Revista Cenarium – Ed. 35 - Maio/2023

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DESINFORMAÇÃO QUE MATA

Um grupo de oito pesquisadores de seis instituições brasileiras - Ufam, Instituto Butantan, Inpa, UFMG, UFRJ e UFSJ - publica pesquisa científica que aponta falhas letais do ODS Atlas Amazonas na segunda onda da pandemia, que podem ter levado à morte milhares de pessoas

ISSN 27648206 782764 9 820605 035
MAIO DE 2023 • ANO 04 • Nº 35 • R$ 24,99

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CENARIUM AMAZÔNIA O MELHOR CONTEÚDO EM MULTIPLATAFORMA

Imprensa em xeque

Publicado na revista científica Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, em 24 de abril deste ano, o artigo que apontou os efeitos letais da desinformação no Amazonas, na segunda onda da Covid-19, colocou em xeque os veículos de imprensa tradicionais que disseminaram dados dos boletins do Atlas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS Atlas Amazonas) sem ouvir contrapontos, levando as autoridades a abolirem medidas que poderiam ajudar a salvar vidas, no segundo semestre de 2020 e começo de 2021.

O veneno da desinformação

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Um erro grave e irreversível para os mortos no segundo ápice da contaminação pelo novo coronavírus. A pesquisa, assinada por oito cientistas de seis instituições brasileiras, confrontou jornalistas que noticiaram informações de boletins como se fossem um estudo científico. “Pesquisa científica precisa ser publicada em imprensa científica para a revisão dos pares. Se assim não for, não pode ser divulgada como Ciência”, ratificaram os pesquisadores.

A REVISTA CENARIUM foi um dos veículos de comunicação que decidiu ouvir o contraponto aos boletins do ODS Atlas Amazonas, na edição de junho de 2020, após acompanhar, na imprensa internacional, que a segunda onda da pandemia iniciava com força nos países da América do Norte e na Europa. Não havia pesquisas brasileiras sobre a letalidade da variante P.1, conhecida como gama, que surgiu em Manaus (AM) durante a segunda onda da Covid-19 e se alastrou para o restante do País.

O fazer jornalístico é complexo em sua essência e, a cada dia, exige dos profissionais que se propõem a exercer a profissão um alto grau de responsabilidade. O escritor e jornalista Felipe Pena (2005) defende que “Embora o jornalista seja participante ativo na construção da realidade, não há uma autonomia incondicional em sua prática profissional, mas sim a submissão a um planejamento produtivo”.

Pena foi um dos principais estudiosos da teoria “newsmaking”, que pressupõe que as notícias cumprem uma rigorosa rotina industrial determinada pelos veículos de comunicação devido à quantidade excessiva dos fatos e os riscos que erros podem gerar. Nós, jornalistas, precisamos estar em constante reflexão sobre a ideia de que a informação pode ser antídoto ou veneno e, cabe a nós, a responsabilidade de receitar.

“Ato ou efeito de informar de forma errada ou enganadora; utilização das técnicas de informação para induzir em erro ou esconder certo(s) fato(s); informação falsa, geralmente dada com o objetivo de confundir ou enganar; falta de informação; desconhecimento; ignorância”. Nos dicionários, salvo alguma substituição de sinônimos, é assim que o verbete “desinformação” é definido. Nos últimos anos, a palavra ganhou destaque nos noticiários e em pesquisas acadêmicas. Seu emprego em estratégias políticas e seu poder de impactar rumos na sociedade geram interesse. E é ao perigo da desinformação que se dedica a capa da REVISTA CENARIUM deste mês.

Mais precisamente, a publicação se debruça sobre uma análise científica a respeito de como a desinformação pode ter confundido gestores públicos e pessoas comuns meses antes da trágica segunda onda da pandemia de Covid-19 atingir Manaus e o Amazonas. No segundo semestre de 2020, após o primeiro impacto, o isolamento social desacelerou o contágio e a população passou a sair mais às ruas. Setores políticos e econômicos pressionavam pela reabertura do comércio. Nesse cenário, surgiram avaliações de risco do afrouxamento de medidas de controle. Uns apostaram que o pior estaria chegando ao fim. Outros faziam alertas de que uma forte onda viria.

Em meio ao ‘cabo de guerra’ de informações, gestores públicos fizeram suas escolhas. Em Manaus e no restante Amazonas, relaxou-se o isolamento. O resultado foi colhido entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, quando um aumento dramático do número de casos e de mortes por Covid-19 levou ao colapso o sistema de saúde, que se estendeu pelo País.

Mas qual foi o papel da disseminação de informações desencontradas na tomada de decisões que levou ao aumento do contágio? É o que a reportagem de capa coloca em discussão. O ponto de partida é o artigo “Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia”, publicado em 24 de abril deste ano no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities (Jornal de Disparidades de Saúde Raciais e Étnicas), por um grupo de oito pesquisadores de diversas universidades e instituições de pesquisa. Para eles, centenas de milhares de mortes foram o alto custo cobrado pelo veneno da desinformação.

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Editorial
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Leitor&Leitora

�� Da Amazônia para todos

Pensando a comunicação como alguém que trabalha na área, a importância de ouvir e ler todos os pontos de vista seria, talvez, uma das mais relevantes. A CENARIUM desempenha o papel de porta-voz para um território que vem ganhando notoriedade. A sua missão de pautar a Amazô-

�� Contribuição

Uma contribuição essencial ao jornalismo amazônico, a REVISTA CENARIUM traz informação com responsabilidade diante do caos de angústias e temores que se acumulam na região. Em sua edição n.º 34, a revista desvenda as nuances da condição de vulnerabilidade que atinge meio ambiente e centros urbanos com a mesma força.

Apesar do olhar grave sobre a complexidade desse momento, a CENARIUM reafirma um compromisso social irrepreensível ao nos fornecer um viés sóbrio de esperança. As palavras de grandes pensadores da região, como Tenório Telles e Miltom Hatoum, põem em perspectiva presente, passado e futuro dos conflitos de Manaus e a arte que nasce do povo daqui. A arte ainda salva e, muitas vezes, é nela que se encontram as soluções para o que é inominável.

Gabriel Mar, escritor.

Manaus - AM

nia, enquanto revista que nasceu dentro desse lugar, valoriza o que é feito e vivido aqui, podendo alcançar leitores de outras regiões do País.

O movimento atual da mídia, com os olhares voltados para o território amazônico e ao que acontece envolvendo a nossa cultura, eleva a importância de um veículo como a CENARIUM. Para além de comunicar a quem é de fora, comunicar para os nossos, através da nossa própria perspectiva, é essencial.

Pautar um conglomerado de regiões tão diferentes, com tantas culturas e formas diversas de comunicar não é uma tarefa fácil. Ainda assim, o comprometimento

�� Perspectivas diferentes

com a verdade e o Jornalismo ético da revista é visível através do conteúdo que nos entrega. Deveríamos nos orgulhar de termos portais como a CENARIUM, comunicando a partir da Amazônia, com um olhar atento às questões que nos atravessam.

Gostaria de parabenizar a comunicação feita pela revista, o empenho em pautar a Amazônia e o comprometimento com a informação e os leitores. Parabéns por produzirem um Jornalismo da Amazônia e para a Amazônia - que a comunicação de excelência seja sempre a marca da revista.

Maycon Marte, jornalista.

Belém – PA

A REVISTA CENARIUM entrou no meu dia a dia devido a sua qualidade de trazer informações e perspectivas sobre a nossa Amazônia. Falando como leitora e como moradora da região amazônica, ver e ler na revista sobre nossa região e sobre as nossas vivências é muito importante.

A revista como local de fala para assuntos como o meio ambiente, para questões indígenas, sociais e, principalmente, relacionados a mulheres, foi o que me fez ser consumidora desse conteúdo.

Como mulher, entender como estamos sendo representadas na política, no meio acadêmico e na sociedade é fundamental. E a revista traz isso, traz as informações que, muitas vezes, passam batido pela mídia central e sulista.

Ser uma revista do Norte e que fale sobre o Norte, com conteúdo de qualidade e disseminação de informações diversas é o que a CENARIUM nos propõe e cumpre.

Acredito que a revista nos traga uma visão diferente sobre todas as nossas questões e nos dê oportunidade e espaço para falarmos também!

Yris Soares, estudante de Jornalismo.

Belém - PA

�� Reportagens com profundidade

Eu venho acompanhando a CENARIUM e sua cobertura jornalística na Amazônia e também de temas relevantes para o País de modo geral há, aproximadamente, um ano. O que mais me deixa feliz, e falo isso como uma mulher jornalista amazônida que consome e também faz Jornalismo para a nossa região, é o foco que as produções têm na nossa região, a profundidade das reportagens que são muito bem apuradas e a valorização do jornalismo local, com profissionais daqui, pessoas que vivem a nossa realidade local, que é extremamente diferente das demais. Gosto muito e seguirei acompanhando as redes sociais, a revista e a TV CENARIUM!

Taemã Oliveira, jornalista.

Boa Vista - RR

► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Cianeto: novo veneno do garimpo ................................ 06 Ativismo pela Amazônia 08 Povo Karipuna: hidrelétricas e inundações

�� MANDE SUA MENSAGEM �� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573 Sumário Maio de 2023 • Ano 04 • Nº 35 24 16 34
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Acervo Pessoal
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Acervo Pessoal Crédito: Joédson Alves Agência Brasil
10 ► CENARIUM+CIÊNCIA Tesouro musical 12 Plataformas para acessibilidade 14 ► PODER & INSTITUIÇÕES Ofensiva contra o ‘Marco Temporal’ 16 ► ARTIGO – ROSANE GARCIA Educar contra o racismo ................................................. 19 Manaus recebe TEDx Amazônia 20 Prevenção ao assédio e à discriminação 22 ► ECONOMIA & SOCIEDADE DESINFORMAÇÃO QUE MATA Fim da pandemia, não da responsabilidade 24 ‘Modelo logístico foi erro grave’ 29 Governo Bolsonaro negava segunda onda: ‘O pico passou’ ................................................................ 32 ESPECIAL TRABALHADORES Reféns do carvão .............................................................. 34 Sinais de fumaça em Rorainópolis ................................. 40 ‘Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome’ 44 O que dizem os órgãos de fiscalização 50 Pardos, pobres, de baixa escolaridade 52 Nação nascida da escravidão .......................................... 54 Resgatados na Amazônia 56 Ponte para o conhecimento 58 Prevenção a desastres 60 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Terra Yanomami vive onda de violência ........................ 62 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA Da oralidade à palavra escrita 64 Cores e cultura ‘invadem’ ruas de Belém 66 ► DIVERSIDADE Racismo e discurso de ódio ............................................ 68 ► ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA CRÔNICAS DO COTIDIANO: Pobre Amazônia, o que mais querem de ti? .......................................................... 70
Crédito: Raphael Alves

Cianeto: novo veneno do garimpo

Substância tóxica vem sendo utilizada na extração ilegal de minério para substituir o mercúrio

Garimpeiro trata o ouro em garimpo ilegal no Rio Madeira, no Amazonas

MANAUS (AM) – O cianeto, composto químico utilizado para o refino de minério, tem sido utilizado no garimpo ilegal como substituto ao mercúrio. É o que explicam especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM e o que indicou a operação “Déjà Vu”, da Polícia Federal (PF), no Amazonas, que identificou o uso da substância tóxica na atividade clandestina no Estado.

O cianeto pode ser encontrado em diversas formas: o cianeto de hidrogênio, um gás incolor; cianetos de sódio e de potássio, em forma de pó branco; e cloreto de cianogênio, que pode ser líquido ou gasoso. O último é utilizado na indústria para a síntese de herbicidas e extração de ouro e prata. O cianeto, além de ser empregado como composto químico, já foi usado como arma química e agente para suicídio, como, por exemplo, em campos de extermínio alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

A substância química tem a mesma função do mercúrio: é utilizada para aglomerar o ouro garimpado. Os dois produtos agridem o meio ambiente e são altamente tóxicos. Terras, rios e lagos ao redor do garimpo podem ficar estéreis, por tempo indeterminado.

Segundo o professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e coordenador do Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia (Nesam), Pedro Rapozo, o cianeto passou a ser utilizado no garimpo ilegal em virtude das dificuldades encontradas na rota do tráfico do mercúrio, composto químico comumente usado pelos garimpeiros.

“A falta de acesso ao mercúrio em algumas regiões tem impossibilitado o uso desse componente químico pelos garimpeiros, que têm procurado outras formas de extração do ouro de maneira ilegal no garimpo”, afirmou ele.

Rapozo menciona, ainda, que apesar das substâncias serem encontradas naturalmente no ecossistema, o grande problema está ligado ao manuseio dos componentes químicos quando se trata da sua forma antropogênica, utilizada pelos seres humanos no caso da mineração. “O mercúrio é um componente químico que bioacumula, da mesma forma que o cianeto, e

“A falta de acesso ao mercúrio em algumas regiões tem impossibilitado o uso desse componente químico pelos garimpeiros, que têm procurado outras formas de extração do ouro de maneira ilegal no garimpo”

Pedro Rapozo, professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e coordenador do Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia (Nesam).

a consequência disso vai gerar inúmeros impactos na população humana”, afirma.

RISCOS AO ORGANISMO

A especialista em Toxicologia e Gestão de Segurança Química Camilla Colasso explica, no artigo “Vamos conhecer mais sobre o Cianeto?”, que a substância, considerada um composto extremamente tóxico, causa a interrupção do metabolismo aeróbico nas células. Com isso, as células do tecido não conseguem utilizar o oxigênio, consequentemente, não há o funcionamento adequado e ocorre a morte celular.

“Tal efeito, a depender da concentração do cianeto e a via de exposição, pode provocar a hipóxia tecidual [condição em que os tecidos não são adequadamente oxigenados] e há morte em poucos minutos”, afirma.

Entre os sintomas leves da exposição ao composto químico estão: náuseas, tontura e sonolência; pessoas com exposição moderada podem ter perda de consciência por curto período, convulsão, vômito e cianose; e, na exposição severa, coma profundo, pupilas dilatadas não reativas, deterioração da função cardiorrespiratória, levando à morte.

Operação Déjà Vu

A Polícia Federal (PF) deflagrou, no dia 19 de abril, a “Operação Déjà Vu”, para reprimir crimes contra a usurpação de bem público da União, decorrentes do garimpo ilegal na região conhecida como Filão dos Abacaxis, sul do município de Maués, distante 258 quilômetros de Manaus, no Amazonas.

As investigações tiveram início por meio de denúncias feitas por moradores sobre poluição das águas e morte de peixes e demais animais que servem de alimentação para a comunidade local. Um laudo pericial constatou “um sofisticado esquema de lavagem de capitais com o

uso de Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs) sem nenhuma ou com pouca intervenção humana, atividade conhecida como esquentamento do ouro”. Conforme análise do laudo pericial, o garimpo utilizava cianeto e o dano ambiental configurado já ultrapassava a cifra de R$ 429.620.980,27, considerando o dano ambiental e o ouro extraído. Foram cumpridos seis mandados de prisão temporária e dez ordens judiciais de busca e apreensão expedidas nas cidades de Manaus e Nova Olinda, ambas no Amazonas, Goiânia, em Goiás, Itaituba, no Pará, e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Crédito: Ricardo Oliveira
07 REVISTA CENARIUM 06 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Arquivo Pessoal

Indígenas que atuam em causas socioambientais ganham

premiação nacional Megafone

MANAUS (AM) – As ativistas Samela Sateré Mawé e Txai Suruí sagraram-se vencedoras da segunda edição do Prêmio Megafone de Ativismo. O Megafone é uma premiação brasileira para iniciativas e pessoas que se destacaram no exercício do ativismo no País. A amazonense Samela Sateré Mawé ganhou na categoria “Perfil de Redes Sociais” e a rondoniense Txai Suruí, na categoria “Megafone do Ano”. Os vencedores nas 12 categorias foram anunciados via redes sociais pela organização do evento. A atriz e humorista Nathalia Cruz foi a escolhida para fazer os anúncios e o artista Mundano escolhido para criar o troféu.

Organizador do Megafone, Digo Amazonas fez uma correlação das faces que envolvem a premiação e o ativismo celebrado pelo Megafone, já que a iniciativa defende direitos humanos, direito dos povos indígenas, defesa da democracia, entre outras pautas. “Embora sejam assuntos diferentes, todos têm relação entre si, uma vez que direitos humanos e a preservação ambiental são intrinsecamente relacionados com regimes democráticos”, chamou a atenção o organizador.

A premiação, bem como a atuação do Megafone, conta com parcerias, entre elas: Greenpeace Brasil, Pimp My Carroça, WWF Brasil, Engajamundo, Instituto Socioambiental e Sumaúma Jornalismo. Digo aproveitou para fazer um balanço positivo dos últimos anos no Brasil. “Democracia, meio ambiente e direitos humanos foram também as áreas mais atacadas pelo Governo Bolsonaro. O

Digo Amazonas, organizador do Prêmio Megafone.

que o Prêmio Megafone destaca é a reação da sociedade civil em luta por seus direitos assegurados pela Constituição e que estiveram em risco nos últimos anos”, observou.

DOCUMENTÁRIO

Txai Suruí, além de ser uma ativista política reconhecida, é também produtora executiva do documentário “O Território”. O audiovisual é dirigido por Alex Pritz. O filme já havia sido premiado no Festival de Cinema de Sundance de 2022, onde venceu nas categorias “World Cinema Documentary”, escolha do público, e “Documentary Craft”, com premiação especial do Júri. O documentário retrata a história da luta do povo Uru-Eu-Wau-Wau para proteger suas terras, em Rondônia, a partir de sua visão e identidade. Segundo a produção do Megafone, nesta categoria, 60% dos finalistas eram mulheres. A reportagem tentou contato com Txai para falar sobre o significado da premiação para ela, mas não obteve retorno.

Já a amazonense Samela Sateré, originária do povo Sateré Mawé, ganhou a categoria “Perfil de Redes Sociais”. A jovem ativista foi escolhida entre as pessoas que melhor usaram seus perfis de redes sociais em defesa de causas humanas e ambientais em 2022. Samela foi reconhecida pelo seu ativismo em questões prioritárias. Em suas redes, ela debate e discute temas relacionados a direitos indígenas, questões socioambientais, feminismo, entre outros.

“Enquanto jovem mulher indígena amazônida, estar participando deste prêmio já é uma conquista. Por muito tempo, e ainda hoje, as pessoas nos veem como seres estáticos da invasão, que não podem usar internet e redes sociais. Ganhar esse prêmio só reforça o quanto podemos estar em todos os espaços, utilizando a internet e as mídias sociais como ferramenta de luta e resistência na desmistificação, descolonização, desconstrução e denúncias das nossas pautas e do meio ambiente.

(*) Com informações da assessoria.

“Embora sejam assuntos diferentes, todos têm relação entre si, uma vez que os direitos humanos e a preservação ambiental são intrinsecamente relacionados com regimes democráticos”
As jovens ativistas Txai Suruí (esquerda) e Samela Sateré Mawé (direita) conquistaram o prêmio Megafone de Ativismo em defesa da Amazônia e seus povos Mencius Melo – Da Revista Cenarium* Crédito: Acervo Pessoal
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Crédito: Nadja Kouchi

Povo Karipuna: hidrelétricas e inundações

Indígenas atribuem subida das águas a barragens do Complexo do Madeira, em Rondônia (RO)

MANAUS (AM) – A subida do Rio Jaci Paraná, em Rondônia(RO), que obrigou o povo Karipuna a deixar a aldeia Panorama, na Terra Indígena (TI) Karipuna, no dia 16 de março deste ano, pode estar relacionada com a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.

É o que acreditam lideranças indígenas do povo Karipuna e membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As obras

passando, outras casas serão afetadas”, lamentou a liderança.

A situação de calamidade fez com que as lideranças Karipuna tomassem medidas para tentar solucionar os problemas causados pela subida das águas. De acordo com Adriano Karipuna, foi protocolado um pedido de ajuda no Ministério Público Federal em Rondônia (MPF-RO). “Já denunciei ao MPF, em Rondônia, para que

“Mesmo que isso não seja amplamente divulgado, o ciclo do Rio Madeira nunca mais será o mesmo, nem a forma como ele era antes da barragem, que era algo de domínio milenar dos povos que habitam aquela região”

compõem o Complexo Madeira, em Porto Velho (RO), e foram construídas entre os anos de 2008 e 2016, durante os governos Lula e Dilma Rousseff (PT).

