MERCADO DE CARBONO
ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
O Brasil e a Amazônia têm potencial para conquistar porção considerável da venda global de créditos de carbono e o aperfeiçoamento das regras do jogo é essencial para que o sonho se torne realidade. O capital ‘verde’ é a chave para a construção de um futuro lucrativo e de sustentabilidade
ISSN 2764 8206 782764 9 820605 036
JUNHO DE 2023 • ANO 04 • Nº 36 • R$ 24,99
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O carbono e a dívida
A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a dívida histórica ambiental dos países que fizeram a Revolução Industrial, no século XVIII, durante um discurso no evento “Power Our Planet”, em 22 de junho, no Campo de Marte, em Paris, demonstra ao mundo que o Brasil irá se posicionar nas relações comerciais para evitar boicotes de países que geraram danos ao clima nos últimos 200 anos e se esquivam de pagar a fatura.
Um desses “boletos” pode ser o crédito de carbono, que se caracteriza essencialmente pela venda de ativos do elemento entre um país que os detém, ao ter reduzido a sua emissão de dióxido de carbono, e um país que precisa reduzir suas emissões, mas não atingiu as metas. Esses créditos são oriundos do sequestro de carbono pelas florestas e seu armazenamento na biomassa.
No Campo de Marte, Lula lembrou que os países desenvolvidos deveriam financiar nações em desenvolvimento, como o Brasil, porque não foi o povo africano e nem o povo latino-americano que poluiu o mundo.
Essa cobrança de financiamento a que Lula se refere remete, entre outras potencialidades, ao crédito de carbono. A regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata dos instrumentos para a criação de um mercado global de carbono, pode gerar um comércio de US$ 167 bilhões ao ano em 2030 e de US$ 347 bilhões ao ano em 2050.
O Brasil é um dos países com maior potencial de venda de créditos de carbono com possíveis receitas líquidas de US$ 16 bilhões a US$ 72 bilhões até 2030. A empresa de consultoria Mckinsey avalia que o País pode ser responsável por até 15% da oferta mundial.
Curiosamente, a França, onde o presidente Lula cobrou a dívida histórica das nações que processaram a Revolução Industrial, foi um dos países do mundo que mais emitiu CO2, no ano passado, após ser atingida por uma das piores ondas de incêndios de sua história. Neste ano, o Parlamento Europeu aprovou reformas abrangentes no mercado de carbono da União Europeia.
No Brasil, a regulação do mercado de carbono ainda está em tramitação no Congresso Nacional. Há prenúncios de comércio em média escala com a aprovação de projetos financiados pela administração pública, principalmente no Amazonas. A REVISTA CENARIUM explica, nesta edição de junho, por que é importante para nós, brasileiros, conhecermos nosso potencial para que possamos cobrar os credores históricos de carbono.
Uma (possível) potência
O Brasil detém grande extensão da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, e outros biomas, sendo a maior parte de seu território preservado. Tem as maiores reservas de água potável do planeta. Possui matrizes energéticas e elétricas mais ‘limpas’ e renováveis, ingredientes que levam a uma menor emissão de gás carbônico (CO2) e, portanto, são capazes de tornar o País uma potência mundial do mercado de créditos de carbono, que é a venda deste capital ‘verde’ entre um país ou organização que o possui ao reduzir sua emissão de gases àqueles que não atingiram suas metas de redução. A distância entre o que “pode ser” e o que “é de fato”, neste caso, está na estruturação de sistemas eficientes de comercialização.
Nas próximas décadas, o mercado de carbono deve ter crescimento acelerado, impulsionado pelas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa e de mitigação das mudanças climáticas, onde o CO2 é um dos maiores vilões. De acordo com estudo da representação brasileira da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), os créditos de carbono podem gerar US$ 100 bilhões ao Brasil até 2030. O País supriria até 37,5% da demanda global voluntária até a próxima década e, até 22% da demanda regulada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Para a empresa de consultoria americana McKinsey, até 2030, o Brasil dominaria 15% do mercado mundial voluntário e, em oito anos, a demanda no País atingiria mais de US$ 2 bilhões, com potencial de receitas chegando a US$ 15 bilhões, posteriormente. Outras estimativas apontam geração de 8,5 milhões de empregos até 2030 no País, nesse setor.
As disparidades entre projeções refletem a dificuldade de mensurar o real potencial do Brasil a partir de bases concretas. Daí a importância da estruturação das ‘regras do jogo’. Tentando encontrar um caminho, o governo federal editou decreto e sancionou lei que abordam diretrizes para mecanismos econômicos e financeiros nas estratégias relativas à mudança do clima e que permitem a comercialização de créditos de carbono a partir de projetos de conservação. Além disso, o Senado discute propostas de lei que regulamentam o mercado. Mas o caminho é longo e, segundo especialistas, passa por questões cruciais como liquidez, esquema de governança e segurança jurídica.
Florestas retêm CO2, água é capital essencial à vida e base da indústria e da agricultura, energia mais ‘limpa’ e renovável (hidrelétrica, eólica e solar, por exemplo) é igual a menor emissão de gases. Esse é o poder que o Brasil tem em mãos. Agora, resta saber se o País aprenderá a lucrar com esse ativo sustentável. Eis o debate que levantamos com a reportagem de capa.
Editorial
Paula Litaiff Diretora-Geral Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
Leitor&Leitora
�� Confiar no que se lê
O Estado de Roraima possui vários veículos de comunicação, no entanto, era necessária a existência de um mais imparcial. No caso, a REVISTA CENARIUM chegou para realizar esse trabalho. Cada vez mais, é preciso que a imprensa roraimense faça a cobertura dos acontecimentos e eventos locais, com uma outra visão, menos partidária, digamos assim, menos parcial. A REVISTA CENARIUM, hoje, aqui no Estado, desenvolve esse papel muito bem, com muita maestria. Então, assim podemos ter confiança no que estamos lendo.
Outro ponto que merece destaque, é o fato que as matérias abordadas pela revista são relevantes, são temas tanto de muito debate no meio político e no cenário jurídico, como a questão do Marco Temporal e dos impactos aos povos indígenas, como a crise humanitária que atinge o povo Yanomami, e também os impactos da imigração venezuelana. São assuntos delicados, que devem ser abordados com muita sensibilidade e profissionalismo.
�� ‘Reféns do Carvão’
Crédito: Acervo pessoal
Eu, como morador do Estado de Roraima e leitor da revista, classifico como uma experiência incrível poder ler as matérias com esse olhar repleto de perspectivas.
José Salazar, advogado, especialista em Direito Público e Direito de Família.
Boa Vista - RR
�� Planejamento urbano
Parabéns pela matéria que denuncia o trabalho análogo à escravidão nas carvoarias do Estado de Roraima. Não é possível que ainda existam trabalhadores nessas condições.
Lúcia Gonzaga
Porto Velho - RO
�� Desinformação e seus riscos
Estou chocado em saber que tiveram a oportunidade de salvar vidas e ignoraram a pesquisa dos cientistas. Esse é o modelo de Brasil que nunca vai dar certo.
Márcio Lima
Manaus - AM
MANDE SUA MENSAGEM
A revista de abril mostra bem o descaso com o planejamento urbano nas capitais dos Estados da Amazônia. É no período de chuvas que a população sofre as consequências, uma realidade íntima de muitos brasileiros.
Fabiana Barroso
Belém - PA
�� Conteúdo aprovado
Gosto bastante do conteúdo, dos textos e das fotos da REVISTA CENARIUM. Parabéns a todos os profissionais.
Gabriel Fonseca
São Paulo - SP
�� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573
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Junho de 2023 • Ano 04 • Nº 36 18 06 36 Crédito:
► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR O crédito ‘verde’ da Amazônia 06 Aposta em projetos 12 Potencial ampliado ......................................................... 14 Necessidade de regulação ............................................... 16 EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA A saga do petróleo na Foz do Amazonas e a COP 30 18 Vidas ameaçadas nas águas ............................................. 20 ► CENARIUM+CIÊNCIA Ufam tem novos mestrados e doutorados 22 UEA ganha mestrados em Música e Engenharia Elétrica.......................................................... 26 ► ARTIGO – ANDERSON F. FONSECA Junho: o mês que não pode acabar 28 ► PODER & INSTITUIÇÕES Territórios sob julgamento.............................................. 30 Réus por atos golpistas 34 Saiba mais sobre o MST, alvo de investigação na Câmara dos Deputados 36 ► ECONOMIA & SOCIEDADE COP30: lixo em Belém é desafio .................................... 40 Relações ‘antissociais’ nas redes 42 Lapidando campeãs 44 Mais trabalhadores empregados 46 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Bruno e Dom: 1 ano e ‘nada mudou’ ............................ 50 Operação em terras Yanomami 52 Na clandestinidade 54 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ‘Não somos os estereótipos que pensam’ 56 Construindo instrumentos e sonhos .............................. 58 ► DIVERSIDADE De Stonewall à Câmara Municipal de Manaus 62 Certeira no alvo 64 ► ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA O acesso à Justiça, a duração razoável do processo e a brevidade da vida 67
Sumário
Reprodução USP Crédito: José Cruz Ag Brasil Crédito: Ricardo Oliveira
| Cenarium Amazônia
MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
O crédito ‘verde’ da Amazônia
A venda de créditos de carbono é apontada como caminho sustentável e lucrativo para o Brasil. Com a Amazônia, o País tem potencial para suprir boa fatia da demanda mundial. Mas, aperfeiçoar o mercado é essencial para que a esperança se concretize como alternativa econômica
Lucas Ferrante – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O crédito de carbono é uma iniciativa econômica para reduzir mudanças climáticas, com potencial lucrativo para o Brasil e, em especial, para a Amazônia. No País, onde está grande parte da maior floresta tropical do mundo, que “sequestra” carbono, o tema ganha força pela pressão para a redução de emissões de gases e pela busca por alternativas financeiras. Especificamente para a região amazônica, a comercialização deste capital “verde” consegue gerar desenvolvimento de fato sustentável, com renda principalmente para quem mora no interior. Mas, para
que a promessa de sustentabilidade se concretize, apontam especialistas, é essencial o aperfeiçoamento. É um mercado que já movimenta bilhões de dólares no mundo e de onde o País pode tirar boa fatia da demanda global.
Em 2021, o mercado global de crédito de carbono movimentou cerca de US$ 1 bilhão em transações. Apenas para o mercado brasileiro foram movimentados cerca de US$ 25 milhões no mesmo ano em transações, segundo estudo da McKinsey & Company, empresa de consultoria empresarial americana que aconselha empresas, governos e outras organizações em consultoria estratégica. Projeções apontam que, até 2030, as movimentações globais podem chegar a US$ 100 bilhões.
A movimentação do mercado de carbono para o Brasil ainda é pequena frente ao potencial, o que reflete a falta de legislação adequada para regular o setor e a ausência de tecnologia referente à mensuração de estoques de carbono nas últimas décadas e que, agora, estão sendo aprimoradas. Um exemplo dos aprimoramentos destas tecnologias é o MapBiomas Solos, criado pelo MapBiomas para auxiliar no monitoramento das dinâmicas espaço-temporais dos estoques de carbono no solo brasileiro. Esta ferramenta também viabilizará estudos sobre
os estoques de carbono no solo e suas relações com as mudanças no clima e sua cobertura e uso no Brasil. O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg/OC) e é produzido por uma rede colaborativa de cocriadores, formada por Organizações Não-Governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais.
CRÉDITOS E CLIMA
A relação entre o mercado de crédito de carbono e as mudanças climáticas é estreita. As alterações no clima são uma realidade impulsionada pela ação humana, como a emissão de gases causadores do efeito estufa, desmatamento, hidroelétricas, pecuária e queima de combustíveis fósseis, e o CO2 - gás carbônico ou dióxido de carbono - é um dos principais responsáveis. Em janeiro deste ano, o prestigiado periódico científico Nature, considerado um dos mais importantes do mundo, abordou a necessidade eminente de mudarmos as matrizes energéticas, abandonando a queima de combustíveis fósseis para reduzirmos as mudanças climáticas e frearmos o aumento da temperatura global crítica, prevista até o final do século. Entretanto, apenas isto não será suficiente para mitigarmos as mudanças
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Crianças posam aos pés da sumaúma, considerada a gigantesca “rainha da Amazônia”. Áreas de floresta preservada contribuem para a geração de crédito de carbono
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US$ 1 bilhão
Em 2021, o mercado global de crédito de carbono movimentou cerca de US$ 1 bilhão em transações, de acordo com estudo da McKinsey, empresa de consultoria empresarial americana.
US$ 25 milhões
Apenas para o mercado brasileiro foram movimentados cerca de US$ 25 milhões em transações de crédito de carbono, em 2021.
US$ 100 bilhões
Projeções apontam que, até 2030, as movimentações globais podem chegar a US$ 100 bilhões.
climáticas projetadas até o ano de 2100, que, no cenário projetivo mais pessimista e também mais próximo da realidade, prevê um aumento médio da temperatura global em até 4,8 ºC.
Uma ferramenta para frear as emissões de gases do efeito estufa que tem contribuído para o aquecimento global, o crédito de carbono foi criado dentro do Protocolo de Quioto, assinado em 1997, na 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O crédito de carbono é, na verdade, primeiramente, um mecanismo financeiro, cuja finalidade é reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs), por meio da compensação de emissões realizadas por empresas, organizações, grandes empreendimentos e até indivíduos.
Este sistema de compensação baseia-se na quantificação das emissões de gases do
efeito estufa, atribuindo um valor a elas. Neste processo, empresas que extrapolam suas emissões podem comprar créditos de carbono de projetos que reduziriam a quantidade de gases emitidos à atmosfera, compensando, assim, a sua própria emissão de GEEs. Estes créditos funcionam como um mercado de negociação, onde o objetivo de grandes emissores destes gases é compensar suas próprias emissões.
EXEMPLOS
A compensação de crédito de carbono é uma medida complementar às ações de redução direta de emissões. Como um exemplo prático deste mercado, podemos imaginar uma empresa que emite CO2 em suas atividades e, para compensar essas emissões, ela pode comprar créditos de carbono de projetos sustentáveis, como reflorestamento no Estado do Amazonas.
Neste exemplo, cada crédito representa uma tonelada métrica de CO2 reduzida em algum lugar do mundo. Ao comprar esses créditos, a empresa financia esses projetos, equilibrando suas emissões.
Entretanto, este é um mercado pouco regulado e ainda faltam regras claras sobre como executar essas negociações. Um exemplo da inefetividade pela falta de transparência do mercado é o fato de muitos projetos não compensarem adequadamente as emissões que se propõem, compensado uma quantidade muito menor de CO2 do que o proposto.
GERANDO CRÉDITOS
Uma das principais formas de gerar créditos de carbono é por meio de projetos de redução de emissões, que se baseiam principalmente em reflorestamento, gestão de resíduos e aumento da eficiência
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MEIO AMBIENTE
MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
& SUSTENTABILIDADE
energética de matrizes limpas, como solar e eólica, onde o Brasil também tem um enorme potencial de desenvolvimento, por ser um País de grande incidência solar e com regiões fartas de ventos.
Uma vez que um projeto é aprovado, os créditos de carbono podem ser emitidos e registrados em um sistema internacional, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido pelo Protocolo de Quioto, ou em sistemas nacionais e regionais, como o Programa Brasileiro de Certificação de Créditos de Carbono (Programa ABC). Esses sistemas estabelecem regras e diretrizes para o comércio de créditos de carbono, garantindo transparência e integridade nas transações, ou pelo menos deveria ser assim. Além disso, cada projeto deveria passar por um rigoroso processo de validação e verificação, para garantir que as reduções de emissões sejam reais, mensuráveis e adicionais, ou seja, que não ocorreriam sem o projeto ou, pelo menos, também, deveria funcionar dessa forma.
A emissão de gases causadores do efeito estufa é uma das responsáveis pelas mudanças climáticas e o mercado de créditos de carbono é uma iniciativa econômica para reduzir as alterações do clima
INEFICIÊNCIA
Exemplos da ineficiência ou do engodo de alguns projetos sobre o crédito de carbono foram apontados pelo pesquisador Dr. Philip Martin Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), considerado uma das maiores referências do mundo sobre o tema. Segundo o pesquisador, empreendimentos que garantidamente iriam ocorrer, independente dos créditos associados, não deveriam ser considerados nesse processo, como hidroelétricas e a produção de biocombustíveis. Além disso, segundo o pesquisador, as barragens de hidroelétricas emitem gases de efeito estufa em quantidades substancialmente maiores do que são reconhecidas nos procedimentos de contabilidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto.
Os estudos de Fearnside ainda apontam que as hidrelétricas na região tropical são hoje um dos principais destinos para fundos, no âmbito do MDL. Entretanto, essas
barragens estão sendo construídas em um ritmo acelerado como parte de programas nacionais de desenvolvimento que têm pouco ou nada a ver com preocupações em mitigar as mudanças climáticas. “Quando o crédito de carbono é concedido para projetos que ocorreriam independentemente de qualquer subsídio, baseado na mitigação do aquecimento global, estes geram crédito de carbono (não-adicional) indevidos, sem que ocorra um benefício real para o clima”, afirma Fearnside.
SISTEMAS MELHORES
Estudos científicos apontam que outros sistemas de crédito de carbono na Amazônia são realmente efetivos na compensação de emissões climáticas, como o caso do Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que é um mecanismo internacional que visa combater o desmatamento e a degradação das florestas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o
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Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium Amazônia
MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
REDD+ também visa promover a conservação florestal, o manejo sustentável das florestas e o aumento dos estoques de carbono florestal.
O REDD+ é mais efetivo que outros sistemas por vários motivos, pois reconhece primeiramente o valor das florestas como sumidouros naturais de carbono, ajudando a evitar a liberação de CO2 na atmosfera. Ao combater o desmatamento e
a degradação florestal, o REDD+ preserva os ecossistemas e a biodiversidade, bem como mantém os serviços ecossistêmicos vitais, como a regulação climática, a conservação dos recursos hídricos e a proteção do solo.
Além disso, o REDD+ oferece incentivos econômicos para os países em desenvolvimento que adotam medidas de conservação florestal e redução de emissões. Isso
Regulação
Durante a última Conferência Global sobre o Clima, a COP27, conferência climática das Nações Unidas, realizada no Egito em novembro de 2022, embora muitos países tenham se comprometido novamente com a meta do acordo climático de Paris de 2015, que visa limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima das temperaturas pré-industriais, estes mesmos países não se comprometeram a eliminar, gradualmente, os combustíveis fósseis, reforçando a importância e a necessidade de regulação do mercado de carbono para que estas metas sejam atingidas.
Neste processo, o crédito de carbono é uma estratégia fundamental para lidar com o desafio das mudanças climáticas, reconhecendo que as emissões de GEEs não podem ser simplesmente eliminadas de um dia para o outro. Por meio da compensação, é possível equilibrar a emissão de gases poluentes com ações de redução e mitigação para diversos setores da economia ou países que, atualmente, teriam a economia afetada se diminuíssem abruptamente suas emissões.
Dr. Philip Martin Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que defende o aperfeiçoamento do mercado de carbono
“Quando o crédito de carbono é concedido para projetos que ocorreriam independentemente de qualquer subsídio, baseado na mitigação do aquecimento global, estes geram créditos de carbono (não-adicional) indevidos, sem que ocorra um benefício real para o clima”
Dr. Philip Martin Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
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Crédito: Lucas Ferrante
estimula a participação ativa desses países na luta contra as mudanças climáticas, ao tempo em que contribui para o desenvolvimento sustentável, a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais e a promoção de atividades econômicas compatíveis com a conservação.
