTA CENARIUM que a irmã do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), que também é presidente do Fundo Manaus Solidária, Dulce Almeida, é investigada como a responsável direta pelas mudanças na lista enviada à Caixa Econômica de “famílias aptas” a receberem apartamentos populares no Residencial Manauara 2, segunda etapa, inaugurado no dia 18 de agosto. Dulce Almeida foi citada em depoimentos prévios como sendo a pessoa que conduziu as alterações na lista de famílias habilitadas a receberem os apartamentos da Caixa, cuja elaboração ocorreu em 2020, quando o atual prefeito de Manaus ainda não estava no cargo. 53
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ver os ingredientes, então ele distende”, explicou a médica, destacando ainda as consequências da desnutrição na saúde das crianças. “Quanto mais desnutrida a criança é, maiores as chances dela ter infecção por qualquer causa, pode ser respiratória, intestinal…”, destacou.
Situação foi detalhada em reportagem exibida pela TV Globo
IMAGEM DA MORTE Em maio deste ano, uma imagem rodou o mundo e se tornou um retrato da realidade da crise sanitária que atinge o povo Yanomami. Na aldeia Maimasi, uma criança deitada em uma rede escura estava tão magra que era possível ver as suas costelas. A menina tinha 8 anos e pesava apenas 12,5 quilos — o peso mínimo normal para a idade seria de 20 quilos — acometida por malária, pneumonia, verminose e desnutrição. A falta, ou escassez, de atendimento médico, aliada à deficiência de fiscalização ambiental, empurra os Yanomami para um cenário desesperador. Estima-se que 20 mil garimpeiros ilegais atuem no território. A atividade de mineração contamina os rios com mercúrio e tem causado deformidades e doenças em mulheres e crianças, segundo apontou o líder indígena do povo Yanomami, Dário Kopenawa, à CENARIUM, em outubro.
“As crianças estão nascendo com malformações. Mulheres e crianças já estão com sintomas de coceira e também apresentam dor de barriga, diarreia e infecção urinária, porque a gente tá tomando água suja. Não é só a água, todo o território Yanomami está poluído”, advertiu o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.
“Essa situação de abandono é anterior à gestão Bolsonaro. No entanto, sob Bolsonaro, a alarmante situação das crianças Yanomami é igual ou pior”, afirma o epidemiologista da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana, à CENARIUM, um dos autores do estudo que apontou a desnutrição crônica das crianças Yanomami.
Assistência No Brasil, a assistência à saúde dos Yanomami está sob responsabilidade do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. O território é dividido entre as etnias Yanomami e Ye’kuana, distribuídas em 258 aldeias, a maioria localizada em áreas remotas e de acesso, exclusivamente, aéreo ou fluvial. O isolamento e as dificuldades impostas pela localização dos indígenas dificulta o atendimento médico, mas não impede que o governo federal estenda, ao território, políticas de saúde consideradas ideológicas. Documento obtido pela CPI da Covid, que investigou as ações e omissões do governo federal na pandemia, mostrou que, entre 30 de
junho e 5 de julho de 2020, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Ministério da Defesa levaram 100.500 comprimidos de cloroquina 150 mg e 16.158 comprimidos de azitromicina 500 mg e 600 mg para 75 mil indígenas das comunidades Surucucu, Auaris, Uiramutã, Flexal e Ticoça, no Estado de Roraima. Os medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da doença estavam entre as quase quatro toneladas de suprimentos médicos e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) distribuídos também aos 1.762 profissionais de saúde dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) Yanomami e Leste de Roraima. A operação foi chamada de ‘Missão Yanomami: Raposa Serra do Sol’.
Crédito: Fantástico 14 nov. 2021
Crédito: Fantástico 14 nov. 2021
Desnutrição Yanomami Em meio à pandemia e ao avanço do garimpo ilegal, oito em cada dez crianças da Terra Indígena Yanomami sofrem com deficiência nutricional Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – A desnutrição crônica é a realidade dolorosa que as crianças Yanomami enfrentam na maior Terra Indígena (TI) do País sendo apontada, por especialistas, como um dos resultados da “política anti-indigenista” do governo federal. Em 2019, oito em casa dez crianças menores de 5 anos sofriam com a condição. Atualmente, com a pandemia da Covid-19 e o avanço do garimpo ilegal, a situação chegou a níveis alarmantes,
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como mostrou reportagem veiculada em novembro pelo programa Fantástico, da Rede Globo.
dilatada são características dos pequenos Yanomamis, que acabam sendo acometidos por doenças infecciosas e parasitárias.