É a segunda vez que o povo Karipuna é obrigado a sair de suas terras, por conta de inundações. A primeira vez foi em 2014. De acordo com Adriano Karipuna, líder do povo Karipuna, em declaração ao Cimi, a situação tende a piorar, já que o ciclo das chuvas, na Amazônia, ainda está longe de cessar. “Até o momento, foram três famílias afetadas, com perdas e danos entre bens materiais, alimentação e o comprometimento das casas das pessoas. Sabemos que, como as chuvas não estão

tomem as providências. E que responsabilizem os autores dessa situação. Inclusive, pedi ao MPF que compareça, presencialmente, em nosso território”, declarou.

OUTRA MATRIZ

Para o antropólogo Alvatir Carolino, em entrevista à REVISTA CENARIUM, as hidrelétricas surgiram como alternativa energética positiva, como grande solução de impacto na atmosfera. “Antes das placas fotovoltaicas e dos sistemas eólicos, as hidrelétricas eram apresentadas como a grande solução de segurança energética, com impacto reduzido na atmosfera, isso era um ganho diante dos combustíveis fósseis que usamos nos últimos 100 anos”,

avaliou. “O Brasil, pela riqueza de suas bacias hidrográficas, adotou e deu um salto nesse sistema”, relembrou.

Mas, mesmo sendo menos poluentes, as hidrelétricas trazem outros impactos ambientais. “Na Amazônia, surgiram projetos como os de Tucuruí, Jirau, Belo Monte, Santo Antônio, Balbina, porém, isso não significa que as hidrelétricas não tragam impactos. Se por um lado há a redução de impactos atmosféricos, o mesmo não acontece na superfície do planeta, existem os impactos ambientais na cobertura das florestas, impactos na fauna e na flora”, observou o antropólogo.

Além de trazer impactos ambientais, as estruturas das hidrelétricas trazem impactos na vida dos povos onde os projetos são implementados. “Além dos impactos já citados na questão ambiental, temos aqueles impactos diretos e que atingem, culturalmente, social e politicamente, povos e comunidades tradicionais, como o povo Karipuna, por exemplo”, elencou Alvatir Carolino.

NUNCA MAIS

O cientista social também apresentou outros detalhes que são resultantes da construção dessas grandes estruturas. “Mesmo que isso não seja amplamente divulgado, o ciclo do Rio Madeira nunca mais será o mesmo, nem a forma como ele era antes da barragem, que era algo de domínio milenar dos povos que habitam aquela região, incluindo os aspectos físicos e metafísicos do rio. Quem mora abaixo da barragem sabe que todos os dias tem subidas e descidas e isso muda a estrutura de vida das pessoas”, lamentou.

“São subidas e descidas que provocam inundações absurdas, que eliminam roças, que são de culturas sazonais, e que também destroem plantas perenes que foram, ao longo do tempo, se adaptando à sazonalidade do rio, que é rompida, e isso impacta em interesses do modo de vida dessas pessoas. São impactos na pesca, na plantação, no cotidiano dessas populações e, finalmente, o pior: quando é preciso

abrir as comportas e tudo fica inundado, as águas invadem tudo”, explicou. “Vi de perto, isso, na hidrelétrica de Balbina. Famílias inteiras perderam até as casas”, descreveu Alvatir Carolino.

O antropólogo avaliou que o novo governo precisa mostrar eficiência. “No caso dos Karipuna, vamos ver qual a capacidade do novo governo em resolver

o problema. Essas pessoas precisam ser acolhidas com políticas de compensações e de forma urgente, porque essas populações vão para as periferias das grandes cidades, conviver com outras culturas e, nas periferias, toda a vulnerabilidade é avassaladora, ainda mais para quem não tem a dimensão concreta dos perigos que a cidade oferece”, finalizou.

Alvatir Carolino, antropólogo. Aldeia Karipuna submersa em meio à enchente do Rio Jaci Paraná As lideranças indígenas e indigenistas do Cimi acreditam que o sistema do Complexo Madeira, que reúne hidrelétricas, é o responsável pelas enchentes Mencius Melo – Da Revista Cenarium Crédito: Reprodução André e Adriano Karipuna
11 10 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE REVISTA CENARIUM
Crédito: Reprodução EBC

Tesouro musical

MANAUS (AM) – A região do Alto

Rio Negro, no noroeste do Amazonas, e do Monte Roraima, no Estado vizinho a este, foi onde, há 10 anos, o doutor em Antropologia Social, mestre em Sociedade e Cultura da Amazônia e filósofo, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Agenor Vasconcelos registrou a música dos povos Baré, Baniwa, Tukano, Macuxi e Wapichana, criando um rico acervo on-line de música indígena. Em 2023, o pesquisador comemora a primeira década do repertório histórico intitulado “A música das cachoeiras: do Alto Rio Negro ao Monte Roraima”. O acervo está disponível no site www.soundcloud.com/musicadascachoeiras/sets e na Livraria da Universidade do Amazonas (LUA), na Ufam.

O projeto, patrocinado pelo edital Natura Musical 2012, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet, buscou descrever, conhecer e empoderar o gênero musical que conecta dançarinos e músicos de hoje aos antigos ensinamentos musicais dos povos indígenas do Alto Rio Negro. Os sons foram captados com um estúdio móvel, entre março e abril de 2013.

“Há um pano de fundo etnográfico. Esse registro fundamenta reflexões da Antropologia, uma ciência”, afirma Agenor, explicando possíveis contribuições do acervo musical para novos estudos.

São quatro horas de gravações do gênero musical tradicional, assim como dez vídeos para o YouTube, extraídos nas regiões do município de São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, a 1.702 quilômetros de Manaus, da capital roraimense Boa Vista e da cidade de Pacaraima, também em Roraima, na fronteira com a Venezuela.

A inspiração para o projeto partiu do encantamento de Vasconcelos com os rituais de danças, máscaras e músicas dos indígenas do Alto Rio Negro. O roteiro para a pesquisa foi baseado nas expedições do etnologista e explorador alemão Theodor Koch-Grünberg à Amazônia. No repertório, há uma mistura de instrumentos. “Esse projeto de 2012 eu deixei bem aberto, seriam as músicas tradicionais, mas também músicas populares, com-

posições com violão, tudo que os povos indígenas estivessem fazendo”, explica o pesquisador.

CRÍTICAS À MODERNIZAÇÃO

Agenor Vasconcelos lembra ainda que o projeto não foi totalmente bem recebido na área acadêmica. Houve, e ainda há, críticas à modernização da tradição, algo que, segundo ele, não é de sua responsabilidade, mas um movimento natural da musicologia dos indígenas. Para ele, os julgadores insistem no que ele chama de “indígena de Cabral”, o estereótipo do contato inicial de mais de 520 anos.

“Pelo lado dos músicos profissionais, formados nas universidades, trata-se de uma musicalidade indígena, diminuindo as capacidades musicais dos indígenas, de uma certa forma, baseada no modelo ocidental de música. Por outro lado, os antropólogos também ficam decepcionados porque não são os instrumentos tradicionais, arcaicos, bem antigos”, afirma, lembrando que teve em vista fazer um recorte do futuro indígena no contexto que se vive hoje, sem isolar no tempo.

Contradizendo os críticos, o pesquisador explicita que o projeto é um registro de valor inestimável para a cultura do Amazonas, já que mostra, juntando a tradição à modernização, as mudanças e continuidades das músicas indígenas.

“A gente percebe que tem algo que não muda, que vem desde muito antigamente e, por outro lado, a gente vê que tem aspectos que mudam, mas que são balizados e pensados através desses valores culturais. Então, a contribuição do projeto é de, certa maneira, singela, ele almeja fazer esse registro”, acrescenta.

CONSTRUÇÃO DA MUSICOLOGIA

Apesar das críticas, o pesquisador afirma que o acervo serviu ao seu propósito e percebe isso na busca pelo material, que considera positiva. Hoje, “A música das Cachoeiras” é usada em trilha sonora de filmes, exposições, museus do Sudeste, em intervenções artísticas nas ruas, em remixagens de DJs e mais: “Serviu muito para que os próprios indígenas fizessem as suas produções. Esse era o principal motivo, gerar esse acervo na internet, de

forma digital, atualizar as mídias, porque tudo isso já tinha sido gravado em CDs, em outras plataformas, mas não estava na internet”, complementa.

Para Agenor, o acervo fica como registro histórico, chegando a ser caracterizado, pelo Ministério da Cultura, como projeto de registro da cultura imaterial brasileira. “O registro tem esse valor, não é como uma teoria que a gente lança e depois de um certo tempo é ultrapassada. O registro fica como um acervo, um repertório histórico”, diz.

Atualização do acervo

Dez anos depois da criação do acervo na internet, Agenor Vasconcelos continua trabalhando para atualizá-lo e expandi-lo. Durante esse período, houve manutenção, com renovação de contratos. No doutorado, explica o pesquisador, a música Kuximawara e a importância da entidade Jurupary – personagem mitológico da cosmologia Baré, Baniwa e Tukano – ganhou foco e há planos de registrar a musicologia do povo Dessana.

“São 10 anos de acervo que eu penso que precisa ser atualizado também, precisa ser continuado, e vai acontecer. Tem um projeto, em parceria com o Jaime Diakara [indígena Dessana], que a gente vai fazer uma gravação agora só com músicas do povo Dessana. As coisas seguem e esse empoderamento, a militância para que isso tenha um valor na sociedade brasileira, principalmente aqui na Região Norte, esse é o nosso esforço, isso que a gente tem buscado”, conclui.

CENARIUM+CIÊNCIA
Agenor Vasconcelos em Kumarakapay, na Venezuela, durante a captação do acervo musical Pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) registrou músicas indígenas do Alto Rio Negro ao Monte Roraima, em um acervo on-line do gênero Marcela Leiros – Da Revista Cenarium ACESSE O ACERVO AQUI
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Crédito: Reprodução Facebook

Evento de lançamento das plataformas digitais de aprendizagem da UEA que promovem a acessibilidade de pessoas com deficiência

a grande maioria dos sites e redes sociais não são acessíveis”, explicou.

CAPACITAÇÃO

Ferst também adiantou que tem programado cursos para PcDs que desejam atender. “Está em nosso planejamento também ofertar cursos gratuitos de capacitação para profissionalização da pessoa com deficiência. Serão cursos abertos a todos. Mas, conforme alinhamento preliminar, o curso será gratuito a todos os servidores do Estado do Amazonas e discentes da UEA”, revelou.

A docente fez questão de enfatizar que as iniciativas reforçam o caráter inclusivo e democrático da universidade. “A UEA criou um comitê de inclusão que está desenvolvendo ações para inserir pessoas com deficiência na universidade. O ‘Mais Acesso’ é um braço de apoio, pois o objetivo é, em conjunto, promover igualdade, inclusão e acessibilidade. O ‘Mais Acesso’

Plataformas para acessibilidade

Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

lança capacitação para atendimento a Pessoas com Deficiência

MANAUS (AM) – A Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (Esat/UEA) lançou, no dia 15 de maio, em parceria com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Amazonas (Sejusc), plataformas digitais de aprendizagem para promover a acessibilidade do site www.maisacessoqualifica.com.br e dos aplicativos para celular, pelo projeto de extensão “Mais Acesso”, visando propiciar um atendimento adequado para Pessoas

com Deficiência (PCDs). O evento foi realizado no Salão Solimões do Palácio Rio Negro, no Centro de Manaus.

Os cursos podem ser acessados pelo site www.maisacessoqualifica.com.br e por aplicativos de celular disponíveis para Android e iOS. Servidores do Estado do Amazonas e alunos da UEA poderão ter acesso aos treinamentos gratuitamente. As inscrições foram abertas na ocasião do lançamento e as aulas tiveram início no dia 20 de maio. O primeiro curso, que possui a carga horária de 30 horas, trata especificamente sobre o “Atendimento à Pessoa com Deficiência ou Mobilidade Reduzida”.

A coordenadora do projeto “Mais Acesso”, professora doutora Marklea Ferst, explica que a UEA emitirá certificados aos participantes que concluírem o curso. Ela

afirma que a qualificação visa ampliar, em grande escala, o número de pessoas capacitadas ao atendimento da pessoa com deficiência.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Marklea Ferst explicou detalhes do público-alvo da iniciativa: “Toda pessoa que direta ou indiretamente trabalhe com atendimento ao público. O curso traz os princípios da deficiência, barreiras e promoção da acessibilidade, bem como promove a capacitação de como atender uma pessoa, independentemente, do tipo de deficiência”, detalhou.

A professora também falou sobre os próximos cursos. “Em meados de junho, teremos um curso específico para atendimento de passageiro com deficiência em aeroportos. Já em setembro, teremos um curso de acessibilidade digital, pois

“A UEA criou um comitê de inclusão que está desenvolvendo ações para inserir Pessoas com Deficiência na universidade.

O ‘Mais Acesso’ é um braço de apoio, pois o objetivo é, em conjunto, promover igualdade, inclusão e acessibilidade”

Marklea Ferst, professora da UEA.

já desenvolve um projeto de Turismo Pedagógico, com programação mensal de visitas guiadas em pontos turísticos de Manaus”, informou.

PARCERIA

Parceira da UEA no projeto com intermediação para existir a disponibilização do curso para atender todos os servidores do Estado gratuitamente, a Sejusc teve os servidores que lidam diariamente com PcDs treinados no curso, como explica a secretária executiva da Pessoa com Deficiência, Leda Maia.

“É importante não só para nós, servidores, mas para toda a sociedade, porque,

Marklea Ferst durante uma das aulas do projeto “Mais Acesso”

muitas vezes, a gente não sabe como atender uma pessoa com deficiência e, para garantir um bom atendimento, é importante ter a prática tanto com a pessoa que não tem deficiência, quanto com aquelas que têm. A Secretaria Executiva da Pessoa com Deficiência foi um dos primeiros órgãos a receber o treinamento do Mais Acesso”, frisou a secretária. Representando no lançamento das plataformas o reitor da UEA, professor doutor André Zogahib, a coordenadora de Assuntos Comunitários da UEA, Rárima Coelho, pontuou que o projeto fortalece as ações de acessibilidade na sociedade. “Tivemos um treinamento com servidores na Reitoria e iremos expandir essa capacitação. Contamos com o Comitê de Inclusão que também atua na promoção dessas políticas, que são importantíssimas.

O lançamento de hoje é uma grande conquista”, comentou.

LIBRAS

Para quem quiser se capacitar, a UEA oferece o curso de Libras. “Outro projeto que estamos desenvolvendo é o curso de Libras, em parceria com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas (SEC), que nos disponibilizou Marcelo Pereira, professor do curso”, disse a docente da UEA.

“O curso está sendo ofertado gratuitamente a qualquer pessoa que queira participar. Estamos realizando o curso de forma híbrida. Presencialmente, na Escola Superior de Artes e Turismo, e transmitido ao vivo pelo canal do Projeto ‘Mais Acesso’, no YouTube. Quem quiser aprender libras é só acessar o YouTube do projeto”, finalizou.

Sobre o projeto

O “Mais Acesso” foi criado em 2021 visando promover acessibilidade, inclusão e igualdade de oportunidades para Pessoas com Deficiência ou mobilidade reduzida, além de ser uma referência em acessibilidade e proporcionar inclusão social e qualidade de vida a todo ser humano.

Atualmente, o projeto conta com 20 colaboradores, entre voluntários e bol-

sistas, que atuam no desenvolvimento de soluções digitais de ensino e aprendizagem para capacitação. São desenvolvidas atividades nas redes sociais Instagram e YouTube, além de ações como visitas guiadas a locais turísticos. Os cursos buscam promover o desenvolvimento social, a educação ambiental e o combate a toda forma de discriminação e exclusão.

Professora Mencius Melo – Da Revista Cenarium Crédito: Divulgação UEA
15 14 www.revistacenarium.com.br CENARIUM+CIÊNCIA REVISTA CENARIUM
Crédito: Daniel Brito Ascom UEA

Ofensiva contra o ‘Marco Temporal’

Após ocupar Brasília (DF) em abril, povos indígenas preparam nova mobilização para junho, quando o STF julgará tese que impacta a demarcação de territórios

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Após intensas manifestações em Brasília (DF), por ocasião do Acampamento Terra Livre (ATL) 2023, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou, durante plenária, no encerramento do evento, uma nova ofensiva contra o “Marco Temporal”, previsto para entrar em pauta na agenda de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 7 de junho. A Apib voltará à Capital Federal entre os dias 5 e 9 de junho.

Segundo o coordenador-executivo da Apib, Kleber Karipuna, o movimento é um desdobramento e uma continuidade da 19ª edição do Acampamento Terra Livre. “Em pouco mais de um mês, estaremos juntos, novamente, aqui na Capital Federal para fazermos mais um acampamento de luta e resistência contra essa tese que está tramitando no Supremo Tribunal Federal

e é uma verdadeira afronta aos direitos territoriais dos povos indígenas”, criticou a liderança.

A advogada e presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM), Inory Kanamary, originária do povo Kanamary do Vale do Javari, também criticou a tese do “Marco Temporal”. “Estávamos aqui antes da chegada dos portugueses e ainda assim seguimos sendo invisibilizados. Defender que nós, povos indígenas, só teríamos direito à demarcação das terras se estivéssemos em sua posse até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, é uma clara tentativa de negar nossa existência e, por conseguinte, nosso direito”, disparou.

HOMENS BRANCOS

Para a advogada, é um incômodo ter que recorrer ao STF para assegurar o que sequer deveria estar em discussão. “Querer provar nossa existência a partir de 1988 e ainda nos submeter ao julgamento de homens brancos que sequer pisaram em uma aldeia ou em um território indígena, é mais um duro golpe em nossa história”, lamentou Inory. “Do STF, somente a ministra Rosa Weber se prontificou a ir a uma aldeia. Acredito que por ser mulher,

Em abril, povos indígenas realizaram o Acampamento Terra Livre 2023. A Apib mantém a agenda de lutas para o mês de junho e promete ocupar Brasília (DF), em mais uma grande mobilização

Crédito: Joédson Alves Agência Brasil
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Rosa teve e tem mais sensibilidade para compreender nossa luta”, avaliou.

Caso a tese que limita as demarcações de terras indígenas a partir da data de 1988 para os dias atuais vença, Inory Kanamary analisa que é um golpe de morte na vida e no direito dos povos indíge-

Inory Kanamary, advogada e presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM).

nas no Brasil. “O julgamento a favor do ‘Marco Temporal’ é negar nosso direito de, pelo menos, continuarmos existindo. É nos violar de todos os direitos inerentes a nossa dignidade enquanto pessoa. Sem território não há vida, sem vida não há direitos”, pontuou.

Violação jurídica

Para o sociólogo Luiz Antônio do Nascimento, a tese do “Marco Temporal” é um “estupro jurídico”. “Estão violando a Constituição de 1988. Contido nela, está o ‘Artigo 231’ que diz, textualmente, que é assegurado aos povos indígenas a cultura, a língua, as tradições e o território, cabendo à União a proteção desses direitos e o demarcar dos territórios. E a Constituição Federal (CF) não fala que esse direito tem data. Já o ‘Marco Temporal’ vem e sugere que o direito estaria consagrado a partir de 1988, como se os indígenas tivessem surgido naquela data, o que é um completo absurdo”, acusou.

Luiz Antônio aponta ainda a contradição maior da tese defendida pela bancada ruralista no Congresso Nacional. “A Constituição garante o princípio da propriedade privada e os formuladores da tese do ‘Marco Temporal’ estabelecem uma linha de tempo que exige que a propriedade privada anterior a 1988 seja respeitada, ora, se você respeita a propriedade privada anterior a 1988, por que você coloca em xeque um direito também assegurado antes de 1988?”, questionou.

Educar contra o

As notícias sobre os projetos de políticas públicas para o povo negro são alvissareiras. Os ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, e a Fundação Palmares anunciam medidas voltadas à reparação histórica devida pelo País à parcela majoritária da sociedade, cujos antepassados foram, por mais de 300 anos, vítimas do crime de lesa-humanidade, praticado pelos colonizadores. Ou seja, a escravidão em solo brasileiro de homens, mulheres e crianças sequestrados dos seus países africanos de origem.

A Lei n.º 10.639/2003, que inclui o ensino da história e da cultura de África no currículo escolar a partir do ensino fundamental, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no seu primeiro mandato, não foi cumprida. Vinte anos depois da edição, 71% das secretarias municipais de ensino nada fizeram para implementar a lei, segundo pesquisa do Instituto Alana, voltado ao público infantil, e do Geledés Instituto da Mulher Negra.

O dado evidencia que o poder público, em todas as suas instâncias, age com desprezo em relação aos valores dos afro-brasileiros. A indiferença às contribuições dos pretos e pardos, em todos os setores da sociedade, é mais um elemento que

racismo

contribui e alimenta o racismo, a intolerância e a violência contínua contra os afrodescendentes.