Outro fator importante é a inclusão das comunidades indígenas e tradicionais no processo do REDD+. Essas comunidades desempenham um papel fundamental na proteção e na gestão sustentável das florestas, e o REDD+ reconhece seus direitos territoriais e seus conhecimentos tradicionais, incentivando a sua participação ativa nas decisões relacionadas às florestas e à utilização dos recursos naturais.
POTENCIAL ECONÔMICO
O ponto central é que os créditos de carbono podem, de fato, contribuir para a redução das emissões globais, mitigando as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, gerando renda para a população da Amazônia, principalmente para os povos tradicionais, como ribeirinhos, extrativistas e povos indígenas. Entretanto, para isso, é necessário que se aperfeiçoem os mecanismos de cobrança sem superestimar o
crédito gerado por alguns projetos, além da necessidade de eliminar do MDL projetos que, de fato, são um engodo de compensação de carbono, como hidroelétricas e produção de biocombustíveis.
A redução das mudanças climáticas globais perpassa pela necessidade de desmatamento zero e reflorestamento de áreas da Amazônia, o que é conciliado com a proposta do REDD+ e não ape-
nas economicamente viável, mas vantajoso para a região Amazônica. Neste processo, ainda é possível atender aos anseios de mais fontes de renda para a população através do sistema de crédito de carbono, o que inclui, de fato, o povo amazônico no processo de mitigação das mudanças climáticas e conservação da floresta através do desenvolvimento sustentável da região.
Mais sobre o REDD+
O REDD+ é apontado por especialistas como um sistema efetivo para o mercado de carbono porque aborda diretamente as principais causas do desmatamento e da degradação florestal, oferece incentivos econômicos, promove a conservação dos ecossistemas e envolve as comunidades locais, resultando em ações concretas para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a proteção das florestas.
O REDD+ ganhou atenção internacional na última década, sendo mencionado como um exemplo de modelo das discussões políticas das Nações Unidas
e em centenas de projetos voluntários lançados para obter créditos de compensação de carbono.
As discussões em andamento são sobre como estes projetos devem ser integrados aos esforços nacionais de mitigação das mudanças climáticas sob o Acordo de Paris. O governo brasileiro estabelece que a negociação do crédito de carbono deve passar pelo governo. Já comunidades da Amazônia, incluindo algumas comunidades indígenas, têm tentado negociar estes créditos diretamente, sem a intermediação do governo brasileiro.
Vista aérea de Manaus, capital do Amazonas, onde a urbanização avança sobre a Floresta Amazônica
Crédito: Ricardo Oliveira
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MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
O governador do Amazonas, Wilson Lima (à esquerda), e Eduardo Taveira
Aposta em projetos
Amazonas lançou edital para projetos de crédito de carbono no Dia Mundial do Meio Ambiente
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), anunciou no dia 5 de junho deste ano, Dia Mundial do Meio Ambiente, uma série de iniciativas para o desenvolvimento socioeconômico sustentável do Estado. Na cerimônia, realizada na sede do governo, na Zona
Oeste de Manaus, Wilson lançou o edital para projetos de mercado de crédito de carbono e assinou, junto à Agência Nacional das Águas (ANA), o Pacto pela Governança da Água.
O edital abre as 42 Unidades de Conservação do Estado do Amazonas para Organizações Não Governamentais
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Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
(ONGs), instituições e empresas fazerem intermediação entre o governo estadual e quem precisar comercializar os créditos para fins de compensação ambiental. O Amazonas tem, atualmente, segundo o governador, em torno de 800 toneladas de crédito de carbono.
“Essa tem sido uma pauta muito discutida pelo mundo e, hoje, a gente está lançando um edital que é para nortear as questões legais para garantir o arcabouço legal das empresas que irão se credenciar para comercializar os créditos que o Estado do Amazonas já acumula de compromissos anteriores”, disse Lima.
A Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) é um incentivo desenvolvido para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal, considerando o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal.
Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, parte dos recursos gerados com o mercado de carbono será investida nas Unidades de Conservação do Amazonas e outra parte convertida em políticas ambientais.
“O nosso modelo é inédito no Brasil porque vai prever que 50% dos recursos oriundos de REDD+ de carbono aterrissem nas Unidades de Conservação, na melhoria dos processos produtivos, melhoria do saneamento e da educação. Não tenho dúvida que isso vai ser uma mola propulsora de bem-estar para essas comunidades”, explicou, afirmando que os outros 50% vão para o Fundo Estadual de Mudanças Climáticas, criado em 2021.
PACTO PELAS ÁGUAS
O pacto pela governança da água vai nortear os Estados nas políticas de recursos hídricos, executadas pela Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), por meio da Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), em Manaus e nas cidades do interior do Amazonas.
“Isso [o pacto] reforça o compromisso do Estado com a manutenção de um
recurso que é muito importante, porque floresta em pé e recursos hídricos estão muito ligados. A floresta faz um papel muito importante de reciclagem da água e levar chuvas a regiões do Brasil que são responsáveis por quase 60% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro”, disse Taveira.
A diretora da ANA, Ana Carolina Argolo Nascimento de Castro, explicou que o pacto vai nortear o Estado no desenvolvi-
mento das políticas públicas para gestão adequada dos recursos hídricos, como um tipo de “cardápio”.
Segundo ela, o objetivo é “melhorar a qualidade do serviço de adequação de qualidade da água, de esgotamento sanitário, envolvendo coleta e drenagem, para que a gente possa trazer dignidade e qualidade para a vida dos brasileiros e para a vida dos amazônidas”, explicitou.
Wilson Lima, governador do Amazonas, no lançamento do edital para projetos de mercado de crédito de carbono.
Governador do Estado e a diretora da ANA assinaram Pacto pela Governança da Água
“A gente está lançando um edital que é para nortear as questões legais, para garantir o arcabouço legal das empresas que irão se credenciar para comercializar os créditos que o Estado do Amazonas já acumula de compromissos anteriores”
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Crédito: Ricardo Oliveira | Cenarium
MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR
Potencial ampliado
Com redução de desmatamento, AM tem poder de gerar mais crédito de carbono, avalia especialista
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – “O Amazonas tem grande potencial de gerar mais créditos de carbono se reduzir o desmatamento”, a avaliação é da diretora jurídica da Future Carbon Group, Cíntia Donato. No seminário “Mercado de Carbono – Oportunidades, Desafios e Sustentabilidade no Estado do Amazonas”, realizado no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), no dia 7 de junho, a especialista em mercado de carbono analisou a participação e a importância dos Estados da Amazônia na redução dos gases de efeito estufa.
O evento, coordenado pela Escola de Contas Públicas (ECP), ocorreu na sede do órgão, na Avenida Ephigênio Salles, bairro Aleixo, Zona Centro-Sul. Donato foi uma das palestrantes e pontuou que o Amazonas e o bioma amazônico estão muito visados por países e corporações que integram o mercado de crédito de carbono, portanto, apostar em projetos que contribuam para a redução de gases de efeito estufa é apostar no desenvolvimento socioeconômico da região.
“Evitando o desmatamento, a gente está evitando o lançamento de gases de efeito estufa para a atmosfera”, explica ela. “E países, empresas, corporações com a contabilidade das suas emissões podem ter interesse em compensar para trazer equilíbrio”.
que não foi emitido em um projeto de redução de emissões na Amazônia vai servir para compensar as emissões em excedente de outras organizações. Donato afirma que, se superados os desafios da região amazônica, o Brasil pode ter 50% da fatia do mercado.
O mercado de créditos de carbono é um sistema de compensação à emissão de gases que causam o efeito estufa e, consequentemente, ao aquecimento global e mudanças climáticas. Ou seja, o carbono
“Tem um estudo que analisa um pouco mais a realidade local, do Bank of America, que traz que a gente alcançaria, de 8% que é hoje, 18% da fatia de mercado em 2050. Contudo, se conseguíssemos superar todos os desafios existentes na realidade amazônica, que são os desafios da segurança jurídica para desenvolver o projeto, a gente alcançaria a fatia de 50%. Então, é mais do que necessário esse ambiente de debates sobre a evolução do mercado brasileiro”, afirma.
O Tribunal de Contas do Estado reuniu especialistas no seminário “Mercado de Carbono – Oportunidades, Desafios e Sustentabilidade no Estado do Amazonas”
“Os tribunais de contas conseguem fiscalizar, especificamente também, o meio ambiente, e o mercado de carbono tem tudo a ver”
Conselheiro Mario de Mello, coordenador da Escola de Contas Públicas (ECP) do TCE-AM.
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Crédito: Ricardo Oliveira
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
AMAZONAS COMO REFERÊNCIA NO MERCADO
O secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, que também participou do evento, lembrou que o Amazonas lançou o edital de projetos de crédito de carbono. O Estado já tem 800 milhões de toneladas de carbono e, com o preço da tonelada em torno de US$ 5 ou US$ 10, a geração de recursos para o Estado é uma grande oportunidade.
“Se a gente considera apenas essas 800 milhões de toneladas, se o preço está em torno de cinco a dez dólares, a gente está falando de uma oportunidade de arrecadação de recursos condizente com essa questão de fazer transições econômicas para baixas emissões, em especial melho-
rando, inclusive, a vida das comunidades”, explica Taveira.
Mas ele lembra que o mercado ainda precisa de regulamentações que garantam mais segurança jurídica às empresas. “Não é um mercado fácil, ou seja, o mundo como um todo está em busca de mecanismos para que, de fato, haja uma oportunidade concreta com o mercado de carbono, nas suas diferentes modalidades”, afirma.
Participação do TCE-AM
O coordenador da Escola de Contas Públicas (ECP), conselheiro Mario de Mello, enfatizou a participação do TCE-AM no desenvolvimento das políticas de desenvolvimento socioeconômico do Amazonas.
“Os tribunais de conta conseguem fiscalizar, especificamente também, o meio ambiente, e o mercado de carbono tem tudo a ver. É um tema muito atual e todos nós temos que cuidar dos nossos ‘laguinhos’. O tribunal de contas está cuidando do dele, fazendo o seu papel junto à sociedade brasileira, que é um tema internacional”, disse.
“Evitando o desmatamento, a gente está evitando o lançamento de gases de efeito estufa para a atmosfera”
Cíntia Donato, diretora jurídica da Future Carbon Group.
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Necessidade de regulação
Propostas de regulação do mercado de carbono tramitam na Câmara Federal e no Senado; Governo federal também pensa em modelo Marcela
Projetos de lei sobre o mercado de carbono andam a passos lentos no Congresso Nacional
MANAUS (AM) – As discussões e estratégias para a implementação do mercado de carbono têm ganhado força, nos últimos anos, mas ainda carecem de legislação que regulamente a nova atividade econômica e garanta segurança jurídica para o desenvolvimento da atividade no Brasil. É com essa finalidade que tramitam, no Congresso Nacional, projetos de lei que visam estabelecer as diretrizes para o sistema de compensações de emissão do gás de efeito estufa, como o PL n.º 528/21, do ex-deputado pelo Amazonas Marcelo Ramos (PSD), na Câmara dos Deputados, e o
PL n.º 412/2022, de autoria do senador Chiquinho Feitosa (DEM-CE), no Senado.
A proposta de Ramos institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), para regular a compra e a venda de créditos de carbono. O crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Pelo projeto, um crédito de carbono equivalerá a uma tonelada desses gases.
Por se tratar de um projeto semelhante a outro proposto ainda em 2015 pelo ex-deputado Jaime Martins, de Minas Gerais,
foi apensado ao PL, que prevê a redução das alíquotas de tributos — IPI, PIS/Pasep e Cofins — sobre a receita de venda dos produtos elaborados com a redução das emissões de gases do efeito estufa. Os textos tramitam na Câmara dos Deputados e a última movimentação ocorreu no dia 12 de maio deste ano, com a apresentação de requerimento para a criação de comissão especial que vai analisar a proposta.
Na Câmara, os projetos sofreram empecilhos. Ramos alegou, no ano passado, que o projeto estava emperrado por pressão do próprio governo federal, até então liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro
Leiros - Da Revista Cenarium
16 www.revistacenarium.com.br MERCADO DE CARBONO ESTRUTURAR PARA MONETIZAR MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Marcello Casal Jr Ag Brasil
(PL). “A relatora [Carla Zambelli] chegou a publicar o texto, mas os ministérios da Economia e do Meio Ambiente a forçaram a apresentar outro relatório, que não era esse mercado regulado. Esse relatório foi levado à reunião de líderes e eu disse que não concordava. O presidente Arthur Lira (PP-AL) decidiu então não pautar o projeto até que se chegue a um novo acordo”, disse Ramos ao Congresso em Foco, à época.
Já o PL n.º 412/2022, do senador Chiquinho Feitosa, regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) de gases que provocam o efeito estufa, com o objetivo de dar segurança jurídica a todos os integrantes do mercado. No Senado, o projeto está na fase de audiências públicas de instrução para o debate do assunto na Comissão de Meio Ambiente da Casa Legislativa.
O coordenador da Rede Jurídica da Amazônia do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Ciro Brito, comparou o posicionamento do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro com o do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Não acho que dê para colocar 100% na conta do governo anterior. Até porque não tem unanimidade no campo sobre o Brasil ter que regular ou deixar o mercado como está, ou seja, voluntário. Daí, ter menos tensão nessa agenda sobre o governo. Esse governo atual tem como prioridade a agenda climática e ambiental”, explica.
SEGURANÇA JURÍDICA
Brito lembra que a regulamentação pode trazer um campo para certificações públicas, que hoje são privadas e autônomas — feitas por auditorias externas — protocolos e metodologias para o Brasil, o que torna o mercado atrativo para os envolvidos.
“Atualmente, as transações acontecem na lógica de um mercado voluntário. Isso significa que os créditos são auditados por auditorias externas independentes”, explica ele, lembrando da necessidade de regulamentação para criar segurança jurídica. “Sem um mercado regulado, as empresas ficam livres para definir suas metas de redução. E há quem avalie que isso é complicador para o cumprimento de metas pelos países”.
Medidas federais
O governo federal também tem buscado caminhos para estruturar o mercado de carbono no Brasil. Por essa razão, editou o Decreto nº 11.550, de 2023 (substituiu o Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022), criando o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), a quem compete, entre outras medidas, “estabelecer diretrizes e elaborar propostas para mecanismos econômicos e financeiros a serem adotados para viabilizar a implementação das estratégias integrantes das políticas relativas à mudança do clima”.
Neste ano, o governo ainda sancionou a Lei 14.590/2023, que permite que os concessionários de florestas públicas desenvolvam atividades econômicas sustentáveis, como a comercialização de créditos de carbono a partir de projetos de conservação. A lei amplia o rol de atividades econômicas sustentáveis permitidas dentro das concessões de florestas públicas. Sancionada pelo presidente Lula no dia 24 de maio deste
ano, a lei foi criada a partir da Medida Provisória 1.151/2022, já aprovada por Câmara e Senado.
O novo marco legal confere maior atratividade às concessões florestais e reforça o entendimento de que a floresta em pé vale muito mais, bem como mantém a proteção dos povos e comunidades tradicionais prevista na Lei de Gestão de Florestas Públicas desde 2006. A MP tem base no Projeto de Lei 5.518, que contou com subsídios do Escolhas em sua elaboração e foi apresentado em 2020 pelo, então, deputado Rodrigo Agostinho, atual presidente do Ibama.
Um estudo do Instituto Escolhas analisou o potencial de geração de créditos carbono em 37 áreas passíveis de concessão na Amazônia e identificou um potencial de geração de 24 milhões de dólares ao ano em créditos de carbono (aproximadamente 125 milhões de reais). Esses créditos de carbono podem aumentar em 43% as receitas de um concessionário.
Ciro Brito, coordenador da Rede Jurídica da Amazônia do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Pontapé na regulamentação
Em audiência pública no Senado, o diretor de Políticas de Mitigação do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Aloisio de Melo, afirmou que o governo federal está trabalhando em um projeto de lei para criar um mercado de carbono regulado no Brasil no modelo cap and trade, um sistema de comércio de emissões.
Nesse sistema, o governo define os setores e entidades que vão ser regulados e impõe um limite para as emissões dessas entidades. Então, criam-se per-
missões de emissões compatíveis com esse limite, que são vendidas ou distribuídas gratuitamente. O preço dessas permissões se ajusta ao mercado.
“Esse limite não é definido individualmente por empresa ou por setor, mas sim para um conjunto de entidades reguladas nesse sistema que diz quanto as emissões devem ser reduzidas em cinco ou dez anos. Cada regulado define qual melhor estratégia, se reduz emissões ou se compra mais ativos que permitem compensar essa emissão”, afirmou Melo.
“Sem um mercado regulado, as empresas ficam livres para definir suas metas de redução. E há quem avalie que isso é complicador para o cumprimento de metas pelos países”
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EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA
A saga do petróleo na Foz do Amazonas e a COP 30
Ademir Ramos – Especial para a Revista Cenarium**
MANAUS (AM) – A prospecção petrolífera na Amazônia brasileira remete-nos aos tempos históricos do Império. A Petrobras, criada pelo governo do presidente Getúlio Vargas, por meio da Mensagem n.°469, de 6 de dezembro de 1951, foi e tem sido a plataforma de consecução da Política Nacional do Petróleo, intensificando suas ações exploratórias por todo o território nacional, particularmente na Amazônia.
O indeferimento do processo da Petrobras de licenciamento ambiental da Atividade de Perfuração Marítima nos Blocos FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, da lavra do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA), datado do dia 17 de maio do ano em curso, causou “mal-estar político” entre o Ibama e a Petrobras com abalo sísmico nos Ministérios afins – MMA e De Minas e Energia (MME).
A ministra Marina Silva, do MMA, defendeu publicamente o Parecer Técnico do Ibama assinado por dez especialistas nas diversas áreas de pesquisa, bem como o despacho do seu presidente Rodrigo Agostinho, com o seguinte esclarecimento:
Este licenciamento tramita no Ibama desde abril de 2014, tendo sido aberto
inicialmente pela empresa BP Energy do Brasil Ltda., operadora original do bloco FZA-M-59. O EIA/Rima – Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental – foi protocolado em março de 2015 (…). Em julho de 2020, a BP informou ao Ibama que estaria transferindo os direitos exploratórios e a titularidade do processo de licenciamento ambiental da perfuração marítima no bloco para a Petrobras. Desde então, a Petrobras vem buscando atender aos requisitos técnicos estabelecidos pelo órgão ambiental como condição para a emissão da licença de operação para a atividade.
Depois dos esclarecimentos necessários, o presidente do Ibama foi incisivo em afirmar que:
(...) “Não se trata de um licenciamento ambiental trivial. Desde o planejamento da 11ª Rodada de Licitações da ANP (Agência Nacional de Petróleo) em 2013, o
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MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Trecho que mostra local de possível exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas
Prospecção petrolífera na Amazônia tem gerado abalos internos no governo federal e debates sobre sua viabilidade
Crédito: Reprodução USP
Ibama vem alertando sobre os riscos da exploração petrolífera nas bacias sedimentares marítimas da margem equatorial. Na conclusão do Parecer Técnico GTPEG n°01/2013, de 20 de fevereiro de 2013, consta sobre a bacia da Foz do Amazonas”.
Em síntese, a Petrobras estava devidamente ciente do alerta do Ibama e mais ainda dos 150 blocos ofertados na 11ª rodada da Agência Nacional de Petróleo, em 2013, quando foram arrematados 45 e, desde então, várias ações exploratórias, na forma de pesquisas sísmicas marítimas já foram licenciadas pelo Ibama.
Feitas as análises do Planejamento Contingenciado da Petrobras, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostino, constatou que:
(…) “A proposta da Petrobras não condiz com os riscos da operação em contexto tão complexo e pouco conhecido. Mesmo nas melhores condições meteoceanográficas, o plano apresenta tempos de deslocamento de equipamentos e pessoal excessivos, tornando improvável o atendimento adequado a uma ocorrência com vazamento de óleo. Em outras palavras, o plano apresentado é inferior às práticas adotadas pela própria companhia em outras regiões do litoral – o que seria um contrassenso em uma nova fronteira com ativos ambientais de alta vulnerabilidade”.