A TI Yanomami tem 9 milhões de hectares e abrange os Estados de Roraima e Amazonas. São 30 mil indígenas que habitam a extensa área dentro da Floresta Amazônica e as imagens da desnutrição infantil são chocantes. A estatura, o peso abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a barriga
Ao noticiário semanal, a pediatra e nutróloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Maria Paula de Albuquerque, apontou as possíveis causas dessas características físicas. “Revela uma possível infestação de parasitas, ou uma possível síndrome de má-absorção, que é quando o intestino não tem como absor-
A barriga dilatada são características das crianças que estão acometidos por doenças infecciosas e parasitas 55
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Após ‘baque’ da pandemia de Covid-19 no setor do turismo em 2020/2021, temporada de cruzeiros deve injetar até R$ 11 milhões na economia local em 2022 Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – A temporada de cruzeiros no Amazonas, cujo segmento foi um dos mais afetados com as restrições impostas pela pandemia da Covid-19, tem previsão de retornar em 20 de janeiro de 2022, seguindo até 20 de abril. Segundo a Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos de Manaus (ManausCult), são esperados na capital amazonense 11 navios com 10 mil turistas americanos e europeus a bordo, que devem injetar o equivalente a R$ 11 milhões na economia local. “No início, tínhamos a previsão de 24 navios, mas, por conta de todos os problemas desencadeados pela Covid19, tivemos uma considerável redução. Mas, ainda assim, com todas as dificuldades, a chegada desses 11 navios será
uma temporada curta, mas não deixa de registrar o interesse dos turistas na cidade de Manaus”, afirma a diretora de Turismo da ManausCult, Oreni Braga. Ela ressalta que uma temporada de cruzeiro não somente injeta recursos com o gasto médio dos turistas, mas com o abastecimento [dos navios] com combustível, alimentos, água e toda uma cadeia de serviços mobilizados. “Isso nos traz um bom retorno para a cidade. São as lanchas, são operadores locais, guias turísticos, operadores nas comunidades, apresentações culturais, compra de artesanato, o consumo nos restaurantes. E, só para terem uma ideia, quando Manaus recebe de 20 a 25 navios, são injetados na economia local, em média, R$ 45 milhões na temporada de seis meses”, conta a diretora.
Oreni Braga, diretora de Turismo da ManausCult.
PROGRAMAÇÃO E PROTOCOLO Segundo Oreni Braga, a maioria dos transatlânticos são de bandeiras norte-americana, inglesa e francesa. Para a chegada dos turistas, uma programação conta com a tradicional recepção dos visitantes no Porto de Manaus e um roteiro integrado no entorno do Centro Histórico da cidade, local mais procurado pelos que chegam à capital.
aqui, temos a equipe da Anvisa, Polícia Federal, Receita Federal e temos todo um processo de informação nos Centros de Atendimentos nos Pavilhões Universais, e ressaltamos o uso contínuo das máscaras, o uso do álcool em gel e orientamos que seja mantido o distanciamento para que essas pessoas não sejam transmissíveis para nós e que também não sejam contaminadas aqui”, explica.
“É o começo de uma repaginada. Manaus tem tudo para ser não só mais um destino do turismo brasileiro, mas a capital da Amazônia e do turismo mundial”, ressalta. Para a temporada turística 2022, a diretora de Turismo da ManausCult explica que todos os protocolos de segurança para evitar a contaminação pela Covid-19 serão obedecidos. Cada pessoa embarcada tem que estar devidamente vacinada e passa por toda uma orientação ao chegar na cidade pelos profissionais dos órgãos de controle. “O protocolo é universal, a pessoa já sai do seu país com toda uma recomendação, seguindo as regras de biossegurança e vacinada. Ao desembarcarem
Balanço
Crédito: Ricardo Oliveira
Retomada à vista
“
Manaus tem tudo para ser não só mais um destino do turismo brasileiro, mas a capital da Amazônia e do turismo mundial”
Oreni diz que o número de visitantes no Estado varia a cada temporada, dependendo do modelo e capacidade dos navios
Recepção aos turistas no Porto de Manaus em 2018
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De acordo com a diretora da ManausCult, na temporada 2018/2019, 20 navios com 17 mil turistas desembarcaram em Manaus. Na temporada de 2019/2020 foram 14 navios e 20 mil turistas que movimentaram o segmento turístico da cidade. 56
Crédito: ManausCult | Divulgação
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Precariedade como a encontrada na “Cidade das Luzes” é a realidade em, pelo menos, 45% das áreas urbanizadas do Amazonas, que, conforme um estudo recente do MapBiomas, são compostas por favelas. Publicado no último dia 4 de novembro, o estudo é baseado em imagens de satélite, reunidas entre os anos de 1985 e 2020.