Em entrevista ao CB.Poder, a ministra Anielle Franco, reiteradas vezes, citou a necessidade de incorporar o letramento racial nas escolas e universidades, para mudar a formação escolar, hoje pautada pelos padrões eurocentristas. Destacou que os livros didáticos, desde a infância até o nível superior, não têm personagens negros. O que não é visto nem conhecido não é lembrado, muito menos respeitado.

A falta do letramento racial faz com que parcela da população negra não se reconheça como tal. Há muito pouco tempo, assistimos pessoas negras, à frente de órgãos de Estado, rechaçando os valores da cultura afro-brasileira, seus heróis e celebridades, além de humilhar os pretos e os pardos publicamente.

A ausência de uma educação que reconheça os diferentes povos que para o Brasil foram trazidos, a partir do século XVI, impede que os descendentes identifiquem suas origens ancestrais e culturais. Sim, pois a história foi confiscada ou destruída.

A recuperação desses valores civilizatórios é difícil, uma vez que as unidades de ensino persistem, como no passado, em impor

uma hegemonia branca inexistente. Uma atitude depreciativa da visão de mundo das diferentes etnias sequestradas.

Cresce, entre os que se reconhecem negros e buscam suas origens, a esperança de resgate histórico desses valores, hoje disseminados nos terreiros de candomblé de diferentes matrizes, que não se restringem à religiosidade, mas ao modo de viver e enxergar as diferentes faces de uma sociedade plural e diversa, cujo mandamento maior é o respeito por todos. No mesmo diapasão, o respeito se revela como um dos elementos mais importantes como antídoto contra a violência. Assim, espera-se que o Ministério dos Direitos Humanos estanque a criminalização dos negros pela régua do racismo. Espera-se que a Fundação Palmares jogue luzes sobre as contribuições dos negros e negras ao País e exalte os grandes nomes deste povo que vive na memória, mas, ainda hoje, está sob o tronco da árvore do esquecimento.

(*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas, há 62 anos, em Brasília. Jornalista há 41 anos, trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e, hoje, é subeditora de Opinião do Correio Braziliense.

“Querer provar nossa existência a partir de 1988 e ainda nos submeter ao julgamento de homens brancos que sequer pisaram em uma aldeia ou em um território indígena, é mais um duro golpe em nossa história”
Crédito: Acervo Pessoal
ARTIGO – ROSANE GARCIA
Crédito: Marcelo Camargo Agência Brasil Rosane Garcia
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Crédito: Divulgação

Manaus recebe TEDx Amazônia

Após 13 anos, Manaus voltará a receber nova edição de plataforma internacional de conferências que visa à disseminação de ideias. Foco será a sustentabilidade

MANAUS (AM) – A Coluna Radar da Revista Veja publicou, no dia 18 de abril, que o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), assinou um memorial de entendimento com a plataforma internacional de conferências TEDx. O evento está programado para ocorrer em outubro deste ano, com foco na sustentabilidade.

A última vez que o Amazonas recebeu o evento foi em novembro de 2010. O TEDx Amazônia reuniu 50 pensadores de diferentes áreas do conhecimento, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e a formulação de soluções para um planeta mais viável.

50 pensadores

A última vez que o Amazonas recebeu o TEDx foi em novembro de 2010. O TEDx Amazônia reuniu 50 pensadores de diferentes áreas do conhecimento.

50 milhões

Cerca de 500 palestras estão disponíveis no site do evento e já foram acessadas por mais de 50 milhões de pessoas de 150 países.

O evento discutiu formas de melhorar a qualidade de vida das mais de 5 milhões de espécies do planeta. A edição é aberta ao público, com 400 participantes escolhidos pela organização. A diversidade de áreas de atuação dos candidatos será o critério principal da seleção.

“O mundo, hoje, olha a floresta e só enxerga as árvores. Mas, é preciso também olhar as pessoas que vivem na Amazônia. Para proteger a floresta, é preciso também cuidar das pessoas que vivem aqui”, afirma o governador sobre o evento.

SOBRE O TED

mas. Enquanto isso, eventos TEDx, organizados de forma independente, ajudam a compartilhar ideias em comunidades ao redor do mundo.

Em 1984, o TED nasceu como uma conferência anual na Califórnia e já teve, entre os seus palestrantes Bill Clinton, Paul Simon, Bill Gates, Bono Vox, Al Gore, Michelle Obama e Philippe Starck. Apesar dos mil lugares na plateia, as inscrições esgotam-se um ano antes. Cerca de 500 palestras estão disponíveis no site do evento e já foram acessadas por mais de 50 milhões de pessoas de 150 países.

Wilson Lima, governador do Amazonas.

O TED é uma organização não partidária sem fins lucrativos dedicada à divulgação de ideias, geralmente, na forma de palestras curtas e poderosas. O TED começou em 1984, como uma conferência onde Tecnologia, Entretenimento e Design convergiram e, atualmente, abrange quase todos os tópicos — de ciência a negócios e questões globais — em mais de 110 idio-

A cada ano, a organização elege um pensador de destaque e repassa a ele US$100 mil para que ele possa realizar “Um Desejo que Vai Mudar o Mundo”. Com essas quatro ações, TED Conference, TED Talks, TED Prize e TEDx, a organização pretende transformar seu mote “ideias que merecem ser espalhadas” cada vez mais em realidade.

“O mundo, hoje, olha a floresta e só enxerga as árvores. Mas, é preciso também olhar as pessoas que vivem na Amazônia. Para proteger a floresta, é preciso também cuidar das pessoas que vivem aqui”
Crédito: Daniel Deak-Flickr Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium Segundo a Revista Veja, o governador do Amazonas, Wilson Lima, assinou um memorial de entendimento com a plataforma de conferências TEDx
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Crédito: Arquivo Secom

Prevenção ao assédio e à discriminação

Tribunal de Contas do Estado do Amazonas

lança campanha interna para conscientizar e sensibilizar acerca de condutas no ambiente de trabalho

Lucas Silva – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) - Para prevenir e enfrentar o assédio e a discriminação no ambiente de trabalho, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) iniciou uma campanha interna de conscientização e sensibilização. Idealizada pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação da Corte de Contas, com apoio da presidência do Tribunal, a iniciativa conta com uma equipe interdisciplinar capaz de apontar e direcionar a conduta correta aos servidores e colaboradores.

Além disso, a iniciativa atende a uma recomendação do Instituto Rui Barbosa (IRB) e da Associação dos Tribunais de

pessoas, para mantermos uma conduta correta no ambiente de trabalho”, disse o presidente da Corte de Contas, conselheiro Érico Desterro.

A inserção dessa Política de Prevenção e Enfrentamento nas diretrizes do TCE-AM segue os deveres constitucionais e os princípios da dignidade humana, cujo objetivo é estabelecer parâmetros voltados à prevenção de situações que caracterizam assédio e discriminação, para assim promover a permanência dos valores profissionais e psicossociais dos servidores e colaboradores do Tribunal. Segundo a coordenadora do comitê, Rita de Cássia Pinheiro, a ação contará com etapas quinzenais, nas quais, em cada período, serão apresentadas diferentes temáticas e casos envolvendo o assédio e a discriminação. A campanha terá duração total de cinco meses. Dentre os temas abordados na ação estão exemplos de casos envolvendo discriminação racial e assédios moral e sexual, que serão trabalhados com os servidores e os colaboradores da Corte de Contas.

A campanha visa sensibilizar e conscientizar sobre a importância de prevenir e enfrentar essas situações no ambiente de trabalho.

Contas do Brasil (Atricon), para garantir o bem-estar funcional em um ambiente de trabalho harmônico.

Segundo o presidente do TCE-AM, conselheiro Érico Desterro, a ação está sendo programada para melhorar, ainda mais, o ambiente de trabalho na Corte de Contas, visando à segurança e ao conforto dos servidores e colaboradores.

“Essa é uma estratégia importante para chamar a atenção dos nossos colaboradores e gerar reflexões sobre o tema. Com um Comitê para abordar esses assuntos, estamos levando a mensagem para um público mais amplo e conseguindo alcançar mais

A conscientização sobre a importância de prevenir e enfrentar o assédio e a discriminação traz também benefícios para as empresas e órgãos públicos, uma vez que essas práticas podem afetar negativamente o desempenho dos funcionários, causando absenteísmo, diminuição da produtividade e aumento da insatisfação. Dessa forma, o cuidado com o colaborador pode ser uma estratégia eficaz para melhorar o clima organizacional e os resultados de uma administração.

A inserção da Política de Prevenção e Enfrentamento nas diretrizes do TCE-AM segue os deveres constitucionais e os princípios da dignidade humana, cujo objetivo é estabelecer parâmetros voltados para a prevenção de situações que caracterizam assédio e discriminação, para assim promover a permanência dos valores profissionais e psicossociais dos servidores e colaboradores do Tribunal.

Cartaz da campanha interna do TCE-AM alerta sobre situações de assédio e discriminação
“Essa é uma estratégia importante para chamar a atenção dos nossos colaboradores e gerar reflexões sobre o tema”
Érico Desterro, presidente do TCE-AM.
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Crédito: Élvis Chaves | TCE-AM

Fim da pandemia, não da responsabilidade

Artigo científico publicado por grupo de pesquisadores aponta como a desinformação levou à segunda onda de contágio da Covid-19, que se alastrou rapidamente e causou milhares de mortes na Amazônia e no Brasil

MANAUS (AM) – No mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em Genebra, na Suíça, o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) referente à Covid-19, em 5 de maio, vêm à tona dados que apontam a responsabilidade por desinformações que nortearam gestores sobre a administração da pandemia na segunda onda do novo coronavírus, que ocorreu entre 1o de novembro de 2020 e 30 de junho de 2021, período em que o vírus mais matou na Amazônia e no Brasil.

O artigo intitulado “Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia”, coordenado pelo biólogo Lucas Ferrante,

da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), junto a mais sete pesquisadores de cinco instituições do Brasil, publicado na revista científica Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, apontou que informações divulgadas, antes da segunda onda do novo coronavírus, no Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas), coordenado pelo pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Henrique Pereira, agrônomo e mestre em Ecologia, geraram um nível de desinformação letal.

O ODS Atlas Amazonas defendeu que o vírus sofreria uma remissão “por conta própria”, dentro de um estudo denominado de “modelo logístico”.

No resumo do artigo, os cientistas apontam: “Projeções tendenciosas sobre

Paciente de Covid-19 em tratamento em hospital de Manaus
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Crédito: Raphael Alves

a Covid-19 no Brasil forneceram uma desculpa atraente para indivíduos e tomadores de decisão justificarem escolhas ruins durante uma fase crítica da pandemia. Os resultados errôneos, provavelmente, contribuíram para a retomada prematura das aulas presenciais e a flexibilização das restrições ao contato social, favorecendo o ressurgimento da Covid-19. Em Manaus, a maior cidade da região amazônica, a pandemia de Covid-19 não terminou em 2020 por conta própria, mas se recuperou em uma desastrosa segunda onda da doença”.

Ao contrário do que informou o ODS Atlas Amazonas, no segundo semestre de 2020, Manaus (AM) vivenciou uma segunda onda da Covid-19 cuja alta transmissão comunitária propiciou o surgimento da variante P.1, conhecida como gama. A variante matava em ciclos de até 14 dias e chegou a todo o País, superlotando hospitais e colapsando o sistema de saúde.

A segunda onda da pandemia foi responsável por um novo colapso do sistema de saúde e funerário em Manaus, que foi a primeira cidade do mundo a ter todas as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) ocupadas e já havia sido a primeira a enterrar seus mortos em valas comuns, de acordo com dados publicados na revista científica Preventive Medicine Reports.

Em Manaus (AM), o saldo de mortes foi de 4.430 mortes, entre 1o de janeiro e 2 de março de 2021, 1.050 a mais do que no primeiro ápice da pandemia em 2020,

no mesmo período, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS/AM). No final do ciclo da segunda onda de Covid-19 no Amazonas, junho de 2021, o Estado registrava 13.249 mortes. Dessas, 9.121 ocorreram em Manaus e 4.125 nos outros 61 municípios. No dia 25 de junho daquele ano, pela primeira vez em sete meses do segundo ápice, o Estado amazonense não registrava óbitos por Covid-19.

DESINFORMAÇÃO LETAL

O estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities (https:// doi.org/10.1007/s40615-023-01607-4), em 24 de abril deste ano, mostrou que, diferentemente do que defendeu o ODS Atlas Amazonas, de que Manaus estava entrando na última fase da pandemia no início de junho de 2020, as evidências numéricas não apontavam para o fim da pandemia, além das projeções publicadas serem tendenciosas, sem análises adequadas e sem base científica sólida.

“Os dados epidemiológicos da época sugeriam que nenhum país europeu havia visto taxas de infecção altas o suficiente para evitar uma segunda onda de transmissão se os controles comportamentais ou as precauções fossem relaxados sem a implementação de medidas compensatórias”, diz o artigo científico coordenado por Lucas Ferrante.

A pesquisa rechaçou ainda a informação que o grupo de Henrique Pereira

Sobre a publicação científica

O Journal of Racial and Ethnic Health Disparities é uma publicação científica internacional, com artigos e pesquisas publicados em inglês. A publicação informa em seus objetivos e escopo que “relata o progresso acadêmico do trabalho para entender, abordar e, finalmente, eliminar as disparidades de saúde com base na raça e etnia”. Informa ainda que “esforços para explorar as causas subjacentes das disparidades de saúde e descrever as intervenções que têm sido empreendidas para

envolvendo a espécie humana pressuporia a ocorrência de um processo de seleção natural na espécie humana, o que só seria plausível em uma escala temporal de muitas décadas e, portanto, irrealista, no caso do novo coronavírus SARS-CoV-2”

defendeu de que as reduções de casos graves (hospitalizações) e mortes (letalidade) deveriam ser atribuídas a “complexos mecanismos coevolutivos da relação hospedeiro-patógeno”.

“Um processo coevolutivo envolvendo a espécie humana pressuporia a ocorrência de um processo de seleção natural na espécie humana, o que só seria plausível em uma escala temporal de muitas décadas e, portanto, irrealista, no caso do novo coronavírus SARS-CoV-2”, concluiu o pesquisador e doutor Lucas Ferrante.

abordar as disparidades raciais e étnicas de saúde são apresentados”.

Cem por cento das publicações da revista Journal of Racial and Ethnic Health Disparities são revisadas pelos pares (comunidade científica), o que garante mais credibilidade aos resultados emitidos nas pesquisas abordadas, segundo informações que constam no site oficial do veículo de comunicação. A publicação conta com um conselho editorial composto por pesquisadores dos Estados Unidos (EUA).

Participaram do estudo com Ferrante os pesquisadores Dr. Alexandre Celestino Leite Almeida (Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ), Dr. Jeremias Leão (Universidade Federal do Amazonas - Ufam), Dr. Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG), Dra. Ruth Camargo Vassão (Instituto Butantan de São Paulo), Dr. Rodrigo Machado Vilani (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), Dr. Unaí Tupinambás (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) e Dr. Philip Martin Fearnside (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa).

ODS ATLAS AMAZONAS

O grupo de Henrique Pereira que coordenava o ODS Atlas Amazonas, em junho de 2020, contava com o apoio dos pesqui-

of

“Um processo coevolutivo
Trecho do artigo científico coordenado pelo pesquisador Lucas Ferrante. O grupo liderado pelo pesquisador Lucas Ferrante, que previu a segunda onda da Covid-19, publicou artigo científico que responsabiliza o grupo coordenado pelo pesquisador Henrique Pereira de publicar desinformação que contribuiu para mortes no Amazonas, em 2021. Nas figuras A e B, estudo sobre Manaus aponta a curva violeta, que indica as mortes projetadas, e a curva preta, as mortes observadas (Journal Racial and Ethnic Health Disparities)
27 26 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM DESINFORMAÇÃO QUE MATA ECONOMIA & SOCIEDADE

sadores Danilo Egle Santos Barbosa (Universidade Federal do Amazonas - Ufam), Suzy Cristina Pedroza (Universidade Federal do Amazonas - Ufam), Bruno Lorenzi (Universidade Federal do AmazonasUfam) e da enfermeira especialista em saúde coletiva Francynara Dias Lorenzi.

A REVISTA CENARIUM buscou ouvir os cinco pesquisadores que assinaram os boletins do ODS Atlas Amazonas das

Boletim

ODS ATLAS AMAZONAS

Vol 2 Especial n.º 10, maio-2020 | ISSN: 2675-0384 Editora da Universidade Federal do Amazonas

ESPECIAL COVID-19

A utilização do modelo logístico para a estimativa das taxas de crescimento de casos e de óbitos por Covid-19 tem se mostrado adequada quando confrontada à realidade do Amazonas. Em Manaus, a variação do índice de isolamento social explica parcialmente a queda do número de óbitos. Rejeitase a hipótese da "imunidade de rebanho" e discute-se como as teorias de ecologia evolutiva de doenças podem explicar o fato de a transição para última fase da Pandemia estar acontecendo mais cedo em Manaus do que nos demais epicentros.

Na figura A, o estudo sobre a Covid-19, do grupo de Henrique Pereira sobre Boa Vista (RR), Macapá (AP), Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO), em 2021, é colocado em xeque por Lucas Ferrante, na abordagem sobre a tendência “cinza” que, segundo Ferrante, induz o leitor a pensar que as curvas de aumento da Covid-19 antes da segunda onda atingiriam a redução automaticamente. Na figura B, o grupo de Lucas Ferrante confronta a equipe de Henrique Pereira na tese de afirmar que o número de mortes diárias estava diminuindo nas cidades de Belém (PA) e Manaus (AM). Para eles, o eixo y tem uma escala logarítmica. Uma diminuição na inclinação da curva de mortalidade não significaria, necessariamente, que o número de mortes diárias estava diminuindo (Journal of Racial and Ethnic Health Disparities)

datas 10 de maio e 11 de junho de 2020, contestados no artigo “Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia”, publicado na revista científica Journal of Racial and Ethnic Health Disparities.

Procurado pela reportagem, que questionou se ele gostaria de se pronunciar sobre o artigo, o pesquisador Danilo Egle informou que também coordenou o projeto e que consultaria os demais pesquisadores. “Nossa posição é a seguinte: o nosso projeto, oficialmente, não tem nada a declarar sobre o estudo apresentado”, afirmou, em resposta à CENARIUM. Danilo consta nos boletins do ODS Atlas Amazonas como coordenador técnico da pesquisa.

A reportagem também contactou Henrique Pereira, que consta nos boletins do ODS Atlas Amazonas como coordenador-geral da pesquisa. Ele informou também não ter nada a declarar.

Acesse o artigo aqui.

Grupo de pesquisadores rebate utilização de modelo logístico e não epidemiológico em previsões sobre a segunda onda da pandemia da Covid-19

Modelos simples e não epidemiológicos como o modelo logístico têm sido utilizados para estimar e prever as taxas de crescimento de casos e óbitos ao longo do curso de uma pandemia (MA et al., 2013). O modelo logístico, ou crescimento assintótico estável é um modelo de crescimento em que à medida que a população se aproxima do seu limite superior sua velocidade é retardada pelas informações de feedback dos limites no sistema. A equação do modelo logístico é Y(t) = a/(1 + b. e-ct). Uma inflexão da curva ocorre quando Y = a/2. O modelo reproduz um padrão de crescimento populacional bem conhecido para populações biológicas na natureza e que neste estudo foi adaptado para descrever o crescimento da curva de casos e de óbitos em cada população (município) estudado. Os dados utilizados para o registro das séries históricas foram os divulgados nos boletins diários da Fundação de Vigilância em Saúde do estado do Amazonas (FVS/AM). Como se pode observar, há um excelente ajuste entre valores estimados e os observados para ambas as curvas (Figura 1). Nota-se, também, que no 90º dia da pandemia em Manaus (09 de junho de 2020), a curva de óbitos já ultrapassava o ponto de inflexão e estava muito próxima da assíntota (valor máximo) com 94% dos casos previstos, ao passo que a curva de casos ainda se encontrava em uma fase anterior com apenas 81% do número total de óbitos previstos. O fato de a redução da velocidade da curva de óbitos acontecer antes da curva de casos, foi apontado como uma das evidências empíricas que corroborariam com a hipótese da “imunidade de rebanho”. Porém, essa afirmação é questionável por várias razões, sendo uma delas o fato de tal hipótese ter sido construída no contexto de campanhas de vacinação em massa e, portanto, não se presta a explicar processos de imunização natural da população.