Em destaque, a confirmação da existência de um novo ecossistema sensível na região em litígio – o Grande Sistema Recifal da Amazônia (Great Amazon Reef System). Nessa circunstância, o presidente do Ibama não tergiversou quando atesta para os devidos fins, que: “a viabilidade ambiental da perfuração marítima na região se mostrou especialmente difícil em face de tantas incertezas”.
Na dúvida, o réu tem sempre razão. O que fez o Ibama julgar necessário o cumprimento da Portaria Interministerial MME-MMA – n.°198/2012 quanto à exigência da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que cuida do processo de avaliação baseado em estudo multidisciplinar, com abrangência regional, como subsídio ao planejamento estratégico de políticas públicas. Isso tudo, a partir da análise do diagnóstico socioambiental de determinada área sedimentar e da identificação dos potenciais impactos
socioambientais associados à atividade ou empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural, em cumprimento à responsabilidade socioambiental das empresas nos termos da Portaria referenciada acima.
“Estamos discutindo talvez a última grande fronteira de exploração desses minerais fósseis no Brasil (…). Eu não consigo compreender a possibilidade de não superarmos as questões meramente burocráticas. É sentar na mesa e dizer o
características físicas, biológicas e sociais da Margem Equatorial”.
Dos 150 blocos para prospecção de petróleo na Foz do Amazonas ofertados na 11ª rodada da Agência Nacional de Petróleo, em 2013, foram arrematados 45 e, desde então, várias ações exploratórias, na forma de pesquisas sísmicas marítimas já foram licenciadas pelo Ibama.
que precisa ser feito e quais as pendências para superar a questão do licenciamento”. Trata-se do posicionamento do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, em audiência no Senado, na Comissão de Infraestrutura, no dia 24 de maio deste ano, contrário à decisão do Ibama, qualificando a obrigatoriedade da Portaria Interministerial como “questões meramente burocráticas”.
Com a mesma determinação, a Petrobras por meio de nota assegura que “do ponto de vista ambiental, nós estamos preparados para iniciar essa jornada seguindo todos os cuidados necessários para impactar o mínimo possível todas as
No dia 23 de maio, em reunião mediada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, ficou acordado que o setor energético do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva respeitará o parecer técnico do Ibama. A decisão em pauta, que tem o aval da ministra Marina Silva, contraria os interesses da Petrobras e de políticos ligados aos governos estadual e federal, como os senadores do Amapá, Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues, este último, por sua vez, deixou o partido Rede, rompendo com a ministra Marina Silva. Mas, como ouvimos nos corredores do Congresso Nacional, “quem segura esta onda é o Lula, que pode ou não virar a chave”.
Mas, no dia 25 de maio, a Petrobras retrocedeu e resolveu protocolar o recurso junto ao Ibama, foi o que informou o Instituto, por meio de nota. Mais ainda, para selar o compromisso do governo com a defesa do Meio Ambiente e a Mudança Climática, o presidente Lula anunciou, no dia 26 de maio, que a próxima Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) será realizada no Brasil, na cidade de Belém, capital do Pará, na Foz do Amazonas, reunindo dezenas dos maiores líderes do mundo, pesando favoravelmente em defesa dos povos tradicionais e originários inseridos no Meio Ambiente Amazônico como sujeitos de Direito.
(*) Ademir Ramos é professor, antropólogo e coordenador do Projeto Jaraqui e do Núcleo de Cultura Política do Amazonas, vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Ufam.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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Audiência pública na Câmara dos Deputados sobre exploração de petróleo na Foz do Amazonas
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Crédito: Lula Marques Ag Brasil
Vidas ameaçadas nas águas
Espécies raras vivem em área visada por petrolífera na Amazônia
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A Foz do Amazonas, que ganhou holofotes após o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proibir a exploração de petróleo na região, abriga um gigantesco sistema de corais, esponjas, peixes e crustáceos. É o que comprovaram, em 2016, cientistas brasileiros, durante estudo oceanográfico realizado no local.
À época, a descoberta foi relatada na revista Science Advances, que mostrou que os corais amazônicos se assemelham a outros recifes distribuídos pelo litoral brasileiro, com o improvável diferencial de que se desenvolvem em águas barrentas, com pouca iluminação e a uma profundidade de até 120 metros. Em condições comuns, as formações coralíneas se firmam em águas rasas e com maior incidência de luz solar.
O principal autor responsável pelo estudo é o professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Leão Moura.
Ele conduziu a pesquisa que identificou a extensão aproximada de quase 1 mil quilômetros e área de 9.500 quilômetros quadrados de recifes, que vai do Norte do Maranhão até a fronteira com a Guiana Francesa.
A imensidão do recife amazônico é composta por trechos de algas calcárias, corais pretos ou vermelhos, e campos de esponjas naturais gigantes que podem passar dos dois metros de comprimento, além de areais cobertos por algas verdes e estruturas calcárias que podem chegar a 20 metros de altura. Pesquisadores estimam que só 5% desse grande sistema foi investigado, cientificamente, até agora.
OUTRAS ESPÉCIES
Segundo o parecer técnico que embasou a decisão do Ibama, na área visada pela Petrobras, há animais ameaçados de exploração, como o camarão-rosa, o pito, a lagosta-vermelha e o caranguejo-uçá. O relatório identifica, ainda, 23 espécies de
“A região abriga espécies endêmicas, ameaçadas de extinção e, muito provavelmente, espécies ainda desconhecidas ou não registradas localmente, tendo em vista o vasto ecossistema recifal recém-descoberto sob a pluma da Foz do Rio Amazonas”
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, em seu despacho sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
mamíferos marinhos, entre baleias, botos e golfinhos, e duas espécies de peixes-boi.
Das espécies que vivem na região do estuário, algumas estão ameaçadas de extinção, no Brasil, como o boto-cinza, boto-vermelho, cachalote, peixe-boi-ma-
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AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
MEIO
rinho, peixe-boi-amazônico e ariranha. O parecer cita a existência de, pelo menos, 114 espécies.
“A região abriga espécies endêmicas, ameaçadas de extinção e, muito provavelmente, espécies ainda desconhecidas ou não registradas localmente, tendo em vista o vasto ecossistema recifal recém-descoberto sob a pluma da Foz do Rio Amazonas”, diz, em seu despacho o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
AMEAÇA AOS QUILOMBOLAS E RIBEIRINHOS
No final de 2022, os Ministérios Públicos Federal do Pará (MPF-PA) e do Amapá manifestaram uma recomendação conjunta direcionada ao Ibama e à Petrobras que já indicava a suspensão da perfuração marítima na Foz do Amazonas. O órgão apontava a extensão de impactos aos ribeirinhos e quilombolas que vivem no Pará.
Comunidades quilombolas de Abacatal e Aurá, em Ananindeua (PA), seriam as pri-
“A Foz do Amazonas ainda inclui grandes extensões de mangues, a maior extensão de mangues de todo o mundo, e uma das áreas úmidas mais importantes do planeta”
Carlos Durigan, ambientalista.
meiras as serem afetadas com os resíduos oriundos da atividade. Já a comunidade ribeirinha de Pirocaba, em Abaetetuba (PA), sofreria impacto nas atividades pesqueiras.
O MPF explica, ainda, no documento, que os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na serão atingidos com o investimento da atividade petrolífera. Há também enorme potencial de danos ambientais sobre a costa da Amazônia Atlântica que poderiam atingir até o mar territorial da Guiana Francesa.
Imagem aérea da Foz do Amazonas e exemplos de espécies ameaçadas pela exploração do petróleo na região: peixeboi, peixe-jaguareçá e lagosta, ouriçosbrancos, ouriços-rodolitos e esponjascoloridas
Especialista
À REVISTA CENARIUM, o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan destaca que os peixes que ocorrem no estuário – corpo d’água parcialmente encerrado, que se forma quando as águas doces provenientes dos rios e córregos fluem até o oceano e se misturam com a água salgada do mar – abastecem boa parte da população amazônica. Ele ressalta ainda que a pesca na região abastece outras áreas do Brasil e até de países vizinhos.
“A importância disso é extrema, do ponto de vista do seu papel ecossistêmico e da riqueza da biodiversidade e da sociodiversidade que lá vivem e dependem desse ambiente saudável. A Foz do Amazonas ainda inclui grandes extensões de mangues, a maior extensão de mangues de todo o mundo, e uma das áreas úmidas mais importantes do planeta”, afirma o especialista.
Durigan alerta também que qualquer intervenção na região poderia comprometer a qualidade dos ecossistemas e levar a grandes rupturas. “Além das questões relacionadas à biodiversidade aquática, daria para incluir as espécies que ocorrem nos mangues. Por isso, a importância deles para a região, nos mangues há grandes berçários, essenciais para a manutenção das espécies”, complementa.
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Ufam tem novos mestrados e doutorados
Sete cursos de pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) foram aprovados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); resultado foi divulgado no dia 7 de junho, no site da Capes Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) anunciou, no dia 8 de junho, a abertura de sete novos cursos de especialização dos níveis de mestrado e doutorado, após aprovação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC). Entre os cursos está o de doutorado em Enfermagem, em parceria com a Universidade do Estado do Pará (Uepa), o primeiro da Região Norte.
A Ufam vai disponibilizar ainda os doutorados em Odontologia e em Engenharia de Materiais, assim como o mestrado em Sociologia, Engenharia Mecânica, Infor-
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Crédito: Ricardo Oliveira Revista Cenarium
“O impacto disso é muito grande, tem um impacto social e um impacto até econômico. Porque você consegue dar continuidade à formação dos alunos da graduação no mestrado ou aqueles que já fizeram mestrado para o doutorado nessas áreas que são estratégicas”
Adriana Malheiro Alle Marie, pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Ufam, em exercício.
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Entrada do campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus
mação e Comunicação, e Profissional em Economia. Segundo a pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação em exercício, professora Adriana Malheiro Alle Marie, a conquista representa um avanço para a região.
“O impacto disso é muito grande, tem um impacto social e um impacto até econômico. Porque você consegue dar continuidade à formação dos alunos da graduação no mestrado ou aqueles que já fizeram mestrado para o doutorado nessas áreas que são estratégicas”, afirma a professora responsável pela coordenação do edital.
A pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação em exercício conta que todo o processo iniciou ainda no segundo semestre de 2022, quando a Ufam apresentou as propostas de especialização para o MEC, por meio do edital aberto pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), submetido em setembro daquele ano.
“Ao nível de mestrado, aprovamos o mestrado profissional em Economia, que é um mestrado com uma grande importância para a Região Norte. É o primeiro mestrado com perfil voltado para a região, principalmente levando em questão a nossa Zona Franca de Manaus, então temos esse objetivo de ter esse mestrado voltado para a formação dos recursos humanos qualificados junto ao polo industrial”, diz.
Os mestrados em Economia e em Engenharia Mecânica são focados em capacitar alunos para o mercado local. “A continuidade da formação dos nossos
alunos nas engenharias também está muito voltada para o Polo Industrial daqui”, explicou Adriana.
Os programas devem abrir o edital no segundo semestre deste ano para início a partir de 2024, com o início oficial na instituição. “Então, será feita essa seleção para início das aulas em 2024, pelo nosso calendário acadêmico”, destaca a professora.
Com isso, a Ufam chega ao total de 51 cursos ofertados na instituição, que incluem graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, levando à formação de recursos humanos na região. “A gente espera um aumento significativo na formação de doutores para o Amazonas, assim como qualificar o público da nossa região”, afirma.
A professora Adriana Malheiro ressalta que novos cursos devem ser abertos, pois esse é apenas o resultado do primeiro conjunto da Avaliação de Propostas de Cursos Novos (APCN). “Ainda temos, pelo menos, oito a serem avaliados pela Capes e temos a expectativa de que todos sejam aprovados. Aí se juntarão oportunidades na área de Ensino e Humanidades, por exemplo”, diz.
PEDIDOS DE RECONSIDERAÇÃO ATÉ 6 DE JULHO
Pela Plataforma Sucupira, as instituições de ensino superior e pesquisa têm acesso às fichas de avaliação e podem enviar pedidos de reconsideração até o dia 6 de julho, para APCNs não aprovadas.
Enfermagem – pioneirismo
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem pela Ufam, do recém-aprovado curso de doutorado em Enfermagem, o professor Zilmar Augusto de Souza Filho, ressalta o pioneirismo do oferecimento do curso em associação com a Universidade do Estado do Pará (Uepa).
“Assim como nosso doutorado recém-aprovado, somos pioneiros em ofertar, desde 2010, o mestrado acadêmico em Enfermagem, em parceria com a Uepa.
Não há outro Programa de Pós-Graduação em Enfermagem que oferte o doutorado nessa área na Região Norte. Nosso curso de doutorado ofertará 15 vagas, sendo oito para Manaus e sete para Belém (PA). No dia 22 de junho, nós promoveremos uma reunião com a Comissão Gestora do programa para realizarmos o planejamento de implantação do doutorado e o alinhamento do primeiro edital de seleção”, destacou o coordenador.
Corredores da Universidade Federal do Amazonas 24 www.revistacenarium.com.br
Crédito: Reprodução UFAM CENARIUM+CIÊNCIA
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UEA ganha mestrados em Música e Engenharia Elétrica
Novos cursos de mestrado da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) foram aprovados pela Capes
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – Dois novos cursos de mestrado profissional da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) foram aprovados pelo Conselho Técnico Científico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CTC/Capes). A universidade recebeu autorização para criar cursos pioneiros que, até então, não eram ofertados no Amazonas, são eles: mestrado em Música, da Escola Superior de Artes e Turismo (Esat), e mestrado em Engenharia Elétrica, da Escola Superior de Tecnologia (EST).
A UEA tem, ainda, outros quatro cursos em processo de análise pelo conselho: mestrado acadêmico em Geografia, doutorado em Direito Ambiental, doutorado em Letras e Artes, e o mestrado profissional
em Administração. No total, a universidade pode ter até seis novos cursos aprovados pela Capes. O processo é acompanhado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp).
Segundo o reitor da UEA, professor doutor André Zogahib, a criação dos cursos de mestrado e doutorado representa um avanço significativo para a educação na região.
“A UEA está fortemente comprometida em promover e valorizar o conhecimento tanto na graduação, quanto na pós-graduação. Ficamos contentes com a notícia, pois sabemos que os novos cursos chegam para preencher uma lacuna educacional no Amazonas. Essa é uma conquista que deve ser celebrada por todos”, disse.
Fachada do prédio da reitoria da Universidade do Estado do Amazonas
Durante a avaliação das propostas, a Capes analisa a produção acadêmica dos professores ao longo do último quadriênio, o projeto pedagógico do curso, além de outros aspectos que envolvem a infraestrutura e a adequação do curso ao desenvolvimento regional e nacional.
A avaliação indicou que ambos os cursos contam com infraestrutura administrativa e laboratorial adequada às
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Crédito: Divulgação UEA
atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento, bem como dos recursos bibliográficos apresentados.
O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UEA, professor doutor Roberto Mubarac, celebra a aprovação dos mestrados e destaca o potencial dos novos cursos.
“Ao sermos a primeira instituição a ofertar um determinado curso na região,
nos colocamos como pioneiros. Além disso, também estamos atendendo a uma demanda antiga por cursos de pós-graduação nessas áreas. Todo esse avanço contribui para a fixação e a melhoria da qualidade do ensino e, consequentemente, para a formação de novos profissionais capacitados”, comentou.
(*) Com informações da assessoria
“A UEA está fortemente comprometida em promover e valorizar o conhecimento tanto na graduação, quanto na pós-graduação”
André Zogahib, reitor da UEA.
27 REVISTA CENARIUM
Junho:
o mês que não pode acabar
Anderson F. Fonseca
Aqueles que como eu estão atentos ao cronograma de acontecimentos recentes na história de nosso País vão lembrar que, neste início de junho, “comemoramos” os 10 (dez) anos das manifestações de rua que tomaram o Brasil, em junho de 2013. Aos que necessitam de alguma memória do ocorrido, basta colocar no Google: manifestações 2013 e na pesquisa irão, certamente, se deparar com o traço em comum encontrado entre os analistas desse importante momento histórico da política nacional, junho de 2013 é um mês que ainda não terminou no Brasil e as repercussões deste período podem ser sentidas até os dias de hoje.
Os protestos iniciaram em São Paulo, em virtude do aumento da tarifa de transporte público, os hoje famosos R$0,20 (vinte centavos), mas, por trás de si, escondiam toda uma insatisfação geral da população brasileira com a classe política, a corrupção em níveis endêmicos, os problemas nas áreas de saúde, educação e segurança.
Adicione-se a isto o fato do Brasil ter sido escolhido para ser o país-sede da Copa do Mundo de 2014 e estar sediando a Copa das Confederações daquele ano, levando os governos federal, estaduais e municipais das localidades sedes a investirem em estádios e estrutura ao nível do “padrão Fifa”. Sob este título, gastos públicos foram feitos, em muitos casos, sem o necessário procedimento licitatório,
ausência de maior rigor nas fiscalizações ou mesmo de justificativa plausível para a sua execução, fora o sentimento de que o governo central estava em grande parte ausente, somente obedecendo às ordens da entidade esportiva, haja vista o sem número de manobras legislativas para todo o tipo de licenças e permissões, do uso de trabalho em condições muito aquém das permitidas pelas leis trabalhistas, ao comércio de bebidas e outros produtos nos estádios, até então também proibidos pela lei nacional.
Nesse atípico mês de junho, a população resolveu, de maneira autônoma, tomar para si a responsabilidade de exigir providências, diga-se por oportuno, não foi uma iniciativa exclusivamente brasileira. O ano de 2013 e emblematicamente o mês de junho foi palco de diversas manifestações com semelhante teor ao redor do globo, a exemplo dos movimentos Occupy Wall Street nos Estados Unidos, as manifestações nas praças da Espanha, o protesto contra o governo no Egito. Ao todo, em mais de 30 países houve a demonstração explícita de insatisfação com o Governo.
Segundo dados da Economist Intelligence Unit em seu estudo Rebels Without a Cause (Rebeldes sem causa, em livre tradução), a sequência de protestos observados no ano de 2013 estaria relacionada à crise de 2008 e suas consequências, sabidamente o prognóstico negativo de crescimento econômico e o desemprego,
segundo o estudo, a insatisfação com a situação econômica “é uma condição necessária para a instabilidade séria, mas, sozinha, não é o suficiente”, somente quando este aperto econômico soma-se a outros elementos típicos de vulnerabilidade social como o nível de qualidade da renda, questões étnicas, raciais, de gênero, governança, dentre outros, passa a existir um ambiente propício à instabilidade.
No caso brasileiro, podemos indicar que estes elementos se encontraram presentes e eclodiram, mais precisamente no dia 06 de junho, com as primeiras manifestações em São Paulo contra o aumento na tarifa do transporte viário. A partir daí, o estopim estava aceso para a difusão deste movimento pelo País, Estados do Sudeste logo aderiram, mas não levou muito tempo para que se alcançasse todo o País. No Amazonas, com problemas bem semelhantes, houve manifestações de igual porte.
Problemas ocorreram em meados do mês quando diversos segmentos com as mais variadas reivindicações juntaram-se ao coro dos manifestantes. Daí vimos uma sequência de atos de destruição e vandalismo, o ápice ocorrido na Avenida Paulista e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com a invasão do Planalto, Congresso Nacional até do Itamaraty.
