Revista Cenarium – Ed. 47 - Maio/2024

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COSMOVISÃO ANCESTRAL: ELES PREVIRAM

Em meio à tragédia no Rio Grande do Sul e previsões de grande seca na Amazônia, esta edição traz relatos históricos dos povos indígenas sobre os efeitos da irresponsabilidade humana sobre o clima

ISSN 27648206 782764 9 820605 04 7 MAIO DE 2024 • ANO 05 • N.º 47 • R$ 24,99

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Editorial

‘O céu vai desabar’

“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”.

Trechos do livro “A Queda do Céu: palavra de um xamã Yanomami” (2010), que traz o relato de um dos maiores porta-vozes do povo Yanomami, David Kopenawa, mostram, com clareza, a cosmovisão indígena sobre a ação do homem sobre o clima, as florestas, os rios e o risco aos povos indígenas e não indígenas desaparecerem.

No século XIX, Svante Arrhenius (1859-1927) considerou, pela primeira vez, em 1896, a capacidade humana de mudança do clima, ao afirmar que a adição de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera aqueceria a temperatura média da Terra. A pesquisa de Arrhenius foi reforçada, décadas depois, por outros estudiosos, que apontavam para urgências climáticas.

Nesta edição, a REVISTA CENARIUM traz à memória previsões ancestrais que passaram a ser consideradas pela academia científica, inclusive em pesquisas antropológicas dentro do campo de saberes e conhecimentos tradicionais, e faz um paralelo com a tragédia do Rio Grande do Sul, onde mais de 170 pessoas perderam a vida em decorrência dos efeitos da crise climática.

Mas não é só o Rio Grande do Sul que sofre no País com esses efeitos. Na Amazônia, o Estado do Acre registrou uma das maiores cheias no ano passado, deixando milhares de famílias desalojadas e muitas mortes foram invisibilizadas por serem de uma região fora do contexto Sul-Sudeste. O Amazonas, Pará e Roraima também sofreram e ainda sofrem com a estiagem nos rios, que fez com que milhares de famílias ficassem sem alimentos e esse cenário não virou matéria com destaque na mídia sulista.

Os efeitos da crise climática são globais. A união de esforços também deveria ser mundial, mas o negacionismo aos saberes tradicionais dos povos originários e às pesquisas científicas nos jogam no epicentro desta aflição, que não escolhe etnia, cor de pele, classe social, mas coloca na linha de frente da morte quem protege as florestas e vive nas periferias, isolado pelo racismo ambiental.

A “queda do céu” não é mais uma previsão ancestral distante para as gerações futuras. Ela está acontecendo agora e é uma realidade para nós e nossos filhos. A pergunta é o que nós, dentro da realidade de cada indivíduo, podemos fazer para parar a tragédia climática? A resposta não está no presente, ela está e sempre esteve no passado.

Imagens de cinema, drama real

Cenas antes vistas apenas em séries e filmes estão se tornando cada vez mais frequentes na vida real. Desastres climáticos como inundações, secas severas, nuvens de fumaça, incêndios florestais e temperatura excessivamente elevada são alguns dos eventos climáticos extremos causados pela desenfreada degradação do meio ambiente. Nesta edição, a REVISTA CENARIUM aborda a cosmovisão indígena, com base nas previsões ancestrais e avisos dos povos originários sobre mudanças climáticas, que foram ignorados por anos.

A mais recente situação de desastre é a que atingiu a população do Rio Grande do Sul, que sofre com as consequências de chuvas intensas. O evento climático, reflexo da quantidade elevada de chuva, sob o efeito do El Niño, transformou a cidade em um cenário de fim de mundo, causou mortes, desaparecimento de pessoas e animais, e deixou um grande número de desabrigados.

Algo semelhante ao roteiro de filme The Flood – enchente: quem salvará nossos filhos? (em tradução livre) – onde uma comunidade é atingida por uma grande tempestade e fica presa em meio à enchente. Para sobreviver, os personagens tentam subir em pontos mais altos, enquanto aguardam pelo resgate. A cena foi repetida, na vida real, pelos moradores do Rio Grande do Sul que também subiram nos telhados das casas, na tentativa de serem socorridos.

Esse e outros cenários de desastres socioambientais já eram previstos por lideranças indígenas desde sempre. Autor de “Ideias para adiar o fim do mundo”, o líder indígena, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Ailton Krenak afirma que os eventos extremos eram previsíveis. “O que está acontecendo em câmera lenta para alguns como se fosse uma festa para aqueles que são muito ricos e que podem ir para qualquer lugar do mundo já era previsível na cosmovisão indígena”.

Outra liderança indígena ouvida pela reportagem foi Maria Flor, do povo Pataxó, que também previram os efeitos das mudanças climáticas. “Já sabemos (Pataxó) que essa crise climática existe há muito tempo, não precisou chegar ao ponto que está hoje para compreendermos (povo indígena). Agora, está escancarado”, disse.

Por fim, esta edição traz o questionamento: o que podemos fazer para garantir o futuro? Lideranças indígenas e cientistas acreditam que medidas de preservação do meio ambiente aliadas a um freio à política social e econômica de consumo exacerbado, especialmente de itens da floresta, sejam o início da retomada do ambiente natural do planeta.

Eduardo

Leitor&Leitora

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A REVISTA CENARIUM está sempre trazendo matérias relevantes e bem apuradas, mostrando a diversidade e a riqueza da região amazônica, assim como suas mazelas também. Parabéns!

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Parabéns à equipe CENARIUM pela qualidade editorial! As reportagens são esclarecedoras, e nos ajudam a entender melhor os desafios do povo amazônida.

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A edição 46 é prova disso, mostra como o maior bairro indígena do Brasil está deixado de lado.

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Crédito: Arquivo Pessoal

Sumário

05 •
47 30 06 44 ► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE PREVISÕES ANCESTRAIS Previsões ancestrais: devastação e crise climática já eram esperadas 06 Extremidades que assustam 10 O mundo sob risco ......................................................... 16 Como garantir um futuro?.............................................. 20 Situação catastrófica 24 ► ARTIGO – POR LUCAS FERRANTE Racismo climático: A diferença do engajamento social e cobertura da mídia tradicional sobre eventos climáticos extremos no Brasil 28 ► CENARIUM+CIÊNCIA Alerta de seca severa ........................................................ 30 Da Amazônia para o ‘Oscar’ da ciência.......................... 36 ► PODER & INSTITUIÇÕES Representatividade política 38 Gerações de poder 40 ► ECONOMIA & SOCIEDADE Relatos de caos e recomeço 42 ‘Centro fantasma’ em Manaus 44 Roraima tem ‘boom’ de exportações 50 Driblando as dívidas em 2024 ....................................... 52 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Violência sexual infantil cresce no Amazonas 54 Reforço contra o garimpo 56 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ‘Dia Brasil’ sem a cara do Brasil 58 ‘A queda do céu’ em Cannes 60 ► VIAGEM & TURISMO Belezas naturais do Sacre ................................................ 62 Acre no foco do mercado turístico 64 ► DIVERSIDADE Bonecas em homenagem a orixás 66 Autismo: Luta contra o preconceito ............................... 68 ► ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA Crônicas do Cotidiano: Onde moram os mais pobres? ............................................................... 70
Maio de 2024
Ano
N.º
Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Povo Pataxó | Maria Flor

Previsões ancestrais: devastação e crise climática já eram esperadas

A degradação do meio ambiente e o avanço desenfreado das mudanças climáticas com eventos climáticos extremos já era um cenário previsível e exposto por indígenas, mas ignorado ao longo dos anos

Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Um dia na floresta, o som dos pássaros e o cheiro característico da terra úmida foram interrompidos bruscamente por um odor tão forte que causou ânsia de vômito no curumim Krenak, de 9 para 10 anos, que brincava no meio da comunidade. Ele percorreu a floresta, apavorado, em um misto de susto e agonia, seguindo o rastro daquele cheiro nunca sentido antes até que se deparou com uma clareira em meio à selva: árvores derrubadas e um objeto maior que ele, suspenso por pedaços de plásticos, que soltava um odor forte em meio à fumaça que acinzentava tudo ao redor.

Naquele dia, o curumim Krenak se deparou, pela primeira vez, ao vivo, na região do Vale do Rio Doce, com um caminhão a diesel que levava os troncos das árvores derrubadas por um grupo de

Crédito: Rafa Neddemeyer Agência Brasil
Rafa Neddemeyer Agência Brasil
Crédito:
06 www.revistacenarium.com.br PREVISÕES ANCESTRAIS MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Morador do Rio Grande do Sul rema em meio à rua alagada

Desastre socioambiental já era previsto pelos povos tradicionais

Crédito: Rafa Neddemeyer | Agência Brasil
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Mulher observa o cenário devastado pela chuva
“Nós

vemos que os humanos se distanciaram tanto dos outros organismos vindos da “mãe terra” que a “mãe terra” agora está virando as costas para os humanos”

Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL).

homens brancos e se questionou, revoltado: “Por que as pessoas tinham que tirar as árvores e ainda por cima deixar aquele gás fedorento, podre, ocupando o espaço da floresta que ia demorar muito para voltar a ser mata?”.