O modelo para a curva de óbitos (Tabela 1) apresentou uma estabilidade, em tempo anterior ao do modelo para a curva de casos (Tabela 2), ou seja, sem alterações significativas nos valores estimados a cada novo dado acrescido à série histórica. Isso se deve, em parte, às maiores incertezas que acompanham a obtenção das informações sobre novos casos diagnosticados e também às flutuações na intensidade da amostragem da população infectada. No entanto, ainda assim, a curva de casos também já apresenta pouca variação no tempo.

Com os resultados das projeções dos modelos, espera-se que o número de casos continue aumentando mesmo quando a curva de óbitos já estiver praticamente estagnada, o que poderá ocorrer por volta de 17 de junho. Essa defasagem entre óbitos e novos casos pode estar relacionada a vários fatores e que estão associados às respostas da população hospedeira à interação com o novo parasita em termos de prevenção, resistência e tolerância.

‘Modelo logístico foi erro grave’

ANAUS (AM) – O estudo sobre a desinformação na segunda onda da pandemia da Covid-19, no Amazonas, publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, que confrontou as informações divulgadas no boletim Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas), coordenado pelo pesquisa-

dor Henrique Pereira, rebateu a teoria do modelo logístico, e não epidemiológico, para prever taxas de crescimento de casos e de óbitos causados pelo novo coronavírus, em junho de 2020.

“O modelo criado pelos autores do ODS Atlas Amazonas foi um erro grave que pode ter contribuído para decisões equivocadas das autoridades de suspender o confina-

17 68 8691 97 105 113 121 b (53D) Belém Macapá Porto Velho 1000 100 10 1 13/mar 21/mar 29/mar 06/abr 14/abr 22/abr 30/abr 08/mai 16/mai 24/mai 01/jun 09/jun óbitos registrados (Log10) Boa Vista Manaus Rio Branco estimado estimado DE EPICENTRO À REDENÇÃO Por que Manaus será a primeira cidade brasileira a vencer a pandemia de COVID-19? BOLETIM ODS ATLAS AMAZONAS é uma publicação periódica do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia – PPGCASA. EQUIPE TÉCNICA Prof.º Henrique dos Santos Pereira, PhD (Coordenador geral da pesquisa), Prof.º Danilo Egle Santos Barbosa, PhD (Coordenador técnico), Prof.ª Dr.ª Suzy Cristina Pedroza da Silva (Pesquisadora colaboradora), Bruno Cordeiro Lorenzi (Pesquisador colaborador) e Francynara Dias
Lorenzi, enfermeira especialista em saúde coletiva
Por Henrique dos Santos Pereira, Danilo Egle Santos Barbosa e Bruno Cordeiro Lorenzi Figura 1 – Curvas logísticas para as séries históricas de óbitos e casos de COVID-19 registrados em Manaus até 09 de junho de 2020. Fonte: FVS/AM. Elaborado pelo autores. Acesse o painel do Atlas ODS Amazonas Tabela 1 – Estimativas dos parâmetros do modelo logístico para a curva de crescimentos de casos de COVID-19 em Manaus calculados em diferentes momentos da pandemia. MTabela 2 – Estimativas dos parâmetros do modelo logístico para a curva de crescimentos de óbitos por COVID-19 em Manaus calculados em diferentes momentos da pandemia.
Boletim 10: Vol 2 Especial n.º 10, maio-2020 ISSN: 2675-0384
Manaus (60) 1 1 5 9 13 17 21 25 29333741 45 4953 57 61 65 69 73 77 1 6 1 1 16 21 2631 3641465 15 66 1 667 17 681 8691 1 1 16 21 2631 36414651 56 61 66 71 7681 1 9 17 25 33 41 49 57 65 73 81 89 97 1 9 17 25 33 41 49 57 65 73 81 89 97 105 113 121 1 8 15 22 29 36 43 50 57 64 71 79 85 92 99 106 113 2000 1500 1000 500 0 250 200 150 100 50 0 300 250 200 150 100 50 0 600 500 400 300 200 100 0 2000 1500 1000 500 0 200 150 100 50 0 Número de óbitos observado estimado Número de óbitos 6 Belém (60) a b Boa Vista (220) Macapá (31D) Rio Branco (47D) Porto Velho (53D) Belém Macapá Porto Velho 1000 100 10 1 13/mar 21/mar 29/mar 06/abr 14/abr 22/abr 30/abr 08/mai 16/mai 24/mai 01/jun 09/jun óbitos registrados (Log10) Boa Vista Manaus Rio Branco observado estimado observado estimado observado estimado observado estimado observado estimado
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mento e afrouxar as medidas sanitárias na segunda onda da pandemia da Covid-19”, apontou o coordenador da pesquisa publicada no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, Lucas Ferrante.

Em matéria publicada na edição de junho de 2020, da REVISTA CENARIUM, intitulada “O fantasma da Covid-19 na Amazônia – Risco de segunda onda é real”, o pesquisador Henrique Pereira declarou, com base em estudos do ODS

Atlas Amazonas, que não haveria possibilidades de um segundo ápice de contaminação do novo coronavírus a curto prazo, “fato” que, segundo ele, faria a capital amazonense ser “a primeira cidade do País a superar a crise”.

“Todos os vírus estão competindo para se reproduzir, os menos virulentos ganham vantagem porque se transmitem em maior frequência e, depois de certo tempo, interagindo com a população hospedeira, se

Henrique Pereira, em reportagem da REVISTA CENARIUM, em junho de 2020.

onde quase toda a população já teria tido contato com o vírus.

o boletim do Atlas ODS Amazonas, em junho de 2020.

tornam maioria”, defendeu Henrique, em junho de 2020.

Para chegar a essa conclusão, Henrique Pereira usou o modelo logístico, e não epidemiológico, para prever taxas de crescimento de casos e de óbitos. A projeção estimava que 97% das mortes por Covid-19 deveriam ocorrer até o dia 17 de junho de 2020. Pereira explicou ainda, à época, que a hipótese, não deveria ser confundida com a imunização de rebanho,

Na avaliação do Atlas, se o modelo adotado estivesse corretamente ajustado para a curva de cada um dos municípios examinados, as projeções feitas até o marco de 97% dos óbitos previstos indicariam que Boa Vista, Macapá, Rio Branco e Porto Velho seriam as últimas capitais localizadas na bacia amazônica a controlarem a pandemia. Essa hipótese, segundo os pesquisadores, estaria relacionada com a data do início da transmissão comunitária nessas capitais.

“A aceleração da transmissão começou primeiro em Manaus; 4 dias após, em Belém e Rio Branco, depois em Macapá, após 6 dias, e, finalmente, em Porto Velho, em 8 dias após o início em Manaus. Porém, essas pequenas diferenças em dias não seriam suficientes para explicar o fato de, em Porto Velho, a curva de óbitos ainda não ter atingido sequer o ponto de inflexão, previsto para 18 de junho”, informava

Na época, na mesma reportagem publicada pela CENARIUM, Lucas rebatia o estudo do ODS Atlas Amazonas. Ele disse que o declínio do número de internações era resultante do isolamento social, que, apesar de não ter sido mais rigoroso, suavizou a curva projetada anteriormente.

“A teoria não apontava para o fim da pandemia, mas para uma espécie de trégua, o que, infelizmente, ficou comprovado”, concluiu Ferrante. O grupo de pesquisadores coordenado por Ferrante foi o primeiro a dar o alerta de que Manaus passaria por uma segunda onda da Covid-19, por meio de uma publicação, no dia 7 de agosto de 2020, no periódico Nature Medicine, um dos mais prestigiados do mundo.

O estudo do Journal of Racial and Ethnic Health Disparities ainda destaca que a segunda onda poderia ter sido contida, se os alertas tivessem sido ouvidos pelas autoridades.

“Todos os vírus estão competindo para se reproduzir. Os menos virulentos ganham vantagem porque se transmitem em maior frequência e, depois de certo tempo, interagindo com a população hospedeira, se tornam maioria”
Em junho de 2020, o pesquisador Lucas Ferrante concedeu entrevista à CENARIUM, na qual previa o segundo ápice do novo coronavírus em Manaus (AM) A REVISTA CENARIUM foi um dos primeiros veículos de comunicação a alertar sobre a segunda onda da pandemia, com contrapontos sobre o estudo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas)
“A teoria não apontava para o fim da pandemia, mas para uma espécie de trégua, o que, infelizmente, ficou comprovado”
Concluiu Lucas Ferrante.
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Crédito: Ricardo Oliveira

Governo Bolsonaro negava segunda onda: ‘O pico passou’

Informações baseadas em modelo logístico sobre o contágio da Covid-19 no Amazonas foram seguidas pelo então ministro da Saúde Eduardo Pazuello

MANAUS (AM) – Assinado por oito pesquisadores de seis instituições nacionais, o artigo científico sobre desinformação na pandemia apontou que os dados produzidos pelo Boletim Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas), sob a coordenação do pesquisador Henrique Pereira, foram usados pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para medidas negacionistas na gestão pública, no período que antecedeu o segundo ápice do novo coronavírus no Brasil.

Concluíram a informação os pesquisadores Lucas Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); Alexandre Celestino Leite Almeida, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); Jeremias Leão da Ufam; Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Ruth Camargo Vassão, do Instituto Butantan de São Paulo; Rodrigo Machado Vilani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Unaí Tupinambás, da UFMG; e Philip Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Conforme o artigo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, em 23 de junho de 2020, o ex-ministro da Saúde do ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello, apresentou os gráficos do boletim ODS Atlas Amazonas em sessão da Comissão Mista de Acompanhamento do Coronavírus no Congresso Nacional, alegando que os dados mos-

travam que a tendência dos registros do novo coronavírus era a “normalidade” e a “curva é quase zero”.

“Essa crença pode ter contribuído para a natureza desastrosa da gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro em todo o Brasil.

(...) Esse resultado trágico foi resultado do negacionismo da Covid-19 e da resistência

“(...) Aí, vocês observam a curva do Estado do Amazonas completamente diferente da curva da Região Norte do Brasil, uma curva muito mais clara, onde o pico já passou e o número tende à normalidade no final da curva”

Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, em 23 de junho de 2020, apresentando gráficos do boletim ODS Atlas Amazonas em sessão da Comissão Mista de Acompanhamento do Coronavírus, no Congresso Nacional.

associada às medidas de distanciamento social, tanto por indivíduos quanto por líderes políticos”, apontou o estudo.

No canal da TV Senado, no YouTube, consta a transmissão da reunião da comissão, na mesma data apontada pelo artigo, na qual Pazuello visa prestar contas com os parlamentares sobre a atuação do governo federal e as ações promovidas pelo ministério no combate ao novo coronavírus.

Para convencer os membros do Senado de que os registros da doença apresentavam curva em queda, Eduardo Pazuello afirmou que estudos nos quais se baseava o sistema do “LocalizaSUS” apontavam que a curva da Região Norte estava diferente da curva do Brasil.

“As curvas já se mostram bem diferentes e nós vamos aprofundar um pouquinho na Região Norte, e vamos escolher um Estado, o Estado do Amazonas. Aí, vocês observam a curva do Estado do Amazonas completamente diferente da curva da Região Norte do Brasil, uma curva muito mais clara onde o pico já passou, e o número tende à normalidade no final da curva”.

Ao falar de Manaus, o ex-ministro Pazuello afirmou que a capital amazonense redimiu a doença. “Manaus e região metropolitana, vocês veem a curva da Região Metropolitana, praticamente, tendendo ao zero, praticamente tendendo ao zero. Isso mostra que naquela capital, que naquela região metropolitana, naquele Estado, naquela região do Brasil é essa a curva”, completou.

Com até 3 mil mortes registradas ao mês por Covid-19 no Brasil no ápice da segunda onda, o general Eduardo Pazuello deixou o cargo de ministro da Saúde, no Governo Bolsonaro, no dia 16 de março de 2021, em meio a denúncias de negligência na função e suspeita de corrupção na aquisição de vacina contra o novo coronavírus.

Em reunião na Comissão Mista do Senado sobre ações para conter a Covid-19, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou, em 23 de junho de 2020, que o pico do novo coronavírus tinha “passado” em Manaus (AM)

Apresentação de Eduardo Pazuello, em junho de 2020, apontava “fim da pandemia” na Região Metropolitana de Manaus, no Senado

Paula Litaiff - Da Revista Cenarium
Crédito: Reprodução TV Senado Crédito: Reprodução | TV Senado 33 32 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM DESINFORMAÇÃO QUE MATA ECONOMIA & SOCIEDADE

Reféns do carvão

No Mês do Trabalhador, a CENARIUM traz denúncias de trabalho análogo à escravidão na Amazônia

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) - Jornadas longas de trabalho, alojamentos precários, falta de materiais de segurança e de instalações sanitárias e baixa remuneração estão na lista de irregularidades flagradas em ambientes nos quais, até hoje, perdura a exploração do trabalho, conhecida como “escravidão contemporânea”. Na edição de maio, mês em que se celebra o Dia do Trabalhador, no dia 1º, a REVISTA CENARIUM denuncia situações de trabalho análogo à escravidão na Amazônia a partir das histórias de carvoeiros de Roraima. Eles representam a ponta de um iceberg na região, onde 27,9 mil trabalhadores escravizados foram resgatados nos últimos 27 anos, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). A reportagem esteve em carvoarias nos municípios de Boa Vista e Rorainópolis, no Estado de Roraima, entre janeiro e março de 2023, e identificou trabalhadores em situações degradantes, sem registros empregatícios, com jornadas de trabalho de até 14 horas diárias, em locais de estru-

“O trabalho escravo, hoje, saiu dessa esfera de prender a pessoa, impossibilitar de ela ir e vir, e está dentro de uma esfera de degradação da pessoa humana. Então, para além da restrição de ir e vir, temos outras condições degradantes”.

Igo Zany Nunes Corrêa, juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 11ª Região em Manaus, e doutor em Direito Trabalhista, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Trabalhador de carvoaria de Roraima próximo a um dos fornos Expressão do rosto de um carvoeiro de Roraima Crédito: Ricardo Oliveira
trabalhando na queima de madeira em um forno 35 34 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM ECONOMIA & SOCIEDADE ESPECIAL TRABALHADORES
Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira Carvoeiros

ESPECIAL TRABALHADORES REVISTA CENARIUM

ECONOMIA & SOCIEDADE

tura inadequada, com ausência de itens essenciais, como água potável e materiais de segurança; baixa remuneração, que pode chegar a R$ 10 ou R$ 100, por dia; e exposição a condições insalubres, com altas temperaturas, fumaça e sujeira. O cenário encontrado pela reportagem é similar aos de alvos de operações do

com o fogo, que converte a madeira em carvão. É uma vida cinza, como as fotografias em preto e branco desta reportagem.

Segundo o MPT, desigualdade social, baixa escolaridade e migração de pessoas para outros Estados na promessa de um futuro melhor são algumas das causas da exploração de mão de obra que fere

da exploração do trabalho se devem ao fato de que o trabalho não é livre. Ele não é emancipado. E a gente está vendo isso hoje. As condições de relações de trabalho tornaram-se mais precárias”.

Ygor Olinto Rocha Cavalcante, historiador, psicanalista e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), campus Presidente Figueiredo, no Amazonas.

MPT em diversos Estados da Amazônia Legal, que já resgataram milhares de trabalhadores escravizados, ao longo das últimas décadas.

Magros, vestindo camisetas, bermudas e calçando chinelos, os carvoeiros encontrados pela reportagem passam os dias cobertos da negra fuligem de carvão, que pinta suas peles, na maioria, de pardos. E, sem oportunidades melhores de garantir o sustento, comem e bebem o que dá e tentam sobreviver aos riscos diários da lida

a dignidade humana e ignora direitos conquistados desde a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No Brasil, submeter alguém a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e restrições de locomoção do trabalhador é crime, que pode levar à pena de reclusão de dois a oito anos de prisão, tendo ainda o agravo correspondente à violência praticada, amparados pelo Artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que caracteriza esses ele-

Segundo o Comitê Nacional do Ministério Público de Combate ao Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Conatetrap), em publicação no site institucional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), “o conceito de trabalho escravo contemporâneo trazido pelo ordenamento brasileiro representa grande avanço no combate a essa dura realidade, pois evidencia que, nos tempos atuais, sua configuração vai muito além da privação de liberdade, ocorrendo nas mais amplas situações de ofensa à dignidade do ser humano, como em hipóteses de submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas impostas aos trabalhadores.

Instituído pela Resolução CNMP n.º 197/2019, o Conatetrap objetiva elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público quanto ao tema.

PERPETUAÇÃO ESCRAVISTA

Mais de 130 anos após o fim da escravidão no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea em 1888, ainda existem frutos da exploração de seres humanos, pois a sociedade brasileira seguiu reproduzindo os mesmos padrões exploratórios. De acordo com especialistas ouvidos pela CENARIUM, a posição do Brasil nas relações econômicas globais é uma das responsáveis por essa continuidade.

Historiador, psicanalista e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) campus Presidente Figueiredo, Ygor Olinto Rocha Cavalcante, que concentra suas pesquisas sobre a escravidão na Amazônia, e lutas sociais pela liberdade e pela

cidadania, explica o histórico da exploração do trabalho escravo. Segundo Ygor, a escravização também é a base de uma exploração simbólica, porque a propriedade sobre uma pessoa não é apenas uma questão econômica, ela também é uma questão de poder. “Esse domínio se dá tanto no passado quanto hoje, com o domínio sobre o voto de alguém, sobre a perspectiva, sobre a cultura. O controle sobre uma pessoa foi e ainda é a chave para a nobilitação da pessoa”, diz. Ygor é autor dos livros e artigos “Histórias de Joaquina: escravidão e liberdade no Amazonas (Revista Afro-Asia)”; “Uma viva e permanente ameaça: resistência, rebeldia e fugas escravas no Amazonas Imperial (Paco Editorial, 2015)”; e “Abolição à

mentos como a redução de um ser humano à condição análoga a de um escravizado.

O juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 11ª Região em Manaus, doutor em Direito Trabalhista, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Igo Zany Nunes Corrêa, explica que a justiça estuda as novas formas de exploração, novas formas de escravidão e as velhas práticas escravagistas, o que permite que trabalhos realmente degradantes sejam vistos como trabalho escravo.

“O trabalho escravo, hoje, saiu dessa esfera de prender a pessoa, impossibilitar de ela ir e vir, e está dentro de uma esfera de degradação da pessoa humana. Então, para além da restrição de ir e vir, temos outras condições degradantes. Sem banheiro, sem alojamento devido, comida estragada, você, basicamente, a submete [à condição] de sub-humana, e isso faz com que incorra nesse tipo de crime”, afirma.

O jurista explica que é importante identificar os tipos de exploração em que o trabalhador está sendo submetido. “Tudo isso hoje, por analogia, se considera trabalho escravo e, na verdade, é trabalho escravo. O modus operandi é o mesmo, uma exploração capitalista com uma sub-humanização e uma coisificação do ser humano”, relata.

ESTATÍSTICAS PREOCUPANTES

O País vem apresentando, a cada ano, recordes de resgates de pessoas em condições análogas à escravidão. Apenas nos três primeiros meses de 2023, o Brasil bateu recorde de resgate de trabalhadores: foram 918 resgatados, até o dia 20 de março. O número é o maior, para o período, nos últimos 15 anos. Segundo o MPT, desde que foram criados os grupos especializados em fiscalização no ano de 1995, mais de 60 mil pessoas foram resgatadas em todo o País nestas condições, até 2022.

Donos não identificados

à escravidão ainda existe muito nos lugares mais longínquos da Amazônia, onde, por exemplo, a legislação trabalhista não consegue alcançar e fiscalizar”

Paulo Queiroz, antropólogo, escritor, jornalista e professor universitário.

Durante a visita da reportagem às madeireiras e carvoarias de Rorainópolis (RR), a CENARIUM perguntou sobre os donos do local e os entrevistados não souberam responder quem eram e afirmaram não estarem no local naquele momento. Das três carvoarias visitadas em Rorainópolis, apenas duas tinham placa de identificação. A reportagem buscou contato através dos nomes, mas os telefones encontrados não funcionam.

Em Boa Vista, a reportagem questionou os trabalhadores da carvoaria visitada para saber se havia algum dono

que pudesse conversar sobre a situação encontrada, mas os relatos foram de que não há apenas um único dono, e que é difícil identificá-los. Segundo os carvoeiros ouvidos pela CENARIUM, os materiais chegam à carvoaria por meio de caminhões que fazem a coleta do lixo urbano na cidade.