Como já mencionado, reflexos e consequências destes atos levaram a uma série de desdobramentos imprevisíveis no início
ARTIGO – ANDERSON F. FONSECA
Crédito: Acervo Pessoal
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daquele ano, impeachment da presidente, Governo Temer, maior concentração e alinhamento da Direita, situações estas que levaram, segundo analistas, à eleição do presidente Bolsonaro e toda a gama de eventos que ocorreram no período de seu governo, a notar a bipolarização – nós e eles – instaurada em nosso País.
Passados dez anos destes fatos, chegamos neste 2023 em nosso País com características bem símiles àquelas encontradas às vésperas do junho de 2013. Não por acaso, novamente com um contexto pendular voltado mais à esquerda, uma séria insatisfação com a classe política, instabilidade econômica, exemplificada na discordância institucional entre Planalto e Banco Central, medidas de aumento do teto de gastos, câmbio nas alturas, desemprego atingindo patamares preocupantes, nenhum sinal de aquecimento estrutural da economia, julgamento de políticos, gastos injustificados ou, ao menos, questionáveis por parte
dos governos (federal, estadual, municipal) e, para completar, aumento da tarifa de ônibus, greve de professores, aumento da remuneração de ministros do governo com diminuição de seus dias de trabalho, nenhum ou quase nenhum ganho real no salário do trabalhador.
Ao que parece, ainda não foram devidamente aprendidas as lições passadas. Uma década depois, ainda temos a mesma confluência de fatores que podem levar a uma nova onda de insatisfação e manifestações, não colocando neste cômputo o ocorrido no fatídico oito de janeiro, em vista do cunho que penso ser eminentemente reflexo do panorama eleitoral e bipolar vivido no País, mas que, de qualquer forma, contribui e muito com o estado de coisas a evoluir para uma nova insatisfação geral.
Importante aspecto e penso que também efeito colateral positivo seja o fato
do nível de “tolerância” com que o povo respondeu primariamente ao descaso com seus direitos. Foi digno de nota e reproduzido nas principais revoluções que levaram à mudança de rumos na história. “O gigante acordou” é o melhor de nós mesmos enquanto parte indissociável da democracia. É o nível de indignação e vontade popular expresso na legítima exigência de Direitos, na luta por dias melhores, no dizer “basta” aos desmandos e abusos, na crítica ao sistema, à corrupção, ao velho modo de fazer política, enquanto houver em nós o sentimento de que há o que ser feito, há que seguir em frente, há que não desistir. Neste sentido, junho é o mês que não pode acabar.
(*) Anderson F. Fonseca é professor de Direito Constitucional, advogado e especialista em Comércio Exterior e Zona Franca de Manaus.
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Crédito: Ricardo Oliveira
Territórios sob julgamento
Advogado da Apib critica voto de Moraes sobre Marco Temporal: ‘meio-termo’
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Em avaliação à suspensão do julgamento do Marco Temporal de Terras Indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 7 de junho, o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, criticou o entendimento do ministro Alexandre de Moraes. O magistrado votou contra a tese, mas se manifestou a favor da garantia de proprietários que possuem títulos em terras habitadas por indígenas terem direito à indenização.
Indígenas protestam contra o Marco Temporal em frente ao STF
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Crédito: Joédson Alves Agência Brasil
Para o advogado, Moraes reconheceu o processo de colonização e, por isso, “se envergonhou”, o que fez com que ele votasse a favor da luta indígena. “Ele disse não ao Marco Temporal, mas disse também que tem que criar um meio-termo. Essa análise dele é jurídica, mas também é política, porque a gente vai voltar para casa sem respostas. O ministro coloca essa condição da indenização prévia, que a gente já sabe que demora, que não funciona”, criticou, durante transmissão no YouTube da Apib.
O advogado da Apib também mostrou insatisfação com a composição da Corte, que possui, entre a maioria dos membros, pessoas brancas. “Só tem branco decidindo o nosso futuro. A minha inquietação começa aí. Porque é sempre o branco que define o nosso futuro. É chegada a hora da gente se mobilizar, no sentido de dizer: ‘estamos cansados dos brancos decidirem o nosso futuro’”, disse Terena.
VOTO DE MORAES
O ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese, por reconhecer que, baseado na promulgação da Constituição de 1988, a posse de terras indígenas independe da existência de um Marco Temporal. O magistrado usou como justificativa um caso julgado pelo STF, de indígenas Xokleng, que, em 1930, deixaram as terras em que viviam devido a conflitos. À época, 244 deles morreram.
Entretanto, ainda durante a manifestação do voto, Moraes defendeu a indenização integral para desapropriação aos proprietários de terras em área indígena. De acordo com ele, há pessoas que não tinham conhecimento da existência dos povos originários nas localidades. “Quando reconhecido, efetivamente, que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas as benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público”, disse.
Maurício Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O JULGAMENTO
Parado desde 2021, o julgamento no STF foi retomado neste mês. Porém, foi novamente suspenso após o pedido de vista do ministro André Mendonça, para que ele possa analisar o tema pelos próximos 90 dias. Ainda não há data marcada para a votação ser retomada.
Até o momento, o placar está 2 a 1 para a rejeição da tese jurídica. Alexandre de Moraes e o relator do caso, Luiz Edson Fachin, votaram contra; já o ministro Nunes Marques votou a favor.
“Ele disse não ao Marco Temporal, mas disse também que tem que criar um meio-termo. Essa análise dele é jurídica, mas também é política, porque a gente vai voltar para casa sem respostas”
O coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena
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Crédito: Reprodução Apib
Câmara dos deputados PL APROVADO
MANAUS (AM) – O Projeto de Lei (PL) n.º 490/07 sobre o Marco Temporal foi aprovado, no dia 30 de maio, na Câmara dos Deputados Federais. Duzentos e oitenta e três parlamentares votaram a favor e 155 disseram não para o PL, que restringe a demarcação de terras indígenas, àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição Federal. O texto seguiu para o Senado Federal.
Entre os parlamentares dos nove Estados que compõem a Amazônia
Legal (Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins), 55 deram votos favoráveis, 20 se posicionaram contra e 15 não votaram.
PROJETO DE LEI
Conforme o texto aprovado, é preciso confirmar que as terras ocupadas tradicionalmente eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física
e cultural na data da promulgação da Constituição. Se a comunidade indígena não estava em determinado território antes dessa data, independentemente do motivo, a área não será reconhecida como tradicionalmente ocupada.
O texto ainda autoriza a plantação de cultivares transgênicos em terras indígenas; proíbe a ampliação de áreas já demarcadas; determina que processos de demarcação ainda não concluídos sejam submetidos às novas regras; e anula a demarcação em discordância com o novo marco temporal.
VEJA COMO VOTARAM OS DEPUTADOS DA AMAZÔNIA:
► No Acre, seis deputados votaram a favor e apenas dois votaram contra:
Antônia Lúcia (Republicanos-AC) Sim
Coronel Ulisses (União-AC) Sim
Eduardo Velloso (União-AC) Sim
Gerlen Diniz (PP-AC) Sim
Meire Serafim (União-AC) Sim
Roberto Duarte (Republicanos-AC) Sim
Socorro Neri (PP-AC) Não
Zezinho Barbary (PP-AC) Não
► Entre os parlamentares do Amazonas, quatro estão de acordo com o PL e três são contra:
Adail Filho (Republicanos-AM) Sim
Amom Mandel (Cidadania-AM) Não
Átila Lins (PSD-AM) Não
Alberto Neto (PL-AM) Sim
Fausto Santos Jr. (União-AM) Sim
Sidney Leite (PSD-AM) Não
Silas Câmara (Republicanos-AM) Sim
Eduardo Figueiredo – Da Revista Cenarium
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Crédito: Joédson Alves | Agência Brasil
► Os deputados do Amapá deram dois votos para que o PL fosse aprovado e quatro não concordam:
Augusto Puppio (MDB-AP) Não
Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) Não
Josenildo (PDT-AP) Não
Professora Goreth (PDT-AP) Não
Silvia Waiãpi (PL-AP) Sim
Sonize Barbosa (PL-AP) Sim
► No Maranhão, nove parlamentares disseram sim ao PL e outros três se posicionaram contra:
Aluísio Mendes (Republicanos-MA) Sim
André Fufuca (PP-MA) Sim
Cleber Verde (Republicanos-MA) Sim
Dr. Benjamim (União-MA) Sim
Duarte (PSB-MA) Não
Fábio Macedo (Podemos-MA) Sim
Josivaldo JP (PSD-MA) Sim
Júnior Lourenço (PL-MA) Sim
Márcio Jerry (PCdoB-MA) Não
Marreca Filho (Patriotas-MA) Sim
Pastor Gil (PL-MA) - Sim Sim
Rubens Pereira Jr. (PT-MA) Não
► Sete parlamentares do Mato Grosso também estão de acordo com a aprovação do Marco Temporal e apenas um deputado votou contra:
Abílio Brunini (PL-MT) Sim
Amália Barros (PL-MT) Sim
Coronel Assis (União-MT) Sim
Coronel Fernanda (PL-MT) Sim
Emanuel Pinheiro N (MDB-MT) Não
Fábio Garcia (União-MT) Sim
Flavinha (MDB-MT) Sim
José Medeiros (PL-MT) Sim
► No Pará, o placar ficou oito votos favoráveis para o PL e quatro contra:
Airton Faleiro (PT-PA) Não
Antônio Doido (MDB-PA) Sim
Celso Sabino (União-PA) Sim
Del. Éder Mauro (PL-PA) Sim
Delegado Caveira (PL-PA) Sim
Dilvanda Faro (PT-PA) Não
Dra. Alessandra H (MDB-PA) Sim
Henderson Pinto (MDB-PA) Sim
Joaquim Passarinho (PL-PA) Sim
José Priante (MDB-PA) Não
Keniston Braga (MDB-PA) Não
Raimundo Santos (PSD-PA) Sim
► Em Rondônia, a votação foi unânime, oito deputados aprovaram o PL do Marco Temporal:
Cel. Chrisóstomo (PL-RO) Sim
Cristiane Lopes (União-RO) Sim
Dr. Fernando Máximo (União-RO) Sim
Lebrão (União-RO) - Sim Sim
Lúcio Mosquini (MDB-RO)
Voto secreto. Presidiu a sessão.
Maurício Carvalho (União-RO) Sim
Silvia Cristina (PL-RO) Sim
Thiago Flores (MDB-RO) Sim
► Cinco deputados federais de Roraima disserem sim ao PL e dois recusaram o projeto:
Def. Stélio Dener (Republicanos-RR) Não
Helena Lima (MDB-RR) Não
Albuquerque (Republicanos-RR) Sim
Duda Ramos (MDB-RR) Sim
Gabriel Mota (Republicanos-RR) Sim
Nicoletti (União-RR) Sim
Pastor Diniz (União-RR) Sim
► Em Tocantins, apenas um parlamentar foi contra o Marco Temporal e seis declararam votos favoráveis:
Alexandre Guimarães (Republicanos-TO) Sim
Antonio Andrade (Republicanos-TO) Sim
Carlos Gaguim (União-TO) Sim
Eli Borges (PL-TO) Sim
Filipe Martins (PL-TO) Sim
Ricardo Ayres (Republicanos-TO) Não
Vicentinho Júnior (PP-TO) Sim
Fonte: Câmara dos Deputados
REVISTA CENARIUM 33
Réus por atos golpistas
Supremo Tribunal Federal já aceitou mais de 1,2 mil denúncias por atos antidemocráticos de 8 de janeiro
Da Revista Cenarium*
BRASÍLIA (DF) – O Supremo Tribunal
Federal (STF) chegou a 1.246 denúncias aceitas contra participantes dos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF). O número corresponde a 89,6%, quase 90%, das 1.390 denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), todas relacionadas a dois grupos de infratores: pessoas que participaram diretamente dos atos de vandalismo e aquelas que incitaram o movimento.
Os números foram atualizados até o fechamento desta reportagem, em 9 de junho deste ano, quando a maioria dos ministros do Supremo votou pelo recebimento de mais um lote de 70 denúncias contra pessoas envolvidas nos atos
golpistas. Nesse grupo, seis denúncias são relativas a investigados acusados de participação direta nos atos. Nesse caso, os crimes imputados são mais graves, entre os quais: associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado ao patrimônio da União.
CRIMES
As outras 64 denúncias em julgamento são relativas a incitadores dos atos golpistas, sobretudo aqueles que acamparam, por semanas, em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília (DF), local em que se pedia abertamente a intervenção militar sobre o resultado da eleição. Os crimes imputados são de associação criminosa e incitação à animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais.
O eventual recebimento de mais essas 70 denúncias relacionadas ao 8 de janeiro foi julgado no plenário virtual, em que os ministros tiveram um tempo para registrar o voto no sistema do Supremo, sem deliberação presencial ou por videoconferência. A sessão durou até as 23h59 do dia 9 de junho, sexta-feira.
Até o fechamento desta reportagem, o placar do julgamento estava em 6 a 1. O relator, Alexandre de Moraes, e os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin, Luiz Fux e Rosa Weber votaram pelo recebimento das denúncias, formando a maioria. Nunes Marques votou contra.
Assim como nas seis levas anteriores, a maioria considerou haver indícios suficientes para a abertura de ação penal contra todos os acusados, que, dessa maneira,
| Ag
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Crédito: Joedson Alves
Brasil
89,6%
Do total de 1.390 denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra pessoas envolvidas nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, 1.246 já foram aceitas pelo Supremo, o que corresponde a 89,6%.
passaram à condição de réus. Com isso, abriu-se uma nova fase de instrução processual, com oitiva de testemunhas e eventual produção de mais provas.
Após essa nova instrução, abre-se prazo para manifestação final de
acusação e defesa. Somente após essa última etapa que deve ser julgada, no caso a caso, eventual condenação dos envolvidos. Não há prazo definido para que isso ocorra.
(*) Com informações da Agência Brasil
Relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), senadora Eliziane Gama
CPMI do Golpe no Senado
Plano de trabalho inclui investigação de Anderson Torres
Da Revista Cenarium*
BRASÍLIA (DF) – A senadora Eliziane
Gama (PSD-MA), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investigará os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, apresentou, no dia 6 de junho deste ano, o plano de trabalho que será seguido pelo colegiado. O documento precisa ser aprovado pela maioria da comissão.
Conforme o documento, a chamada CPMI do Golpe deve iniciar a investigação pela atuação do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e sua relação com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), no segundo turno das eleições de
2022, e diante das “manifestações golpistas ocorridas nas rodovias nacionais logo após o resultado do pleito”. Segundo o texto, isso não impedirá que novos fatos conexos possam ser incluídos. Torres é acusado de usar operações da PRF para dificultar a locomoção de eleitores, no Nordeste, nos dias de votação.
Pelo plano de trabalho, em seguida, a investigação se concentrará na atuação de Anderson Torres como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (DF); nos acontecimentos dos dias 12 e 24 de dezembro; no acampamento na região do Quartel-General do Exército, em Brasília
(DF); e no planejamento e atuação dos órgãos de segurança pública da União e do DF, no dia 8 de janeiro.
Também serão apurados “o apagão na execução das medidas de contenção”; as manifestações públicas e em redes sociais de agentes políticos contra o resultado das eleições; a relação do então ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, com pessoas envolvidas com os atos golpistas, e a atuação dos órgãos das Forças Armadas e sua relação com os acampamentos de manifestantes montados na capital federal.
(*) Com informações da Agência Brasil
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Crédito: Lula Marques Ag Brasil
Saiba mais sobre o MST, alvo de investigação na Câmara dos Deputados
Embate entre professor da UnB e deputada do PL em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e suas visões divergentes sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi destaque nas redes sociais, no dia 14 de junho
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é alvo de investigação em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, e, no dia 14 de junho, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. O fato ocorreu depois que o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Sousa Junior criticou a opinião da deputada Carol de Toni (PL-SC), feita em pronunciamento em que disse que os assentamentos do MST são “centros de doutrinação marxista” que “escravizam as pessoas e deixam na miséria” e que “invasão de terra é crime”. O professor defendeu os movimentos sociais e explicou porque se considera ocupação a prática desenvolvida pelo MST, e não invasão.
O MST é uma das principais organizações de luta pela reforma agrária no Brasil. Fundado em 1984, busca a democratização do acesso à terra, pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela transformação da estrutura agrária, em 24 Estados das cinco regiões do País.
Entre os adversários do MST estão representantes de grandes propriedades e do agronegócio, como a poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a União Democrática Ruralista (UDR), uma entidade associativa que reúne grandes proprietários rurais presidida por Nabhan Garcia.
As divergências começam pelo discurso. Enquanto o MST fala em “ocupações”, os críticos adotam o termo “invasões” e julgam que há um desrespeito ao direito à propriedade privada. O MST organiza ocupações de terras consideradas improdutivas, reivindicando a desapropriação e a redistribuição para fins de reforma agrária. Além disso, conforme o MST avança, desenvolve projetos de agricultura familiar, educação popular e luta por melhores condições de vida para os agricultores e suas famílias.
DINÂMICA
O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luís Nascimento explica a dinâmica de ocupação do MST junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o dono das terras improdutivas.
“O assentado, ele vai receber crédito para se fixar na terra e ele vai pagar esse crédito e essa terra. Ele não recebe nada de graça e, ao final disso, ele vai produzir comida para sustentar a sua família e abastecer o mercado local e o regional”, detalhou o professor.
Ele complementa e diz que, às vezes, há governos que possuem perspectivas de distribuição de terra para trabalhadores poderem viver e trabalhar nelas. “Os ‘donos’ das terras se aforam e passam a
atacar o principal movimento agrário, que não é o único movimento que luta pela terra, mas como o MST é mais organizado, então, eles são os mais atacados”, explicou Nascimento.
MOVIMENTO DE MASSA
O MST é um movimento social, de massas, autônomo, que procura articular e organizar os trabalhadores rurais e a sociedade para conquistar a reforma agrária e um projeto popular para o Brasil. No total, são cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra, por meio da luta e organização.
A economista Denise Kassama defende que o movimento sem terra representa o povo e não precisa, necessariamente, ter aplicação radical política, independente dos espectros de esquerda e direita.
“Não dão a liberdade para as pessoas, não dão emancipação, não dão título (de terra). Escravizam as pessoas e deixam na miséria. Além do mais, se arrogam justiceiros sociais, movimentos privados violentos que querem fazer o papel do Estado (…) Invasão de terra é crime”
Carol de Toni (PL-SC), deputada federal.
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Crédito: José Cruz | Ag Brasil
Membros do MST em manifestação em frente ao Congresso Nacional
Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil
Mst REVISTA CENARIUM 37
Crédito: Divulgação
NÚMERO DE ESCOLAS CONSTRUÍDAS E PESSOAS BENEFICIADAS PELAS UNIDADES
+ de 2 mil
Escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos
200 mil
Crianças, adolescentes, jovens e adultos com acesso à educação garantida
“O MST é, sim, um movimento social que trabalha em prol da reforma agrária e contra a concentração fundiária no campo brasileiro. Como qualquer outro movimento social, ele tem a ala mais moderada e a mais radical. Eu não gosto muito de dizer a palavra vândalos, porque você vai ter os radicais nos movimentos sociais, ligados à esquerda e à direita”, explicou.
PRODUÇÃO DE ARROZ ORGÂNICO
Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é responsável pela maior produção de arroz orgânico no Brasil. É o que mostra uma reportagem da BBC News Brasil de 2017. O Irga, vinculado ao Governo do Rio Grande do Sul, é considerado referência para esse levantamento, porque o Estado detém a maior produção geral de arroz do Brasil — correspondendo a, segundo o instituto, cerca de 70% de todo o grão produzido nacionalmente.
É nesse ambiente que cresce a hostilidade ao movimento, que mantém vínculo com cerca de 400 mil famílias assentadas e 120 mil acampadas em todo o Brasil, e ganhou a fama de ser “fora da lei”. Centenas de militantes já morreram em ações e ocupações de terra que, nem sempre, ocorrem sem conflitos ou excessos.