Enquanto isso, nas florestas localizadas no extremo sul da Bahia, os indígenas da etnia Pataxó acordaram sem conseguir ler com perfeição os sinais da natureza. O período de chuvas fora antecipado, o sol passou a nascer mais tarde, as folhas demoravam a cair das árvores e a época da colheita passou a ser diferente a cada período. “A natureza se desregulou, saiu do eixo”, contou a líder Pataxó Maria Flor.  O cenário não foi diferente nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e Serra da Luz, ao norte de Roraima, no Norte do Brasil. Os Waipichana notaram o ambiente mais quente, o rio passou a ter águas mais mornas, as plantas não cresciam mais como antes, a plantação começava a apodrecer. “A sabedoria dos povos indígenas indica que as águas estão aquecendo, os

Crédito: Rafa Neddemeyer | Agência Brasil

peixes estão sumindo”, alertou a líder Waipichana Sinéia do Valle.

Poderiam ser apenas histórias. Mas o relato do curumim Krenak é do líder indígena, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) e do primeiro contato com o que seria a devastação do meio ambiente, Ailton Krenak. “Isso foi um despertar de consciência sobre essa distopia que estamos vivendo desde

que os homens (brancos) chegaram aqui no continente americano, porque onde eles pisaram, eles deixaram o fedor do seu chumbo, da sua pólvora, dos seus venenos, do seu gás que continuam espalhando para todos os lados. Quem cresce vendo isso não tem susto a respeito do final do mundo”, disse Krenak a respeito do avanço dos efeitos das mudanças climáticas em todo mundo.

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Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL)
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PREVISÕES ANCESTRAIS
“O que

a sabedoria indígena aponta é que agora temos um período muito propício para entrarmos em uma emergência climática”

Sinéia do Valle - líder indígena.

PREVISÕES

Ele é o autor da obra “Ideias para adiar o fim do mundo”, na qual reconhece e, até mesmo, indica o desastre socioambiental que já estava sendo previsto pelos povos tradicionais.

“O que está acontecendo em câmera lenta para alguns como se fosse uma festa para aqueles que são muito ricos e que podem ir para qualquer lugar do mundo já era previsível na cosmovisão indígena. Nós vemos que os humanos se distanciaram tanto dos outros organismos vindos da “mãe terra” que a “mãe terra” agora está virando as costas para os humanos. Estamos de acordo com que a gente já passou do limite aqui no nosso modo de extrair do corpo da terra tudo em excesso, porque agora nós vamos ter que começar a pagar a conta”, disse Krenak.

Segundo a líder indígena Maria Flor, as mudanças climáticas e seus efeitos já eram previstas pelos Pataxó. “Já sabemos (Pataxó) que essa crise climática existe há muito tempo, não precisou chegar ao ponto que está hoje para compreendermos (povo indígena). Agora, está escancarado. A natureza se desregulou por conta do “bicho gente”. Não digo nem pela parte física do “bicho gente”, mas pela parte emocional, porque na hora que o “bicho gente” adoeceu pelo consumismo, se

influenciou pelo “capetalismo”, capeta como capital, pelo “eugoísmo”, e resolveu apenas ganhar dinheiro, o universo saiu do eixo, perdeu a harmonia”, disse Maria Flor Pataxó.

Depois de ao menos 10 anos de estudos sobre o impacto das mudanças climáticas para os povos indígenas, a líder indígena Sinéia do Valle afirmou que o mundo está prestes a enfrentar uma emergência climática.

“O que a sabedoria indígena aponta, com base em pelo menos 20 anos de estudos e análises, é que, agora, temos um período muito propício para entrarmos em uma emergência climática. Já estamos enfrentando falta de água, grandes queimadas, baixo estoque de alimentos e já sem sementes. A sabedoria dos povos indígenas indica que as águas estão aquecendo, os peixes estão sumindo e precisamos ter mais atenção nessas questões”, ressaltou Sinéia do Valle.

Crédito: Arquivo Pessoal
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Maria Flor, líder indígena

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Extremidades que assustam

Eventos climáticos extremos trazem à tona um cenário devastador: nenhuma cidade está preparada para o caos climático

Camila Carvalho, Especial para a Revista Cenarium

Caos climático afeta o planeta como um todo
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MANAUS (AM) – Sábado, 27 de abril de 2024, chuva forte em Porto Alegre (RS). No domingo, 28, o início de uma tragédia que poucos acreditavam que iria acontecer: o MetSul Meteorologia reforçou o alerta sobre um cenário de “grave risco hidrológico e meteorológico no Rio Grande do Sul, com chuva excessiva e alta probabilidade de cheias de rios e enchentes.

Dois dias depois, os temporais já tinham deixado 8 mortos, 21 desaparecidos e mais de 300 famílias desabrigadas no Estado. No final da primeira quinzena de maio, 15 dias de chuvas quase que intermitentes, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul já apontava 461 municípios afetados, 78.165 pessoas em abrigos, 540.192 pessoas desalojadas, mais de 2,2 milhões de pessoas afetadas, além de 806 pessoas

feridas, 98 desaparecidos e 154 mortes confirmadas.

Os números escancaram uma verdade avassaladora: o Estado não estava preparado para a subida rápida dos rios e os prejuízos são incontáveis, com famílias que perderam parentes, animais abandonados em meio à lama e água, e cidades sem energia elétrica e totalmente destruídas pelas cheias.

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Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Ricardo Oliveira
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Imagem aérea de casas e estabelecimentos flutuantes durante seca na Amazônia
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O cenário é basicamente o inverso ao registrado na Amazônia, em 2023, quando uma seca histórica tornou o ambiente quase um deserto. Berço do maior volume de água doce do planeta, a Amazônia viu os rios se transformarem em meros córregos e as populações ficaram cercadas pela lama e destruição.

Segundo dados da Organização Não Governamental (ONG) WWF Brasil, o Rio Negro baixou ao seu menor nível desde que as medições começaram a ser realizadas em Manaus, há 121 anos, em 26 de outubro de 2023, quando a régua marcou 12,70 metros de profundidade. Mais de 600 mil pessoas foram afetadas direta ou indiretamente pela seca dos rios na região.

De acordo com material divulgado pelo Senado Federal, um estudo realizado pelo World Weather Attribution, ONG que estuda como as mudanças climáticas influenciam a intensidade dos fenômenos

climáticos extremos, apontou o aquecimento global como a principal causa da estiagem recorde registrada na Amazônia no segundo semestre do ano passado.

Dois anos antes, em 2021, a Amazônia registrou uma cheia histórica do Rio Negro, que alcançou a marca de 30,02 metros, ultrapassando a marca histórica de 2012.

Segundo o doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA), pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, Philip Fearnside, os eventos extremos são frutos do aquecimento global e, consequentemente, das mudanças climáticas.

“Os eventos são consistentes com efeitos previstos de aquecimento global. O ano de 2023 tinha uma seca recorde na Amazônia como resultado de três fenô-

Em 2023, o Brasil registrou 12 eventos climáticos, segundo a Organização

Meteorológica Mundial, agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU)

Crédito: Ricardo Oliveira
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Carregadores de mercadorias precisam fazer trajeto mais longo para chegar às embarcações

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menos climáticos ligados ao aquecimento global: um El Niño oriental (com aquecimento na parte leste do Oceano Pacífico, como o evento em 2015), um El Niño Central (com aquecimento na parte central do Oceano Pacífico, como o evento em 1997), e um dipolo do Atlântico (com aquecimento do Oceano Atlântico tropical Norte e água fria no Atlântico Sul, como os eventos de seca em 2005 e 2010). A inundação no Rio Grande do Sul tem uma parte ligada ao aquecimento global: a formação de uma massa de ar quente sobre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, bloqueando o curso normal dos rios voadores da Amazônia e, assim, concentrando toda a água no RS. Há uma outra parte do problema no RS: um vento

de ar mais frio chegando do Atlântico, que faz com que a água condense para produzir chuva”, explicou.

Para o pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e de São Paulo (USP), Lucas Ferrante, a interferência do homem no meio ambiente foi determinante para o avanço das mudanças climáticas.

“A nossa mudança na superfície do planeta tem também alterado a atmosfera, o que tem causado uma mudança no clima de todo o planeta. Por conta dessa mudança do clima, nós estamos vendo alguns eventos se potencializando e se tornando eventos climáticos extremos, como secas e cheias. Isso é agravado

principalmente por conta das emissões de gases causadores do efeito estufa e do desmatamento, dentre eles o desmatamento da Amazônia, que desempenha serviços ecossistêmicos fundamentais para a regulação do clima. Como, por exemplo, o fenômeno conhecido como rios voadores amazônicos, responsáveis pelas chuvas da Região Sul e Sudeste do Brasil. Então, o avanço do desmatamento traz uma alteração a esse regime de chuvas, exacerbando tanto as cheias quanto as secas”, explicou o pesquisador.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial, agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2023, o Brasil registrou 12 eventos climáticos.

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Nuvem de fumaça cobre o porto da Manaus Moderna

Mundo de extremos

O caos climático tem afetado o planeta como um todo. Um exemplo que causou comoção mundial foi a queimada que assolou a Austrália de 2019 para 2020. Na época, 50 milhões de hectares foram queimados devido às temperaturas maiores de 40 °C aliadas à falta de chuva e à vegetação seca.