Ednelza falou à CENARIUM sobre como é viver sob a ameaça de ser retirada a qualquer momento
Seis anos após a primeira reintegração de posse, invasão Cidade das Luzes segue ‘em pé’, sem infraestrutura básica para seus moradores e como uma ‘ferida aberta’ na natureza Karol Rocha – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Neste mês, a primeira ação de reintegração de posse ocorrida na área conhecida como “Cidade das Luzes”, na Zona Oeste de Manaus, completa seis anos e a realidade daquela ocupação irregular continua a mesma: precariedade urbana para quem vive ali e um reflexo da falta de plano de habitação na capital que invade a floresta e degrada o meio ambiente. A ocupação, chamada de bairro por seus moradores, está localizada nos limites com a comunidade indígena Parque das Tribos, no bairro Tarumã. Lá, centenas de moradores sentem na pele as dificuldades de viver sem acesso à água potável, energia elétrica e mobilidade, já que o transporte coletivo não acessa as ruas. A empregada doméstica Ednelza Pereira Campos, 53, conta que mora no local há quatro anos em um terreno doado antes da ação de reintegração de posse ocorrida no
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dia 11 de dezembro de 2015. Mesmo sem ter vivido aquele momento, ela conta ter medo de uma nova ação. “Aqui eu construí uma casa de alvenaria. Vim de Itacoatiara para um tratamento médico da minha
filha. Hoje, ela está na fila de espera para fazer uma cirurgia no joelho. Morro de medo que tomem a nossa casa”, afirma. Ednelza relata que são três as principais dificuldades enfrentadas por quem mora
Um problema ambiental Além das questões sociais, a “Cidade das Luzes” é o retrato de um problema ambiental. A “Cidade” é uma das 55 áreas invadidas em Manaus, conforme levantamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Sema). Segundo o ambientalista Carlos Durigan, o desmatamento e a degradação destas áreas ameaçam o patrimônio natural e espécies como o sauim-de-coleira que, atualmente, é um dos primatas mais ameaçados do Brasil. “O desmatamento ainda promove aumento das emissões de carbono, contribuindo para o aquecimento global e a redução da cobertura florestal no espaço urbano. Compromete nossa qualidade de vida e abre espaço para a propagação de problemas sanitários diversos”, disse. E continuou: “Estamos no coração da Amazônia e mesmo nossos fragmentos florestais ainda são importantes para a biodiversidade e para o provimento de serviços ecossistêmicos que nos proporcionam qualidade de vida”.
A maior parte dessas áreas de favelas tem como origem ocupações irregulares. O cientista social Marcelo Seráfico, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), explica que a origem da formação de invasões está em duas situações. “Uma é relativa à política pública de habitação, que é inexistente ou insuficiente; e outra, do limite imposto a um imenso contingente de pessoas de acesso à participação na riqueza produzida no País, que se expressa na baixa renda e na situação de pobreza e vulnerabilidade social”, observou.
O pedreiro Jeisiam Souza Ferreira, 33, foi um dos moradores retirados do local junto com a família em 2015, quando bombas de gás foram lançadas contra as famílias, enquanto homens da Secretaria de Estado de Segurança (SSP-AM) e máquinas destruíam os barracos irregulares. Um ano depois, ele fez questão de retornar para a moradia, onde está até hoje. “Tudo o que a gente tinha foi por água abaixo, mas, graças a Deus, ele tem nos restituído e estamos na luta pela moradia e pelo nosso bem-estar”, afirma. É trabalhando como vendedor de peixes que Igor Pimentel Almeida, 43, ganha a vida. Ele optou por morar e trabalhar na “Cidade das Luzes” pela carência de venda de alimentos na comunidade. “Antes, eu trabalhava lá no Manoa e, como aqui era carente de peixe, comecei a vender. Eu vendo todo o tipo de peixe, do pirarucu ao
Seráfico ressalta que são pessoas em situação de pobreza que, geralmente, procuram essas áreas para construir uma moradia. O cientista destaca que as exceções “precisam ser identificadas e explicadas”. Entre os problemas mais comuns desse tipo de ocupação estão a falta de serviços básicos. “Além dos problemas comuns à maior parte da cidade, nessas áreas a carência de serviços públicos e a privatização do espaço público se mostram ainda mais graves, expressando-se em condições sanitárias, moradias e arruamentos inadequados; além da carência de espaços de lazer, escolas e postos de saúde; exposição das pessoas a situações de violência, dentre outros problemas”, pontuou. Como solução, Seráfico defende o combate à desigualdade social, com uma melhor distribuição da riqueza em prol dos serviços públicos de um lado, e do outro “o acesso estável à renda, que possibilite às pessoas manterem e planejarem suas vidas”.
jaraqui, frutas, verduras, farinha, poupa de suco. Todo mundo que mora aqui dentro é pai de família e trabalhador”, afirma. Pode parecer um sonho pequeno, caso você more em um bairro nobre da maior capital da Amazônia, mas o sonho da empregada doméstica Luzia Lima Câmara, 38, é ter uma geladeira. Na casa simples de alvenaria, ela conta apenas com uma cama e um fogão. “Geladeira, a gente não tem. Eu compro comida para comer no dia mesmo ou então eu guardo comida na casa do vizinho. O que eu mais quero na minha vida é uma geladeira, porque é muito humilhante pedir a ajuda das pessoas e tem muita gente aqui que não gosta de ajudar”, relata. Luzia mora com o marido e os dois filhos pequenos. A expectativa dela para o futuro é educar as crianças e retornar ao mercado de trabalho como serviços gerais.
Vista aérea da ‘Cidade das Luzes’
Crédito: Divulgação | SSP-AM
Luzes que não se apagam
Moradores sonham e lutam por dias melhores
Crédito: Divulgação | SSP-AM
Crédito: Ricardo Oliveira
na “Cidade das Luzes”. “[A primeira é] a energia elétrica que a gente não tem. A segunda é a água, a gente usa de poço. E a terceira é a condução que nós não temos. A parada de ônibus fica a um quilômetro e meio de distância, precisamos sair do bairro [para pegar um coletivo]”, pontua.