Como Boa Vista é uma capital e está em pleno crescimento populacional, a área do desmatamento no Estado é grande e é dessa área que são recolhidas as madeiras para se fazer o carvão vegetal. Sobre os compradores das sacas de

carvão, os trabalhadores dizem que são comerciantes da cidade que chegam ao local para comprar. O valor da venda varia entre R$ 10 e R$ 100.

Questionado pela reportagem, o MPT explicou que parte dos trabalhadores são associados a uma cooperativa e outra parte não é. Usualmente, há pessoas lá que são donas de um ou alguns poucos fornos e “alugam” para diaristas. O MPT classificou a situação das carvoarias de Boa Vista como: “o cenário é bem complexo. Não existe um dono”, informou a assessoria do órgão.

“As causas
“A situação análoga
Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira
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Filho de casal de carvoeiros dorme em rede, no abrigo improvisado em carvoaria de Rorainópolis (RR)

sombra do cativeiro: raça, gênero, classe e educação no Amazonas do século XIX (Editora CRV, 2021)”.

O especialista explica que, apesar de alguns avanços desde a abolição da escravatura, a situação no Brasil e na Amazônia não mudou tanto em relação a processos exploratórios. Para Ygor, o País continua sendo palco para a exploração, tendo em vista que parte de sua economia ainda gira em torno disso. “Num certo sentido, todo brasileiro sonha em ser senhor de escravizados. De certa forma, a gente aprendeu a enriquecer ou a melhorar de vida nos valendo da exploração do trabalho de outro que está numa situação mais vulnerável”, relata.

Conforme o levantamento da reportagem, com base no Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, a maioria dos casos de trabalho escravo contemporâneo na Amazônia está relacionada a atividades rurais, sobretudo

o trabalho em fazendas ou em atividades de produção florestal (nativas e plantadas).

Conforme o Sistema Nacional de Informações Florestais, do governo federal, na produção florestal, a matéria-prima pode ser proveniente de florestas plantadas ou de florestas naturais. A transformação da matéria-prima florestal resulta em produtos madeireiros e não madeireiros. A Região Amazônica é o maior fornecedor desses produtos para as demais regiões do Brasil e exterior, culminando em trabalhos degradantes e exaustivos, que requerem muitas horas de atividade e grande esforço físico. As condições precárias de trabalho e de sobrevivência atravessam a população brasileira e, de certa forma, colaboram para que a exploração se perpetue. “As causas da exploração do trabalho se devem ao fato de que o trabalho não é livre. Ele não é emancipado. E a gente está vendo isso hoje. As condições de relações de trabalho tornaram-se mais precárias”, conclui Ygor.

LACUNAS NA AMAZÔNIA

Na visão do antropólogo, escritor, jornalista e professor universitário Paulo Queiroz, as relações de exploração de trabalho ainda são muito factuais e precisam ser amplamente discutidas. Ele cita que, atualmente, existe um mimetismo que ajuda a encobrir casos de trabalho análogo à escravidão.

“A situação análoga à escravidão ainda existe muito nos lugares mais longínquos da Amazônia, onde, por exemplo, a legislação trabalhista não consegue alcançar e fiscalizar”, avalia.

Segundo o especialista, isso acontece devido à extrema necessidade de algumas famílias que acabam se subjugando para garantir a sobrevivência. “A gente sabe o Estado de miserabilidade diante de uma possibilidade para sobreviver, isso é antigo e existe até hoje de maneira oculta e disfarçada”, conclui.

Trabalhadores próximos a um dos fornos de carvoaria, no Distrito Industrial de Boa Vista (RR)

Impactos na saúde

As condições a que são submetidos os trabalhadores nas carvoarias são prejudiciais à saúde, se não houver a utilização de equipamento adequado de segurança. A temperatura de um forno após a queima do carvão pode variar de 200°C a 450°C, dependendo do momento da queima, segundo a pesquisa “Resfriamento Rápido de Fornos de Carbonização”, dos pesquisadores Delly Oliveira Filho, Carlos A. Teixeira, Juarez de S. e Silva, Hamilton O. Reis e Cristhian L. Vorobieff, publicada na Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO).

A pesquisa apontou que nas primeiras 40 horas do processo acontece a secagem da lenha e, após isso, nas 28 horas restantes ocorre a carbonização. Após a abertura dos fornos, os carvoeiros jogam água, para acelerar o resfriamento do material e, assim, agilizar o ensacamento.

Conforme o estudo “Processo de trabalho e saúde dos trabalhadores na produção artesanal de carvão vegetal em Minas Gerais, Brasil”, dos pesquisadores Elizabeth Costa Dias, Ada Ávila Assunção, Cláudio

Bueno Guerra e Hugo Alejandro Cano Prais,

é possível notar riscos em todas as fases do processamento do carvão, desde o corte de toras até o momento em que se retira o material dos fornos, sendo esse último o momento mais perigoso da atividade.

“A retirada do carvão do forno configura uma situação crítica, observando-se um

“As condições de trabalho são inadequadas, sem o mínimo conforto, os equipamentos e instrumentos de trabalho são arcaicos e sem proteção”

sinergismo entre o esforço físico despendido, a repetitividade dos movimentos, as condições climáticas adversas, a exposição a altas temperaturas e a falta de condições mínimas de higiene e conforto”, escrevem.

O estudo afirma que o trabalho manual de produção de carvão expõe trabalhadores a relações injustas e instáveis. “As condições de trabalho são inadequadas, sem o mínimo conforto, os equipamentos

e instrumentos de trabalho são arcaicos e sem proteção”, diz o texto do estudo.

“As exigências de grande esforço físico, a exposição ao ruído e vibração pelo uso da motosserra, à radiação solar excessiva, ao calor emitido pelos fornos, às substâncias químicas produzidas na combustão da madeira e à picada por animais peçonhentos são algumas das condições de risco para a saúde identificadas no estudo”, concluem.

Acesse o estudo Processo de Trabalho e Saúde dos Trabalhadores na Produção

Artesanal de Carvão Vegetal em Minas Gerais, Brasil

Acesse o estudo Resfriamento Rápido de Fornos de Carbonização

Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira
39 ESPECIAL TRABALHADORES REVISTA CENARIUM ECONOMIA & SOCIEDADE 38 www.revistacenarium.com.br
Trabalhadores de carvoaria trabalhando sem equipamentos de proteção

Sinais de fumaça em Rorainópolis

Município ao sul do

Estado de Roraima tem concentração de madeireiras que alimentam as carvoarias nas quais trabalhadores lutam para sobreviver

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

RORAINÓPOLIS (RR) – O sol ainda nem nasceu, quando os trabalhadores da carvoaria começam a chegar na Azul Indústria e Comércio Ltda., madeireira localizada pouco antes da entrada de Rorainópolis, no sul do Estado de Roraima, a 260 quilômetros da capital Boa Vista. Às 4h, já é possível ouvir o barulho de serras trabalhando e homens arrastando ripas de madeira. Ao fundo da madeireira, um caminho de terra batida

leva a um sinal de fumaça branca. Carvoeiros checam os fornos em que as toras de madeira ardem até ficarem carbonizadas.

A produção de carvão faz parte de uma cadeia de exploração de terras, que passa pelo desmatamento para a criação de gado, soja ou garimpo, onde, após esgotados os recursos, o que sobra é uma carvoaria.

A Azul é apenas uma das mais de 30 madeireiras que existem em Rorainópolis e nos distritos próximos, com uma orga-

O venezuelano Daniel de Jesus, 23, e a família dele, em uma carvoaria de Rorainópolis (RR)

nização idêntica: na entrada, existe uma serraria, que recebe as cargas de toras e é responsável pela produção de tábuas e ripas para a construção civil. Nos fundos, um caminho de terra leva até os fornos feitos de tijolos e barro, onde as sobras de madeira são transformadas em carvão. O material produzido nessas carvoarias abastece a mineradora Taboca e os Estados de Roraima e Amazonas.

O processo da queima de madeira pode durar de três a dez dias, dependendo da quantidade colocada no forno. Segundo os carvoeiros, cada forno produz de 70 a 120 sacos de carvão, cada saco pesa 25 quilos. O valor de venda varia de R$ 25 a R$ 40, por saco. O pagamento dos carvoeiros depende da quantidade produzida por forno, podendo variar de R$ 70 a R$ 200 a diária, pagos apenas por dia trabalhado, sem considerar nenhum benefício.

Domingos Silva, 55, trabalha, há 12 anos, na carvoaria Azul. Saiu do Maranhão para o Pará, há 20 anos [2003], para trabalhar com o mesmo patrão que fundou a madeireira em Rorainópolis (RR). No território paraense, ficou por oito anos, antes de se mudar para Roraima [2011]. Domingos conta que em “dias bons”, consegue faturar R$ 160 a diária, mas optou pelo pagamento mensal.

“Em um dia bom, a gente chega a tirar 200 sacos, depende de como a madeira chega aqui, né. Daí, nossa diária pode chegar a R$ 160, mas a gente

Mudança de vida

Em outra carvoaria mais perto da entrada da cidade, a reportagem encontrou o jovem venezuelano Daniel de Jesus, 23. Diferente da carvoaria Azul, no local, existiam apenas fornos sem uma madeireira para abastecê-los. Daniel não soube explicar à reportagem de onde a madeira vem e nem qual seria o nome da empresa, já que o local não possuía placa de identificação. Ele conta que o trabalho é incerto, devido à carvoaria só funcionar quando os donos conseguem as sobras de madeira.

A reportagem esteve em três ocasiões acompanhando o trabalho solitário de Daniel. Em um desses momentos, a esposa dele, Jennifer Cerpa, 17, e o filho, Rubiel, de 1 ano, estavam abrigados em um casebre de madeira. Na rede atada a poucos metros de um forno, o pequeno Rubiel dormia, enquanto o pai trabalhava para conseguir comprar remédios para o filho com febre e gripado.

Segundo Jennifer, a farmácia do Sistema Único de Saúde (SUS) não tinha o remédio gratuito para gripe e, por isso, Daniel foi trabalhar na carvoaria naquele dia. “A mulher me chama para vir encher o forno. Hoje ela disse que ia me dar R$ 100 para comprar o remédio. Estamos esperando ela voltar, para a gente ir à farmácia depois daqui”, explica Daniel.

O jovem venezuelano estava afastado do trabalho nessa carvoaria, após sofrer queimaduras nas costas, devido ao calor do forno. “Queimei toda a minha costa, fiquei internado um tempo e precisei ficar dois meses afastado, porque tive queimadura de segundo grau. Fiquei internado dez dias para curar minha pele”, conta o jovem, que trabalha há quatro meses no local onde sofreu a queimadura. Daniel e Jennifer moram em Rorainópolis e dividem o aluguel de R$ 650 em um quitinete com outro homem que não faz parte da família.

Domingos Silva, 55, trabalha, há 12 anos, na carvoaria Azul. Ele saiu do Maranhão para o Pará, há 20 anos, para trabalhar com o mesmo patrão que fundou a madeireira em Rorainópolis (RR)
“Aposentar, só se a gente se machucar, quebrar uma perna, aí pede do INSS”
Domingos Silva,
55,
carvoeiro.
“Queimei todas as minhas costas, fiquei internado um tempo e precisei ficar dois meses afastado, porque tive queimadura de segundo grau. Fiquei internado 10 dias para curar minha pele”
Daniel de Jesus, 23, carvoeiro.
Ricardo Oliveira
Crédito:
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Crédito: Ricardo Oliveira

optou por receber só final do mês. A gente só recebe se trabalha”, explica. “Aposentar, só se a gente se machucar, quebrar uma perna, aí pede do INSS”, afirma Domingos, que mora em Rorainópolis com o filho de 20 anos.

Há pelo menos 10 anos, Domingos e outros trabalhadores da carvoaria se mantêm sem carteira assinada, das 4h às 14h, diariamente, sem direito a férias remuneradas, folgas remuneradas, 13º salário, aposentadoria e outros direitos trabalhistas básicos. “Trabalhamos dois anos de carteira assinada, no começo da serraria, aí, depois, o dono vendeu para esse outro e a gente não tem mais a carteira. O Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] ‘dava muito no pé’ e ele desistiu”, conta.

“Ele até queria levar tudo legalizado, com carteira assinada, mas tinha muita burocracia e o Ibama vinha era uma ‘bomba doida’. Eles chegavam e multavam, porque encontravam a madeira ilegal. Prendiam a madeira e fechavam a serraria”, conta. Domingos revela que é difícil trabalhar na legalidade. “Não tem quem trabalhe 100% aqui. É difícil ter uma serraria dessa, é 70% ou 60% o trabalho legalizado que vem de projeto do Ibama, mas o resto é madeira ilegal”, revela.

Assim como Domingos, Jorge Pinheiro Nascimento, 47, saiu de sua terra natal para trabalhar em Rorainópolis. Natural de Itacoatiara, a 175 quilômetros da capital do Amazonas, Manaus, Jorge não tem perspectivas de mudança de vida e trabalha exclusivamente para sobreviver. Quando a reportagem chegou ao local, Jorge descarregava um forno com carvão pronto. Sem máscara, luvas ou quaisquer equipamentos de segurança, Jorge carrega no rosto e nas mãos as marcas do trabalho fatigante.

Questionado sobre como a empresa dá assistência, ele explicou que os equipamentos mais atrapalham do que ajudam. “Eles dão equipamento, essas luvas, bota e as máscaras, mas a questão é que atrapalha muito, não é tão adequado. Quando a gente entra no forno não tem como ficar

“Eles dão equipamento, essas luvas, bota e as máscaras, mas a questão é que atrapalha muito, não é tão adequado. Quando a gente entra no forno, não tem como ficar de máscara, porque a gente não consegue respirar”

Jorge Pinheiro Nascimento, 47, carvoeiro.

de máscara, porque a gente não consegue respirar”, explica.

Na madeireira Azul, existe um abrigo com ripas de madeira construído para descanso e almoço, que possui poucas condições de conforto. Com metade de uma parede e telhas de zinco, os trabalhadores ficam em pé, em frente a uma mesa de madeira, onde dividem um almoço em uma vasilha de plástico. O bebedouro disponibilizado para eles fica em um recipiente de plástico, sem resfriamento e os pertences individuais são guardados em um mesmo baú de madeira onde eles

Um construtor de fornos

guardam a serra utilizada no trabalho, que fica trancado com um cadeado. O calor e a desidratação são riscos diários aos quais os carvoeiros são submetidos.

O carvoeiro Domingos, por exemplo, precisou procurar por atendimento médico, devido ao calor do forno e a desidratação. Ele revela que sentiu fortes dores nas costas. “Perdi um dia de trabalho porque estava com infecção urinária. Lá, a enfermeira chega só de tarde, mas tem que ir cedo para conseguir atendimento. Aqui a gente tem água, mas acho que também fiquei assim por causa do calor do forno”, avalia.

Ao sul de Rorainópolis (RR), no distrito de Nova Colina, Claudio ‘Mondrongo’, 46, é o responsável pela construção dos fornos. A reportagem encontrou com Claudio na madeireira Roraima Verde, onde ele trabalha sem registro profissional. No local, mais de 20 fornos funcionam sob a supervisão de cerca de 15 trabalhadores, sendo a maioria deles venezuelanos. Com apenas dois brasileiros no local, a comunicação é basicamente em espanhol.

“Aqui eu trabalho sem carteira porque me deixa mais livre, tem dias que tô (sic) aqui, tem dias que construo forno em outros distritos e, assim, eu me sustento”, explica. O trabalhador saiu do Maranhão ainda criança com a família e chegou

a Roraima, onde começou a ajudar na construção de fornos e na produção de carvão, ainda aos 10 anos.

A construção dos fornos leva cerca de seis horas, utilizando tijolos comprados pelo dono da madeireira e barro retirado da propriedade por outros trabalhadores.

Claudio conta que é o responsável pela construção de mais da metade dos fornos que existem ali e em outras madeireiras da região.

“No Maranhão, eu trabalhava mais. Às vezes, eu era contratado para fazer 90 fornos de uma vez. Aqui sou chamado para construir uns quatro ou cinco fornos. Na semana passada, fiz quatro lá na RR (em uma madeireira na rodovia)”, conta. Cláudio fatura entre

R$ 350 e R$ 700 por forno construído, dependendo do tamanho e da demanda, tendo vida útil de 3 a 10 anos, dependendo da construção.

Claudio também já realizou trabalhos na serraria do local, mas saiu depois que o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou operação para o local regularizar os trabalhadores. Depois disso, “Mondrongo” resolveu ficar apenas na informalidade, porque a madeireira não costuma pagar no prazo. “Aqui você trabalha uma semana e eles pagam só duas semanas depois, não dá para continuar assim. Daí, às vezes, sou chamado para construir forno em outros lugares e se eu tiver carteira assinada aqui não consigo ir, então prefiro ficar desse jeito”, conta.

Claudio ‘Mondrongo’, 46, constrói fornos de carvão no distrito de Nova Colina (RR)
Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira 43 42 www.revistacenarium.com.br ESPECIAL TRABALHADORES REVISTA CENARIUM ECONOMIA & SOCIEDADE

‘Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome’

Fala de mulher que trabalha há dois anos em uma carvoaria de Boa Vista escancara miséria como uma das causas do trabalho análogo à escravidão

BOA VISTA (RR) – O cenário em Boa Vista não é muito diferente do encontrado em Rorainópolis (distante 260 quilômetros da capital). Como se o tempo tivesse parado, as condições de trabalho nas carvoarias hoje não são diferentes das encontradas 40 anos atrás. Faltam alojamento adequado, condições de higiene, água potável, registro em carteira de trabalho e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e sobram 12 horas de jornada diária para os mais de 20 trabalhadores que atuam na produção e na comercialização de carvão vegetal na carvoaria do Distrito Industrial, no trecho sul da BR-174, rodovia que liga Boa Vista a Manaus.

A descoberta da carvoaria pela reportagem da REVISTA CENARIUM foi possível por conta da visita a um dos principais

cartões-postais da capital, o Mirante Edileusa Lóz (situado no Parque Rio Branco). O monumento tem 120 metros de altura, sendo o ponto de observação mais alto de toda a Região Norte, que possibilita uma vista panorâmica de 360º de toda a cidade. É de lá de cima que a fumaça chama a atenção de quem está vendo a cidade do alto.

Para chegar à carvoaria, foi preciso sair do Centro de Boa Vista e voltar para a BR-174. O local fica na Zona Sul da cidade, atrás da garagem de uma empresa que faz o transporte intermunicipal e interestadual entre o Amazonas e Roraima. Segundo moradores da região, além da carvoaria, há uma espécie de lixão público, onde as pessoas jogam lixo e colocam fogo, provocando mais fumaça nos arredores.

A equipe de reportagem esteve na carvoaria no dia 1º de fevereiro deste ano. Os trabalhadores executavam diversas atividades, como corte, carregamento e transporte de madeira, colocada nos fornos para a queima (carbonização). Faziam também a retirada do carvão dos fornos, ensacamento, transporte e carregamento do produto nos caminhões. De chinelos

“Eu não tenho um grande sonho. Eu só quero sair daqui e trabalhar em algo em que não fiquemos assim, cheios de poeira de carvão”

Geovani Vicente, 20, carvoeiro.

ou com botinas furadas, os carvoeiros não usavam luvas, máscaras ou óculos, e estavam expostos ao forte calor. Fazia 35°C no dia em que a REVISTA CENARIUM esteve no local.

História de família

Durante a visita da reportagem, em um lugar improvisado, sem nenhuma higiene e sob uma lona quente, sentados sobre tijolos, Graça Vicente, o marido e os filhos comeram pães com mortadela, manteiga salgada e beberam dois refrigerantes gelados, para amenizar o calor e a fome. Após o lanche, Graça descreveu como chegou à carvoaria com a família.

“Eu cheguei ao Brasil há dois anos [2021] e estávamos precisando de emprego. Até arranjei alguns trabalhos, mas não eram confortáveis, pois as pessoas mandavam muito e nunca estava bom. Um dia, eu e meu esposo estávamos andando na rodovia [BR174] e avistamos a fumaça, quando perguntamos de uma das pessoas responsáveis daqui o que precisava para trabalhar. Um dos responsáveis disse para a gente vir no dia seguinte e foi assim que começamos a trabalhar aqui”, lembrou Graça.

A brasileira, de sorriso tímido, revela na conversa, de pouco mais de seis minutos, o sonho de ver os filhos fora do trabalho da carvoaria. Graça diz que faz preces para que os filhos estudem. Os três possuem Ensino Médio. Uma das preocupações da mulher é com a saúde da família. O temor é de que adquiram doenças, por conta da exposição à fumaça.