No início de 2024, uma intensa corrente do Ártico deixou a Europa com temperaturas congelantes, além de

inundações. Na Suécia e na Finlândia, os termômetros chegaram a marcar -43,6 °C. Já no Reino Unido houve a emissão de alertas de enchentes, após diversas tempestades.

O relatório da Organização Meteorológica Mundial apontou que, ao todo, em 2023, 11 milhões de pessoas foram afetadas diretamente e 909 morreram por eventos climáticos na América Latina. As enchentes foram responsáveis por 53% das mortes.

“A nossa mudança na superfície do planeta tem também alterado a atmosfera, o que tem causado uma mudança no clima de todo o planeta”
Lucas Ferrante, pesquisador da Ufam.
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Crédito: Ricardo Oliveira

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O mundo sob risco

Desde 1988, cientistas, estudiosos e governantes das mais diversas partes do mundo debatem sobre as mudanças climáticas que seguem avançando

Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – As mudanças climáticas são palco de discussões globais desde 1971, quando Miguel Ozório demonstrou-se preocupado com as consequências do início da elevação da temperatura no planeta. Mais de 15 anos depois, em 1988, líderes mundiais concordavam, em Toronto, no Canadá, que as emissões de gases de efeito estufa deveriam ser neutralizadas. Foi o resultado da 1ª Conferência Climatológica Mundial e que culminou no atual Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

De lá para cá, os discursos foram ficando cada vez mais preocupantes com o aumento do aquecimento global, mas pouco se viu, na prática, iniciativas para mitigar os efeitos e os impactos das mudanças climáticas na Terra.

Prova disso é que, este ano, em novembro, será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima (COP29), no Azerbaijão, com a prioridade de discussões em torno de metas coletivas de financiamento climático. Ou seja, um novo ciclo

de compromissos nacionais de diversos países de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além da estruturação de um novo fundo de compensação para perdas e danos decorrentes do caos climático que vem assolando o mundo.

O historiador, fundador do Parque Arqueológico Pedra do Sol e do Observatório Astronômico do Seichú, Gustavo Villa, ressaltou que variações nos padrões climáticos ocorrem de maneira natural desde o início da história do planeta e que a humanidade tem conseguido se adaptar.

“A espécie humana, com sua incrível capacidade de adaptação, conseguiu encontrar meios de sobreviver a estas mudanças. De fato, o ciclo que se abre para as próximas gerações foi causado pelo comportamento da nossa espécie nos últimos quatro séculos, a partir do advento da Revolução Industrial. O motivo pelo qual devemos nos preocupar é que se trata de um processo desencadeado por causas artificiais, fator que acelera a mudança, tornando seus impactos mais rápidos e violentos”, explicou.

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Embarcação encalhada por conta da estiagem severa

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“Estamos muito perto de um “ponto de não retorno” onde o aquecimento global escapa do controle humano”

Philip Fearnside, pesquisador do Inpa.

Para o doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA), pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, Philip Fearnside, as previsões para um futuro no planeta são “gravíssimas” se continuarmos com as emissões de gases de efeito estufa.

“Estamos muito perto de um “ponto de não retorno” onde o aquecimento global escapa do controle humano. O máximo que podemos fazer para evitar isso é não emitir mais nada de forma proposital,

principalmente pela queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. O aquecimento escaparia do nosso controle se a temperatura continuar aumentando e as emissões de fontes ditas “naturais”, ou não propositais, ultrapassar essa quantidade, com o aumento dos incêndios florestais, o aquecimento e a liberação de carbono de todos os solos do mundo, o derretimento da tundra com liberação do carbono das turfas, e o aquecimento dos oceanos”, explicou Philip Fearnside.

Segundo Fearnside, a Amazônia tem um papel central na regulação do clima do planeta, já que se a floresta entrar

Crédito: Ricardo Oliveira
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Seca severa registrou a morte de diversas espécies de peixes da Amazônia

em colapso devido à mudança climática, desmatamento e incêndios florestais, a emissão de gases seria a “gota d’água” que empurrará o clima global além do ponto de não retorno.

“O Brasil seria uma das maiores vítimas, se isso acontecer. A floresta amazônica seria perdida, junto com as chuvas nas regiões centro-oeste, sudeste e sul, que precisam da água fornecida pelos rios voadores da Amazônia, o Nordeste seria em grande parte um deserto, áreas de agronegócio iam ser devastadas, junto com a agricultura familiar em grande parte do País”, projetou o pesquisador.

Segundo o pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e de São Paulo (USP), Lucas Ferrante, a Amazônia possui papel central para uma possível mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

“Precisamos repensar os grandes projetos de infraestrutura como rodovias e

ferrovias na Amazônia, como é o caso da rodovia BR-319, que elevará o desmatamento tolerado agravando imensamente não só as mudanças climáticas para a Amazônia, mas para todo o planeta e, principalmente, para as regiões Sul e Sudeste do Brasil. Hoje, os estudos mais atualizados têm apontado que as previsões para a Amazônia não são mais nem de savanização, mas sim que o bioma se torne com algo parecido com uma Caatinga, ou seja, as mudanças climáticas sobre a Amazônia são extremamente drásticas”, alertou Ferrante.

Em março de 2023, o IPCC lançou o sexto relatório de avaliação que apresenta algumas conclusões sobre as mudanças climáticas. Dentre as principais e primordiais estão a redução do aumento da temperatura da Terra para até 1,5 °C e a redução imediata do uso de combustíveis fósseis e emissão de gases do efeito estufa.

Carta do Tarumã

Na Carta do Tarumã, produzida por diversas lideranças indígenas que integram a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coaib), em 2021, e apresentada na COP26, os indígenas também apontaram as possíveis causas para a crise climática e soluções para o impacto desenfreado.

“A crise climática está diretamente relacionada à ganância sobre as terras indígenas, aliada à erosão jurídica dos direitos indígenas e ambientais que está em trâmite no Brasil. Existe um caminho prático de solução que, há muito tempo, nós, os povos indígenas, viemos apontando: demarcar nossos territórios, mudanças no sistema de produção, plantar mais árvores, parar de queimar combustíveis fósseis e reduzir a pressão sobre a capacidade de carga da Terra. Este deve ser um compromisso de todos: governos, empresas e indivíduos”.

Crédito: Rafa Neddermeyer | Agência Brasil
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Vítima observa cenário devastador após chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul

Como garantir um futuro?

Lideranças indígenas e cientistas acreditam que medidas de preservação do meio ambiente aliadas a um freio à política social e econômica de consumo exacerbado, especialmente de itens da floresta, sejam o início da retomada do ambiente natural do planeta

Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Diante de um cenário permeado por incertezas climáticas e previsões desanimadoras de eventos climáticos extremos, lideranças indígenas e cientistas acreditam que medidas de preservação do meio ambiente aliadas a um freio à política social e econômica de consumo exacerbado, especialmente de itens da floresta, sejam o início da retomada do ambiente natural do planeta.

Segundo o historiador, fundador do Parque Arqueológico Pedra do Sol e do Observatório Astronômico do Seichú, Gustavo Villa, estudos recentes no Brasil sugerem que a floresta amazônica pode ter sido um bioma que prosperou mediante um cuidadoso manejo ambiental desenvolvido pelos povos originários ao longo de milhares de anos.

PREVISÕES ANCESTRAIS MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE 20 www.revistacenarium.com.br

Incertezas e previsões desanimadoras de eventos climáticos extremos preocupam lideranças indígenas

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Crédito: Rafa Neddemeyer Agência Brasil
“Assim

como

os originários, a comunidade científica está se empenhando em criar fontes limpas de energia e vem há décadas alertando sobre a emergência climática”

Gustavo Villa, historiador.

“Hoje, sabemos que a terra preta amazônica, solo fértil para o cultivo e abundância do bioma, é um logro antropogênico originário. Assim como os originários, a comunidade científica está se empenhando em criar fontes limpas de energia e vem há décadas alertando sobre a emergência climática, porém, tem encontrado uma barreira cognitiva em uma espécie de fenômeno social que vem ganhando força nos últimos anos: o negacionismo. Nele reside o principal obstáculo ao enfrentamento racional do caos climático”, disse.

O líder indígena, ambientalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Ailton Krenak alerta para a necessidade das políticas públicas governamentais serem mais efetivas no combate

e controle da degradação ambiental, sob pena da ocorrência de novas pandemias. “Nós vamos ter que consertar o mundo estragado, um organismo mais de 60% destruído e reconstruir custa mais caro do que construir. Ter otimismo com relação ao futuro beira a ignorância. Nós vamos deixar de ser humanos que vivem na Terra para ser os que sobrevivem na Terra”, alertou Krenak.

Para Sinéia do Valle, os países precisam começar a cumprir os acordos internacionais de não emissão de gases para a redução do aquecimento global. “Por mais que tenhamos a sabedoria dos povos indígenas, partimos para soluções, para mudanças climáticas, a gente sabe que se os países não tiverem acordos concretos

registra ruas alagadas no Rio Grande do Sul 22 www.revistacenarium.com.br
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Crédito:
Rafa Neddemeyer Agência Brasil Homem
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de transição energética, demarcação de terras indígenas, porque elas são barreiras para o enfrentamento das mudanças climáticas, estamos fadados a sofrer ações adversas do meio ambiente. Se a Terra continuar aquecendo, teremos esses eventos adversos cada vez mais intensos”, disse a líder Wapichana.