Área foi alvo de uma reintegração com forte aparato policial, em 2015 59
ECONOMIA & SOCIEDADE
REVISTA CENARIUM
Punidas por ‘saberem demais’
Crédito: Reprodução | YouTube
Imagem ilustrativa sobre as mulheres acusadas de bruxaria na Idade Média
tãos), ao manterem uma grande conexão com a natureza (terra, água, sol, lua etc.), ao seguirem a sua intuição e os seus saberes mais íntimos como a premonição ou apenas aquelas que eram mais cultas, belas ou inteligentes. Eram queimadas, afogadas ou enterradas para que se calassem e não se expressassem como mulheres que eram”, explica a portuguesa e celebrante espiritual Cátia Silva, especialista em rituais. Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Cátia destaca que, no princípio, os celtas acreditavam no fato de que, entre a noite do dia 31 de outubro e o dia 1º de novembro, o véu entre mortos e os vivos era mais frágil, sendo mais fácil a comunicação com os ancestrais. Segundo ela, esse momento, para a cultura céltica, era uma grande festa, com rituais envolvendo fogueiras, a vela e o fogo, e que traziam um misticismo próprio. Ao longo do tempo, o cristianismo adotou algumas dessas cerimônias pagãs e houve uma apropriação do Festival do Samhain.
No passado, o conhecimento de mulheres em Filosofia, Astronomia e Fitoterapia assustou o Clero Católico, que resolvou associá-las ao mal e, assim, surgiram as ‘bruxas’, figuras centrais do haloween moderno
Originado há mais de 2,5 mil anos, o Halloween teve sua primeira cerimônia 60
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Em meio ao período em que a Igreja Católica exercia grande influência na Europa e era comandada, essencialmente,
por homens, as mulheres que tinham conhecimentos em práticas de cura com o uso de plantas eram julgadas como “bruxas”, termo que ficou associado a pactos com o “diabo”. “Na Idade Média, entre o século XV e XII, fazia-se a caça às bruxas com a acusação de que elas faziam heresias. Heresias essas que não eram nem mais nem menos do que a expressão dos seus maiores dons. Ao se expressarem, ao usarem as plantas, ao rezarem aos seus deuses (que não os cris-
Nos anos de 1693 e 1694, a cidade de Salem, nos Estados Unidos, chamou a atenção do mundo pela série de julgamentos de dezenas de pessoas, entre bruxas e habitantes locais, executados e torturados, em praça pública, por praticarem bruxaria. Com o grande número de execuções, o medo também dominava a região e, consequentemente, as lendas e contos
sobre as bruxas e o que elas eram capazes de fazer tomaram o imaginário popular. Diante do sentido pejorativo da palavra bruxa, criou-se, na sociedade, uma cultura machista e misógina na qual as mulheres passaram a ser desqualificadas pelos homens por se submeterem ao desconhecido e às “forças do mal”. Com isso, as mulheres sucumbiram a papéis secundários e submissos aos maridos. Historicamente, as bruxas também são retratadas como mulheres fora dos “padrões de beleza social”, com o nariz grande, pontudo, cheias de verrugas e corcundas, com uma gargalhada horripilante e que eram temidas por sequestrarem crianças e as usarem em rituais macabros, segundo a religião cristã.
Atualmente, a advogada Claire Mitchell lidera um movimento que luta por reparação histórica para 2.500 mulheres mortas por serem bruxas. Para isso, ela deu início à campanha Bruxas da Escócia. A advogada explicou que “a campanha tem três objetivos: o perdão aos condenados, o pedido de desculpas aos arguidos e um monumento nacional para os lembrar”. Crédito: Ana Freitas | Divulgação
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baseada na cultura celta do Reino Unido, com o chamado “Festival de Samhain”, no qual se acreditava no retorno dos mortos à Terra. Segundo historiadores, o evento foi desfigurado na Idade Média, com a discriminações de mulheres que participavam da cerimônia e tinham um alto grau de conhecimento em Filosofia, Astronomia, Fitoterapia e outras áreas de estudos.
Professora de História, Kátia Regina Damasceno conta que quando os europeus imigraram para os Estados Unidos (EUA) levaram consigo os rituais. Por lá, parte dos costumes mudaram: as abóboras, legume mais comum encontrado na América do Norte, passaram a ser utilizadas no lugar de nabos (usados na Irlanda), para afastar os maus espíritos.
Reparação histórica e valorização
Buno Pacheco – Da Revista Cenarium ANAUS (AM) – Encantamentos e rituais são práticas lembradas todos os anos no “Dia das Bruxas”, o Halloween, uma data que possui mitos criados na Idade Antiga e reforçados no Período Medieval, mas que foram desconstruídos pela História, com o passar dos anos. A estrutura patriarcal das duas épocas fez mulheres que “sabiam demais” serem brutalmente assassinadas.