“Algumas pessoas que trabalharam aqui já tiveram pneumonia, bronquite, asma, irritação na pele e nos olhos. É uma preocupação que eu tenho com todos nós, mas não tem outro jeito. É a minha forma de sustento”, afirma.

Homens trabalham na queima de madeira para a produção de carvão, em carvoaria do Distrito Industrial de Boa Vista (RR)

Na carvoaria, dentre os trabalhadores, a reportagem encontrou a família da brasileira Graça Vicente, 49 anos, casada com o venezuelano André Vicente e os três filhos do casal. Os cinco membros do núcleo familiar cumprem 12 horas de jornada diária, de segunda a sábado. Eles afirmaram que vieram para o Brasil por conta da falta de emprego na Venezuela.

Geovani Vicente, de 20 anos, foi o único dos três filhos de Graça que aceitou falar com a reportagem, mas por pouco tempo. Ele relatou que sonha em deixar para trás o trabalho na carvoaria.

“Eu não tenho um grande sonho. Eu só quero sair daqui e trabalhar em algo em que não fiquemos assim, cheios de poeira de carvão. Todo dia para mim é isso, tenho que chegar em casa e tomar banho para tirar a poeira”, afirmou o jovem.

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
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Crédito: Ricardo Oliveira

Graça relata que sobrevive do dinheiro que recebe trabalhando no local. Mãe, pai e filhos ganham entre R$ 70 e R$ 120 por dia trabalhado. Se não trabalharem, não recebem nada. A família relata que há dias em que a renda é de apenas R$ 20.

A maioria dos trabalhadores na carvoaria é de imigrantes que fugiram da crise econômica na Venezuela. “Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome, porque emprego não tem. Alguns locais aqui de Boa Vista sequer aceitam a gente para trabalhar”, desabafa Graça.

Toda a madeira usada na fabricação do carvão vegetal é recolhida das áreas de derrubada da Floresta Amazônica ou do recolhimento do lixo produzido na cidade de Boa Vista. Alguns trabalhadores da área relataram que, no local, não há um dono fixo, e que chegaram lá por precisarem de dinheiro para se alimentar.

‘Preciso ajudar meu pai’

Caminhando mais para dentro da área da carvoaria do Distrito Industrial de Boa Vista, a reportagem encontrou outra venezuelana, Maria Isabel, que desde que chegou ao Brasil, aos 18 anos, trabalha na carvoaria. Hoje, com 23 anos, a função dela é abrir sacolas e ensacar os carvões que serão distribuídos aos supermercados de Boa Vista. Para ela, trabalhar no local tem um motivo especial: ajudar o pai que ficou na Venezuela com outras irmãs. Maria Isabel mora no bairro Nova Cidade, também na Zona Sul de Boa Vista, com a mãe, o padrasto e dois irmãos. Filha caçula de 11 filhos do pai, ela trabalha, em média, 12 horas por dia na carvoaria, para enviar uma parte do valor para o pai. No mês, a jovem diz que consegue mais de R$ 1.200.

A REVISTA CENARIUM uniu o relato dos trabalhadores e traçou a rota do carvão, desde a retirada das árvores até o produto final.

Parte das toras de madeira que vão parar nas carvoarias é retirada de projetos de manejo florestal em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), enquanto outras fazem parte de desmatamento e exploração ilegal.

A madeira chega às madeireiras e passa por processos de corte e serragem. O que sobra dessa transformação em sarrafos é destinado aos fornos de carvão. Em algumas carvoarias, os trabalhadores recebem descartes de madeira da cidade ou de várias empresas madeireiras.

Separadas as toras, os trabalhadores passam a separar as madeiras e escolher aquelas que já podem ser colocadas nos fornos. Normalmente, o processo de enchimento de um forno começa com toras mais grossas, depois uma camada de toras menores. Em condições normais, os fornos são preenchidos até o topo. O tempo de cozimento pode levar até 10 dias, contando com o resfriamento e o ensacamento.

“Eu trabalho aqui de segunda a sexta-feira. Hoje, o meu único sonho é ajudar o meu pai. A situação na Venezuela não está fácil e é daqui que eu posso ajudar ele. O meu pai trabalha lá como serralheiro e quase não aparece nada para ele. Aí eu tenho que ajudar, porque, às vezes, não tem o que comer. Se eu pudesse, eu o traria para cá”, afirmou a jovem.

Maria Isabel conta que chegou até a carvoaria por meio da indicação de uma amiga e uma prima. Ela relata a dificuldade que é trabalhar todos os dias no sol quente. “Não é bom, por causa do sol, o sol cansa muito. Mas por conta do dinheiro, é mais fácil ficar aqui, porque em outro lugar eu não vou conseguir o valor que consigo trabalhando aqui”.

Após ser armazenado em sacos de 5kg a 20 kg, o carvão é colocado em caminhões que abastecem as distribuidoras e empresas. Segundo um dos carvoeiros, uma dessas empresas é a Mineradora Taboca, localizada em Presidente Figueiredo, distante 128 quilômetros de Manaus.

O carvão é amplamente utilizado na indústria por ser um combustível barato. Além disso, parte da produção é exportada para outros Estados, como Amazonas e Pará.

A venezuelana Maria Isabel trabalha na carvoaria do Distrito Industrial de Boa Vista para ajudar o pai, que ainda vive na Venezuela
“Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome, porque emprego não tem. Alguns locais aqui de Boa Vista nem sequer aceitam a gente para trabalhar”
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Graça Vicente, 49, carvoeira.
Crédito: Ricardo Oliveira

Em nota, o MPT informou que as denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas por meio do site mpt.mp.br, aplicativo Pardal ou pelo Disque 100. A denúncia pode ser sigilosa ou anônima.

O órgão de fiscalização informou ainda que atua preventivamente e repressivamente para combater o trabalho em condições análogas ao trabalho escravo, inclusive nas carvoarias roraimenses. Segundo o MPT, além de inquéritos civis em andamento, que podem resultar em um termo de ajuste de conduta ou em uma ação civil pública, há um procedimento promocional em curso, no bojo do qual estão sendo adotadas várias providências relativas à viabilização de local adequado para o funcionamento das carvoarias e apoio à Cooperativa dos

O que dizem os órgãos de fiscalização

Reportagem da REVISTA CENARIUM questionou órgãos de proteção dos trabalhadores e ambientais sobre o funcionamento das carvoarias e as condições de trabalho Ívina Garcia e Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A REVISTA CENARIUM entrou em contato com os órgãos de fiscalização ambientais e de trabalho solicitando informações sobre a ocorrência de trabalho análogo à escravidão, possíveis crimes contra o meio ambiente e outras irregularidades nas carvoarias visitadas pela reportagem em Rorainópolis e nos arredores de Boa Vista (RR). A reportagem também questionou quais as ações ou medidas adotadas por esses órgãos visam coibir práticas irregulares e proteger os trabalhadores.

Sobre as carvoarias de Rorainópolis, a CENARIUM entrou em contato, por meio de endereços de e-mails institucionais, com o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 11ª Região, que abrange os Estados do Amazonas e Roraima, para perguntar sobre as ações nas carvoarias visitadas, e com o Ministério Público Federal (MPF), para questionar acerca de denúncias e processos em andamento sobre as madeireiras visitadas. À Polícia Federal (PF) e à Prefeitura Municipal de

Rorainópolis, a reportagem pediu informações sobre quais ações estão sendo tomadas para coibir o desmatamento ilegal e outras atividades correlatas. Até o fechamento desta edição, no dia 06 de maio deste ano, não houve retorno de nenhum dos órgãos procurados.

Ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a reportagem questionou sobre a informação de que a madeira utilizada nas carvoarias de Rorainópolis é ilegal. O órgão respondeu que a competência primária de licenciar e fiscalizar atividades de exploração madeireira, indústria de madeira e carvoaria em âmbito estadual é do órgão estadual de meio ambiente, a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh). A reportagem tentou contato com a Femarh e a Secretaria de Comunicação do Estado (Secom), por meio dos números telefônicos disponibilizados no site do Governo de Roraima, mas as ligações não foram atendidas, até o fechamento desta edição.

“O Ibama realiza a gestão do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), ferramenta cujo uso é compartilhado entre o Estado e os usuários. O instituto combate, principalmente, fraudes no uso do sistema. Em abril deste ano, em operação de combate a fraudes no módulo DOF e no Sinaflor em Roraima, o Ibama eliminou 3.316 metros cúbicos de créditos indevidos dos sistemas e aplicou quatro autos de infração a duas indústrias madeireiras fiscalizadas, no total de R$ 654 mil”, informou o instituto.

O Ibama informou ainda que as autuações foram aplicadas devido a informações falsas fornecidas aos sistemas e por manutenção de madeira nativa sem licença em depósito. Além disso, também foram apreendidos 511,6 metros cúbicos de madeira.

BOA VISTA

Sobre a carvoaria de Boa Vista, segundo a assessoria de Comunicação do MPT, compete ao Ministério do Trabalho e

Denúncias

Carvoeiros de Roraima, para a promoção de trabalho decente.

O MPT reiterou ainda que associado ao trabalho em condições análogas ao de escravo, já foi identificado, na carvoaria do Distrito Industrial, o trabalho infantil, sendo uma das piores formas de trabalho infantil, conforme a Lista Tip (Decreto 6.481/2008), tendo o MPT atuado prontamente para combater essa violação de direitos.

Procurada pela reportagem, a Cooperativa dos Carvoeiros do Estado de Roraima (Unicarvão) reconheceu as infrações e disse que está trabalhando em parceria com o Ministério Público do Trabalho para se adequar às normas trabalhistas. A presidente da Unicarvão, Denize Vital da Silva, foi quem respondeu aos questionamentos da reportagem. Ela adiantou que a Carvoaria do

Emprego (MTE) fiscalizar e aplicar multas. Cabe ao MPT fazer Termo de Ajuste de Conduta ou acordo judicial, encaminhando à justiça.

Em seu site institucional, o Ministério do Trabalho informa que é “considerado trabalho em condição análoga à de escravo aquele que resulte das seguintes situações, quer em conjunto, quer isoladamente: a submissão de trabalhador a trabalhos forçados; a submissão de trabalhador a jornada exaustiva; a sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; a restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no

Distrito Industrial será desativada e irá para outro terreno doado pelo governo do Estado.

Denize Vital informou ainda que apenas 64 pessoas que atuam na carvoaria do Distrito Industrial estão ligadas à cooperativa e que somente brasileiros são filiados. Em relação aos venezuelanos, estes não fazem parte da entidade. Segundo Denize, ainda não se sabe como a legislação brasileira classifica os estrangeiros na lei.

Sobre a presença de menores, a presidente da cooperativa confirmou que foi assinado, no ano passado, com o MPT, um termo de ajuste de conduta para que os associados não levem os filhos para o local de trabalho. O que, segundo a lei brasileira, é classificado como exploração do trabalho infantil.

local de trabalho; a vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho; a posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho”.

O MPT, por sua vez, informou que o trabalho análogo à escravidão pode ser verificado diante da submissão do trabalhador a condições degradantes: falta de acesso à água potável e até água para a higienização do corpo, o não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual e de vestimentas adequadas, bem como a inalação de ar contaminado por partículas liberadas durante o processo produtivo do carvão.

Na carvoaria do Distrito Industrial de Boa Vista, a reportagem da CENARIUM constatou que os trabalhadores são submetidos a situações que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo, conforme as definições do MTE e do MPT, em decorrência das condições degradantes de trabalho e do modo de vida que levam no local.

Segundo informações obtidas pela reportagem no local, os trabalhadores não recebem nem mesmo salário, recebem apenas pela produtividade, o que leva à jornada exaustiva à qual, oficialmente, eles não são obrigados a se submeterem, mas acabam se submetendo por necessidade de sobrevivência.

De acordo com Artigo 149 do Código Penal, “reduzir alguém à condição análoga de escravo, com jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes, constitui crime com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, além da pena correspondente à violência”.

Sem posicionamentos

Procurados para comentar sobre a documentação da carvoaria e se há autorização da mesma para funcionamento, o Governo de Roraima e a Prefeitura de Boa Vista não responderam aos questionamentos, até o fechamento desta reportagem, no dia 06 de maio.

Condições de trabalho precárias em carvoaria no Distrito Industrial de Boa Vista Trabalhador carregando saco de carvão em carvoaria de Rorainópolis (RR) Crédito: Ricardo Oliveira
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Crédito: Ricardo Oliveira
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Pardos, pobres, de baixa escolaridade

Muitos trabalhadores das carvoarias são de outros Estados ou venezuelanos. Perfil revela baixa escolaridade e faixa etária jovem entre resgatados do trabalho análogo à escravidão na Amazônia

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

RORAINÓPOLIS (RR) – “Queremos ir embora, conseguir um futuro melhor do que aqui”, esse é o anseio do venezuelano Daniel de Jesus, 23, carvoeiro encontrado pela reportagem em um fundo de quintal na beira da estrada, na entrada de Rorainópolis. A busca pela sobrevivência é algo comum entre os trabalhadores encontrados pela REVISTA CENARIUM em Roraima, que, em sua maioria, são de outros Estados ou venezuelanos, pardos e com baixa escolaridade, empurrados pela miséria e preconceito para o trabalho nas carvoarias.

Daniel diz que optou por trabalhar na carvoaria por conta de preconceito e xenofobia sofridos em outras empresas na cidade. “Eu trabalhei em loja de construção, sem carteira assinada, trabalhei em padaria, eletricidade, mecânico, pedreiro… Trabalhei aqui de tudo, mas eles só querem pagar uma miséria e tratam a gente mal. Uma última vez trabalhei fazendo placa e ele quis humilhar minha família, humilhar meu filho e eu não aguentei mais”, relatou.

O objetivo de Daniel e a esposa dele, Jennifer Cerpa, também venezuelana, é sair de Rorainópolis, mas, atualmente, precisam esperar pela maioridade dela, que tem 17 anos, para conseguir emitir os documentos necessários para deixar a cidade. “Queremos ir embora, sim, para outro Estado melhor, conseguir um futuro

melhor do que aqui. Não posso viajar com uma menor de idade, porque a polícia pode pensar que estou sequestrando ou fugindo com ela. Então, estamos esperando ela ficar de maior”, conta Daniel. O casal tem como meio de transporte duas bicicletas com um assento improvisado para o bebê. A criança é transportada em uma caixa de frutas de plástico colocada na traseira da bicicleta, revestida com um travesseiro e com um guarda-sol instalado.

venezuelanos fugiram do país. Reflexo disso é que em um dos locais visitados pela reportagem, em Nova Colina, distrito de Rorainópolis, dos 20 trabalhadores, apenas dois eram brasileiros e falavam português, enquanto todos os outros eram venezuelanos.

Desde 2015, Roraima tem sido o destino principal para os refugiados venezuelanos. Fazendo fronteira com o país, o município roraimense de Pacaraima, por exemplo, foi o que mais cresceu em população, entre os anos de 2020 e 2021, saindo de 18.913 habitantes para 20.108 habitantes (aumento de 6,32%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A situação encontrada pela reportagem é a materialização de dados divulgados pelo Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, que mostram uma maior incidência no Brasil de resgate de homens pardos, entre 18 e 24 anos, ou 45 e 49 anos, com nível de escolaridade que não passa do ensino médio, com a maioria tendo terminado apenas o ensino fundamental. Os trabalhadores foram resgatados, em sua maioria, em atividades de produção florestal (nativas e plantadas).

De todos os entrevistados, tanto em Rorainópolis, quanto em Boa Vista, apenas Graça Vicente, 49 anos, é natural de Roraima. Casada com um venezuelano, Graça morou, por alguns anos, com a família fora do País, mas precisou retornar após a crise econômica, política e humanitária que atingiu a Venezuela.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 6 milhões de

Conforme o Sistema Nacional de Informações Florestais do governo federal, na produção florestal, a matéria-prima pode ser proveniente de florestas plantadas ou de florestas naturais. A transformação da matéria-prima florestal resulta em produtos madeireiros e não madeireiros. A Região Amazônica é a maior fornecedora desses produtos para as demais regiões do Brasil e do exterior.

Acre Maranhão

Perfil

Homens pardos entre 35 e 39 anos (tanto naturais como residentes)

Nível de escolaridade até o 5º do ensino fundamental (23% naturais e 29% residentes)

Local resgate 100% criação de bovinos

Amazonas

Perfil

Homens pardos de 45 a 49 anos (tanto naturais como residentes)

Nível de escolaridade ensino fundamental completo ou incompleto (21% naturais e 38% residentes)

Local resgate 52% resgatados de Atividades de apoio à produção florestal e 48% da Produção florestal - florestas nativas

Perfil

Homens pardos de 18 a 24 anos (tanto naturais como residentes)

Nível de escolaridade 5º incompleto (19% naturais) e ensino médio completo (23% residentes)

Local resgate

27% da Produção florestal - florestas nativas e 18% de Atividades de apoio à agricultura

Mato Grosso Pará Rondônia

Perfil

Homens pardos de 25 a 29 anos (naturais) e entre 45 e 49 (residentes)

Nível de escolaridade 5º ano incompleto (23% naturais e 35% residentes)

Local resgate 16% Produção florestal - florestas plantadas, 16% Construção de edifícios e 16% Cultivo de soja

Perfil

Homens de 18 a 24 anos (tanto naturais como residentes)

Nível de escolaridade Analfabetos (56%)

Local resgate 38% da Criação de bovinos e 29% de Extração de minério de metais preciosos.

Roraima Tocantins

Perfil

Homens pardos de 18 a 24 anos

Nível de escolaridade 5º do ensino fundamental incompleto (36% naturais) e ensino médio completo (24% residentes)

Local resgate 100% criação de bovinos

Perfil

Homens pardos de 30 a 34 anos (naturais) ou 45 a 49 (residentes)

Nível de escolaridade ensino médio incompleto (20% naturais) e analfabetos (22% residentes)

Local resgate 55% do cultivo de soja e 32% de Atividades de apoio à produção florestal

Perfil

Homens pardos entre 35 e 39 anos (tanto naturais como residentes)

Nível de escolaridade até o 5º do ensino fundamental (23% naturais e 29% residentes)

Local resgate 100% criação de bovinos

FONTE: Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas

*naturais são aqueles nascidos na UF, enquanto os residentes são os resgatados que vieram de outros Estados.

*Amapá: o Estado não registrou resgates no período.

“Queremos ir embora, sim, para outro Estado melhor, conseguir um futuro melhor do que aqui”
Daniel de Jesus, 23, carvoeiro.
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Nação nascida da escravidão

Historiador explica contexto histórico do Brasil e da Amazônia que perpetua a exploração de mão de obra com relações escravistas

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A Amazônia, assim como o Brasil de forma geral, nasceu de um processo de escravidão. Historicamente, as relações de trabalho foram construídas em cima da exploração de mão de obra barata para obtenção de um lucro maior, segundo o historiador, psicanalista e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), campus Presidente Figueiredo (AM), Ygor Olinto Rocha Cavalcante.

O historiador lembra que, no século XVI, o Brasil tinha como principal demonstração de poder a detenção de pessoas escravizadas, em sua maioria negros africanos, homens, mulheres e crianças, trazidos por traficantes atlânticos. A prática da escravização de pessoas recebeu o apoio da Igreja Católica que, em comunhão com a Coroa Portuguesa, classificava os negros africanos como “pessoas sem alma”, enquanto os nativos brasileiros, após aceitarem a religião jesuíta, eram considerados pessoas com alma, ou seja, não eram escravizados. O tráfico de escravizados foi, por muitos anos, um dos meios econômicos mais rentáveis para a Coroa Portuguesa, devido aos impostos cobrados aos traficantes por navio negreiro.

Passado o período colonial, após quase 400 anos de escravidão, caminhando

para o século XIX, quando se instituiu a abolição da escravatura, Igor aponta que outros discursos entraram em cena, como a questão racial. Apesar de a escravidão ter acabado, afirma o professor, muitos trabalhadores continuaram sendo submetidos a trabalhos degradantes, por falta de opção.

“A segregação racial é uma espécie de lembrança da escravidão que acaba por ocultar a permanência das relações

“A Amazônia foi e é efeito do processo de escravização através da produção de arroz, cacau, café, borracha e até de serviços urbanos que, na nossa história, também estão marcados pela escravização”

Ygor Olinto Rocha Cavalcante, historiador, psicanalista e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), campus Presidente Figueiredo (AM).

escravistas, sobre outros signos, outros símbolos, com sua lógica fundamental continuada”, diz o historiador. “Não é à toa que hoje a gente experimenta a exploração do ouro, a exploração de minérios e da própria exploração mesmo da população

PERPETUAÇÃO DE PODER

Segundo os estudos do historiador, a escravidão não serviu apenas para acúmulo de riquezas, mas também para a obtenção de poder vista, atualmente, nas relações hierárquicas. “Quando você tem uma comunidade de tutelados, subalternos, de pessoas exploradas nesse sentido, o poder sobre outras que não dispõem dos mesmos dispositivos aumenta também”, explica.