Já para a líder Pataxó, Maria Flor, é necessária uma mudança de comportamento e respeito com a natureza. “O bicho gente não pode esquecer que nós também

somos a natureza. Precisamos parar de colocar veneno na terra, precisamos parar de consumir microplásticos e voltar ao algodão, precisamos compreender que não precisamos de tanto para viver, evitando o desperdício, preservando e usando os recursos naturais não pensando individualmente, mas na sociedade. O povo indígena sempre lutou para manter a floresta em pé, para termos um território vivo. Esse território não se reduz à terra indígena, esse território é a Terra”, ressaltou Maria Flor.

LEIA A CARTA DO TARUMÃ Crédito: Rafa Neddemeyer | Agência Brasil
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Trabalhadores tiveram que andar em meio à água

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Situação catastrófica

Lixão irregular em Envira, no interior do Amazonas, impacta significativamente o cotidiano de indígenas Kulina

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Um lixão irregular em Envira, município a 1.208 quilômetros de Manaus, no Amazonas, continua impactando significativamente a vida dos moradores da cidade, principalmente no cotidiano de indígenas da etnia Kulina. A lixeira funciona no perímetro urbano do município, na área residencial da cidade, e já toma 400 metros de uma rua que dá acesso à comunidade indígena.

Imagens divulgadas nas redes sociais mostram uma rua tomada por resíduos sólidos despejados a céu aberto. Nas imagens feitas com drone, é possível ver um extenso trecho da rua de terra que dá acesso à comunidade indígena com lixo.

“Essa é uma tomada aérea da situação catastrófica do lixão a céu aberto que fica em Envira/AM, que está tomando quase 400 metros de uma rua. Sim, é dentro da cidade, na

rua que dá acesso à aldeia indígena do povo Kulina. Há uma decisão judicial que não está sendo cumprida”, denunciou a professora de Educação Física Luciana Barbosa, na rede social X.

Em junho de 2019, a Justiça do Amazonas deu prazo para a Prefeitura de Envira desativar o lixão a céu aberto e providenciar a destinação final adequada do lixo recolhido na cidade, com a instalação de um aterro sanitário. O pedido foi feito pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM).

O juiz Ian Andrezo Dutra estabeleceu uma lista de medidas a serem efetuadas pela Prefeitura de Envira, em prazos diversos, visando à desativação do lixão a céu aberto, à destinação final adequada dos resíduos sólidos produzidos no município e à recuperação da área utilizada para descarte irregular de resíduos.

Crédito: Reprodução X

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Lixão a céu aberto em Envira

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O município deveria, em 45 dias, deixar de depositar resíduos no lixão e, em 90 dias, providenciar, em local distante da área urbana da cidade, a abertura de valas sépticas para a alocação, compactação e aterramento dos resíduos, em conformidade com as orientações técnico-ambientais competentes.

“A destinação do lixo em áreas urbanas, como serviço essencial que é, possui repercussão direta para o meio ambiente e para a saúde geral da população, de tal sorte que é indispensável a municipalidade se mostrar atenta ao gerenciamento dos resíduos sólidos. Com a decisão, afasta-se o ilícito e garante-se a implementação do aterro sanitário, com a recuperação dos danos ambientais recuperáveis e, não sendo possível, a compensação dos danos

irrecuperáveis”, observou, na época, o promotor de Justiça de Envira Kleyson Nascimento Barroso.

A Justiça ainda determinou, na época, que a destinação final do lixo hospitalar deveria ser feita conforme as recomendações da Resolução n.º 358/05, da Conama, e da Resolução RDC-Anvisa n.º 306/04, com coleta e descarte separados dos demais resíduos.

A  REVISTA CENARIUM questionou o secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil de Envira, Ismael Dutra, sobre o descumprimento da decisão judicial e aguarda resposta. O MP-AM também não respondeu aos questionamentos sobre a desativação do lixão a céu aberto até a publicação desta reportagem.

Publicação feita na rede social X, antigo Twitter Localização do lixão em Envira Crédito: Reprodução X Crédito: Divulgação MP-AM 27 REVISTA CENARIUM

Oracismo ambiental é um conceito que se refere à maneira como as comunidades étnicas minoritárias são desproporcionalmente afetadas por problemas ambientais de forma sistemática, como secas, enchentes, poluição industrial, entre outros. Em 2023, na Região Norte, a Amazônia registrou a seca mais severa de todos os tempos. No extremo oposto do Brasil, temos visto o Rio Grande do Sul ser afetado por uma das cheias mais severas já registradas, sendo as mudanças climáticas antrópicas e as políticas antiambientais os pontos comuns destes eventos climáticos extremos.

Apesar das causas de ambos os eventos serem as mesmas e ambos não serem comparáveis em grau, existe uma diferença crucial entre as secas da Amazônia e as cheias do Rio Grande do Sul: o racismo e a indignação seletiva por parte da sociedade e da mídia tradicional, também conhecidos como racismo climático. A atenção seletiva dada às cheias do Rio Grande do Sul em comparação com as secas da Ama-

Racismo climático: A diferença do engajamento social e cobertura da mídia tradicional sobre eventos climáticos extremos no Brasil

zônia destaca uma manifestação de racismo climático, onde a indignação e os recursos mobilizados, muitas vezes, favorecem eventos que afetam regiões mais privilegiadas. Enquanto as cheias no Rio Grande do Sul têm recebido ampla cobertura da mídia tradicional e desencadeiam uma resposta urgente das autoridades e da sociedade, as secas na Amazônia são, por vezes, relegadas a um segundo plano, com menos visibilidade e apoio nacional. Essa disparidade na resposta revela uma hierarquia de valorização das vidas e dos territórios afetados pelo clima, perpetuando as injustiças sistêmicas que marginalizam comunidades racializadas e menos favorecidas. A seletividade na indignação e cobertura destaca a necessidade urgente de reconhecer e enfrentar, não apenas, os efeitos imediatos das mudanças climáticas, mas também as desigualdades estruturais que perpetuam essas disparidades entre as diferentes etnias do Brasil.

Em uma carta publicada pelo periódico Science em maio de 2020, destacamos como os povos indígenas

eram mais vulneráveis à Covid-19 que a população não indígena. Posteriormente, um estudo publicado no periódico Lancet destacou que indígenas tiveram uma taxa de mortalidade por Covid-19 até três vezes maior que não indígenas durante a pandemia. Nossa publicação na Science já alertava fatores como vulnerabilidade socioeconômica, além de fatores genéticos como condições para esta parte da população brasileira ser enquadrada como grupo de risco da Covid-19, demandando ações para diminuir as disparidades de saúde pública entre a população indígena e não indígena. Outros grupos étnicos, como negros, também tiveram maior taxa de mortalidade, quando comparados aos brancos.

Com a seca recorde em 2023, muitas comunidades de povos tradicionais na Amazônia, sejam elas indígenas ou ribeirinhas, ficaram isoladas, muitas vezes, com acesso restrito a água potável, alimentos, insumos médicos e assistência médica. Políticos locais usaram a seca de 2023 para promover estradas na região, como a rodovia

ARTIGO – POR LUCAS FERRANTE
Por Lucas Ferrante
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Crédito: Arquivo Pessoal

BR-319, argumentando que a solução para o isolamento causado pela seca na região estaria na malha rodoviária. A afirmação é uma canalhice do ponto ético e uma ignorância do ponto logístico e científico, pois as comunidades afetadas na Região Norte estão nas margens dos grandes rios amazônicos e longe das rodovias e estradas planejadas. Além disso, a pavimentação de estradas na Amazônia, comprovadamente, aumentaria o desmatamento no bioma, exacerbando, consequentemente, as secas na região, o que potencializaria os eventos de secas os tornando mais frequentes. Neste cenário calamitoso, vimos a demora de resposta das autoridades em levar suprimentos básicos, como água potável a estas comunidades.

Por outro lado, as cheias no Rio Grande do Sul tiveram não apenas uma rápida resposta das autoridades, como uma mobilização nacional em torno da região, do resgate de pessoas a animais. Entretanto, não vimos a mesma agilidade na mobilização em levar suprimentos básicos na Amazônia. A seca também influiu diretamente no aumento de queimadas, causando milhares de mortes de animais e a perda de milhares de hectares de floresta, afetando ainda a população da região com a fumaça sufocante.

Destaco, mais uma vez, que não devemos comparar a gravidade entre diferentes eventos, ambos os eventos são trágicos, mas devemos comparar a diferença de mobilização da sociedade, mídia tradicional e, principalmente, governo em evitar que as tragédias se repitam. Esta diferença se reflete em números, ao buscarmos no Google as palavras-chave “Seca Amazônia 2023”, os resultados mostram, aproximadamente, 2 milhões e cem mil resultados para a busca, já quando buscamos “Cheia Rio Grande do Sul 2024” são encontrados, aproximadamente, 41 milhões e cem mil resultados, uma diferença que dispensa gráficos para ser visualizada. Quando se busca notícias com as mesmas palavras-chave, observamos 2.970 resultados para a seca na Amazônia que durou meses, com-

parado a, aproximadamente, 86.500 resultados para as cheias do Rio Grande do Sul que duram há semanas.