Representação de mulheres sendo incendiadas em passado relativamente recente
Crédito: Reprodução
Mais de 3.800 pessoas foram julgadas por bruxaria na Escócia, entre os séculos XV e XVIII, e não houve desculpas formais pelos eventos hediondos
Como forma de empoderamento, dar voz e trazer a bruxa que há nas mulheres, a celebrante espiritual Cátia Silva trabalha em celebrações e rituais há um ano e meio em Lisboa, em Portugal. Para Cátia, esse movimento representa a vontade de todas as mulheres de se libertarem de amarras, da opressão de suas expressões e dons. “Nos mostrar sem vergonha e assumindo o que realmente temos aqui dentro, a nossa sabedoria interna e o nosso poder pessoal”, destaca. Cátia Silva é celebrante espiritual e trabalha com o empoderamento feminino
Para conhecer mais sobre o trabalho de Cátia Silva, basta acessar o site da especialista no link: https://www.catiasilva.eu/ ou acesse as redes sociais. 61
Crédito: Adriano Sarmento | Idesam
ENTRETENIMENTO & CULTURA
afirma Silvana Macedo, coordenadora-geral da Aliança Guaraná de Maués. O gambá é considerado um gênero musical afro-amazônico
Tradição valorizada Projeto ‘Tamboreando’ dá incentivo às novas gerações para preservar e difundir a cultura do Tambor de Gambá de Maués, no interior do Amazonas Com informações da assessoria 62
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ANAUS (AM) – Valorizar e fortalecer as manifestações culturais e populares da cidade de Maués, a 267 quilômetros de Manaus, por meio do ensino como a tradição do Tambor de Gambá e instrumentos percussivos da região, além da Dança dos Pássaros e outros folclores. Esse é o objetivo do projeto “Tamboreando Cultura na Terra do Guaraná”, iniciativa do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), aprovada pela Lei 8.313/91 de Incentivo à Cultura.
A ação é coordenada pela Aliança Guaraná de Maués (AGM) e tem patrocínio do Guaraná Antárctica e da Ambev. Além do Idesam, o projeto é realizado pela Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo e governo federal. O “Tamboreando” nasceu da interação entre o Idesam e dois mestres de Cultura Popular do Amazonas: os saudosos Ricardo Macedo e Waldo Mafra, o Mestre Barrô – donos de conhecimentos notáveis sobre a arte dos tambores regionais, especialmente o Tambor de
Gambá, e expressões folclóricas, como a Dança dos Pássaros. Segundo a coordenadora-geral do “Tamboreando”, Mariana Guimarães, Maués foi escolhida como ponto focal do projeto por apresentar rica diversidade de saberes culturais tradicionais e originários, transmitidos de geração a geração. “Os materiais do projeto possuem referência direta à natureza do município, trazendo singularidade a essas manifestações e fazendo com que sua prática fortaleça o sentimento de identidade. Por tudo isso, o projeto não seria possível de ser realizado em outro local”, explica Mariana.
METODOLOGIA Já em andamento, a iniciativa está estruturada em dois eixos: formação e
Crédito: Adriano Sarmento | Idesam
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De forma geral, o projeto pretende preservar a cultura de Maués, por meio da difusão de práticas culturais típicas da região, e isso é possível graças a uma dinâmica de apresentações e aulas, que beneficiam 90 alunos de diferentes comunidades originárias e tradicionais da cidade e do seu entorno”
apresentação. A formação inclui duas oficinas, ambas com duração de um ano, para um grupo de, aproximadamente, 90 alunos de Maués e municípios vizinhos. As oficinas são de Luthieria Percussiva e Tambor de Gambá. A formação em Luthieria Percussiva apresenta conhecimentos sobre construção de instrumento, com teoria e práticas que estimulam a criatividade de cada aluno; montagem, com corte da matéria-prima de acordo com a proposta dos desenhos dos alunos e trabalho do encaixe de peças; alinhamento; acabamento; e, ao final, resultados, com a apresentação da orquestra de alunos, formada por instrumentos de variados modelos – cajons, tambores alfaias (de cordas), gambás, trucanos, timbaus de corda e chocalhos de sementes.
Iniciativa visa ensinar os mais jovens para que a cultura do Tambor de Gambá não seja perdida
Já as aulas de Tambor de Gambá apresentam módulos para montagem e limpeza dos instrumentos; Pedagogia Griô, com a vivência afetiva e cultural para a facilitação do diálogo entre faixas etárias, escola e comunidade, entre outros pontos; aprendizado do instrumento, com foco na performance individual; além de ensino de cantoria e batidas. Encerrando a programação, o projeto fará dez apresentações da Dança dos Pássaros e outros folclores, e do grupo Troar dos Tambores, formado por jovens e adultos participantes das oficinas e da cidade de Maués. As primeiras apresentações estavam previstas para acontecerem durante a tradicional Festa do Guaraná, que ocorre, anualmente, no mês de novembro, mas com a suspensão do evento neste ano os espetáculos ocorrerão em 2022. 63
Um time de professores oficineiros dará continuidade ao trabalho dos mestres Ricardo Macedo e Waldo Mafra (já falecidos) Entre eles, está o luthier parintinense Alessandro Cabral, que foi regente da Batucada do Garantido, grupo percussivo com 640 integrantes. Como o custo e a manutenção dos instrumentos era alto, Alessandro decidiu aprender técnicas para a construção dos apetrechos e está nesse ofício, desde então. “O ‘Tamboreando’ não é apenas um projeto de música e construção de instrumentos, e sim uma ferramenta transformadora na vida do jovem, principalmente nos de risco de vulnerabilidade social. A partir do momento que usamos projetos dessa proporção para beneficiar o jovem, existe uma transformação significativa na vida dele. Esse é o maior impacto”, diz. Alessandro conta que a procura pelo projeto é grande e já tem vários inscritos. Entre eles, está a jovem estudante Hagatha Freitas, de 16 anos. Ela, que já sabe tocar violão e outros instrumentos, se interessou pela oficina de Luthieria. “Vou aprender tudo sobre a linha de montagem, teoria e prática da confecção de instrumentos. Sempre tive interesse em saber mais sobre percussão, como se manuseia o instrumento e os fundamentos dele. Minha expectativa é positiva. Quero aprender como fazer um instrumento para mim e para outra pessoa, assim como adquirir, cada vez mais, conhecimento sobre música”, relata animada.