“A escravização também é uma instituição base para as nossas relações, porque, de modo geral, a gente reproduz de alguma maneira essas relações recortadas numa base muito bem definida de quem manda e quem obedece nos determinados cenários em que a gente circula”, diz.

Escravizado urbano e rural

O trabalho escravizado pode ser identificado tanto em meio urbano quanto rural. No meio urbano, o trabalho doméstico de lavar, engomar, passar, cozinhar e cuidar da casa já foi, por muitos anos, uma atividade específica de pessoas escravizadas. Segundo o historiador Ygor Olinto Rocha, apesar de leis definidas para essa atividade, ainda há no Brasil pessoas, em sua maioria mulheres, resgatadas de condições análogas à escravidão, desenvolvendo trabalhos domésticos.

Já no âmbito rural é onde até hoje se perdura a maior parcela do trabalho escravizado no Brasil, ressalta o historiador. Conforme levantamento da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, as principais atividades onde houve resgate em 2022 aconteceram no cultivo de cana-de-açúcar; produção de carvão vegetal; cultivo de alho, café, maçã e soja; extração de pedras e madeira; criação de bovinos; construção civil; e em restaurantes e confecção de roupas.

de modo geral e na Amazônia de uma maneira tão brutal”, conclui.

Ygor ressalta que a partir do século XIX surgiram também discursos identitários nativistas, que eram apoiados pelo discurso de segregação. “É um momento também que se reforça ali um discurso sobre o que é ser amazônida. O que é fazer parte do povo da Amazônia e o que é fazer parte do povo brasileiro. Esses dois signos pretendem uma universalidade, pretendem ser uma espécie de guarda-chuva, mas cuja contrapartida para você fazer parte desse ‘universal amazônida’ é justamente negar sua cultura e seus traços africanos e indígenas”, diz.

“A Amazônia foi e é efeito do processo de escravização através da produção de arroz, cacau, café, borracha e até de serviços urbanos que, na nossa história, também estão marcados pela escravização”, explica o historiador, que pontua que a exploração do trabalho é uma instituição base da extração material, por conta da produção de mercadorias que fazem o Brasil ser um dos maiores exportadores de insumos como soja, minérios, carvão e outros. “Essa reprodução de poder é reproduzida, inclusive, nas hierarquias sociais que perduram até hoje”, aponta o professor.

Castro Alves – 150 anos do poema O Navio Negreiro, instalação de Emanoel Araújo, de 2019, que aborda o período da escravidão no Brasil
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Crédito: Rovena Rosa Agência Brasil

ESPECIAL TRABALHADORES

Resgatados na Amazônia

RESGATADOS

DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO NA AMAZÔNIA LEGAL

Mais de 27 mil pessoas foram resgatadas do trabalho análogo à escravidão na região, entre 1995 e 2022, aponta observatório do MPT

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O trabalho escravo contemporâneo atinge os setores mais frágeis do País e impacta diretamente na produção agrícola, bovina e florestal. Um levantamento realizado pela REVISTA CENARIUM, com base no Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, do Ministério Público do Trabalho (MPT), mostra

que, na Amazônia Legal, 27.979 pessoas foram resgatadas de trabalhos degradantes, entre 1995 e 2022.

As operações de resgate ocorrem em parceria com diversas instituições federais, na busca por assegurar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Em 2022, o MPT formou uma força de combate ao trabalho análogo à escravidão no País.

Em conjunto com a Polícia Federal (PF), a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União, a Operação Resgate realizou uma série de fiscalizações que resultaram no resgate de 2.575 trabalhadores. Além disso, a ação integrada teve como objetivo verificar o cumprimento das regras de proteção ao trabalho, a coleta de provas

para garantir a responsabilização criminal daqueles que lucram com a exploração e a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados. Ao todo, foram realizadas 462 fiscalizações que resultaram em mais de R$ 8 milhões em verbas salariais e rescisórias.

REGIÃO NORTE

Conforme os dados do Observatório, para o período de 1995 a 2022, das 27.979 pessoas resgatadas nos nove Estados da Amazônia Legal, o Estado do Pará lidera a lista, com o resgate de 13.384 pessoas, seguido por Mato Grosso, com 6.139, Maranhão com 3.610, Tocantins com 3.003, Rondônia com 957, Amazonas com 464, Acre com 263, Roraima com 112 e Amapá com 37.

O Observatório é uma iniciativa desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho e pela Organização Internacional do Trabalho

(OIT), no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, que compila o banco de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo (Sisacte) e do Sistema Coete (Controle de Erradicação do Trabalho Escravo), referente ao período iniciado em 2003 (Primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), além de dados brutos fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil.

Em um panorama recente, coletando dados de 2018 a 2022, o Maranhão lidera a lista, com 273 resgatados em situação análoga à escravidão, seguido do Pará, com 88, Mato Grosso, com 85 resgatados, Rondônia, com 53, Tocantins, com 29, Acre, com 27, Amazonas, com 23, Roraima, com 17, e o Amapá sendo o único que não resgatou ninguém no período consultado.

SENDO 88 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 85 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 273 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 29 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 53 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 23 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 27 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 17 ENTRE 2018 E 2022 SENDO 0 ENTRE 2018 E 2022 PARÁ MATO GROSSO MARANHÃO TOCANTINS RONDÔNIA AMAZONAS ACRE RORAIMA AMAPÁ 13.384 6.139 3.610 3.003 957 474 263 112 37 Fonte: Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, do Ministério Público do Trabalho.
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Crédito: Ricardo Oliveira
ECONOMIA
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& SOCIEDADE

Ponte para o conhecimento

Centro de Estudos da USP

voltado à sustentabilidade na Amazônia fará parcerias com pesquisadores de instituições amazônicas, afirma coordenador

Gabriel Abreu* – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas) da Universidade de São Paulo (USP) planeja ser uma ponte entre a pesquisa científica produzida por instituições amazônicas e a academia paulista, por meio de pesquisas e missões científicas. A afirmação é do professor do Instituto de Física (IF) da USP e coordenador do Ceas, Paulo Artaxo. O centro voltado ao conhecimento gerado na Amazônia e sobre a região, é um dos quatro novos locais de estudos criados pela USP, em março deste ano.

Instituições de Ensino da Região Norte, como a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Universidade Federal do Pará

(UFPA), além do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), produzem material científico sobre sustentabilidade há, pelo menos, sete décadas. “O Centro de Estudos da Amazônia Sustentável pretende ser uma ponte entre pesquisadores da Região Amazônica de todas as instituições

Centro buscará produzir conhecimento técnicocientífico para enfrentar desafios relacionados a aspectos territoriais, como o garimpo ilegal

de ensino e pesquisa, e a Universidade de São Paulo como um todo”, explicou Artaxo.

Segundo o professor, o centro quer se estruturar como local de compartilhamento de conhecimentos e saberes (científicos, tradicionais, locais, práticos), oportunizando interações e colaborações

Linhas de pesquisa

A formação do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas) da Universidade de São Paulo (USP) é muito recente e ocorrerá uma série de reuniões para definir a missão, o regimento e os projetos a serem desenvolvidos. O Conselho Diretor será estruturado para dar direções estratégicas, assim como o Conselho Consultivo para auxiliar a alcançar a troca de conhecimentos, aumentando o impacto das pesquisas e ações. Artaxo está otimista quanto ao início das atividades.

“Esperamos que, em poucos meses, o centro esteja em pleno funcionamento, escrevendo propostas de pesquisas para grandes financiadores, de dentro e de fora do Brasil, e assim conseguir financiamen-

com instituições e organizações que atuam na Região Amazônica. A expectativa é que o centro aproxime estudantes, tanto de graduação e pós-graduação, quanto pesquisadores da USP da Amazônia. Os saberes tradicionais dos povos amazônicos também são essenciais para o projeto. Os esforços devem ser centrados para facilitar o acolhimento de estudantes da Região Amazônica nas atividades da USP. “A Amazônia fornece oportunidades únicas em todas as áreas científicas, para ampliar nosso conhecimento sobre as complexas interações sociais com o meio ambiente. Temos muito a aprender com a região, e a ciência que o Ceas desenvolverá focará na preservação do ecossistema, bem como em encontrar caminhos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, finaliza Artaxo.

MISSÃO AMAZÔNIA

Vinculado diretamente à Reitoria da USP e com a participação de cerca de 30 pesquisadores, o Ceas terá como foco a Amazônia. Como propósito, estão a produção, integração e disseminação da ciência, por meio de atividades acadêmicas e científicas, inter e transdisciplinares, relacionadas ao ensino, à pesquisa e à extensão, para o desenvolvimento sustentável da região.

teriza, atualmente, como atividades econômicas principais da Região Amazônica.

“O Brasil tem que encontrar um caminho de desenvolvimento e que traga efetivamente a diminuição das desigualdades sociais, não só na Amazônia, em todo o Brasil e, ao mesmo tempo, desenvolver estratégias para o desenvolvimento que seja efetivamente sustentável a médio e longo prazo para a Região Amazônica”, explicou Artaxo.

PESQUISAS BÁSICAS E APLICADAS

Na Amazônia, serão desenvolvidas pesquisas básicas e aplicadas. As primeiras vão procurar entender como se dá, por exemplo, o funcionamento básico do ecossistema amazônico; como as mudanças climáticas podem impactar a fotossíntese das plantas; e como se dá a recirculação

“O Centro de Estudos da Amazônia Sustentável pretende ser uma ponte entre pesquisadores da Região Amazônica de todas as instituições de ensino e pesquisa, e a Universidade de São Paulo como um todo”

Funcionamento do Ceas

tos e apoios para o desenvolvimento de nossas pesquisas e atividades”, aguarda o coordenador, acrescentando que o Ceas terá uma sede física, com salas para receber pesquisadores e alunos da Região Amazônica, como forma de contribuir para a integração das atividades.

“Já temos vários projetos temáticos financiados pela Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], que têm colaborações com o Ceas, mas queremos escrever propostas específicas e multidisciplinares nos próximos meses, para que o centro tenha recursos próprios para projetos de pesquisa dentro da nossa agenda de atuação para os próximos cinco anos”, explica.

As atividades propostas para o Ceas focam ainda na preservação da biodiversidade e na cultura dos povos originários, o uso sustentável dos recursos naturais, a ampliação de esforços para mitigação de emissões e adaptação às mudanças climáticas e para a melhora de condições de vida das populações, considerando toda a diversidade étnica e populacional (povos da floresta, ribeirinhos, comunidades quilombolas e os residentes das áreas urbanas) e os paradoxos e complexidades amazônicas.

Paulo Artaxo exemplifica que os pesquisadores querem desenvolver atividades socioeconômicas que possam trazer benefícios e uma maior igualdade de renda, de educação, de saúde para a população amazônica, com estratégias baseadas em ciência e não estratégias baseadas em interesses políticos ou estratégias baseadas, por exemplo, em degradação do ecossistema ou em atividades ilegais — como garimpo ilegal, invasão de terras públicas, invasão de terras indígenas —, que é o que se carac-

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e coordenador do Ceas.

de água no ecossistema amazônico, formando os rios voadores.

Já as pesquisas aplicadas, buscarão soluções adequadas para o desenvolvimento de um sistema energético adequado, de maneira que os municípios não precisem depender de combustíveis fósseis, como diesel poluente, vendido a preços altíssimos; como desenvolver o acesso à internet nos lugares mais remotos da Amazônia; e qual a melhor maneira de proteger as populações indígenas da agressão de garimpos ilegais e da invasão das suas terras.

“Então, Antropologia, Física, Biologia são disciplinas que vão trabalhar juntas entre pesquisadores da USP e pesquisadores da Região Amazônica para o desenvolvimento sustentável da região”, explicou Paulo Artaxo.

(*) Com informações da USP.

Os pesquisadores do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas) da Universidade de São Paulo (USP) são de unidades, como: Instituto de Física, Instituto de Biociências, Instituto de Química, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP em Piracicaba, da Faculdade de Direito, da Faculdade de Saúde Pública, assim como do campus da Cidade Universitária, Quadrilátero Saúde-Direito, Piracicaba, Ribeirão Preto e a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH).

O Ceas também terá colaborações com instituições estrangeiras. O coordenador do Centro, Paulo Artaxo, diz que é difícil fazer pesquisa de ponta sem fortes parcerias internacionais, e essas parcerias estão sendo estruturadas. Ele citou o Instituto Max Planck, da Alemanha, o CNRS francês, a Universidade de Yale, em Connecticut (EUA), a Universidade de Berkeley, na Califórnia, a Michigan State University e Universidade de Lancaster, na Inglaterra, estão entre os que manifestaram interesse em colaborar nas pesquisas que o Centro vai atuar.

O pesquisador e coordenador do Ceas, Paulo Artaxo Crédito: Cortesia | Alexandre Fonseca
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Crédito: Agência Brasil

Prevenção a desastres

Manaus passa a contar com Comissão Municipal de Mudanças Climáticas para antever calamidades

MANAUS (AM) – O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), assinou, no dia 3 de maio deste ano, decreto que cria a Comissão Municipal de Mudanças Climáticas. Almeida será o presidente do grupo, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), que terá 15 unidades da administração municipal na composição. Na ocasião, o prefeito também lançou ações de arborização na capital amazonense.

A comissão, que vai conduzir a elaboração do plano de ações climáticas de Manaus, foi criada após os casos de desastres registrados na cidade no mês de março. Oito pessoas morreram na comunidade Pingo D’água, no bairro Jorge

Teixeira, Zona Leste da capital amazonense, após deslizamento de um barranco. David Almeida lembrou que Manaus foi a cidade onde aconteceu o Prêmio “United Earth Amazônia”, por isso, deve promover a consciência ambiental da população.

“O que nós estamos vendo agora, [os desastres] irão acontecer novamente em função exatamente desse comportamento humano em relação ao meio ambiente”, afirmou. “Vivemos em uma cidade que tem 36 igarapés que cortam a cidade, áreas que foram ocupadas, degradadas, e nós estamos preocupados com isso, porque Manaus foi a primeira cidade do mundo a receber o prêmio Nobel Verde, e isso faz parte também do nosso trabalho, de termos a consciência ambiental e passarmos esse legado para as futuras gerações”.

O secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Antonio Stroski, afirmou que a criação da comissão evidencia que Manaus está mostrando para o mundo que quer discutir as mudanças de clima. “Nós estamos nos planejando e estamos preocu-

Preocupação com o lixo

David Almeida ainda citou que Manaus vai gastar, apenas neste ano, mais de R$ 500 milhões com coleta de lixo. “É meio bilhão de reais para recolher lixo. Nós precisamos tomar uma consciência de reduzir e dar a destinação correta ao lixo, para que a gente possa ter recursos necessários para investir em outras áreas e termos a preservação dos nossos mananciais”, defendeu ele, explicando que a Prefeitura planeja fazer a despoluição de igarapés.

“Temos planejamento para trabalhar a despoluição de alguns igarapés, mas o que se faz com a destinação de lixo nessa cidade, a agressão que fazemos ao meio ambiente, não tem precedentes. Estamos começando uma luta dentro das nossas escolas municipais, que é a terceira maior rede do Brasil, com 252 mil alunos, para que a gente possa conscientizar os filhos, porque nós, eu me incluo, a nossa geração tem falhado”, concluiu.

pados com o bem-estar das pessoas. Todos nós sabemos das ocorrências que aconteceram em Manaus nos últimos meses, com perdas de vidas, danos materiais, muitas pessoas sofrendo os efeitos de ações extremas de clima. Portanto, Manaus está se preparando”, disse.

Além das 15 unidades da administração pública, a implantação do plano contra mudanças climáticas contará com assessoramento técnico para mitigação, adaptação e resiliência.

PLANTIO DE MUDAS

Durante a cerimônia, foi plantada, simbolicamente, uma muda de Pau-Brasil. Outras mudas da espécie serão plantadas, inicialmente, ao longo da Avenida Constantino Nery, uma das principais da cidade. Antonio Stroski estabeleceu a meta de plantar 20 mil árvores, em 50 logradouros.

“As nossas metas para 2023/2024 não são só para o plantio, a Semmas faz doação de mudas toda semana num bairro

distinto de Manaus, toda quarta-feira, e nós pretendemos, ao fim deste biênio, produzir, pelo menos, mais 300 mil mudas para distribuir à população, fazer mais de 100 ações itinerantes nestes remanescentes, de 2023 e 2024, e também fazer a revitalização de áreas verdes”, explicou Stroski.

Mudas de pau-brasil começaram a ser plantadas na Avenida Constantino Nery
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
“Vivemos em uma cidade que tem 36 igarapés que cortam a cidade, áreas que foram ocupadas, degradadas, e nós estamos preocupados com isso”
David Almeida, prefeito de Manaus.
O secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Antonio Stroski (à esquerda), e o prefeito David Almeida, assinando decreto de criação da comissão de mudanças climáticas Crédito: Dhyeizo Lemos | Semcom
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Crédito: Dhyeizo Lemos Semcom

Terra Yanomami vive onda de violência

Polícia confirma que garimpeiros invadiram território e atiraram para matar indígenas

Ana Pastana – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) e BOA VISTA (RR)

– Investigação preliminar da Polícia Federal (PF) apontou que um grupo de garimpeiros ilegais resistentes à desocupação da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, foi responsável pela morte de Ilson Xirixana, 36 anos, na comunidade Uxiú, no dia 29 de abril. A informação foi confirmada à REVISTA CENARIUM, no dia 30 de abril.

“Há depoimentos de testemunhas indígenas e não indígenas que apontam para a participação direta de garimpeiros ilegais que resistem à saída da Terra Yanomami, mais precisamente nas comunidades de Uxiú e Surucucum, regiões que eles acreditam ter maior incidência de ouro. Tudo foi articulado e eles atiraram para matar”, explicou um agente que pediu para não ter o nome publicado.

Além de Ilson Xirixana, outros dois indígenas foram baleados pelos garimpeiros, segundo a polícia. Eles foram levados para a comunidade Surucucu, onde ficaram a madrugada do dia 30. Na manhã do mesmo dia, ambos foram removidos para o Hospital de Boa Vista, onde ficaram sob escolta policial. “Há um pedido de reforço policial, porque o caso será melhor esclarecido a partir dos

Conflito soma 14 mortes

SÃO PAULO (SP) – No dia 6 de maio, o corpo de uma mulher, com sinais de violência sexual e enforcamento, foi encontrado dentro da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima. A identidade da vítima ainda não foi confirmada, até o fechamento desta edição.

depoimentos dos sobreviventes”, afirmou o policial à CENARIUM.

Na tarde do dia 30, o Ministério dos Povos Indígenas pediu ao Ministério da Justiça para reforçar o efetivo da Polícia Federal na investigação da morte e ferimento dos indígenas Yanomami, em Roraima.

“A situação de invasores na TI Yanomami vem de muitos anos e, mesmo com todos os esforços sendo realizados pelo governo federal, ainda faltam muitas ações coordenadas até a retirada de todos os invasores do território. Solicitamos reforço do Ministério da Justiça para investigação da PF sobre este caso”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

A onda de violência chegou a levar uma comitiva do governo federal, no final de abril, para Roraima. As ministras Sônia Guajajara, Nísia Trindade (Saúde), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) foram ao Estado anunciar medidas para intensificar as ações para a retirada de garimpeiros e o atendimento de saúde às comunidades indígenas.

Um dos anúncios foi a ampliação de mais 220 agentes da Força Nacional de Segurança no território Yanomami.

Segundo o Ministério da Justiça e Segu-

Segundo a Polícia Federal (PF), ela foi localizada em uma área próximo ao local onde os corpos de oito garimpeiros foram achados no dia 2 de maio. O corpo da mulher foi removido para Boa Vista, onde passaria por exames e perícia do Instituto Médico Legal (IML). Com mais essa vítima, chegou a 14 o número de mortos em menos de uma semana na região. Quatro garimpeiros foram mortos em confronto com forças policiais, no dia 30 de abril, e um indígena foi assassinado e outros dois feridos, no dia 29 de abril, desta vez, na região de Uxiú, onde há forte presença de atividade de garimpo ilegal.

(*) Com informações da Agência Brasil.

Área de garimpo ilegal dentro de Terra Indígena Yanomami

rança Pública, eles vão auxiliar na desintrusão de garimpeiros ilegais da área.