A diferença de cobertura de ambos os eventos climáticos extremos decorrentes das mudanças climáticas é clara, assim como a indignação e engajamento social e resposta do governo frente às catástrofes. É obvio que o povo do Rio Grande do Sul precisa de nossa mobilização e apoio! Mas o indígena também não? Outro ponto importante é que a preservação da Amazônia e da legislação ambiental do País resultam diretamente em mitigar as mudanças climáticas e, consequentemente, os eventos climáticos extremos

9 mil famílias indígenas impactadas receberá uma cesta básica de alimentos a cada intervalo de 15 dias, entretanto a ajuda é tardia comparada à população não indígena.

Frente ao cenário de mudanças climáticas e de intensificação tanto em frequência, quanto em magnitude dos eventos climáticos extremos, nunca foi tão necessário cobrarmos uma postura dos tomadores de decisão para o fortalecimento da legislação ambiental em todo o País, diminuição da exploração de combustíveis fósseis, e ainda para a preservação imediata da Amazônia, principalmente preservação dos territórios indígenas. Esta luta de preservação

“Com a seca recorde em 2023, muitas comunidades de povos tradicionais na Amazônia, sejam elas indígenas ou ribeirinhas, ficaram isoladas, muitas vezes, com acesso restrito a água potável, alimentos, insumos médicos e assistência médica”
Lucas Ferrante, pesquisador da Ufam.

que temos observado tanto no norte quanto no sul do Brasil. Olhar com atenção para o que se passa na Amazônia é o caminho para mitigarmos vários eventos climáticos extremos que tendem a afetar o sul e o sudeste do Brasil e isso não pode mais ser ignorado por toda a população e políticos. O racismo climático ainda afeta diferentemente a população nas cidades do Rio Grande do Sul, onde bairros de alto padrão e com melhor infraestrutura das cidades afetadas tiveram menor impacto que áreas mais pobres e com maior população negra. Este é um reflexo do racismo estrutural que molda os bairros e as zonas municipais de todo o País, marginalizando alguns grupos étnicos. Até 13 de maio, mais de 30 mil indígenas do Rio Grande do Sul enfrentavam falta de água e comida. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, divulgou que cada uma das

deste bioma tão importante para o mundo tem sido uma luta dos povos indígenas e tradicionais da Região Norte, e sem a batalha constante destes povos, catástrofes climáticas no sul e sudeste seriam bem mais recorrentes. A união do País nunca foi tão necessária, mas precisamos olhar para ambas as regiões brasileiras, se quisermos não nos afogar neste problema. Com base nos cenários que a ciência projeta para o meio e final deste século, eventos climáticos extremos devem se tornar muito mais frequentes, demandando ação imediata do governo brasileiro.

*Lucas Ferrante é biólogo e pesquisador, mestre e doutor em biologia e ecologia. Atualmente, é o pesquisador brasileiro que concentra o maior número de publicações nos periódicos Science e Nature, os dois maiores e mais importantes periódicos científicos do mundo.

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Alerta de seca severa

Pesquisas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) indicam intensidade nas secas dos rios da Amazônia

Carol Veras – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – As últimas pesquisas do Laboratório de Modelagem do Sistema Climático Terrestre (Labclim), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), coordenado pelo professor doutor Francis Wagner, indicam que a seca do Rio Madeira pode se agravar, entre os meses de junho e julho deste ano, com risco de atingir a cota de 5,50 metros de profundidade.

O Rio Madeira, que faz parte da bacia amazônica e atravessa os Estados de Rondônia e Amazonas, é o protagonista de uma das pesquisas. Com uma extensão total de, aproximadamente, 3.315 km, ocupa a posição

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Pescador ribeirinho carrega canoa no leito seco do Rio Solimões, em 2023
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Crédito: Ricardo Oliveira

de décimo-sétimo maior rio do mundo em comprimento.

O terceiro boletim e prognóstico sazonal hidroclimático do Amazonas, produzido pelo Labclim, indica um nível menor do que os apresentados nos anos anteriores. Segundo a análise, o prognóstico aponta que a vazante do rio nas regiões próximas a Humaitá terá início ainda neste mês.

As pesquisas do laboratório também analisam as previsões de outro importante rio da região, o Rio Negro. Ao que tudo indica, este afluente do Rio Amazonas — e considerado o sétimo maior rio do mundo em volume de água — ainda não atingiu a normalidade desde a seca histórica de 2023, quando, pela primeira vez, em 121

“O El Niño ainda está fraco, mas está configurado. Embora esteja perdendo força no mês de maio, está levando a ter menos chuvas na Bacia Amazônica, e isso faz com que os rios estejam abaixo do nível esperado para este ano”

Francis Wagner, coordenador do Labclim.

anos, ficou com menos de 13 metros de profundidade. Em 16 de maio, o Rio Negro apresentou a marcação de 25,82 metros.

O coordenador do Labclim explica que as análises indicam que extremos serão mais frequentes no Estado, com secas mais intensas e cheias mais impactantes. “Aquilo que acontecia a cada 40 ou 50 anos, como enchentes, está acontecendo cada vez mais frequentemente e em escala muito mais rápida”, confirma Francis Wagner. A previsão do laboratório apresenta 85% de precisão e cobre os próximos três meses.

Conforme o pesquisador, essa situação se torna irreversível a curto prazo devido ao aquecimento global. “As ações para retardar esses acontecimentos extremos precisam ser feitas em escala global, não só aqui na região. Precisamos diminuir o

consumo de combustíveis fósseis, principalmente”, alerta.

ESTIAGEM

As pesquisas do Labclim não confirmam que a estiagem deste ano possa apresentar resultados piores em comparação com o ano passado, mas demonstram níveis de chuva abaixo do esperado para o padrão analisado pelos “clusters” — conjunto de máquinas interconectadas que funcionam como um único sistema, aumentando a capacidade de processamento de dados — indicando um período tão intenso quanto o do ano passado.

O meteorologista explica que esse cenário ocorre pela intensificação do fenômeno El Niño, que se caracteriza pelo enfraquecimento dos ventos alísios e pelo aquecimento anormal das águas superficiais na porção leste do Oceano Pacífico equatorial. As mudanças, que ocorrem a cada período de três a sete anos, impactam o clima globalmente, alterando a temperatura e a distribuição das chuvas devido aos novos padrões de transporte de umidade no Pacífico.

“O El Niño ainda está fraco, mas está configurado. Embora esteja perdendo força no mês de maio, está levando a ter menos chuvas na Bacia Amazônica, e isso faz com que os rios estejam abaixo do nível esperado para este ano”, afirma.

IRREVERSÍVEL

O “Relatório sobre o Estado Global do Clima”, elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), divulgado em março, revela que o planeta quebrou todos os recordes de indicadores climáticos em termos de níveis de Gases de Efeito Estufa (GEE), temperaturas da superfície, calor e acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, cobertura de gelo marinho na Antártida e recuo dos glaciares.

O relatório confirma, por exemplo, que 2023 foi o ano mais quente já registrado em 174 anos de medições. A temperatura média global da superfície ficou 1,45 °C acima da linha de base pré-industrial, com a condição do El Niño contribuindo para o aumento da temperatura em 2023.

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Laboratório

O Labclim faz o monitoramento climático no Amazonas, a partir de previsões a respeito do clima, aquecimento global, enchentes e de estiagens na Região Norte. O laboratório é considerado um marco no desenvolvimento de pesquisas científicas nas áreas de ambiente, hidrologia, clima, variabilidade e mudanças climáticas, conduzidas por alunos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado.

A estrutura, localizada no prédio da Escola Superior de Tecnologia (EST) da UEA, na Avenida Darcy Vargas, Zona Centro-Sul da capital, foi adquirida em 2016, com recursos da Agência Nacional de Águas (ANA), por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A iniciativa atua em parceria com o Governo do Amazonas, para quem fornece boletins hidroclimáticos periódicos. O projeto também conta com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

A estrutura do Labclim é composta por três “Clusters”, utilizados em tarefas que exigem alto poder computacional, como simulações científicas, renderização de gráficos e análise de grandes volumes de dados.

O cluster Tambaqui é o maior deles, sendo utilizado para análises de dados mais pesadas, principalmente por alunos de doutorado. É destinado a desenvolvimento e integração de modelos matemáticos que representam os componentes do sistema climático terrestre e os processos

físicos, químicos e biológicos que determinam o clima e suas variações.

O cluster Aruanã representa um sistema menor, voltado para o processamento de inteligências artificiais e “Machine Learning”. O termo é um ramo da inteligência artificial que permite aos computadores aprenderem e melhorarem suas tarefas a partir de dados, sem serem explicitamente programados para isso. A máquina trabalha com algoritmos que processam dados de treinamento para criar modelos que fazem previsões ou tomam decisões.

O cluster Jaraqui é o menor dos três, servindo para tarefas mais básicas de programação e desenvolvimento. A sala dos computadores é sustentada por nobreaks e geradores, que não permitem que o sistema seja desligado, caso haja falta de fornecimento de energia.