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A culpa é quase sempre ‘dela’ *Paula Litaiff
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entrada “despercebida” de um cliente “fantasiado” de feminicida em uma casa noturna de Manaus (AM), imagem que viralizou na internet e chocou grande parte da sociedade brasileira, representa o conceito milenar, inconsciente ou não, de uma sociedade que ainda significa mulheres como coadjuvantes na formação da humanidade e protagonistas em atrapalhar os planos de Deus e dos homens. Há 11 anos, a carioca Eliza Samudio desapareceu após se tornar uma espécie de “atrapalho” na vida de um atleta que tinha, em tese, uma carreira promissora, o ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes. O corpo dela nunca foi encontrado, mas investigações apontaram que Bruno mandou matá-la depois de Eliza informá-lo que esperava um filho dele. A modelo, segundo a polícia, foi esquartejada, colocada em um saco e entregue como “comida” a cachorros. Os elementos trágicos envolvendo o desaparecimento de Eliza foram pensados como recursos de entretenimento no dia 1º de novembro pelo tatuador de Manaus, Rodrigo Fernandes, de 27 anos, quase a mesma idade do ex-goleiro Bruno, na época do crime, em 2010. Com a camisa do Flamengo nominada de “Bruno” e um saco preto identificado de “Eliza”, Rodrigo entrou, “sem ser percebido”, em uma festa à fantasia no lugar conhecido na capital do Amazonas como “Porão do Alemão”.
Mas, esta não é a primeira vez que homens entram em casas de festas fantasiados com o enredo da morte de Samudio “sem serem percebidos” pelos funcionários do local. Em 2018, dois estudantes participaram de um evento em Inconfidentes (MG) fantasiados do ex-goleiro Bruno e de Luiz Henrique Ferreira Romão, o “Macarrão”, também condenado pela morte de Eliza. Os jovens chamaram os adornos de “Fantasia Raiz”. O termo é usado na internet para tudo que é “forte” e “original” e reafirma, na realidade, a demonização da mulher que remonta a gênesis da Terra, quando, nos primeiros capítulos da Bíblia, seu escritor atribui a Eva a culpa de ter levado o homem, Adão, ao pecado induzindo-o a comer o fruto proibido do Éden e modificando os planos de Deus. Historiadores têm a Bíblia e livros históricos provenientes dela como grandes instrumentos que introduziram a opressão contra mulheres na humanidade por meio da prática em desqualificá-la, colocando-a ora em situação de coadjuvante, ora sendo protagonista em atrapalhar os planos divinos.
‘ATRAPALHO E SOLUÇÃO’ A mulher atrapalhou o projeto do poderoso Deus de salvar a humanidade e só a vinda de outro homem para levar a mesma humanidade à redenção. Com a história do Éden, a mulher passou a ser a representação do que se deve ser subjugado em função do “pecado original”. Assim, prosseguiu-se com o genocídio de
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Novas gerações dão continuidade
ARTIGO – PAULA LITAIFF
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ENTRETENIMENTO & CULTURA
mulheres que “sabiam demais” na Idade Medieval, chamadas de “bruxas”. Quando não demonizada, a mulher é exposta, na Bíblia, como objeto de pertencimento ou meio pelo qual se obtém algo. Assim foi com Eva, criada a partir da costela de Adão e citada pela Bíblia como “auxiliar” do homem, que tinha poder sobre tudo o que habitava nos céus e na terra. Assim foi com Maria, usada para reproduzir o plano divino da chegada do redentor, um homem. Uma análise sem romantismo do livro que representa uma das maiores e mais antigas religiões do mundo, o Cristianismo, é uma forma de mostrar que a sociedade é treinada, desde o ventre, a acreditar que mulheres são seres inferiores aos homens, desde a sua concepção, mas que, hoje em dia, não dá a essa mesma sociedade, o direito sobre as vidas destas. Isso não está “explanado” na Bíblia, não na mesma Bíblia que as amaldiçoou. Logo, ações dissociáveis como “fantasias despercebidas” do feminicida Bruno Fernandes no Norte e Sudeste do Brasil mostram que a sociedade acredita, inconscientemente, que ele foi “vítima” de uma mulher, talvez uma “bruxa”, que o seduziu e o fez pecar, tirando-o de um caminho promissor e, por isso, ela mereceu a morte e, por isso, sua memória é tão vilipendiada… (*) Paula Litaiff é jornalista com especialização em Gestão de Políticas Sociais. 65
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DIVERSIDADE
Combate à gordofobia Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Aversão ou discriminação contra pessoas acima do peso. Assim é definida a gordofobia, preconceito sentido na pele por muitos indivíduos gordos em todo o mundo, por não alcançarem um padrão de beleza pré-determinado socialmente. Porém, algumas mulheres acima do peso decidiram superar essa limitação e aceitar a si mesmas com orgulho. Em entrevista à CENARIUM, a empresária manauara Karina Lasmar, de 26 anos, contou que sua perspectiva mudou quando passou a entender que a aceitação do próprio corpo é um passo primordial para o empoderamento. “Na adolescência, eu tomava remédios e achava que precisava emagrecer para me encaixar no padrão que a mídia sempre impõe. A partir do momento que entendi que não preciso me encaixar em nenhum padrão, tudo mudou na minha vida, entendi que ninguém é perfeito e aceitação é um
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Karina diz que ninguém precisa se encaixar em padrões e que aceitação é fundamental
de disciplina ou de responsabilidade pessoal, mas sim por efeitos biológicos, metabólicos e genéticos. O estigma e a discriminação pelo peso não podem ser tolerados em sociedades modernas”, afirma o vice-presidente da SBCBM, Fábio Viegas, em publicação sobre o tema na página oficial da instituição.