O conflito entre indígenas e garimpeiros ilegais na TI Yanomami existe há, pelo menos, quatro décadas, por conta da existência de ouro naquela região, e se aprofundou no Governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), quando houve inação da gestão pública federal para conter o avanço dos grupos de garimpeiros que chegaram a somar mais de 20 mil pessoas.

A situação de grave crise sanitária na região ganhou repercussão internacional, após vazarem imagens de crianças indígenas desnutridas. Segundo levantamentos do Ministério da Saúde, chega a mais de 500 o número de crianças Yanomami mortas por desnutrição no Governo Bolsonaro.

Em fevereiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou a retomada da Terra Indígena Yanomami, mas, até o momento, não há resolução concreta para o conflito, conforme apontam as lideranças das associações indígenas em Roraima.

Um agente de saúde indígena morreu durante ataque de garimpeiros ilegais

“A situação de invasores na TI Yanomami vem de muitos anos e, mesmo com todos os esforços sendo realizados pelo governo federal, ainda faltam muitas ações coordenadas até a retirada de todos os invasores do território”
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.
Crédito: Léo Otero MPI Fotos Públicas Crédito: Junior Hekurari | Reprodução
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Área de garimpo ilegal dentro de Terra Indígena Yanomami

Da oralidade à palavra escrita

Produção indígena na literatura brasileira cresce em 2023; veja obras

MANAUS (AM) – As emergências dos povos originários, o debate sobre as mudanças climáticas, os desafios na Amazônia e as pautas indígenas que dominam boa parte do ambiente político do País estão imprimindo uma busca gradativa pelo entendimento do que são e o que representam os povos originários na

formação cultural do Brasil. Por entender o contexto, a editora Moderna chancela cinco novos livros de literatura indígena que chegam ao mercado. São obras assinadas por autores nativos, dentre eles os escritores: Kaká Werá, Ademario Ribeiro Payayá, Cristino Wapichana, Thiago Hakiy e Daniel Munduruku.

“Na cultura indígena, a oralidade tem uma força muito grande e nós temos conquistado novos espaços, buscando dominar a literatura, a palavra escrita, para compartilhar nossos saberes, nossa cultura com cada vez mais leitores”

O lançamento dos livros ocorrerá entre o primeiro e o segundo semestre de 2023 e tem início pela obra literária “Apytama – Floresta de histórias”, organizada pelo autor Kaká Werá. O livro traz conceitos e imagens identitárias sobre consciência de pertencimento cultural, cuidado com a natureza e o respeito à memória dos saberes ancestrais. A obra é voltada para o público juvenil e oferece em poemas,

ensaios, crônicas e contos uma reflexão sobre a relação entre a natureza e o ser humano.

Para o segundo semestre, estão previstas mais três obras no segmento de literatura infantojuvenil: “A Mãe Terra e o Bem Viver”, de Ademario Payayá, “Terra, Rio e Guerra – a Sina de Um Curumim”, de Cristino Wapichana e “Poemas para Curumins e Cunhantãs”, de Thiago Hakiy. “Na cultura indígena, a oralidade tem uma força muito grande e nós temos conquistado novos espaços, buscando dominar a literatura, a palavra escrita, para compartilhar nossos saberes, nossa cultura com cada vez mais leitores”, destacou Daniel Munduruku. É dele o quinto lançamento da Moderna, chamado “Estações”.

CONTEÚDO

Para o sociólogo e professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio do Nascimento, os lançamentos são importantes e ele traça paralelos. “Tem um conteúdo importante nessa iniciativa da Moderna, que é garantir espaços de representação dos povos indígenas como forma de diálogo. Outro ponto importante e necessário é dialogar para dentro, porque tão importante quanto publicar os livros é garantir que esses livros cheguem até as comunidades indígenas, às escolas indígenas, até as escolas abertas, bilíngues, onde se tem população indígena”, observou.

O sociólogo destaca, como forma de contexto, a capital do Amazonas, como local onde ações são necessárias. “Um exemplo é Manaus, que tem uma alta concentração de indígenas urbanizados que precisam se perceber enquanto representatividade e fortalecimento identitário”, ponderou.

“É preciso também avançar sobre um debate cada vez mais transversal que a publicação de autoras mulheres e autores geracionais, que são aquelas lideranças e sujeitos sociais indígenas que não dominam a arte da escrita formal. Temos aí uns cem números de homens e mulheres cheios de memórias e não falo só de indígenas, isso vale para todos: mulheres e homens negros, trabalhadores das periferias”, sugeriu o sociólogo.

Luiz Antônio chama a atenção para o desperdício de conhecimento. “São espaços da literatura que podem ser preenchidos por ‘ghostwritings’, que são os escritores ‘fantasmas’, os quais são pessoas com habilidade, formação e sensibilidade para captar as milhares de memórias que podem se tornar coletâneas com milhares de informações desses autores geracionais. Essa prática já é comum no mercado europeu e americano, e poderia ser adotada no Brasil, porque nós perdemos, a cada ano, um potencial gigantesco”, apontou o sociólogo.

Mencius Melo – Da Revista Cenarium Daniel Munduruku, escritor. O escritor Kaká Werá apresenta obra de conscientização, identidade e pertencimento Obra do escritor Daniel Munduruku, que, em breve, lançará outro trabalho intitulado ‘Estações’ Crédito: Reprodução Luciano Avanço Crédito: Acervo Pessoal
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Crédito: Reprodução Divulgação
CENARIUM ENTRETENIMENTO & CULTURA
REVISTA

BELÉM (PA) – Tradição de mais de 35 anos levando um ‘rio de gente’ às ruas de Belém, o “Arrastão do Arraial do Pavulagem” apresenta novidades, neste ano, no evento que reúne centenas de pessoas com roupas coloridas, instrumentos musicais, danças e elementos culturais da roda de boi, pelas ruas de Belém, no Pará. Para anunciar as mudanças, o Instituto Arraial do Pavulagem realizou, no

Cores e cultura ‘invadem’ ruas de Belém

Na capital do Pará, ‘Arrastão do Pavulagem 2023’ divulga calendário de atividades

Michel Jorge – Da Revista Cenarium

por um mundo de paz”, e conta com patrocínio da Equatorial Energia, Lei Semear, Fundação Cultural do Pará (FCP), Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult) e prefeitura de Belém, por meio da Fundação Cultural de Belém (Fumbel).

O calendário iniciou neste mês de maio. A abertura das inscrições para as oficinas culturais ocorreu no dia 30 de abril. As oficinas têm o objetivo de formar brin-

“O Arrastão do Pavulagem é patrimônio cultural de natureza imaterial. Dessa forma, realizá-lo é contribuir para o fortalecimento da cultura popular, e trazer para a cena os mestres da cultura, é contribuir para a valorização destes saberes e fazeres”

Junior Soares, coordenador do projeto e criador do Arraial do Pavulagem.

dia 28 de abril, no Teatro Gasômetro, na capital, uma coletiva de imprensa onde apresentou o novo trajeto e o calendário de atividades de 2023.

O tema das atividades deste ano é “Arrastão do Pavulagem 2023 – Arraial

cantes para participarem do Batalhão das Estrelas, atuando como percussionistas, dançarinos e pernas de pau.

Um dos momentos mais esperados, a chegada do cortejo fluvial que, tradicionalmente, traz a comitiva do Boi Pavulagem e

a cerimônia de levantação (chamada dessa forma) dos mastros de São João Menino, vai acontecer no dia 8 de junho, a partir das 17h, na escadinha do cais do porto.

CORES E ALEGRIA

A partir do final de semana seguinte, o arrastão invade a cidade, nos dias 11, 18, 25 de junho e 2 de julho, trazendo alegria e momentos inesquecíveis para pessoas de todas as idades que acompanharão os cortejos. Desta vez, o trajeto será diferente, saindo da Praça da República, em frente ao Theatro da Paz, com encerramento na Praça Waldemar Henrique.

O criador e presidente do Instituto Arraial do Pavulagem, Ronaldo Silva, destacou a importância do arrastão como forma de valorizar a cultura popular amazônica. “Promover um incentivo cultural com essa visão de inclusão é o que nos move e faz a gente continuar caminhando e servindo de exemplo para outras comunidades e iniciativas do Marajó, de Belém e do Pará. Manter esse propósito vivo é

fundamental para o desenvolvimento da nossa Região Amazônica”.

DEMOCRATIZAÇÃO

Para a presidente da Fundação Cultural de Belém, Inês Silveira, o evento, na concepção da prefeitura de Belém, é

uma ação de governo que culmina com o arraial junino da cidade.

“O arrastão do Arraial do Pavulagem é uma grande expressão da cultura popular, onde não só a população de Belém participa, mas do Estado todo, pois já faz parte do calendário anual dos grandes festejos

na cidade. É por isso que a prefeitura de Belém, por meio da Fumbel e demais órgãos, não mede esforços para patrocinar essa manifestação cultural, como uma forma de democratizar as ações de arte e cultura na cidade de Belém”.

Inês também destacou que a prefeitura de Belém realizará uma grande reunião para fazer uma visita técnica no espaço dos ensaios e no local que vai abrigar o show ao final do arrastão.

Junior Soares, coordenador do projeto e criador do Arraial do Pavulagem, também falou sobre o lançamento e reforçou a importância do arrastão para a cultura popular paraense.

“O lançamento do projeto vai ser do jeito que a gente gosta e sabe fazer. Com música e participação de mestres da nossa cultura. O Arrastão do Pavulagem é patrimônio cultural de natureza imaterial.

Dessa forma, realizá-lo é contribuir para o fortalecimento da cultura popular, e trazer para a cena os mestres da cultura, é contribuir para a valorização destes saberes e fazeres”, ressalta Junior.

O tema das atividades deste ano é ‘Arrastão do Pavulagem 2023 - Arraial por um mundo de paz’
REVISTA CENARIUM Crédito: Divulgação Prefeitura de Belém
Divulgação do calendário de atividades do ‘Arrastão do Pavulagem’, realizado pela Fundação Cultural de Belém (Fumbel) Crédito: Divulgação Prefeitura de Belém
67 66 www.revistacenarium.com.br ENTRETENIMENTO & CULTURA
Crédito: Divulgação Prefeitura de Belém

A

Violência política

Pesquisa do Instituto Marielle Franco, divulgada em dezembro de 2020, entrevistou 142 mulheres negras que se candidataram a cargos eletivos, de 21 Estados, em todas as regiões do Brasil, e de 16 partidos. Do total, 80% das candidatas negras sofreram violência virtual, 60% sofreram violência moral ou psicológica e 50% sofreram violência institucional. Das entrevistadas, 18% receberam comentários e/ou mensagens racistas, ou sexistas, em suas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens e 8% foram vítimas de ataques com conteúdo racista durante transmissões virtuais.

Além disso, 60% das mulheres negras entrevistadas foram insultadas, ofendidas ou humilhadas em virtude de atividade política nas eleições. Em 45% dos casos de violência virtual e moral, a agressão foi feita por indivíduo ou grupo não identificado, o que dificulta denúncias e aumenta a impunidade nos casos desse tipo de agressão.

belenense. Desde cedo, milita com o filho nos braços, e a experiência da profusão de tarefas e jornada extenuante acabou por esculpir seu perfil de ativista contra as múltiplas violências que atingem as mulheres, notadamente as negras, desde a mais tenra infância.

BIA CAMINHA

A vereadora, que é vice-presidente estadual do PT-PA, foi eleita a vereadora mais jovem da história de Belém e a mais votada do Norte do País, pelo PT, aos 21 anos, com atuação política em defesa da Amazônia, mulheres, negros e negras, juventudes e da população LGBTQIAP+. A

movimentação combativa da parlamentar e militante a tornou alvo de grupos de extrema-direita que, ao longo de sua trajetória política, tentam interromper tudo o que a vereadora representa.

Em nota, o Diretório Nacional do PT afirmou que “a violência política contra mulheres negras e LGBTQIAP+ tem sido arma dos grupos de extrema-direita por todo o Brasil, e que não aceitam que parlamentares como a vereadora Bia Caminha ocupem e existam na política. O Partido dos Trabalhadores (PT) se solidariza e comunica que já está tomando as medidas cabíveis para garantir a proteção da vereadora”.

esquerda) e a deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) receberam mensagens com ofensas racistas e ameaças de morte, em abril deste ano

Dentre as entrevistadas que realizaram algum tipo de denúncia, 70% afirmaram que a denúncia não ajudou no esclarecimento do caso e nem trouxe mais segurança para o exercício da atividade político-partidária.

“Reivindicar direitos incomoda alguns, que, possivelmente, se sentem ameaçados, de alguma forma, com a perda de seus microespaços de dominação. Preferem que nós permaneçamos subservientes e invisibilizados”

Racismo e discurso de ódio

Parlamentares negras

do

Pará sofrem ameaças de morte; polícia investiga o caso

Michel Jorge – Da Revista Cenarium

BELÉM (PA) – As ameaças recebidas pela primeira deputada estadual a se declarar negra na história da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), Lívia Duarte (PSOL), e pela vereadora de Belém Bia Caminha (PT), estão sendo investigadas pelas autoridades da segurança pública do Estado do Pará e pela Polícia Federal (PF). As parlamentares receberam, na última semana de abril deste ano, mensagens com ofensas racistas e ameaças de morte.

Trecho da ameaça direcionada à deputada Lívia diz: “você vai visitar Marielle Franco”, vereadora carioca assassinada em 2018. Já a ameaça enviada via e-mail à vereadora petista Bia Caminha afirma que a parlamentar será “eliminada em breve” e se encontrará com Marielle Franco, em uma evidente manifestação de ódio e violência política.

As ameaças denotam o inconformismo pela luta antirracista, feminista e anti-homofóbica empreendida pela deputada desde o mandato como vereadora de Belém – de 2020 a 2022. Em nota, a equipe de Lívia informou que “reivindicar direitos incomoda alguns, que, possivelmente, se sentem ameaçados, de alguma

forma, com a perda de seus microespaços de dominação. Preferem que nós permaneçamos subservientes e invisibilizados.

E, para impedir a nossa luta, a qualquer custo, alguns fogem ao campo da disputa política, abandonam o bom senso e optam pela criminalidade”.

MILITÂNCIA

A deputada estadual tem se posicionado duramente contra os atos criminosos e antidemocráticos registrados no dia 8 de janeiro deste ano, em Brasília (DF), quando foram invadidos e depredados o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela também atua nas pautas e direi-

tos ligados às minorias políticas, como mulheres, negros e negras e da população LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais e demais orientações sexuais).

Militante socialista, feminista e antirracista desde os 13 anos, Lívia foi a primeira presidente municipal negra do PSOL no Brasil, e é fundadora do Setorial de Mulheres do Partido Socialismo e Liberdade. Também é autora do Projeto de Lei (PL) que proíbe homenagens a escravocratas e genocidas em Belém. A parlamentar também criou a Frente Parlamentar de Combate à Fome, que prevê uma série de ações parlamentares voltadas ao combate da insegurança alimentar da população

Marielle Franco

Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro, foi uma mulher negra, socióloga, com mestrado em Administração Pública. Eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro, com 46.502 votos, presidiu a Comissão da Mulher da Câmara. No dia 14 de março de 2018, foi assassinada em um atentado ao carro onde estava.

Treze tiros atingiram o veículo, matando também o motorista Anderson Pedro Gomes. O que aconteceu depois é que

Marielle se tornou um dos mais importantes símbolos da luta popular no Brasil. Em meados de abril deste ano, em um movimento articulado, houve um aumento na disseminação de mensagens de ódio em todo o País. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Alexandre de Moraes, afirmou, no dia 18 de abril, que o modus operandi dessas mensagens é idêntico ao de 8 de janeiro.

Equipe da deputada Lívia Duarte, em nota. vereadora de Belém Bia Caminha (PT) (à
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Crédito: Divulgação

Desde os preparativos para a COP/2022, no Egito, que o discurso internacional e nacional sobre a Amazônia vem ganhando dimensão e conotação inescapáveis para a análise da Ciência Política comprometida com a problemática do momento atual, complexo, confuso e, ao mesmo tempo, expressão de todos os chistes do neocolonialismo externo e interno sobre o nosso pedaço de mundo, ora visto como Éden ou “Eldorado”, ora como “Inferno Verde”, ora como “Pulmão do Mundo”, ora como “Reserva Universal”, nem sempre como espaço onde Natureza e Cultura aparecem como síntese.

E, na pura verdade, por não ser visto assim, tornou-se repasto de todas as ambições humanas: dos colonizadores diversos aos “bandeirantes perversos”; de um “imbecil fantasiado de literato positivista” que passou por aqui e deu o tom ao pensamento republicano e das elites sobre o Norte do Brasil; de “coronéis de barranco truculentos”, “ditadores devotados a integrar para não entregar” a governantes diversionistas; de salvacionistas de todos os credos, dos jesuítas católicos aos evangélicos de aldeia; dos “ongueiros de todos os naipes”; dos grileiros de terra, madeireiros, pistoleiros, garimpeiros ilegais; de políticos bigodudos ou não, que carregam dinheiro na cueca ou nas contas bancárias e ouro não sei aonde; e de uma “plêiade de espectadores” e leitores da nossa valorosa mídia, que somente agora foram tocados pela crueza das cenas sobre nossos povos originários – o que restou deles, e que as redes sociais, na sua ignorância logarítmica, consideraram pornográficas

e as tiraram de circulação, como ato inaugural do cancelamento antropológico –, famélicos, contaminados por mercúrio, malária e crueldade humana, que cheira a genocídio.

Em tudo parece haver uma ponta de hipocrisia latente e isso é o que nos assusta, visto que já se manifestou diversas vezes e traduziu-se em promessas vãs. Não podemos trazer para o nosso discurso as palavras de Cristo na Cruz: “Perdoa Pai, eles não sabem o que fazem”. Todos sabem sim! Todos têm projetos ambiciosos que nem sempre são os nossos porque não os discutem conosco.

O Brasil vê a Amazônia como sua Colônia distante, com seus povos estranhos, com suas terras cobiçadas por outros, com inospitalidades que precisam ser higienizadas.

As desgraças sucessivas que sobre ela se abatem geram projetos imediatistas e inconsequentes, que já nascem fadados ao fracasso, muitos deles por megalomania. David H.Treece, professor da Universidade de Liverpool, na “Introdução crítica à Muhuraida” (obra que narra a saga heroica do Povo Mura e seu enfrentamento com a colonização portuguesa e, também, o primeiro poema indigenista épico amazônico, de autoria de Henrique João Wilkens), editado em 1785, e reeditado pela Biblioteca Nacional/ Ufam/Gov. do Estado do Amazonas, em 1993, nos lembra: assinado o Tratado de Madri (1750), “a resposta do governo imperial (português)… foi o projeto desenvolvimentista verdadeiramente moderno para a Amazônia… o Marquês de Pombal lançou o que se pode denominar o pri-

meiro projeto agrícola protocapitalista, financiado pela Companhia Grão Pará e Maranhão, administrado por diretorias estatais e alicerçado numa reserva de mão de obra assalariada” (p.14). Pós Pombal, o governo português interrompe o projeto e une o Estado do Grão Pará e Maranhão ao Estado do Brasil e deu no que deu: uma sucessão de mentiras, de extorsões; de enganações sucessivas, como o Discurso do “Rio Amazonas”, de Getúlio Vargas (9/10/1940), no Ideal Clube/Manaus, prometendo integração e industrialização.

O Projeto de Amazônia, da “Ditadura Militar”, com sua Transamazônica e os assentamentos de colonos para esvaziar o caldeirão da Reforma Agrária no Sul e no Nordeste, e que avançou sobre terras dos povos indígenas; e a Zona Franca de Manaus, um enclave de indústrias de ponta, nunca aceito pelo “povo da Fiesp”, mas que o governo FHC identificou como fonte de recursos, decretou a “derrama”, nomeou um “Visconde de Barbacena Fajuto” para amealhar todos os réditos, taxas que eram pagas pela indústria local e destinadas a projetos inovadores, para o Tesouro Nacional e deixamos de ver a cor desse dinheiro.

Ao ver a sorte da Amazônia sendo negociada numa mesa de feira internacional de Sequestro de Carbono, o frio na barriga volta a se manifestar: pobre Amazônia, o que mais querem de ti?

(*) Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo; professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA
CRÔNICAS DO COTIDIANO: Pobre Amazônia, o que mais querem de ti?
Crédito:
Pessoal TV CENARIUM AMAZÔNIA YOUTUBE.COM/@TVCENARIUMAMAZÔNIA Diariamente Toda segunda, às 21h 70 www.revistacenarium.com.br
Walmir de Albuquerque Barbosa
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