Coordenador do Labclim, professor doutor Francis Wagner Crédito:
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Luis André Nascimento Revista Cenarium

Preparação para a estiagem

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), antecipou os possíveis impactos que possam ser causados pela estiagem neste ano. O mandatário anunciou a emissão de licenças ambientais junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para a dragagem em quatro trechos de rios do Amazonas.

Com a regularização, o processo deve ser iniciado antes do período crítico. “Estive junto ao governo federal expondo a preocupação que nós temos com relação à estiagem deste ano, que deve ser muito severa”, disse o governador.

“Nunca foi necessário, em 121 anos, fazer dragagem. Este ano, nós nos antecipamos, porque tudo leva à convicção de que teremos uma outra estiagem tão forte quanto à do ano passado. A fase que está agora é que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes [Dnit] pediu a licença do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas [Ipaam] para poder fazer o serviço”, afirmou o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, Serafim Corrêa, em declaração à REVISTA CENARIUM

Segundo o governador, comunidades do interior e da capital poderão ter dificuldades de acesso a mantimentos e água potável devido ao recuo dos rios. Outro agravante é o comprometimento da atividade econômica no Estado, devido à maioria das mercadorias ser transportada por meio fluvial. As secas também podem aumentar o número de ocorrências de queimadas e, como consequência, piorar a qualidade do ar.

“Como prevenção, estão sendo reservadas 100 mil cestas básicas e 83 mil litros de água potável para a distribuição por todo o Estado”, afirma. Para evitar o desabastecimento, Wilson Lima ainda recomendou às empresas que fornecem serviços essenciais, como fornecimento de água e energia, que possam estocar combustíveis e insumos necessários.

Estiagem no Lago do Piranha, em Manacapuru, no Amazonas
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Crédito: Ricardo Oliveira
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Da Amazônia para o ‘Oscar’ da ciência

Amazonense e professora de História, Blenda

Cunha Moura foi indicada ao Prêmio Capes 2024, considerado o “Oscar” da ciência brasileira

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*

A docente concorre com a tese “Livre pela minha natureza”, que conta histórias de mulheres indígenas apagadas da história da Amazônia Colonial

MANAUS (AM) – A amazonense e professora de História no Instituto Federal do Acre (Ifac), na cidade de Cruzeiro do Sul, Blenda Cunha Moura foi indicada ao Prêmio Capes 2024, considerado o “Oscar” da ciência brasileira. A docente concorre com a tese “Livre pela minha natureza”, que conta histórias de mulheres indígenas apagadas da história da Amazônia Colonial.

A tese disputa na categoria “Colégio de Humanidades – Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes”. No trabalho, Blenda Cunha Moura conta histórias de mulheres indígenas apagadas dos registros do tempo na Amazônia Colonial, com traições, vinganças, feitiçarias, amores e a vida cotidiana de quem resistia por liberdade.

Blenda é nascida no Amazonas, mas cresceu em Curitiba, no Paraná. Ela foi para Cruzeiro do Sul após passar no concurso para professora de História no Ifac. Ela também é doutoranda em História, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e mestre em História, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Também tem licenciatura no mesmo curso na federal do Paraná.

Crédito: Arquivo Pessoal

Atualmente, é membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) do Ifac, núcleo que fundou e coordenou de 2015 a 2018.

A TESE

Em entrevista ao ContiNet Notícias, Blenda Cunha Moura compartilhou que

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o tema para a tese de doutorado nasceu há 10 anos, ainda na formulação da ideia do mestrado. Na época, no entanto, seu orientador mudou a ideia do projeto, que só foi resgatada recentemente.

“Até que um belo dia [10 anos depois], eu peguei meu projeto original de mestrado [que era de mulheres indígenas], dei uma recauchutada, submeti na UFPR e fui fazer o doutorado. Acho que o fio que liga a primeira à última página é a busca por liberdade”, disse a pesquisadora ao ContiNet Notícias.

Moura afirma que a ideia da tese surgiu a partir de uma descoberta que ela fez sobre uma revolta do século XVIII. “Próximo a Barcelos [região de Manaus], tinha um líder indígena que queria casar com uma concubina – sua amante – e um padre proibiu. Nisso, ele articulou com outras quatro lideranças e saíram atrás de matar o padre, que acabou fugindo. Isso começou uma revolta, quando se juntaram mais 15 lideranças indígenas que decidiram ir até a capital acabar com

o domínio de portugueses. Porém, alguém denunciou o trajeto que eles iriam fazer e os portugueses fizeram uma emboscada e decapitaram todos”, conta.

Essa é a história da Revolta de Lamalonga. Mas, pesquisando no Pará, a descoberta deu uma reviravolta: a professora descobriu, ao ler documentos históricos, que quem tinha denunciado a revolta foi Dona Anna Maria de Ataíde, a esposa do líder que queria casar com a amante, para se vingar. E, logo após o assassinato, ela virou líder da comunidade no lugar do ex-marido. Para Blenda, isso mostrou uma “onda contrária a uma ‘ciência muito masculina”.

Sobre a indicação ao prêmio, Blenda acredita que vem em um momento de reconhecimento de mulheres indígenas na política, como Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, Francisca Arara, secretária estadual dos Povos Indígenas e Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Blenda nasceu no Amazonas, mas cresceu em Curitiba, no Paraná. Atualmente, é professora de História no Instituto Federal do Acre

O Prêmio Capes 2024 escolhe os melhores trabalhos de doutorado defendidos no Brasil, em 2023, em cada uma das 50 áreas de avaliação estabelecidas pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e que fazem parte do Sistema Nacional de Pós-Graduação. As premiações englobam dinheiro, bolsas de estudos, certificados e menções honrosas.

Dentre as 50 teses premiadas, três receberão o Grande Prêmio Capes de Tese relacionado a cada colégio de avaliação: Ciências da Vida, Humanidades e Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar. Serão concedidos prêmios especiais em parceria com a Fundação Carlos Chagas e com o Instituto Serrapilheira.  (*) Com informações do ContiNet Notícias e do Escavador.

Prêmio Crédito: Arquivo Pessoal
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Crédito: Arquivo Pessoal

Representatividade política

Indígenas Xavante estão se mobilizando para aumentar a representação política em Mato Grosso

Davi Vittorazzi — Da Revista Cenarium

Iniciativa

CUIABÁ (MT) – As candidaturas e os indígenas eleitos em Mato Grosso (MT) têm baixa representação na política, apesar do Estado abrigar 43 etnias e ter uma população de mais de 58 mil pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para mudar esse cenário, indígenas Xavante, que vivem em Campinápolis, a 544 quilômetros de Cuiabá, estão se mobilizando para aumentar a representação política já no pleito de 2024.

Segundo o vereador Geninho Tseredzapriwê Tsibodowapré (PSDB), 34 anos, desde 2003, os indígenas que moram em

Campinápolis conseguiram eleger um representante para o legislativo municipal. Na cidade, o número de cadeiras ocupadas por indígenas na Câmara aumentou para duas, entre 11 da Câmara.

Mesmo o Estado com um forte movimento indígena, não há ainda, na política, uma rede estruturada de apoio às candidaturas para os indígenas, conforme dados da própria Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), situação que reflete no resultado das eleições.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o Mato Grosso

teve um total de 12.851 candidaturas para cargos de vereador e prefeito em 2020. Deste número, somente 117 foram candidaturas indígenas aptas a disputarem o pleito. O resultado foi de apenas 11 pessoas eleitas desse grupo, o que representa 0,66% entre os eleitos.

Apesar do baixo percentual, a quantidade representou um aumento de 67% em relação ao período eleitoral anterior. Nas eleições de 2016, das 9.777 candidaturas aptas, 70 eram de pessoas indígenas e 8 foram eleitas, representando 0,48% do total.

dos indígenas Xavante, da região de Campinápolis (MT), visa melhorar a conjuntura de representação política
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Crédito: Paulo Dutra Revista Cenarium

Articulação política

Com ausência de um movimento de apoio, estruturação de candidaturas e educação política, uma iniciativa dos próprios indígenas Xavante, da região de Campinápolis, visa melhorar a conjuntura de representação política local.

“Atualmente, estamos discutindo várias vezes, desde 2022, uma articulação do movimento indígena Xavante. Em cada região, temos escolhido um representante para conversar com as comunidades”, disse o vereador Tseredzapriwê à REVISTA CENARIUM, sobre as ações de educação e articulação política.

Segundo o Xavante, a medida visa alavancar as candidaturas locais e eleger mais representantes em Campinápolis, que é o município de Mato Grosso com a maioria da população, 55%, que se declara como indígena, conforme o IBGE.

“Definimos um consenso para que, neste ano, possamos eleger mais de quatro pessoas para nos representar no Poder Legislativo Municipal”, relata. Segundo o vereador, em eleições anteriores, a comunidade indígena local não discutia estratégias e ficava sub-representada nos espaços de poder.

Ele ainda destaca que a representação é importante para buscar políticas pública que atendam a comunidades específicas dos povos que vivem na região. “A gente considera esse caminho de suma importância para nós mesmos falarmos das nossas necessidades. É isso que eu penso, é isso que o nosso povo pensa, ter uma representação maior nesse Poder Legislativo e, quem sabe, no Poder Executivo também”, avalia.

“Em cada região, temos escolhido um representante para conversar com as comunidades”

Geninho Tseredzapriwê Tsibodowapré, vereador de Campinápolis (MT).