Independente dos dados, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) defende que a discriminação deve ser combatida com informação.
Na mesma publicação, a psicóloga Michele Pereira, coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da SBCBM, disse que “a gordofobia reforça preconceitos e sofrimento daqueles que não atendem ao padrão estético”.
SUBVERTENDO OS PADRÕES Para Karina, o grande segredo para se impor em uma sociedade “mergulhada nos padrões” impostos pela mídia é não tomar para si as palavras e gestos ofensivos do outro. Na avaliação da modelo plus size, as ofensas têm muito mais a dizer sobre quem ofende do que sobre o ofendido.
grande passo para o empoderamento e dá força para enfrentar a gordofobia que sabemos que existe”, disse Karina. Esse comportamento discriminatório impacta diretamente na vida dessas pessoas, seja pessoal, social ou profissional. Neste último caso, há pesquisas que comprovam que 65% dos executivos, presidentes e diretores de empresas apresentam alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas para fazer parte do quadro da empresa. “Antes de ter meu próprio negócio, eu trabalhei em alguns cantos. Sempre fui gorda e, quando chegava nesses ambientes, ao menor sinal de discriminação eu já me impunha e não permitia. Mas, isso é algo grave, sempre falei abertamente sobre o assunto em todos os lugares que eu vou. Porém, a realidade da maioria não é essa, tem muita gente que fica abalada, não consegue obter algum meio de como se defender desses ataques e constrangimentos”, contou a empresária.
Thais Carla soma mais de 2,5 milhões de seguidores no Instagram
tica (IBGE) divulgou, em 2019, um estudo no qual apontava que 60,3% da população de 18 anos ou mais de idade integrava a lista dos que estavam com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima da média, o equivalente a 96 milhões de pessoas, 62,6% das mulheres e 57,5% dos homens.
“Evidências científicas mostram que o aumento de peso não ocorre apenas por falta
Crédito: Reprodução | Instagram
Mulheres empoderadas falam sobre o enfrentamento ao preconceito e o processo de transformação da autoestima
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Conforme dados publicados pela Nature Medicine, em 2020, cerca de 19% a 42% de adultos obesos sofrem com a discriminação. A taxa atinge, principalmente, as mulheres. Até ano passado, o Ministério da Saúde apontou que, no Brasil, uma em cada cinco pessoas está com sobrepeso ou obesidade.
Empresária do ramo da moda, Karina administra uma loja voltada ao público plus size e vê no empreendimento uma forma de usar a moda para lutar contra a gordofobia. “Há oito anos trabalho atendendo esse público e afirmo, não é apenas venda de roupas, é autoestima, prazer, empoderamento e quebra de tabus. A mesma roupa da moda que tem para uma mulher magra pode ter para uma gorda sim e fica belo também”, enfatiza a empreendedora.
RECONSTRUÇÃO DE CONCEITOS Thais Mércure, de 28 anos, também foi alvo de gordofobia. A advogada, além de enfrentar a homofobia por ser lésbica, passou por um caso de gordofobia dentro do próprio relacionamento: Thais estava saindo com um mulher que não queria ser vista em público com ela. Atualmente, quando o assunto é beleza, Thais conta que enxerga o tema com mais leveza e aceitação. Para a advogada, o apoio e incentivo são fundamental nesse processo de desconstrução e reconstrução de conceitos. “Me aceito bem mais do que antes, claro que ainda tenho muitas inseguranças. É difícil se gostar, quando todos fazem você se sentir feia. Todos os dias, vemos na televisão, na internet, imagens de mulheres padrão exibindo seus corpos magros e a gente se pergunta como podemos nos achar bonitas se não existem gordas nas capas de revista?” questiona Thais.