Conforme a reportagem da BBC News Brasil, o Irga estima que o movimento passou a liderar a produção desse tipo de grão, no País, por volta de 2010 — mas não há dados concretos que apontem, exatamente, quando isso ocorreu.
COMO FUNCIONA O MST
O MST está presente em 24 Estados e possui uma estrutura vertical que, segundo
50 mil Adultos alfabetizados
2 mil
Estudantes em cursos técnicos e superiores
+ de 100
Cursos de graduação em parceria com universidades públicas por todo o páis
João Stédile, dirigente nacional do movimento, mantém autonomia de núcleos locais. São vários grupos de famílias que se organizam para ocupar a terra e estão unidos por coordenações.
A cada dois anos, mandam delegados (sempre buscando paridade entre homens e mulheres) a um encontro, para decidir a coordenação estadual que, por sua vez, escolhe dois integrantes para compor a
coordenação nacional. Mas, são esses grupos de família que decidem quando, onde e como vão realizar as ações, sempre seguindo as orientações políticas e jurídicas do grupo.
“Se 100 famílias decidem ocupar uma fazenda errada, eles vão ser despejados. Mas foram eles que decidiram, eles mesmos vão pagar pelo erro deles. A coordenação nacional não decide isso, ela tem um papel mais político”, afirma Stédile.
Educação do MST
No site do MST, uma das áreas que se destaca é a educação, que, desde a origem, desenvolveu processos que incluem como prioridade a luta pela universalização do direito à escola pública e à qualidade social da infância, à universidade.
Nesse sentido, o MST busca construir, coletivamente, um conjunto de práticas educativas na direção de um projeto
social emancipatório, protagonizado pelos trabalhadores e trabalhadoras. A construção de uma escola ligada à vida das pessoas, que torne o trabalho socialmente produtivo, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história como matrizes do ambiente educativo, com a participação da comunidade e auto-organização de professores e alunos.
Professora e alunos em uma das salas de aula dos assentamentos do MST
Crédito: Divulgação Mst
Fonte: MST
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FORTALECIMENTO DO SETOR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na primeira edição do podcast “Conversa com o Presidente”, no dia 13 de junho, que não há motivos para “invadir terras”. A declaração ocorre no momento em que ele tenta um diálogo com o agronegócio. Lula defendeu fortalecer o setor, mas também pontuou a necessidade de uma reforma agrária.
“Não precisa mais invadir terra. Se quem faz o levantamento da terra improdutiva é o Incra, ele que comunique o governo quais são as propriedades improdutivas que existem em cada Estado brasileiro. E, a partir daí, nós vamos discutir a ocupação dessa terra. É simples. Não precisa ter barulho, não precisa ter guerra. O que precisa ter é competência e capacidade de articulação”, disse o presidente.
PROFESSOR X BOLSONARISTA
O professor da Universidade de Brasília (UnB) José Geraldo de Sousa Junior, na CPI do MST, viralizou nas redes sociais, em virtude da reação da deputada Caroline de Toni (PL-SC). Diante da resposta do ex-reitor da UnB, a parlamentar bolsonarista disse ter sido ofendida com “categoria acadêmica”.
Defensor da reforma agrária, José Geraldo foi chamado como convidado para a CPI. Ao questionar o professor, a parlamentar fez uma série de críticas ao MST, referindo-se aos assentamentos do movimento como “centros de doutrinação marxista”:
“Não dão a liberdade para as pessoas, não dão emancipação, não dão título (de terra). Escravizam as pessoas e deixam na miséria. Além do mais, se arrogam justiceiros sociais, movimentos privados violentos que querem fazer o papel do Estado (…) Invasão de terra é crime”, disse a deputada, ao longo de sua fala.
Convidado a responder à declaração, José Geraldo afirmou não ter condições de discutir com a parlamentar por conta de questões cognitivas.
“Em respeito à deputada, porque, na verdade, ela não me fez pergunta nenhuma, só queria lhe dizer uma coisa (…) Os gregos diziam que teoria significa
aquele que vê. A gente só vê o que tem cognição para ver. Eu não tenho como discutir com a deputada, porque a sua visão de mundo, a sua cosmovisão, só permite à senhora enxergar aquilo que está escrito na sua cognição. Você não vê o que existe, mas o que a senhora recorta da realidade”, diz o professor.
José Geraldo ainda explicou que a prática de ocupação de terras pelo MST, e não invasão, foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), “que definiu em acórdão que não pode ser considerado esbulhador, o tipo do Direito Penal, que é invasão, aquele que ocupa terra para fazer cumprir a promessa constitucional da reforma agrária”.
A CPI do MST é presidida pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e tem como relator o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal Ricardo Salles (PL-SP).
A atribuição da relatoria a Salles gerou questionamento da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Segundo ela, o regimento impede parlamentares de relatar matéria quando há interesses pessoais envolvidos.
A parlamentar sustenta que Salles tem interesse econômico relacionado à pauta, em razão de ter, entre os financiadores, usineiros e madeireiros. Além de interesses ideológicos, tendo em vista que fez campanha contra o ativismo rural do MST.
“Quando foi candidato a deputado federal, em 2018, Salles fez campanha baseada na criminalização do MST. Na época, ele foi investigado porque dizia, abertamente, que iria fuzilar os militantes do movimento”, disse Sâmia, que teve questionamento rejeitado pelo presidente do colegiado.
Por sua vez, Salles disse que vai trabalhar “com o máximo de abertura para o diálogo” e que espera poder contar com a ajuda daqueles que representam uma visão favorável aos movimentos e à reforma agrária.
CPI
“Eu não tenho como discutir com a deputada, porque a sua visão de mundo, a sua cosmovisão, só permite à senhora enxergar aquilo que está escrito na sua cognição. Você não vê o que existe, mas o que a senhora recorta da realidade”
José Geraldo de Sousa Junior, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Crédito: Lula Marques Ag Brasil 39 REVISTA CENARIUM
Professor da UnB José Geraldo de Sousa Junior responde a questionamentos na CPI do MST, sob o olhar do relator da comissão, Ricardo Salles
COP30: lixo em Belém é desafio
Sede da COP30, capital do Pará é criticada pela falta de coleta de lixo
BELÉM (PA) – “Desde sexta-feira, 2 [de junho], o carro de lixo não passa por aqui”, diz Célia Pinho, moradora da Pedreira, bairro de Belém (PA), que será sede da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em 2025. Na Travessa Lomas Valentinas, entre as avenidas Pedro Miranda e Marquês de Herval, uma montanha de lixo se forma, enquanto a população aguarda a coleta da Prefeitura.
Ela conta que o acúmulo de lixo já está causando outro transtorno: o mau
cheiro. “O odor do lixo já está invadindo a academia que é aqui do lado. Agora, estamos todos treinando com o mau cheiro, ninguém merece”, reclama.
No bairro Mangueirão, o problema se repete. “Aqui, no condomínio, estamos acumulando lixo, desde a semana passada, porque não passa o carro de coleta. São várias lixeiras e todas assim, cheias. O ruim é que, além do mau cheiro, ainda chama rato”, denuncia Rosana Pinto, moradora do Natália Lins, na Avenida Augusto Montenegro.
Em Val-de-Cans, outro bairro da capital paraense, o morador Felipe Gillet também
já sente falta da coleta domiciliar. “Especificamente, nos conjuntos Bela Vista, Marex e Marinha, não houve coleta de lixo ontem (segunda-feira), e os sacos começaram a acumular nas lixeiras das casas. Isso não é comum de acontecer por aqui, os carros sempre passam nas segundas, quartas e sextas-feiras”, relata.
MIL TONELADAS POR DIA
Dados do município mostram que a cidade produz, em média, mil toneladas de lixo por dia e tem, pelo menos, 100 pontos críticos de descarte irregular de resíduos sólidos.
Casos como esse, apontam que antes de Belém reunir quase todos os países para debater o combate à crise ambiental na COP30, a capital paraense precisa primeiro combater a crise local, que não é apenas ambiental, é de saúde pública.
Descarte irregular é crime
O Código de Posturas do Município de Belém prevê que quem for flagrado jogando lixo e entulho na frente de postos de saúde, escolas, canteiros, praças e esquinas da cidade pode receber uma multa de R$ 607,97. Também poderá ser enquadrado na Lei n.º 9.605/1998, que prevê crime ambiental.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) informou que está enfrentando problemas com serviços de coleta domiciliar em alguns pontos da cidade. A situação já está sendo regularizada junto à empresa responsável, segundo a Sesan.
Daleth Oliveira – Da Revista Cenarium*
Ponto de coleta irregular em Belém (PA)
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Crédito: Reprodução Rosana Pinto
1.000 Toneladas
Dados do município mostram que a cidade produz, em média, 1.000 toneladas de lixo por dia e tem, pelo menos, 100 pontos críticos de descarte irregular de resíduos sólidos.
(PA)
Anúncio oficial
Da Revista Cenarium*
BRASÍLIA (DF) – Belém (PA) foi confirmada, no dia 26 de maio deste ano, como sede da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). O anúncio foi feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de seu perfil nas redes sociais.
“Belém do Pará foi a cidade escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ser sede da COP30, em 2025. Será uma honra para o Brasil recebermos representantes do mundo inteiro em um Estado da nossa Amazônia. Tenho certeza que o Helder Barbalho [governador do Pará] e o povo do Pará estão preparados para promover a melhor COP da história”.
A COP30 deve ser realizada em novembro de 2025. A escolha da cidade como sede do evento, segundo o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, foi feita pela ONU, no dia 18 de maio.
(*) Com informações da Agência Brasil
Já a Prefeitura de Belém destacou que, há mais de uma década, a cidade sofre com um modelo atrasado, que não conta sequer com um aterro sanitário definitivo. “Neste momento, a Prefeitura acaba de fazer um acordo operacional com o Estado do Pará para construir um novo Aterro Sanitário – e, também, um novo modelo de tratamento de resíduos sólidos”.
A Prefeitura esclareceu que está trabalhando para cumprir todos os prazos para a COP30 e realizou consulta pública como uma ferramenta legítima, para que a população desse contribuições para o edital específico para a coleta e limpeza da cidade. “Em breve, lançará um edital de Parceria Público-Privada (PPP) para modernizar a gestão de recolhimento, limpeza e destinação final dos resíduos sólidos na cidade”, esclareceu.
Sacos de lixo descartados em local impróprio em Belém
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Crédito: Reprodução Célia Pinho
Relações ‘antissociais’ nas redes
MANAUS (AM) – Reflexões sobre o discurso de ódio na internet tomaram o centro do debate entre professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), na tarde de quarta-feira, 31 de maio. Os pesquisadores analisaram o estudo “Gramáticas Sociais do Discurso de Ódio e da Luta por Reconhecimento”.
O trabalho é parte da “Mostra de Teses do PPGSCA: novas abordagens, novos enfoques”, que dispõe de 25 teses sob análise do Laboratório de Sociais e Interdisciplinaridade na Amazônia/PPGSCA.
O estudo apreciado na rodada é de autoria do professor Israel Pinheiro, doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e mestre em Sociedade, pela Ufam.
Construção do discurso de ódio nas redes sociais gera debate
Adrisa De
–
Em debate, pesquisadores da Ufam analisam construção do discurso de ódio na internet
Góes
Da Revista Cenarium
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Crédito: Ricardo Oliveira
A tese faz uma reflexão acerca das estruturas que constroem a web, da emergência das redes sociais e as configurações das gramáticas sociais, assim como da luta pelo reconhecimento do discurso de ódio na rede. O autor fez uma análise discursiva dos sentidos produzidos por influenciadores digitais, páginas, canais de plataforma de vídeo, blogs, bem como perfis de usuários em redes sociais em todo o País.
“A tese visa fazer uma viagem panorâmica sobre a história da construção do que é a internet, ao passo que essa história é refeita. Eu faço diversas críticas e reflexões sobre os conceitos fundamentais nesse processo de desenvolvimento do que é a internet, do que são as redes sociais, assim como o que são as ‘plataformizações’ de redes sociais”, explica o autor.
“A partir disso, podemos entender como essas gramáticas sociais na internet são construídas, na construção daquilo que entendemos por luta pelo reconhecimento. As análises buscam, também, o entendimento daquilo que a gente compreende por discurso de ódio”, continua.
DISCURSO DE ÓDIO X LUTA PELO RECONHECIMENTO
Israel Pinheiro construiu o conceito “gramáticas sociais” a partir da noção de
“gramáticas morais”, concepção criada pelo filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth. Essas gramáticas são conjuntos de práticas de sentidos sociais utilizadas, historicamente, por determinado grupo. O autor usa o exemplo da prática de protestos nas ruas: “A gente não nasce com isso, mas aprende com o tempo, o que nos efetiva nessa realidade e diz quem nós somos”, afirma Honneth.
A pesquisa tem como foco principal a construção do discurso de ódio na internet, os agentes envolvidos e os meios em que se estabelecem. “A primeira preocupação da tese era entender como os processos homofóbicos, misóginos, sexistas e classistas se realizavam na internet e como essa luta por reconhecimento se faz nas redes sociais”, afirma o autor.
A luta por reconhecimento é uma teoria reformulada por Honneth a partir da influência do pensamento do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. “Hegel diz que a construção do indivíduo parte de três bases de relação: a família, o trabalho e o Estado. Já Honneth, reorganiza esse conceito a partir de outros conceitos: do amor, do trabalho e da solidariedade. Essa teoria atua no sentido de como os indivíduos se reconhecem na sociedade e, para ele, é por meio do conflito”, pontua o pesquisador.
Laboratório de ideias
A coordenadora do Laboratório de Sociais e Interdisciplinaridade na Amazônia/ PPGSCA, Marilene Corrêa, destaca que o laboratório de ideias amplia, aperfeiçoa, bem como aprofunda o repertório de pesquisas dos alunos que integram o programa de pós-graduação. De acordo com ela, a partir dos debates, os alunos adquirem a chamada “inteligência avançada”.
“A ideia dessa apresentação de teses é, inicialmente, mostrar para o aluno que já existe uma linhagem de pensamento desenvolvida naquela área e que ele pode se beneficiar, que ele não vai ter problemas de material, porque há outros autores. Mas, se ele for único, vai ver, com o exercício do laboratório, que pode dialogar com outros pesquisadores. Enquanto o aluno está no laboratório, ele tem um lugar para se desenvolver”, ressalta Corrêa.
Israel Pinheiro, professor doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e mestre em Sociedade, pela Ufam.
“A tese visa fazer uma viagem panorâmica sobre a história da construção do que é a internet, ao passo que essa história é refeita”
Crédito: Gettyimages 43 REVISTA CENARIUM
Crédito: Arquivo Pessoal
Lapidando campeãs M
Nova geração da ginástica amazonense sonha com futuro na Seleção Brasileira
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium
ANAUS (AM) – Trinta atletas da ginástica, que possuem entre 6 e 12 anos, treinam diariamente no Centro de Ginástica do Amazonas “Bianca Maia Mendonça”, na Vila Olímpica, bairro Dom Pedro,
Zona Centro-Oeste de Manaus. A nova geração do esporte no Amazonas é preparada para colocar o Estado, novamente, na Seleção Brasileira, assim como a ex-ginasta que dá nome ao espaço de treinamento.
O técnico André Rocha durante orientação a ginasta no aparelho de barras assimétricas
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Crédito: Adrisa De Góes | Revista Cenarium
Nas modalidades artística e rítmica, as crianças e adolescentes são moldados segundo as normas da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), numa estrutura capaz de sediar competições nacionais e internacionais, além de receber atletas de outros Estados para os treinos. Além disso, os técnicos que se dedicam à preparação dos atletas também buscam o aperfeiçoamento constante.
A técnica e coreógrafa da Art’s Gym Club, academia filiada à Federação Amazonense de Ginástica (FAG), Vitória Aguilero, afirma que o esporte no Amazonas aponta para uma crescente. À REVISTA CENARIUM, ela disse que sonha em ver novos talentos nos passos de Bianca Maia, ouro nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011, e medalha de bronze na Copa do Mundo de Ginástica, na Bielorrússia, em 2013.
“A gente está numa constância. O esporte está crescendo no Amazonas. A maioria das crianças que praticam, aqui, hoje, ainda está abaixo do nível que a seleção recruta. Entretanto, se a gente continuar assim, com a capacitação dos técnicos, com o aperfeiçoamento das ginastas, daqui a alguns anos, nós vamos ter atletas de Manaus na Seleção Brasileira, novamente”, ressaltou.
FORTALECIMENTO DO ESPORTE NO ESTADO
A CBG incentiva as atletas do Amazonas, por meio do projeto “Loterias Caixa”. Além disso, o Centro Bianca Maia também recebe apoio do Governo do Amazonas, por meio da Fundação Amazonas de Alto Rendimento (Faar).
Para o técnico da Art’s Gym Club, André Rocha, a massificação da ginástica, o fomento ao esporte e a inclusão social, além da capacitação profissional de professores e estagiários, são fundamentais para elevar o nível da ginástica amazonense.
“Hoje, a gente tem uma estrutura olímpica. Temos condições de ter ginastas que representem não só o Estado do Amazonas, como o Brasil, em uma futura Olimpíada e, também, em competições nacionais e internacionais”, disse.
INSCRIÇÕES PARA NOVOS TALENTOS
Novos atletas, que ainda vão iniciar na ginástica, devem procurar os clubes filiados à FAG, para começarem na categoria de base, processo de formação no qual ginastas são treinados conforme o nível de maturidade e habilidades. Uma dessas academias é a Art’s Gym Club, que prepara os alunos no Ginásio Luciano Soares de Souza, na Rua Amapá, Conjunto Eldorado, Zona Centro-Sul de Manaus.
O clube está com inscrições abertas para receber alunos para a prática da ginástica artística e ginástica rítmica voltadas para crianças de 6 a 9 anos. Para mais informações, os pais ou responsáveis interessados devem entrar em contato com o número (92) 98618-5712, em horário comercial.
“Hoje, a gente tem uma estrutura olímpica. Temos condições de ter ginastas que representem não só o Estado do Amazonas, como o Brasil, em uma futura Olimpíada e, também, em competições nacionais e internacionais”
André Rocha, técnico do Art’s Gym Club.
Sobre o clube
A academia Art’s Club é uma organização sem fins lucrativos que trabalha no propósito das mudanças sociais por meio da prática do esporte. Em menos de dois anos de existência, a Art’s Club conta com cerca de 50 atletas que despontam para bons resultados no Amazonas e fora do Estado.
O clube possui como principal objetivo o desenvolvimento de atividades que incentivem a prática desportiva, por meio da ginástica, em Manaus, com vistas à formação esportiva e cidadã, por meio das modalidades. As atividades desenvolvidas contemplam ações de participação em festivais e eventos específicos da modalidade esportiva, assim como em competições oficiais realizadas pela FAG e pela CBG.
Ginastas de 6 a 12 anos treinam no Centro de Ginástica do Amazonas ‘Bianca Maia Mendonça’, em Manaus
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Crédito: Adrisa De Góes | Revista Cenarium
Enquanto a situação é estável em Rondônia, o desemprego subiu em 16 Unidades da Federação, entre janeiro e março
Mais trabalhadores empregados
Rondônia teve a menor taxa de desemprego do Brasil no primeiro trimestre, diz IBGE
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que Rondônia ficou com a menor taxa de desemprego do País no primeiro trimestre de 2023. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad
Contínua), o índice de desocupação marcou 3,2%, colocando o Estado em posições melhores que Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, por exemplo, que também ficaram entre os menores indicadores.
Segundo a pesquisa, divulgada em 18 de maio deste ano, 61,7% dos trabalhadores de Rondônia ocuparam, durante os primeiros meses de 2023, os três principais segmentos de trabalho no Estado: comércio, setor agropecuário e administração pública.