Crédito: Arquivo Pessoal
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Gerações de poder

Homens e herdeiros políticos predominam no Senado

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – O Senado Federal completou 200 anos no último dia 25 de março, com predominância de parlamentares homens e herdeiros políticos. Desde a redemocratização até a última eleição, cerca de dois em cada três senadores eleitos vieram de famílias políticas. Além disso, nove em cada dez eleitos são homens. Apenas quatro mulheres negras foram eleitas para o Senado entre 1986 e 2022.

Dos 407 mandatos disputados nesse período, 274 deles, o equivalente a 67%

dos cargos, foram ocupados por pessoas com vínculos familiares com políticos já eleitos. Com isso, os senadores acabam herdando o capital político da família e se elegem apoiados pelo sobrenome. Esse levantamento é parte da pesquisa do cientista político Robson Carvalho, doutorando pela Universidade de Brasília (UnB).

“O que a gente tem, na prática, é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas

para quem apoia aqueles grupos político-familiares e também tratam os gabinetes como se fossem a cozinha de suas casas”, destacou o especialista.

Além disso, das 407 vagas disputadas, 363 foram ocupadas por homens, representando 89% dos mandatos disputados nas urnas. Apenas 44 vagas foram ocupadas por mulheres. Já as mulheres negras foram apenas quatro: Marina Silva, eleita duas vezes pelo PT do Acre, Benedita da Silva (PT-RJ), Eliziane Gama (PSD-MA) e Fátima Cleide (PT/RO).

Casa política completou 200 anos, no dia 25 de março
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Crédito: Marcos Oliveira | Agência Senado

“São resultados indicativos da reprodução das desigualdades políticas e prejuízos ao recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero e raça; à edificação de uma democracia plural”, conclui o artigo do especialista, apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho de 2023.

Para Robson Carvalho, a pesquisa mostra que o Senado é, majoritariamente, ocupado por famílias poderosas. “Parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é transmitido por hereditariedade e consanguinidade”. Segundo o analista, isso traz prejuízos à representação democrática do povo brasileiro.

“Grupos que lá também poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas, indígenas, indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, dentre outros. Isso ocorre em detrimento do acesso, quase que exclusivo, de homens brancos, empresários, originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias políticas”, afirma o artigo.

O cientista político Robson Carvalho destaca que o fenômeno do familismo político está presente nos mais diversos partidos de todo o espectro político, da direita à esquerda, destacando que, nem por isso, deve ser naturalizado.

Entre os políticos que estiveram no Senado entre 1986 e 2022, com ajuda da herança política, estão: Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; Lobão Filho (MDB-MA), filho do ex-senador Edison Lobão; Renan Filho (MDB-AL), filho do atual senador Renan Calheiros; Ronaldo Caiado (União-GO), neto de Antônio Totó Ramos Caiado, ex-senador por Goiás na década de 1920; e Rogério Marinho (PL-RN), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho.

Outros parlamentares que entraram no Senado no período e são de famílias de políticos eleitos, são: Flávio Dino (PSB-MA), Roberto Requião (MDB-PR), Flávio Arns (PSB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Romeu Tuma (PLSP), Espiridião Amim (PP-SC), Jorginho Mello (PL-SC), Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), Otto Alencar (PSD-BA) e Davi Alcolumbre (União-AP).

“O que

a gente tem, na prática, é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas para quem apoia aqueles grupos político-familiares”

Robson Carvalho, cientista político, doutorando pela Universidade de Brasília (UnB).

TODAS AS REGIÕES

A pesquisa destaca que a herança política é uma realidade de todos os Estados e de todas as regiões do País. “Não é uma característica só do Nordeste, como muita gente acha, ligada ao coronelismo lá na região”, destacou o doutorando.

No Estado de São Paulo, por exemplo, dos 15 mandatos disputados para o Senado, entre 1986 até 2022, nove foram de pessoas identificadas como de famílias-políticas. Mesmo número do Rio de Janeiro, o que representa 60% do total de mandatos disputados na urna.

No Paraná, 13 dos 15 senadores eleitos no período são de famílias políticas. O Rio Grande do Sul tem o menor percentual de eleitos com ajuda do capital político da família. Apenas 4 dos 15 mandatos foram ocupados com a ajuda da herança política das famílias no Estado gaúcho, o que representa 26% do total. Dois Estados aparecem com 100% de eleitos com vínculos político-familiares: Paraíba e Piauí.

Robson Carvalho destacou ainda que o fato de nascer em famílias com grande capital político já constitui uma vantagem, “tendo em vista a herança simbólica, o acesso a diversos capitais, que vão sendo construídos desde a infância, no espaço no qual o agente se encontra posicionado”.

MULHERES

Outro recorte da pesquisa é o de gênero, que mostra que o Senado foi, e ainda é, dominado por homens, que ocuparam 89% dos cargos disputados entre 1986 e 2022. Os Estados do Amapá e Piauí, por

exemplo, nunca elegeram uma senadora. Quem mais elegeu mulheres foram Mato Grosso do Sul (MS), com quatro mandatos: Marisa Serrano (PSDB), Simone Tebet (MDB), Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), sendo que apenas a última não possui vínculos político-familiares, segundo a pesquisa.

Os Estados de Sergipe (SE) e do Rio Grande do Norte (RN) elegeram mulheres três vezes. No caso de Sergipe, foram três vezes a mesma mulher: Maria do Carmo Alves (DEM), marcada pela presença de capital político-familiar.

O Rio Grande do Norte elegeu três mulheres, duas com capital político-familiar, Rosalba Ciarlini (DEM) e Zenaide Maia (PROS) “respectivamente, vindas de longevas e entrelaçadas famílias políticas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do PT, professora, de origem popular e sem conexões com famílias políticas”.

“Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato, chegando a 13, seguido das regiões: Norte, com 12; Centro-Oeste, com 10; Sudeste com 5; e, por último, a Região Sul, elegendo apenas quatro mulheres”, acrescenta o estudo.

Robson Carvalho conclui que essa realidade enfraquece a democracia brasileira. “Como é possível pensar em República sem representação de negros e mulheres que são a maioria da população, de indígenas, que são os povos originários da nação e de cidadãos de origem popular que são a grande maioria dos brasileiros?”, questiona.

(*) Com informações da Agência Brasil.

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Relatos de caos e recomeço

Nortistas que moram no Rio Grande do Sul conversaram com a REVISTA CENARIUM e relataram um cenário de guerra

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – As fortes chuvas e enchentes que afligem o Rio Grande do Sul transformaram cidades em um “caos” e “cenário de guerra”. É assim que definem os nortistas que vivem nas localidades e que relataram à REVISTA CENARIUM como foi viver o que é considerado o pior desastre climático do Estado. Agora, segundo eles, o que resta é esperar as águas baixarem, literalmente, e recomeçar.

A universitária do curso de Farmácia Sophia Pires, natural de Manaus, no Amazonas, está no Rio Grande do Sul há quatro anos e mora no bairro Canoas, um dos mais afetados pela inundação. Ela conta que, mesmo acostumada aos períodos

de cheia e seca da região amazônica, foi assustador presenciar a casa onde vive com a noiva e os sogros ser tomada completamente pela água.

“A gente tem seca, tem a cheia ali no Centro [bairro da Zona Sul de Manaus] e tudo mais, mas eu jamais imaginei que poderia acontecer uma coisa assim”, compartilha a amazonense, que agora divide, pelo menos temporariamente, uma casa em Quintão, praia do litoral norte gaúcho, com mais 19 pessoas e seis cachorros. A expectativa é voltar à residência, somar os prejuízos e recomeçar.

“O mais triste também vai ser voltar àquele cenário de guerra”, afirma. “Querendo ou não, eu, que vim do Amazo-

“O mais triste também vai ser voltar àquele cenário de guerra”

Sophia Pires, natural de Manaus.

Da esquerda para a direita: Maryely Ferreira, Sophia Pires, Thaís Waughan e Aldemir Caetano

nas, já vim para cá para recomeçar, para fazer uma faculdade, para melhorar de vida com os estudos. E é mais um recomeço, o sentimento é de criar forças para começar de novo”.

O consultor de investimentos Aldemir Caetano é amazonense e mora na capital gaúcha há um ano. Para ele, era impensável imaginar o que aconteceu em uma cidade “extremamente organizada e segura”. “Nunca imaginei viver uma situação como essa, até porque tem uma proteção contra a enchente, que não chegou nem perto de ser efetiva para essa enchente. Porém, se não tivesse esse sistema, teria sido bem pior”, analisa.

Caetano relata que apesar do apartamento onde mora não ter sido atingido, precisou ir para a casa de uma amiga, ou então ficaria isolado, sem telefone, energia, água ou lugar para comprar mantimentos.

“Aqui, em Porto Alegre, mais de 80% da população ficou sem água na torneira. Não tem água para comprar. Estamos com dificuldade para comprar produtos básicos, como o pão, por exemplo.

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Crédito: Arquivo Pessoal

Vários restaurantes não estão abrindo. Então, assim, é uma situação de caos, tá? E quem podia fugiu para outra cidade, para o litoral, principalmente quem tinha condições”, contou.