NOVAS REFERÊNCIAS As redes sociais, por vezes tóxicas para esta parcela da população, também são instrumentos para deixar em evidência figuras que falam, encorajam e empoderam outras mulheres gordas ou insatisfeitas por não se encaixarem no padrão quase inalcançável proposto pela indústria da beleza, mídia e mercado. Nomes como o da dançarina Thais Carla, da escritora, jornalista e youtuber Alexandra Gurgel e da influenciadora digital Polly Oliveira já viraram referência e inspiração para mulheres que buscam conteúdos de valor e dicas sobre autoestima e quebra de tabus.
ENTENDA É considerada com excesso de peso a pessoa com o IMC maior do que 25. A pessoa obesa é aquela que apresenta IMC maior do que 30. O Índice é calculado pelo peso em quilograma dividido pelo quadrado da altura em metro.
Em relação ao chamado excesso de peso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís67
DIVERSIDADE
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Crédito: Ygor Fábio Barbosa
calça daquelas largas. Em determinado momento, eu senti um homem respirar mais forte próximo do meu pescoço, na hora pensei que era por conta do ônibus lotado, mas, à medida que foi esvaziando, ele não saía de perto. Demorei um pouco para acreditar que aquele cara, às 7h da manhã, estava se ‘esfregando’ em uma adolescente que estava fardada indo para a escola”, descreve Daniela, que hoje tem 34 anos.
Medo diário de importunadores Mulheres convivem com receio de sair de casa e acabarem sendo importunadas sexualmente por homens que dizem ver nas roupas delas um ‘convite’ ao crime Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – “Queria poder vestir uma roupa um dia sabendo que não vai ter gente com piadinhas constrangedoras ou que ache que tem o direito de passar a mão no meu corpo, como se uma peça de roupa desse cartão verde para isso”. Esse é o sentimento da estudante Maria Luiza, de 25 anos, que reflete não só o desejo de “liberdade” como o receio que muitas mulheres têm de sofrer importunação sexual, a qualquer momento. De acordo com pesquisa publicada pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, entre julho e agosto deste ano, 83%
das mulheres evitam usar determinados tipos de roupas ou acessórios para não serem assediadas na rua. O levantamento aponta que 69% das entrevistadas já foram alvos de olhares insistentes e cantadas inconvenientes ao se deslocarem pela cidade e 35% já sofreram importunação/assédio sexual”. Endossando as estatísticas, Maria Luiza relembra que, além de ter que trocar de roupa, já evitou socializar por conta do medo. “Eu já deixei de sair com uma roupa que gostava muito por medo do que eu iria encontrar na rua. Quando eu não ficava com medo, eu decidia sair com
A pesquisa indica que cerca de 35% das mulheres já sofreram importunação/assédio sexual
“Quando eu consegui reagir, empurrei o homem e desci desesperada. Ao entrar na escola, fui ao banheiro e comecei a chorar. Ali percebi que nunca foi por causa da roupa. É questão de caráter. Minhas roupas nem contornavam o meu corpo. Eu não tinha a maturidade que tenho hoje, infelizmente. Hoje, quem choraria seria esse importunador”, afirma. A titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher do Amazonas (DECCM), Débora Mafra, diz que o crime é tão comum que é difícil encontrar uma mulher que não tenha sofrido importunação sexual ou alguém que não tenha presenciado ou, pelo menos, ouvido falar. Para as vítimas, a delegada orienta que denunciem e busquem a ajuda de profissionais que cuidem tanto da questão legal quanto da saúde mental, uma vez que o crime pode deixar traumas.
meus amigos que são pessoas que eu confio, mas minha mãe dizia que era melhor trocar, por receio do que eu poderia passar fora de casa”.
Saiba identificar o crime A importunação sexual está tipificada no Artigo 215-A do Código Penal. “Praticar, contra alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, diz o artigo, que determina ainda pena de reclusão de um a cinco anos, se o ato não constituir crime mais grave. Às vezes confundida com ato obsceno, a principal diferença é que na importunação sexual o agente pratica o ato libidinoso destinado a uma pessoa específica. A delegada Débora Mafra explica que a importunação, geralmente, é praticada em locais públicos, como ruas, transporte coletivo e festas com aglomeração de pessoas. “Se esfregar na vítima, passar a mão nas partes íntimas ou mesmo se masturbar na frente da vítima”, exemplifica. “Este crime sempre é praticado sem violência ou grave ameaça, pois, se tiver estes, o crime será de estupro”, acrescenta.
Crédito: Mayara Viana | PC-AM
A pesquisa aponta que, nas considerações de 72% dos entrevistados, “os espaços públicos são mais perigosos para mulheres do que para homens”. O levantamento mostra ainda que oito a cada dez mulheres ouvidas já sofreram algum tipo de violência enquanto transitavam em vias públicas. Segundo o estudo, as mulheres estão mais vulneráveis a sofrer violência durante o deslocamento. Foi o que aconteceu com a então estudante do ensino médio Daniela Almeida*. O que deveria ser só mais um início de um dia comum para ela, quando ia de ônibus coletivo para a escola, se tornou uma memória dolorosa. “Eu só tinha 17 anos, estava terminando o ensino médio e lembro que usava uma
Delegada diz que a importunação, geralmente é praticada em ambientes públicos 69
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