O IBGE entrevistou 700 mil rondonienses empregados. A maioria trabalha
no setor privado: 64,3% fazem parte do setor privado; 37,3% são trabalhadores por conta própria; 28,1% são funcionários do setor público; 7,7% são empregados domésticos e 3,1% são empregadores.
Além de ter ficado com a menor taxa de desemprego, Rondônia se destaca pela maior proporção de pessoas que trabalham por conta própria: quase 40% da população ocupada. O percentual é maior que a média nacional, que é de 25,8% das pessoas que têm trabalho.
Já o Amazonas tem 32,5% e o Amapá, 32,3% das pessoas com ocupação por conta própria. Distrito Federal, Tocantins
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Crédito: Ricardo Oliveira
e Mato Grosso do Sul, com 20,7%, 21,3% e 22,3%, respectivamente, têm as menores taxas desse recorte.
NO BRASIL
Enquanto a situação é estável em Rondônia, o desemprego subiu em 16 Unidades da Federação (UFs), entre janeiro e março, e a média nacional aponta para uma alta de 8,8% em todo o Brasil, em comparação com o último trimestre de 2022.
Ainda assim, foi o menor nível para os primeiros três meses do ano, desde 2015, quando a taxa foi de 8%. Já Bahia e Pernambuco registram os maiores percentuais de desocupação, com 14,4% e 14,1%, respectivamente.
A Pnad considera tanto os dados do mercado de trabalho formal quanto do informal para chegar aos resultados. Desde o início do ano, o desemprego já afetou, pelo menos, 9 milhões de pessoas. A desocupação cresceu em 16 das 27 Unidades da Federação e se manteve estável em 11.
O próprio IBGE pondera que, historicamente, a desocupação tende a aumentar a partir de janeiro, visto que a busca por vagas de emprego é maior nessa época, por conta do término de contratos de trabalho temporários firmados no fim do ano.
SITUAÇÃO NA AMAZÔNIA
O IBGE considera a situação estável em todos os Estados que compreendem o território da Amazônia Legal. Entre as nove Unidades da região, Amapá foi a que mais registrou desemprego desde janeiro: 12,2%.
Amazonas e Maranhão ficaram com o segundo e terceiro percentuais mais elevados: 10,5% e 9,9%, respectivamente. Já Rondônia, Mato Grosso e Roraima tiveram os menores. No entanto, o Pará foi o que mais apresentou informalidade.
Fora do Norte brasileiro, o Nordeste foi a região que mais sofreu com a desocupação, que está em 12,2%. O Nordeste tem sete Estados, entre os dez do País com o desemprego mais elevado. Já a Região Sul ficou com 5%, o menor indicador da pesquisa.
TAXA DE DESEMPREGO NA AMAZÔNIA LEGAL, EM %
Amapá 12,2 Estável Amazonas 10,5 Estável Maranhão 9,9 Em alta Pará 9,8 Em alta Acre 9,8 Estável Tocantins 6,9 Em alta Roraima 6,8 Em alta Mato Grosso 4,5 Em alta Rondônia 3,2 Estável Fonte: IBGE TAXA DE DESEMPREGO, EM % UF 1º tri. 2023 Situação Bahia 14,4 Estável Pernambuco 14,1 Em alta Amapá 12,2 Estável Rio Grande do Norte 12,1 Em alta Distrito Federal 12 Em alta Sergipe 11,9 Estável Rio de Janeiro 11,6 Estável Piauí 11,1 Em alta Paraíba 11,1 Estável Alagoas 10,6 Em alta Amazonas 10,5 Estável Maranhão 9,9 Em alta Pará 9,8 Em alta Acre 9,8 Estável Ceará 9,6 Em alta Brasil 8,8 Em alta São Paulo 8,5 Em alta Espírito Santo 7 Estável Tocantins 6,9 Em alta Roraima 6,8 Em alta Minas Gerias 6,8 Em alta Goiás 6,7 Estável Rio Grande do Sul 5,4 Em alta Paraná 5,4 Estável Mato Grosso do Sul 4,8 Em alta Mato Grosso 4,5 Em alta Santa Catarina 3,8 Em alta Rondônia 3,2 Estável Fonte: IBGE 47 REVISTA CENARIUM
Bruno e Dom: 1 ano e ‘nada mudou’
Fala é de assessor jurídico da União dos Povos do Vale do Javari, que acompanha a insegurança na região um ano após os assassinatos do indigenista brasileiro e do jornalista britânico
MANAUS (AM) – Completando um ano no dia 5 de junho deste ano, os assassinatos do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira, 41, e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, 57, na Terra Indígena Vale do Javari, colocaram holofotes sobre os problemas de segurança na fronteira: pesca ilegal, narcotráfico e ameaça a indígenas são alguns dos pontos críticos da teia de insegurança que não cessou, desde que o crime ganhou as manchetes nacionais e internacionais.
Dom e Bruno desapareceram no dia 5 de junho de 2022, no caminho entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte (distante 1.136 quilômetros da capital do Amazonas, Manaus). À época, a União dos Povos
Indígenas do Vale do Javari (Univaja) emitiu uma nota solicitando ajuda nas buscas.
Um ano após o crime, a Justiça Federal julga o envolvimento de quatro pessoas nos assassinatos, são eles: Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”; Oseney da Costa Oliveira; Jefferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha” e Ruben Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, apontado como mandante dos assassinatos e fornecedor das armas e embarcação, para que “Pelado”, Oseney e Jefferson executassem o plano.
Na época, a edição de junho da REVISTA CENARIUM trouxe como destaque reportagens a respeito da insegurança para ativistas ambientais e dos povos indígenas na Amazônia a partir dos assassinatos de Dom e Bruno, relembrando os crimes contra
outros nomes importantes do movimento, como Dorothy Stang, Chico Mendes, José Claudio e Maria do Espírito Santo.
Em 2023, lideranças indígenas da região e representantes da Univaja seguem relatando que nada mudou a respeito da segurança na região. O assessor jurídico da Univaja, Eliesio Marubo, conta que, mesmo com a troca de governo, após a saída de Jair Bolsonaro (PL) da Presidência da República e com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), sob o comando de Sonia Guajajara, nenhum dos trabalhos propostos foi colocado em prática.
“Nós queremos dizer que nada mudou. O Vale do Javari continua à mercê do crime organizado. Embora nós tenhamos
Bruno Pereira era ativista da causa indígena; Capa da Revista Cenarium, edição de junho de 2022; Jornalista britânico Dom Phillips, em 2019
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
Crédito: João Laet Afp Reprodução
Crédito: Capa Cenarium Junho 2022
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Crédito: Reprodução Acervo Pessoal
realizado um planejamento com o novo governo indicando possibilidade de atuação de cada atividade. Ainda nos cem primeiros dias de governo que se iniciou, infelizmente, não tivemos qualquer resposta nesse sentido”, afirma.
Desde que os assassinatos aconteceram, lideranças indígenas seguem sendo ameaçadas e coagidas na região. Embarcações roubadas, sequestro, invasão de aldeias e conflitos continuam fazendo parte da rotina de quem vive no Vale do Javari. Além disso, os povos da região ainda precisam lidar com a fome e a falta de assistência.
“Nós não temos, por parte do sistema brasileiro, a indicação de que as investigações prosseguem no sentido de desmantelar esse crime organizado que atua na região. Crime organizado que tem se alastrado por muitas áreas da sociedade. Na política, no comércio, entre tantas outras áreas que precisam, de fato, de uma atuação efetiva das autoridades. A atual situação continua assim como estava no momento da morte de Dom e Bruno”, revela o assessor jurídico.
COMPROMISSO
Em fevereiro de 2023, representantes do governo federal estiveram no Vale do Javari, em reunião na sede da Univaja, para ouvir os líderes de cada etnia sobre os problemas da região e assinaram uma carta de compromisso para atender às demandas.
No documento entregue aos representantes, a Univaja pedia novos concursos para policiais na região, reforma na base operacional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que está, atualmente, desativada em Atalaia do Norte, por estar próximo a um barranco que cedeu, reforço na segurança dos ambien-
talistas e indígenas, e fiscalização contínua e monitoramento avançado dos indígenas isolados.
“Que nós possamos trazer políticas públicas eficazes em outras áreas, para que as pessoas tenham alternativa de não se envolver com o crime organizado e continuar produzindo o mal que nos tem causado tantos danos, sobretudo com perdas irreparáveis, como a morte do Dom e do Bruno, do Maxwell e tantas pessoas que seguem ameaçadas na atualidade”, pontua Eliesio.
Um mês após o encontro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Polícia Federal (PF), sob comando do novo superintendente Umberto Ramos, instalou a Base Nova Era, visando intensificar a segurança na região. Porém, segundo Eliesio Marubo, as reivindicações dos povos do Javari perpassam a atuação ostensiva e precisam ser mais inteligentes e eficazes para a proteção. “Nossa gente precisa de proteção, nossa gente precisa de políticas públicas eficazes que possam, de fato, minimizar todos os impactos que o crime organizado produziu na nossa região”, ressalta.
O encontro foi inédito na região, segundo o articulador da Univaja, Beto Marubo. “Eles vieram convidados pelas lideranças indígenas. A presença de uma
delegação desse tamanho, convidada por indígenas, nunca aconteceu antes”. A última visita ministerial, em Atalaia do Norte, aconteceu em 2006, quando o então ministro do Trabalho esteve na cidade a convite do prefeito, à época, que não tinha ligação com a pauta indígena.
Na reunião, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, anunciou o fim do processo contra o indigenista Bruno Pereira. “Quem deveria estar aqui era o ex-presidente da Funai, assinando o arquivamento (do processo contra o Bruno), mas a gente está aqui para assinar”, disse a presidente da Funai.
Bruno era coordenador dos povos indígenas isolados da Funai e foi afastado, em 2019. O indigenista foi exonerado, após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros das Terras Indígenas.
Univaja
No dia 5 de junho, foram realizadas diversas mobilizações em Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), Campinas (SP), Belém (PA), Atalaia do Norte (AM), Londres e Salvador (BA), em diferentes horários, com rituais, debates e homenagens por um ano sem Dom e Bruno.
“Nós queremos dizer que nada mudou. O Vale do Javari continua à mercê do crime organizado”
Eliesio Marubo, assessor jurídico da Univaja.
Termo final da proposta assinada por lideranças e representantes do governo entregue à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara
51 REVISTA CENARIUM
Crédito: Ricardo Oliveira
Operação em terras Yanomami
Ibama destrói 327 acampamentos e confisca estrutura do garimpo ilegal na TI Yanomami
BOA VISTA (RR) – Em três meses de operação contra garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami (TIY), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) destruiu 327 acampamentos, juntamente com 24 aeronaves, 26 balsas e 24 embarcações ilegais. O balanço das ações que resultaram em grandes destruições e confiscação da estrutura encontrada foi divulgado no dia 16 de maio.
Segundo o Ibama, os dados são baseados neste período de intensa operação,
que também resultou em apreensões e destruições de equipamentos. Durante esse processo, foram destruídos 230 motores e 74 geradores de energia, os quais são fundamentais para a prática da mineração ilegal.
As ações na TI Yanomami também levaram à apreensão de geradores de energia, modens de internet via satélite, celulares, uma tonelada de alimentos, equipamentos de extração de minérios, motosserras, mercúrio e armas. Além disso, o órgão apreendeu 26,9 mil litros de combustíveis,
Bianca Diniz – Da Revista Cenarium
Agente do Ibama e da PF durante operação em terras Yanomami
Aeronave usada por garimpeiros ilegais em território Yanomami é destruída
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Crédito: Divulgação IBAMA
35.572 toneladas de cassiterita, 754 gramas de ouro e R$ 10 mil em espécie.
OPERAÇÕES NA REGIÃO
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Federal (PF), mais duas operações de combate aos garimpeiros ilegais seguem em pleno andamento na região Yanomami. A primeira, deflagrada pelo Ibama, em 6 de fevereiro, e a segunda, denominada “Libertação”, liderada pela Polícia Federal, iniciada em 10 de fevereiro.
Desde o início da operação “Libertação”, 43 indivíduos foram presos, sendo 34 em flagrante delito. Para a PF, a incansável atuação no território indígena resultou
em avanços significativos no combate ao garimpo ilegal. Além das prisões, uma série de itens foram apreendidos: 124 aparelhos celulares, duas aeronaves, oito embarcações, 19 armas de fogo, mais de 6,5 mil litros de combustíveis, incluindo gasolina e óleo diesel.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) tomou medidas adicionais para fortalecer as operações de garantia da ordem e proteção da Terra Indígena Yanomami (TIY). No mês de abril, o ministro Flávio Dino decidiu enviar mais agentes da Força Nacional, com o objetivo de reforçar o trabalho da Polícia Federal (PF) por um período de 90 dias, conforme estabelecido em portaria específica.
24 aeronaves
O Ibama apreendeu 24 aeronaves, 26 balsas e 24 embarcações ilegais.
35.572 toneladas de cassiterita
Foram apreendidos 26,9 mil litros de combustíveis, 35.572 toneladas de cassiterita, 754 gramas de ouro e R$ 10 mil em espécie.
230 motores
Foram destruídos 230 motores e 74 geradores de energia.
REVISTA CENARIUM 53
Crédito: Divulgação IBAMA
Na clandestinidade
Amazônia, Mato Grosso e Pará lideram em pistas de pouso clandestinas, aponta estudo
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Os Estados do Pará e Mato Grosso são os recordistas em pistas de pouso clandestinas entre os nove Estados que compõem a Amazônia Legal, aponta estudo do MapBiomas. Ao todo, são 1.062 pistas no Mato Grosso e 883 no Pará, todas operadas em favor do garimpo ilegal. Na sequência, vem Roraima, com 218, e Tocantins, com 205. Todas as pistas foram identificadas
em Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC).
Apesar de estar em segundo lugar no número de pistas, o Estado do Pará detém os quatro municípios com mais pistas de pouso: Itaituba, que lidera a emissão de ouro ilegal, no Brasil, com 81%, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em cooperação com o MPF, e detém 255 pistas; São Félix Do
Xingu, com 86; Altamira, com 83; e Jacareacanga, com 53 pistas, respectivamente.
De acordo com Cesar Diniz, doutor em Geologia e coordenador técnico do mapeamento da mineração no MapBiomas, o estudo é uma contribuição para que o poder público brasileiro possa combater o crime praticado na floresta. “Esta base de dados, pública e gratuita, de localização das pistas de pouso, sejam elas legais
Aeronaves em pista de pouso clandestina sendo destruídas em operação do Ibama
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ou ilegais, dentro de toda a extensão do bioma Amazônico, visa auxiliar no trabalho de acabar com as pistas clandestinas e o garimpo ilegal”, observou.
TIS E UCS
Entre as terras indígenas mais visadas pelo garimpo estão a Kayapó, na qual 11.542 hectares foram tomados pelo garimpo até 2021, seguida pelo território Munduruku, com 4.743 hectares e a terra Yanomami, com 1.556 hectares. Quando o assunto são as pistas de pouso, as Terras Yanomami ocupam o primeiro lugar, com 75 pistas. Em seguida, vem a Raposa Serra do Sol, com 58. A área Kayapó possui 26, a Terra Indígena Munduruku, 21, e o Parque do Xingu, 21.
Já as Unidades de Conservação mais atingidas são a Área de Proteção Ambiental
(APA) do Tapajós, com 156 pistas, a Floresta Nacional (Flona) do Amaná, com 53, a APA Triunfo do Xingu, com 47 e a Floresta Estadual do Paru, com 30.
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o antropólogo Alvatir Carolino comentou sobre o avanço nas TIs e UCs: “O garimpo ilegal avança sobre as Terras Indígenas e Unidades de Conservação porque eles não encontram os mesmos obstáculos que encontram em terras privadas”, observou.
Carolino continuou a análise: “Os grandes proprietários, os grandes latifundiários de terra, possuem aparatos de defesa, mecanismos muito eficazes de monitoramento de suas propriedades e estão com estruturas dentro das organizações públicas de poder e não permitem empreitadas de atividades criminosas em suas terras. Além disso, o País passou por quatro anos de desmonte dos órgãos de controle e fiscalização, como Funai, Ibama e Polícia Federal, isso permitiu a invasão das terras indígenas por múltiplos motivos e não só pelo garimpo”, avaliou.
Mesmo com o cenário catastrófico, Alvatir diz que a situação ganha contornos
O processo de extração do ouro é agressivo e tóxico tanto para a natureza quanto para os povos que habitam as regiões ocupadas pela atividade
de solução: “Mesmo com a atuação dos capitais de um submundo das relações econômicas, vemos que quando os órgãos de Estado funcionam de forma organizada e com um propósito proativo à sociedade, essas circunstâncias tendem a diminuir e a se tornar fatos isolados”, explica o antropólogo que complementa:
“Já estamos tendo um resultado que tem um significado, a união das forças do Estado para desarmar o garimpo. Essas mesmas forças, há meses atrás, eram copartícipes desses processos porque elas não agiam. Agora, temos princípios políticos pró-sociedade”, finalizou.
“O garimpo ilegal avança sobre as Terras Indígenas e Unidades de Conservação porque eles não encontram os mesmos obstáculos que encontram em terras privadas”
Alvatir Carolino, antropólogo.
Crédito: Divulgação Ibama | Fotos Públicas
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Crédito: Ricardo Oliveira
‘Não somos os estereótipos que pensam’
Ator amazonense celebra participação indígena em Cannes
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O ator amazonense Adanilo Reis da Costa, 32, cujo nome artístico é Adanilo, definiu a passagem pelo Festival de Cannes 2023, na França, como um marco grandioso para a carreira e para os povos da Amazônia. Com exclusividade à REVISTA CENARIUM, ele destacou, em entrevista concedida no dia 21 de maio deste ano, a representatividade de atores e atrizes indígenas no maior festival de cinema do mundo.
No Festival de Cannes, o artista, que é natural de Manaus, participou do lança-
mento do filme “Eureka”, no qual é um dos protagonistas da trama, que tem no elenco nomes como Viggo Mortensen (“O Senhor dos Anéis” e “Green Book”) e Chiara Mastroianni (“Persépolis“). A produção, que contempla Argentina, Estados Unidos, México e Portugal, é dirigida pelo argentino Lisandro Alonso.
“Ter uma pessoa indígena sendo um dos protagonistas do filme a estrear em Cannes é magnífico. Nós, indígenas, não somos os estereótipos que buscam pensar sobre a gente. Nós estamos em todos os espaços, ocupamos todas as profissões, todos os
Lideranças indígenas
Lideranças indígenas também passaram pelo tapete vermelho do Festival de Cannes, como o cacique Raoni, para o lançamento do filme “Raoni: uma amizade improvável”, produzido pelo cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux. O líder cumpriu, ainda, agenda por sete países, de 11 de maio a 14 de junho, em campanha internacional organizada pela associação ambiental franco-brasileira Floresta Virgem.
Acompanham o cacique nas viagens líderes indígenas Watatakalu, Tapi e Bomoro, num movimento que visa exaltar a luta indígena fora do Brasil, a fim de conquistar apoio e proteção aos territórios indígenas do País.
“A gente sabe que trazer esse assunto da luta indígena, da proteção dos nossos territórios, da proteção da floresta é importante para o mundo de fora, principalmente aqui na Europa, porque a gente sabe que é daqui que precisamos dos apoios”, afirmou a chefe Watatakalu, em entrevista à Rádio França Internacional.
Adanilo e elenco de “Eureka”, no tapete vermelho do Festival de Cannes 2023
Ator amazonense Adanilo, no Festival de Cinema de Cannes, na França
Crédito: Daniele Venturelli | Getty Images 56 www.revistacenarium.com.br ENTRETENIMENTO & CULTURA
lugares possíveis, e sempre estivemos nesses lugares. Na verdade, estaremos sempre, pois o Brasil é terra indígena”, afirmou.
Adanilo ressalta, também, que o momento é significativo para os indígenas, pois espaços como o ocupado por ele, por diversas vezes, são negados aos povos originários, mas comumente ocupados por pessoas não indígenas. “A gente tem conquistado espaço dento do mercado audiovisual brasileiro, não só eu, como outros grandes atores e atrizes indígenas, não só do Amazonas, mas do Brasil inteiro”, complementa.
PARTICIPAÇÕES EM OBRAS
Além de ator, Adanilo é dramaturgo e diretor de cinema e teatro. Durante a carreira, já atuou nos longas “Marighella”, de Wagner Moura; “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho; “Eureka”, de Lisandro Alonso; “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi; “O Rio do Desejo”, de Sérgio Machado e “Ricos de Amor 2”, de Bruno Garotti.
O artista amazonense faz parte do elenco das séries “Segunda Chamada”, da Globo, dirigida por Joana Jabace; “Dom”,
da Prime Vídeo, dirigida por Breno Silveira; “Cidade Invisível”, série original Netflix, comandada por Carlos Saldanha, e “Um Dia Qualquer”, com direção de Pedro Von Kruger, para o streaming HBO+.
ORIGEM E TRABALHO
Adanilo é descendente de povos originários das regiões do Baixo Solimões e do Baixo Tapajós, entre o Amazonas e Pará. Ele tem formação técnica em Rádio e TV, e estudou na Escola Técnica de Teatro (Etet) Martins Penna, no Rio de Janeiro (RJ).
Em 2012, o artista foi sócio-fundador da Artrupe Produções, junto a outros artistas, produzindo trabalhos como ator, dramaturgo e diretor. Em 2014, veio a primeira atuação no audiovisual, no curta-metragem “A Menina do Guarda-Chuva”, e, no ano seguinte, atuou em “Aquela Estrada”, ambos com direção de Rafael Ramos.
O ator atuou também em “O Tempo Passa”, de Diego Bauer. A participação na elogiada peça “A Casa de Inverno” registrada em “Formas de Voltar Para Casa” acabou sendo o último trabalho dele junto ao grupo amazonense.
“Nós, indígenas, não somos os estereótipos que buscam pensar sobre a gente. Nós estamos em todos os espaços, ocupamos todas as profissões, todos os lugares possíveis, e sempre estivemos nesses lugares”
Adanilo Reis da Costa, ator.
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Crédito: Daniele Venturelli | Getty Images
Construindo instrumentos e sonhos
MANAUS (AM) – Unindo a arte de produzir instrumentos musicais, marchetaria a conceitos sobre teoria musical, a Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), localizada no conjunto São Cristóvão, bairro Zumbi 2, na Zona Leste de Manaus, forma jovens e adultos para a profissão de luthier. Fundada em 1998, pelo luthier e músico Rubens Gomes, conhecido como mestre Rubão, a escola já formou mais de 2.300 alunos para empreender e trabalhar na fabricação, conserto ou capacitação de outros luthiers.
refletiu que trazer esse significado para as peças não estava certo”, relata. Desde então, todas as madeiras são retiradas de floresta certificada.
O jovem músico Alexandre Vieira, 24, que percorre mais de 24 quilômetros todos os dias para aprender o ofício de luthier, é um dos apaixonados por música que frequenta a escola. Morando na comunidade indígena Parque das Tribos, no bairro Tarumã-Açu, Zona Oeste de Manaus, Alexandre acorda todos os dias às 4h30, para conseguir chegar à sede da instituição.
‘Lutheria social’: escola ensina arte de fabricação de instrumentos para comunidade da periferia de Manaus
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
dedicado e corri atrás. A Oela mudou muito a minha vida”, relata, ao lembrar que também encontrou acolhimento.
“A equipe me acolheu aqui, me tratou como filho, e eu acho que é isso. A Oela é essa mãe que abraça todo mundo, que acolhe e te faz querer ser alguém melhor”, reflete o jovem, que se espelha nos amigos já formados e quer abrir seu próprio ateliê.
Alexandre conta que mora sozinho, desde os 17 anos, e já passou por vários
“Luthier é uma profissão muito rara, antigamente passada de pai para filho, e hoje é um mercado que a gente vê uma demanda de muito músico, mas pouco luthier. É como se tivesse uma demanda de muitos carros, mas poucos mecânicos”
Renato Montalvão, responsável pelo curso de luthier da Escola de Lutheria da Amazônia (Oela).
A instituição oferece cursos com duração de dez meses a um ano, que incluem a confecção de instrumentos, a partir de madeiras doadas de manejo florestal, auxiliando na educação ambiental dos estudantes, sendo uma das primeiras escolas de lutheria a ter certificado para produção de instrumentos no mundo, segundo o consultor da Oela Diego Freitas.
“Nos primeiros anos da Oela, a gente recebia madeira de apreensões do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e da Polícia Ambiental, mas, com o tempo, esse tipo de doação deixou de fazer sentido para a gente, porque muitas dessas madeiras utilizam trabalho escravo, e a gente
ofícios, até se encontrar na lutheria. “Eu já trabalhei em muita coisa. Saí de casa muito cedo e precisei me virar. Já fui de flanelinha a padeiro, mas sempre tive essa paixão pela música. Foi quando, um dia, andando pelo Centro da cidade, descobri o ateliê do luthier Evaldo Castro, que também foi formado na Oela. Ele me falou sobre o curso e fiquei um ano tentando entrar, mas não tinha vaga”, conta.
“Além de aprender tudo sobre esse universo de montagem e conserto de instrumentos, também consigo aqui aprender a ter uma visão diferente do que quero para a minha vida. Eu sempre fui muito
O amor pela música é algo compartilhado entre os estudantes do curso. Como, por exemplo, Vinicius do Carmo, 19, graduando do curso de Música, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), focado no gênero erudito e que faz o curso de luthier, na Oela.
“Senti que o meu interesse pela música passava da vontade de ser apenas mestre no instrumento e foi isso que me impulsionou a procurar a Oela, para ser mestre na construção também. Hoje em dia, tem muitos músicos que não entendem sobre a anatomia do próprio instrumento. Então, o meu interesse veio de unir essas duas partes”, conta.
Vinicius descobriu a existência da Oela em 2020, por meio de uma matéria jornalística na televisão sobre o falecimento do mestre Rubão, ocorrido em maio daquele ano, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Ele conta que, antes mesmo de entrar na Oela, já tinha aprendido em casa a construir, de forma bem amadora, instrumentos de percussão, capoeira e samba.
“Com esse curso, consigo aprimorar minha visão, expandir minha mente. Quando terminar o curso, planejo formar minha oficina e passar o conhecimento adiante, assim como nossos mestres fazem,
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Oficina de produção de instrumentos da Oela, em Manaus
Vinicius do Carmo, 19, aluno de lutheria da Oela
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e quem sabe viver a partir da construção dos meus instrumentos. O ofício de luthier é muito importante, porque ele sabe exatamente o que o músico precisa e consegue passar isso para o instrumento”, diz.
Vinícius também precisa vir de muito longe, para chegar à instituição. O jovem mora no bairro Cidade Nova, localizado na Zona Norte de Manaus. “Acordo 6h30, às vezes 5h, pego dois ônibus para vir para
cá e conseguir chegar às 8h. E isso é amor mesmo à música. Quero estar aqui”, relata.
Para ele, muitas possibilidades são abertas a partir do curso de lutheria, principalmente por se tratar de um curso adaptado e com a visão daqueles que defendem a Amazônia e conhecem os limites e as dificuldades. “Acredito que a Oela está abrindo possibilidades que eu nunca nem imaginei que eu teria tão cedo, coisas que
O projeto
Conforme a coordenadora de projetos da Oela, Vanessa Praia, esse curso, sendo apenas um da grade oferecida gratuitamente pela instituição, abrange os três pilares que regem a organização. “Temos três pontos centrais que trabalhamos na Oela, que são: a educação, políticas públicas e a geração de emprego e renda, com ações voltadas a ensinar o público jovem e adulto em diversas atividades, colaborando também para a retirada desses jovens das ruas e da marginalidade, foi pensando nisso que a Oela foi criada e é com esse pensamento que continuamos trabalhando”, diz.
A Oficina Escola de Lutheria da Amazônia é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, que desenvolve ações de educação para sociedades sustentáveis, de cunho participativo, de educação popular cidadã e socioambiental. Além da escola de lutheria, a instituição desenvolve atividades relacionadas à música, arte, esporte, educação ambiental, qualificação profissional, atendimento psicossocial, protocolos comunitários, além de participações importantes em espaços de efetivação de políticas públicas na área da infância, adolescência, meio ambiente e povos, e comunidades tradicionais.
passaria dez anos ou mais para conseguir e eu já vou sair daqui capacitado, assim como o mestre Rubão e até nosso instrutor Renato, que foi aluno da primeira turma, em 1998”, avalia.
TRANSFORMAÇÃO
Renato Montalvão, 39, aluno formado na primeira turma da Oela, possui ateliê próprio e cuida do curso de lutheria na instituição. Historicamente, segundo ele, o ofício era passado de pai para filho, mas, com a industrialização, a formação de luthier foi ficando cada vez mais escassa, apesar da alta demanda, que acaba concentrando as compras em produtos internacionais.
“Luthier é uma profissão muito rara, antigamente passada de pai para filho, e hoje é um mercado que a gente vê uma demanda de muito músico, mas pouco luthier. É como se tivesse uma demanda de muitos carros, mas poucos mecânicos”, conta.
Ele lembra que, de início, quando soube do curso na Oela, o interesse principal era aprender a tocar instrumentos, mas, conforme o tempo passou, a paixão pela lutheria falou mais alto. “Acabei me identificando muito mais com a técnica
O curso de luthier da Oela ensina a confecção de peças musicais a partir de madeiras amazônicas
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Crédito: Ricardo Oliveira
na lutheria. Passei muito tempo dando aula aqui na oficina, depois viajei com a Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância], passei conhecimento para outros Estados e voltei para casa [Manaus]”, conta.
“A gente tem aqui outros luthiers que se formaram aqui em Manaus, outros que agora trabalham no Rio de Janeiro, Acre, Rio Grande do Sul e outros Estados, que possuem seu próprio ateliê ou trabalham na manutenção em lojas de instrumentos”, explica.
O processo é completamente artesanal, voltado à produção das peças a partir de poucas ferramentas, com o que o mercado da marcenaria oferece. “Em Manaus, ainda é muito escassa a venda de ferramenta específica para luthier. Então, o curso é voltado para se trabalhar artesanalmente, sem muito maquinário, possibilitando exercer a profissão a partir de qualquer ferramenta ou produtos na marcenaria”, explica. “São adaptações feitas para poder garantir o acesso à profissão, para que eles possam montar seu ateliê em casa, com poucas ferramentas”, afirma o instrutor.
VISITAS
Montalvão conta que apesar de não ser uma profissão popular, a lutheria se destaca por trazer originalidade aos produtos musicais. “A principal diferença de um instrumento feito por um luthier é a questão da exclusividade da peça e como ela pode ser personalizada para o gosto de cada cliente, a partir da sonoridade que ela vai transmitir”, diz.
“O instrumento é feito sob medida. E aqui, no caso, além da matéria-prima ter esse valor agregado por ser da Amazônia e de manejo florestal, nós temos a diferença do industrial concebido a partir de lâminas compensadas, que não diferem o som”, explica.
É com essa originalidade que a Oela já presenteou e vendeu instrumentos para diversos artistas, influenciadores e políticos, como, por exemplo, o – atual – Rei Charles III, da Inglaterra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os cantores Milton Nascimento e Lenine.
Incentivo à ocupação
A busca por uma profissão, que leva muitos jovens à Oela, mesmo que fora dos padrões de formalidade, tem se destacado no Estado. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em maio, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a informalidade no Amazonas é a segunda maior do País, chegando a 57,2%, no 1º trimestre de 2023.
A capital do Amazonas, Manaus, possui a terceira pior taxa de desocupação, aponta a Pnad Contínua, atingindo 12,8%, no 1º trimestre de 2023. Em números absolutos, o Estado apresentou 200 mil pessoas desocupadas; sendo 154 mil, na região metropolitana; e 144 mil, considerando somente a capital.
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De Stonewall à Câmara Municipal de Manaus
Projeto de Lei municipal exclui pessoas transgênero de competições esportivas realizadas na cidade
MANAUS (AM) – Junho é o mês do Orgulho LGBTQIAP+, em uma alusão aos protestos desencadeados por uma ação policial truculenta ocorrida no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque (EUA), estabelecimento conhecido por ter membros desta comunidade como seus fiéis frequentadores. O fato ocorreu em 28 de junho de 1969, a partir da violência de representantes do estado, no caso, a polícia estadunidense.
Mas como fatos históricos servem para analisarmos o presente, o quanto evoluímos ou retrocedemos como humanidade,
precisamos pensar como a mão do Estado continua violentando (de forma física e simbólica) corpos dissidentes da cisheteronormatividade. E, dentre todas as violências que a população LGBTQIAP+ sofre no Brasil, uma que sempre me chamou atenção, em específico, é a perpetrada contra as pessoas trans.
O Brasil é o país onde pessoas trans mais morrem de forma violenta e esse pódio vergonhoso existe há mais de uma década. São mortes que, em geral, se verifica na ação do agente, o grau de ódio deste em relação ao que a vítima repre-
senta: um corpo que foge à binariedade imposta pela sociedade; porque gênero é uma construção social.
Mas, o que eu gostaria de ressaltar neste texto não são as violências físicas, mas aquelas que ferem a dignidade humana, afetam a plenitude do existir e que envolvem representantes do Estado (tal qual em StoneWall). No caso, envolvem membros do Poder Legislativo de Manaus. Em maio, um vereador de vários mandatos, deu entrada em um projeto de lei que “estabelece o sexo biológico como critério exclusivo para a definição do gênero em
Proposta de lei “estabelece o sexo biológico como critério exclusivo para a definição do gênero em regulamentos de competições esportivas realizadas no âmbito do município”
Luciana Santos – Especial para Revista Cenarium**
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Crédito: Reprodução Internet
Luciana Santos, jornalista e advogada.
regulamentos de competições esportivas realizadas no âmbito do município”, determinando que o sexo biológico será o critério definidor nos regulamentos de competições que recebam verbas públicas.
O documento especifica em seu artigo 2º que “é vedada a participação de atletas transgêneros em categorias que não correspondam à identificação de sexo atribuída no nascimento”. O projeto surge após um outro vereador ter levantado, no mês de março, a defesa da mesma narrativa, que foi seguida e exaltada por outros membros do parlamento (basta assistir à sessão do dia 21/03/2023, disponível no canal do YouTube da Casa).
Não uso o termo construção de narrativa à toa, porque a mesma “polêmica”, com direito a falas lgbtfóbicas, vem sendo levantada em outras casas parlamentares país afora. E sempre pelo mesmo perfil majoritário: homens, “conservadores” (termo problemático que rende um novo texto, por isso o uso das aspas) e que se identificam como heterossexuais. Em comum, o argumento de que estariam preservando o direito das mulheres cis (ou “mulheres legítimas”, como alguns, de forma preconceituosa, definem), pois estas teriam uma séria desvantagem ao competirem com mulheres trans. Dados científicos para sustentarem tais argumentos? Nenhum. Não há dados concretos nos discursos proferidos, tampouco no projeto em tramitação supracitado.
O documento traz em sua justificativa que o “objetivo desta Lei é manter o nível de competitividade sadia e equitativa nas competições esportivas”; que “um movimento ativista e, muitas vezes, político-partidário, baseado na chamada ‘ideologia de gênero’, tem utilizado o esporte para levantar bandeiras ideológicas e promover discussões sobre temas sensíveis”; que “Tal movimento defende, sem quaisquer comprovações científicas, que o indivíduo não nasce homem ou
mulher, e que essa definição ocorre conforme a identificação de cada um”; e que “mesmo que um homem tenha passado por cirurgias e terapias hormonais para ganhar características femininas, muitas dessas vantagens permanecem”.
Ao ler o documento, vieram-me as seguintes reflexões: E a comprovação científica, que eles ressaltam no texto, cadê? Serve só para os tais ativistas levantadores de bandeiras ideológicas? Quem está levantando bandeiras ideológicas ao privar, sem comprovação científica, a população trans de competir nas categorias
para responder a essas perguntas, porque o ambiente do esporte, assim como outros em nossa sociedade, ainda é hostil às pessoas trans. Elas não estão inseridas como seria o normal para qualquer sujeito detentor de direitos.
E, antes que me acusem de também não estar apontando nenhuma pesquisa que vá de encontro à justificativa do projeto e ao argumento daqueles que o defendem, o Centro de Pesquisa pela Equidade de Gênero no Esporte do Canadá apresentou o relatório “Atletas transexuais e esportes de elite: Uma revisão Científica”, em que analisou estudos sobre o tema publicados no período de 2011 a 2021, englobando pesquisas nas áreas biomédicas e socioculturais. No documento, os pesquisadores afirmam que, do ponto de vista biomédico, não há evidências robustas de que existiria a tal vantagem de mulheres trans em relação às cis por conta dos hormônios e
Luciana Santos, jornalista e advogada. esportivas segundo o sexo com o qual se reconhecem? A que ou quem interessa essa narrativa?
Parece que para os verdadeiros defensores da “ideologia de gênero”, conceito que não existe, mas que se consagrou como narrativa de um determinado grupo “conservador”, tal requisito (ciência) não seria uma exigência para dar subsídio a um projeto que impacta a vida de tantas pessoas já expostas a uma situação de vulnerabilidade em decorrência de preconceitos e estigmas.
Podemos questionar ainda aos defensores da fragilidade da mulher cis alguns pontos: Quantas pessoas trans estão no topo do esporte? Qual lugar elas ocupam no ranking? Possuem altos patrocínios e investimentos na sua preparação física? Quantas pessoas trans você conhece que estão disputando em categorias profissionais? Provavelmente, você que lê esse texto, assim como eu, teve dificuldade
força muscular. Já no aspecto sociocultural, a pesquisa aponta que fatores sociais contribuem mais para o desempenho no esporte do que o nível de testosterona, e que avaliar os níveis desse hormônio para excluir mulheres trans é perpetuar a longa história de policiamento dos corpos das mulheres no esporte.
Por fim, gostaria de lembrar que o combate à lgbtfobia deve ser um compromisso de todas, todos e todes. E que nossas irmãs trans possam exercer livremente seus direitos, inclusive o de participar de competições esportivas!
(*) Luciana Santos é jornalista e advogada, mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público, Direitos Humanos e em Processo Civil, Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, e possui MBA em Marketing e MBA em Gestão Empresarial.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
“O Brasil é o país onde pessoas trans mais morrem de forma violenta e esse pódio vergonhoso existe há mais de uma década”
“Parece que para os verdadeiros defensores da “ideologia de gênero” (...) tal requisito (ciência) não seria uma exigência para dar subsídio a um projeto que impacta a vida de tantas pessoas”
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Certeira no alvo
Conheça a primeira arqueira indígena do AM que representa o Brasil em competições mundiais
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – É do Amazonas a primeira arqueira indígena a representar o Brasil em competições mundiais. Graziela Santos ou Yaci, nome em Tupi que significa “Lua”, representa o Estado na seleção brasileira na modalidade tiro com arco. Originária do povo Karapanã, da Comunidade Nova Kuanã, localizada às margens do Rio Cuieiras, Zona Rural de Manaus, Graziela iniciou a carreira em 2013, quando passou a integrar o projeto de Arquearia Indígena da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
A iniciativa da FAS era um projeto pioneiro voltado aos povos indígenas. A ação inclusiva visava levar um atleta indígena para as Olimpíadas Rio 2016. Graziela foi a única menina entre os 12 jovens selecionados pelo projeto. “Fomos para Manaus fazer a transição do arco nativo para o arco olímpico. Em 2014, fomos morar na Vila Olímpica, para sermos atletas e fazer faculdade. O projeto queria que a gente estudasse, para que tivéssemos uma profissão quando encerrássemos a vida de atleta. Consegui uma bolsa para cursar
Ciências Contábeis e comecei a treinar tiro com arco e fazer faculdade junto”, recordou Graziela.
Assim que iniciaram os treinos, Graziela e a equipe foram para o campeonato brasileiro de base, onde a atleta conquistou a medalha de bronze no individual feminino. Pouco tempo depois, já em 2015, Yaci repetiu o feito, conquistando o terceiro lugar em sua categoria, além de prata na categoria de dupla mista ao lado do parceiro de equipe, Nelson Moraes.
“Meu objetivo é chegar nas Olimpíadas e trazer a medalha de ouro para o Brasil, para os povos indígenas e para o Amazonas”
Graziela Santos, Yaci, arqueira.
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A arqueira indígena se adaptou às técnicas do tiro com arco para se desenvolver na modalidade
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Crédito: Divulgação FAS
Graziela, cujo nome em Tupi é Yaci, representa o Amazonas e o Brasil em competições mundiais
A dupla foi campeã na categoria, no Campeonato Brasileiro de Tiro com Arco, em 2016. Com os sucessos, Graziela avançou para novas etapas na pavimentação da carreira desportiva.
QUASE
Apesar das vitórias e conquistas em um curto espaço de tempo, ainda não seria em 2016 a chegada do sonho maior. “Com dois anos de treinamento, nós conseguimos ir para a seletiva das Olimpíadas”, comentou Graziela. A oportunidade de representar o Brasil não veio, mas o futuro reservava outros sucessos para a arqueira. Em 2018, ela se tornou a primeira mulher indígena a integrar a seleção brasileira e representar o País nos Jogos Sul-Americanos. Na competição, a arqueira fez bonito,
conquistando o ouro no individual feminino e por equipe.
A passagem pela Bolívia ficou na memória da arqueira: “Quando eu fui para os jogos sul-americanos, foi um momento importante. Foi meu primeiro ano de seleção brasileira, representando o Amazonas e o Brasil. Cheguei lá, competi, fiquei em primeiro lugar na classificatória, com 645 pontos, meu recorde na época, ganhei medalha de ouro no individual feminino e na equipe feminina, e [fui] o quarto lugar na dupla mista”, recordou, com orgulho. Em 2019, Graziela participou do Grand Prix do México, onde ganhou a medalha de prata com a equipe feminina e chegou até os Jogos Pan-americanos de Lima, no Peru.
Pioneirismo
O pioneirismo de Graziela, no tiro com arco, pode impulsionar a participação de outros e outras indígenas a ingressarem no mundo do esporte profissional. “Sinto que sou uma representante que está abrindo caminhos para os povos indígenas e para jovens que desejam estar no meio do esporte ou em qualquer outra área. Todo ser humano é capaz, resiliente e pode se aperfeiçoar ao longo da caminhada. Eu sou um exemplo que mostra aos jovens indígenas que podemos conquistar nossos objetivos, com coragem e dedicação”, destacou. Yaci faz planos: “Meu objetivo é chegar nas Olimpíadas e trazer a medalha de ouro para o Brasil, para os povos indígenas e para o Amazonas”, finalizou.
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Crédito: Divulgação FAS
O acesso à Justiça, a duração razoável do processo e a brevidade da vida
Leland Barroso de Souza
Ao iniciar seu livro “Sobre a Brevidade da Vida”, Sêneca chama a atenção de Paulino para o fato de a maior parte dos mortais lamentar a maldade da Natureza, porque já nascem com a perspectiva de uma curta existência e porque os anos que lhes são dados transcorrem rápida e velozmente. De modo que, com a exceção de uns poucos, para os demais, em pleno esplendor da vida é que justamente esta os abandona. No entanto, como se imagina, não apenas o comum dos mortais ou a massa ignorante sofre desse mal, pois, ao afetar também os homens cultos, seus efeitos geram muitos lamentos.
Neste aspecto, frente à efemeridade da vida, as garantias do acesso à Justiça e à duração razoável do processo, têm sido progressivamente reconhecidos como sendo de importância capital.
Tratando especificamente do acesso à Justiça, diz Cappelletti ser este “o mais básico dos requisitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
Com a Emenda Constitucional n.º 45/2004, introduziu-se na Carta da República de 1988 a garantia constitucional da razoável duração do processo judicial e administrativo, positivando-se, assim, orientação de há muito acolhida nas convenções internacionais sobre direitos humanos e que alguns autores já consi-
deravam implícita na ideia de proteção judicial efetiva, no princípio do Estado de Direito e no próprio postulado da dignidade da pessoa humana.
ACESSO À JUSTIÇA, SEU SIGNIFICADO
Já não mais se pode conceber o acesso à Justiça como o mero direito de protocolar uma ação perante o Poder Judiciário, sob pena de se amesquinhar um direito constitucional fundamental, cuja concretização está relacionada com a de todos os outros.
Nesse contexto, afirma Martins, o direito fundamental do acesso à Justiça manifesta-se como derivado do princípio democrático, de exigir a efetividade dos direitos fundamentais decorrentes da Constituição, através de todos os meios legítimos, institucionais ou não, tendentes à consolidação da cidadania, que demanda a participação popular no processo político decisório.
Em sua evolução histórica o conceito de acesso à Justiça tem sofrido uma importante transformação. De se observar que nos estados liberais dos séculos XVIII e XIX os procedimentos adotados para a solução dos litígios refletiam a filosofia primordialmente individualista dos direitos, então vigente. Direito à proteção judicial significava essencialmente o direito for-
mal do indivíduo ofendido de propor ou contestar uma ação.
Prevalecia o entendimento de que, nada obstante, o acesso à Justiça pudesse ser um direito natural, os direitos naturais não careciam de uma ação do Estado para a sua proteção. Por se tratarem de direitos anteriores ao próprio Estado, sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que os mesmos fossem infringidos por outros.
Até este momento, o Estado permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.
Na lição de Cappelletti, “Afastar a ‘pobreza no sentido legal’ – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições –não era preocupação do Estado”.
Contudo, à medida que as sociedades tornavam-se mais complexas, o conceito de direitos humanos começou a sofrer substancial transformação. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, típica dos séculos XVIII e XIX. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos.
ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA
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De fato, com a crise do Estado Liberal moderno, observou-se que a atuação positiva do Estado era necessária para garantir o gozo de todos os direitos sociais básicos.
Observa-se, portanto, que o direito ao acesso efetivo à Justiça tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais.
Ensina Marmelstein: “Nesse ponto, o constituinte percebeu que a concretização dos direitos fundamentais pressupõe o acesso à Justiça”.
Tratando da temática específica do significado de um direito ao acesso efetivo à Justiça, escreveu Cappelletti:
Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que a conclusão depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.
Reconhece o Pensador, não obstante, ser essa perfeita igualdade utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão que remanesce é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo. É dizer, quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à Justiça podem e devem ser atacados.
Neste ponto, é fundamental o exame da importância do procedimento, a indicar possíveis soluções, uma vez que este incide de igual modo sobre o legislador, obrigando-o a prever órgãos jurisdicionais e procedimentos diferenciados para permitir o efetivo acesso de todos ao Poder Judiciário, como sobre o juiz, atribuindo-lhe o dever de compreender as regras processuais à luz do direito de acesso à justiça.
IMPORTÂNCIA DO PROCEDIMENTO
Para Marinoni, “O direito de acesso à Justiça é um direito básico, certamente um dos mais relevantes direitos fundamentais,
na medida da sua importância para a tutela de todos os demais direitos”.
Para este autor, tal direito nada mais é do que a manifestação do direito à tutela jurisdicional efetiva, constante do Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal que, além de garantir ao cidadão o direito à técnica processual adequada à tutela do direito material, igualmente confere a todos o direito de pedir ao Poder Judiciário a tutela dos seus direitos.
De fácil percepção, o direito à técnica processual adequada constitui uma preocupação mais avançada em relação ao direito de pedir a tutela jurisdicional, mesmo porque, só pode se preocupar com técnica processual idônea quem pode
relaciona entre estes as custas judiciais, afirmando ser a solução formal de litígios, particularmente nos tribunais, muito dispendiosa na maioria das sociedades modernas; a possibilidade das partes, ponto central quando se cogita da denegação ou da garantia de acesso efetivo. Citando Marc Galanter, diz o Professor italiano, algumas espécies de litigantes gozam de uma gama de vantagens estratégicas.
De fato, o direito à tutela jurisdicional efetiva possui vários aspectos, garantindo entre outros, o direito de pedir a tutela jurisdicional (o conhecido direito de ação), o direito de acesso à Justiça e o direito ao uso da técnica processual adequada às necessidades do direito material.
Observa-se assim, que o direito de acesso à Justiça, além de garantir o acesso ao Poder Judiciário a todos, independentemente de suas condições econômicas, de igual modo, garante a técnica processual idônea à tutela do direito material.
Na lição de Marinoni, o direito de acesso à Justiça não se restringe a mero meio necessário a possibilitar a tutela dos demais direitos, mas apresenta-se como imprescindível para uma organização justa e democrática. Não é democrático um Estado que não consegue assegurar o acesso à Justiça. Sem a observância desse direito um Estado não tem a mínima possibilidade de assegurar a democracia.
pedir a tutela jurisdicional.
O direito de pleitear a tutela jurisdicional, quando qualificado como direito de acesso à Justiça, adquire outra dimensão, em que importa a efetiva possibilidade de o cidadão bater às portas do Poder Judiciário e realmente poder participar do processo, exercendo o seu direito à tutela jurisdicional.
De todo evidente, que o direito de acesso à Justiça não depende apenas da eliminação dos impedimentos econômicos e sociais que obstam ou dificultam o acesso. Ele põe em evidência sua existência, buscando sua superação, mas constitui apenas uma das faces do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Examinando os obstáculos a serem transpostos, a fim de se garantir o efetivo direito de acesso à justiça, Cappelletti
Esta a razão por que o direito de acesso à Justiça incide sobre o legislador, obrigando-o a traçar “formas de justiça”, isto é, órgãos jurisdicionais diferenciados e procedimentos diferenciados para permitir o efetivo acesso ao Poder Judiciário das camadas da população economicamente menos favorecidas, bem como sobre o juiz, atribuindo-lhe o dever de compreender as regras processuais à luz do direito de acesso à justiça.
Exemplo do acima dito, são as leis que tratam dos Juizados Especiais – Lei n.º 9.099/95 (Juizados Especiais Estaduais) e Lei n.º 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais) -, que devem ser vistas como resposta do legislador ao seu dever de instruir órgãos judiciais e procedimentos capazes de permitir o efetivo acesso ao Poder Judiciário.
ARTIGO – LELAND
BARROSO DE SOUZA
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“Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago”
Ao seu turno, é evidente que os juízes devem compreender as regras processuais pertinentes a tais procedimentos, assim com o ambiente da justiça e a sua própria função diante das causas relativas aos Juizados, conforme o valor ínsito no direito de acesso à Justiça inspirou ditas leis especiais.
Ademais, como bem lembra Cappelletti, embora a atenção dos modernos reformadores tenha se voltado para alternativas ao sistema judiciário regular, muitos conflitos básicos envolvendo os direitos de indivíduos ou grupos, necessariamente continuarão a ser submetidos aos tribunais regulares.
Há de se reconhecer os esforços importantes no sentido de melhorar e modernizar o Poder Judiciário e seus procedimentos. Cappelletti mesmo aponta os bem conhecidos movimentos de reforma que foram agrupados sob a designação de “oralidade”, “a livre apreciação da prova”, a “concentração” do procedimento e o contato “imediato” entre juízes, partes e testemunhas, bem como, no continente europeu, com a utilização dos juízos de instrução para investigar a verdade e auxiliar a colocar as partes em pé de igualdade.
Admitindo-se as limitações das reformas do Poder Judiciário, aponta o pensador italiano, métodos alternativos para decidir causas judiciais. Entre estes, a utilização de procedimentos mais simples e/ ou julgadores mais informais. A utilização com maior frequência do juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos para a solução dos litígios fora dos tribunais.
Ainda assim, malgrado todo o avanço já conseguido, forçoso é se reconhecer que, no campo dos direitos fundamentais, principalmente em relação aos direitos que exigem uma prestação positiva do Estado, ou seja, que lhe imponha a intervenção na ordem social e econômica, a Lei Fundamental brasileira, vigente há mais de duas décadas, ainda clama por efetividade.
EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO
Na lição de Martins, o princípio da efetividade constitucional, da eficiência ou interpretação efetiva, é o meio pelo qual a uma norma constitucional deve
ser atribuído o sentido que lhe outorgue maior eficácia. Havendo duas soluções razoáveis, deve o intérprete optar por aquela que traga maior efetividade ao comando constitucional, notadamente quando se tratar de direito ou garantia fundamental, favorecendo especialmente o elemento teleológico.
Como já mencionado anteriormente, o acesso à Justiça não se confunde com o simples ato de protocolar uma petição ao Poder Judiciário, em busca da satisfação de um direito subjetivo. Ao contrário, envolve uma extensa gama de situações objetivas, que alcançam desde momentos anteriores ao processo, ou fora dele, até o seu término em sede executiva.
Constitucional, que pretenda garantir eficazmente, e não apenas proclamar os direitos de todos. Daí a necessidade de se compreender o acesso à Justiça como direito fundamental, cujo conteúdo se identifica com o princípio de que os outros direitos fundamentais, em suas diversas dimensões, não são meras exortações morais.
Mas, de muito pouco adiantaria garantir-se o acesso à Justiça, se tal garantia não estivesse acompanhada da razoável duração do processo.
A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a ideia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais.
O reconhecimento pela Constituição de um direito subjetivo a um processo célere, isto é, com duração razoável, impõe ao Poder Público, em geral, e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas a realizar esse objetivo.
O fim do direito, diz Ihering, é a paz, o meio de atingi-lo a luta. Para lutar pela concreção dos direitos, isto é, pela efetividade da Constituição, é preciso antes que a pessoa tenha consciência de que possui direitos. Proposição que, conquanto óbvia, não tem merecido uma análise mais profunda dos operadores do direito. De fato, o primeiro momento do acesso à Justiça é o conhecimento por parte do cidadão de que é sujeito de direitos fundamentais, fator este que condiciona a efetividade de toda ordem jurídica constitucional e, principalmente, do princípio democrático.
Por esta razão, o acesso à Justiça pode ser entendido como o pressuposto basilar – o mais fundamental dos direitos humanos – do Estado Democrático de Direito
O direito constitucional à razoável duração do processo, não obstante, sua complexa implementação, pode ter efeitos imediatos sobre situações individuais, impondo o relaxamento da prisão que tenha ultrapassado determinado prazo, legitimando a adoção de medidas antecipatórias, ou até o reconhecimento da consolidação de uma dada situação com fundamento na segurança jurídica.
Firme no entendimento acima referido, o Supremo Tribunal Federal tem concedido habeas corpus em razão do excesso de prazo da prisão cautelar, ainda que se trate de delito hediondo, não se devendo tal excesso à defesa, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Como mecanismos a efetivarem a celeridade para concretização do direito à razoável duração do processo, Moraes indica a vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, a proporcionalidade do número de juízes à
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“Na lição de Marinoni, o direito de acesso à Justiça não se restringe a mero meio necessário a possibilitar a tutela dos demais direitos, mas apresenta-se como imprescindível para uma organização justa e democrática”
efetiva demanda judicial e à respectiva população, a distribuição imediata dos processos, em todos os graus de jurisdição, a possibilidade de delegação aos servidores do Judiciário para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório, a necessidade de demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para fins de conhecimento do recurso extraordinário, a instalação da Justiça itinerante, e, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.
A realçar a importância de tal direito fundamental, explica Marinoni que, a ausência de um “pressuposto processual” só tem relevância quando constatado em momento processual em que o juiz não tem condições de definir o mérito, pois é apenas nessa hipótese que surge racionalidade para a extinção do processo. Em caso contrário, isto é, quando se verifica que o direito material pertence à parte protegida pelo pressuposto omitido, o juiz tem o dever de proferir sentença de mérito, seja de procedência ou de improcedência. É que, em caso contrário, a jurisdição estará indisfarçavelmente negando o direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF).
CONCLUSÕES
Pode parecer que a questão da brevidade da vida ficou à margem do presente trabalho. Ledo engano. Sêneca, ao discorrer sobre a brevidade da vida, não se referia apenas à morte biológica, mas, em especial, ao desperdício do tempo, a única coisa que justificaria a avareza.
Para aquele pensador, não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma boa parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos
foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. No entanto, se não respeitamos nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai.
Ao refletirmos sobre os direitos fundamentais do acesso à Justiça e à razoável duração do processo, não podemos deixar de pensar sobre o acima afirmado por Sêneca, e, interessante passagem de seu livro nos chama atenção: “Este advoga, aquele assiste, um é acusado, outro defende, aquele outro julga; ninguém pede nada por si, uns nos outros se consomem”.
A longa duração de uma demanda judicial, não prestigia o tempo das pessoas, sobre o que diz Sêneca, ninguém valoriza o tempo, faz-se uso dele muito largamente como se fosse gratuito. Deve-se administrar com muito cuidado o que não se pode saber quando acabará.
Ao permitir que se alongue uma lide em juízo, aqueles que a podem por termo, ignoram o fato de estarem desperdiçando os anos das partes, já que lhes é tolerável a perda de um bem que não se percebe. Ninguém lhes devolverá aquele tempo, ninguém lhes fará voltar a eles próprios. Uma vez lançada, a vida segue o seu curso e não o reverterá nem o interromperá, não o elevará, não lhes avisará de sua velocidade, transcorrerá silenciosamente. Ela não se prolongará por ordem de um poderoso, nem pelo desejo do povo. Correrá tal como foi impulsionada no primeiro dia, nunca sairá de seu curso, nem o retardará. O que acontecerá? Tu estás ocupado e a vida se apressa. Por seu turno, a morte virá e a ela deverás te entregar, querendo ou não.
O longo tempo de espera pela solução da lide é prejudicial para a vida, já que tira das partes o dia a dia, rouba o presente comprometendo o futuro. A expectativa é
o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente.
É preciso combater a celeridade do tempo usando a velocidade, tal como de uma rápida corrente, que não fluirá para sempre, se deve beber depressa.
Assim como de nada serve encher com líquido uma vasilha sem fundo, nada pode trazer de volta o tempo, não importa quanto ele foi dado, se não há onde retê-lo. O tempo presente é brevíssimo, ao ponto de, na verdade, não ser percebido por alguns. De fato, ele está sempre em curso, flui e se precipita; deixa de existir antes de chegar; não pode ser detido do mesmo modo que o mundo ou as estrelas, cujo incansável movimento não permite que se mantenham no mesmo lugar. Não existe nada que a passagem do tempo não arruíne ou ponha em desordem.
Deveria chamar a atenção do julgador que procrastina o termo de uma demanda judicial, o que ensina Sêneca referindo-se a Xerxes: “O mais insolente rei dos persas, quando, por grande espaço de campos, estendia seu exército, o qual não podia medir pelo número, mas sim pela extensão, verteu lágrimas, porque, em cem anos, ninguém desta multidão de jovens haveria de estar vivo”.
Oportuno o que diz Boff, “a morte não vem de fora ou no final da vida biológica. Ela coincide com a vida. O homem vai morrendo em prestações. Cada segundo e cada momento representam vida desgastada”.
(*) Leland Barroso de Souza é mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), professor de Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA
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