De Belém, no Pará, Maryely Ferreira é mãe de duas crianças e mora no Rio Grande do Sul há quase 15 anos, após ter se casado com um gaúcho. Ela conta que, para sair da cidade de Porto Alegre, um percurso que antes era de poucos minutos agora dura cerca de sete horas. Além disso, mesmo sem ter perdido algo ou alguém, presenciar o que acontece no Estado é “desolador”, afirma.

“Eu sou devota de Nossa Senhora de Nazaré, ela está na parte mais alta daqui da minha casa, onde eu me ajoelho e oro diariamente, para que tudo isso acabe, não só na minha cidade, mas estendendo por todo o Estado, porque é muito triste, é muito doloroso eu, como mãe, ver o sofrimento de outras mães, os olhinhos de outras crianças chorando, sem saber o que está acontecendo, que perderam tudo, só com a roupa do corpo, nesse frio

“É muito doloroso eu, como mãe, ver o sofrimento de outras mães, os olhinhos de outras crianças chorando, sem saber o que está acontecendo”

Maryely Ferreira, de Belém, no Pará.

ainda, dói muito, não tem como não se emocionar”, disse.

Maryely Ferreira mora em uma zona portuária, chamada de Rio Grande, e afirma que a preocupação que enchentes e alagamentos atinjam o local é constante. “Eu levei para o sótão algumas coisas, memórias afetivas, fotografia de casamento, HD, CDs do nascimento das minhas filhas, porque eu não queria perder, e eu coloquei tudo para o sótão”, lembra.

A jornalista e produtora de conteúdo Thaís Waughan também é manauara e reside com o noivo em Porto Alegre há

um ano e meio. Ela conta que recebeu um alerta da prefeitura para evacuar o bairro onde mora.

“A gente recebeu esse alerta para sair de lá porque tinha risco de alagamento. Então, foi aquela correria. A gente pegou as coisas. A gente optou por realmente vir para o litoral porque os pais dele têm uma casa, um apartamento aqui. E a gente veio com dois outros amigos nossos que vieram aqui com a gente. Vamos ficar por ficar aqui até a situação voltar ao mínimo possível de normalidade”, concluiu.

Crédito: Arquivo Pessoal Crédito: Arquivo Pessoal
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Crédito: Arquivo Pessoal

‘Centro fantasma’ em Manaus

Esvaziamento da região histórica preocupa comércio

Pinheiro – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Centro de Manaus, que já foi o coração pulsante comercial da cidade, aos poucos, prossegue com esvaziamento de lojas na região. Entidades do comércio de Manaus intitulam o fenômeno como “centro fantasma”. A Riachuelo e a Marisa foram as duas grandes lojas que fecharam nos últimos meses.

A equipe de reportagem da  REVISTA CENARIUM esteve nas principais ruas comerciais da região, onde foram observadas várias lojas fechadas e um fluxo pequeno de pessoas, cenário diferente, por exemplo, do período das festas de fim de ano.

No ano passado, durante sessão ordinária na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Manaus (CDL Manaus), Ralph Assayag, afirmou que o esvaziamento do Centro da capital ocorre devido à proliferação do que classificou como “cracolândia”.

Assayag citou dois locais onde há maior concentração de dependentes químicos, que são a Praça da Matriz e a Praça dos Remédios. Na Matriz, segundo o empresário, foram identificadas, aproximadamente, 40 pessoas “que já estão totalmente em estado de zumbi”, sob efeito permanente da droga.

Em entrevista à  CENARIUM, o presidente da CDL afirmou que foram detectadas, em setembro, áreas consideradas cracolândias no Centro e que, por questões de segurança, as lojas estavam optando pelo fechamento.

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“Foi detectado que temos uma área de cracolândia no Centro da cidade, isso atrapalha muito. As lojas dessa região começaram a fechar. Precisava ter um local para que eles pudessem ser mandados. Conseguimos o local, porém não pode ser mandados coletivamente. Temos a situação de pessoas que dormem na rua, na calçada, e ficam em frente de hotéis, que estão perdendo os seus clientes, porque o

cliente fica preocupado quando sai. Temos um problema de moradores que estão indo para outros bairros e deixam a casa abandonada. Os camelôs estão em áreas que têm a lei, a Loman, dizendo que eles não podem estar em tais ruas e estão”, explicou Ralph.

Ralph Assayag pontuou que, entre os meses de dezembro e janeiro, 18 lojas foram fechadas no Centro de Manaus.

“O

ponto crucial, no centro do miolo da Eduardo Ribeiro com a 7 de Setembro está fechando, isso é muito ruim. Isso vai deteriorando o Centro [...]”

Presidente da CDL, Ralph Assayag

Entre os fechamentos que mais chamaram a atenção, foi o das lojas de departamento Riachuelo e Marisa, localizadas na Avenida Eduardo Ribeiro.

“O ponto crucial, no centro do miolo da Eduardo Ribeiro com a 7 de Setembro está fechando, isso é muito ruim. Isso vai deteriorando o Centro e a gente vem brigando com as autoridades, para que façam o planejamento e a retirada daqueles que não são considerados camelôs. Então, tem uma série de coisas que os órgãos da prefeitura e do Estado tinham que estar se aparelhando, se organizando para isso. Como eles não fazem, automaticamente, o lojista fecha. São 18 lojas fechadas, no mínimo, 180 pessoas que foram demitidas, isso tudo é muito ruim e o Centro vai ficando envelhecido”, afirma o presidente da CDL.

A  CENARIUM esteve presente na área citada por Ralph Assayag e constatou o fechamento das lojas. Foi possível observar ruas vazias, principalmente na esquina entre as ruas Joaquim Nabuco e 7 de Setembro, onde, ao menos, cinco lojas estavam com placas de aluguel ou venda. Moradora do Centro, Dona Diva afirmou que nunca tinha visto o bairro tão pouco movimentado nos últimos 35 anos.

Crédito: Ricardo Oliveira

“O Centro não é o mesmo de antigamente. Hoje em dia, você vê menos pessoas na rua para comprar as coisas. Vemos que poucas pessoas vêm para cá, nem mesmo para a Feira da Eduardo Ribeiro, aos domingos. Eu nunca tinha visto desse jeito. É uma pena”, disse a moradora.

Prédio localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, onde funcionava a loja de departamentos Marisa
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“O Centro não é o mesmo de antigamente.

Hoje em dia, você vê menos pessoas na rua para comprar as coisas”

Dona Diva, moradora do Centro.

ESVAZIAMENTO GRADATIVO

O diretor de Planejamento Urbano (DPLA) do Implurb, arquiteto e urbanista, Pedro Paulo Cordeiro, afirmou que o esvaziamento vem acontecendo, há décadas, desde o momento em que as diversas estruturas do poder público começaram a sair.

“No caso, a própria sede do governo do Estado, a Câmara dos Vereadores de Manaus, a Prefeitura de Manaus, a Assembleia Legislativa do Amazonas, e assim sucessivamente. A próxima etapa desse esvaziamento se deu quando começaram a ser implantados os shopping centers na cidade de Manaus. Então, os comércios começaram a migrar para estes shoppings e, por último, logicamente, a questão dos moradores. Isso foi um processo que durou décadas, que não aconteceu do dia para a noite e, logicamente, a reocupação vai

acontecer da mesma forma gradativa”, disse Pedro.

De acordo com Cordeiro, qualquer plano de reocupação central dura, em média, de 10 a 15 anos.

MORADORES DE RUA

A subsecretária municipal de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Semasc), Graça Prola, informou que, segundo os dados do Cadastro Único (CadÚnico), em Manaus, há 1.672 pessoas em situação de rua.

“Temos adolescentes, crianças que estão sendo usadas na prática de mendicância, além dos idosos contabilizados em número de 23. Destes, dez retornaram para casa. Só temos hoje 13 que são intermitentes entre a rua e a casa. A faixa etária identificada pelo cadastro único de 25 a 49 anos foi a de maior incidência”, disse a subsecretária.

Graça Prola informou que as regiões da Praça dos Remédios e Praça da Matriz são as localidades onde há maior concentração de pessoas em situação de rua. A subsecretária ressaltou que ainda não há um censo que dimensione precisamente a quantidade de pessoas em situação de rua em Manaus.

Questionada sobre a situação citada por Ralph Assayag, a secretária da Semasc afirma que as pessoas não são responsáveis pelo esvaziamento do Centro. “É claro, ninguém é romântico para não dizer que,

muitas vezes, eles são usados para participar e não protagonizar. Há uma diferença dos assaltos, dos arrastões e até dos furtos, a gente diria. Mas eles não são os principais autores”, rebateu.

“As pessoas em situação de rua não são as maiores vilãs da violência, incluindo aqui os roubos, os assaltos, os furtos, os arrastões. Na verdade, a população em situação de rua enfrenta um problema bastante significativo, que é o uso abusivo de drogas, como o crack, que hoje permeia a população de um modo geral, não apenas a população em situação de rua, mas também o consumo de cocaína e de bebidas alcoólicas, como a cachaça, de modo geral”.

Pessoas em situação de rua dormindo em frente a um comércio fechado Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium 46 www.revistacenarium.com.br ECONOMIA & SOCIEDADE

Plano Nosso Centro

“As pessoas em situação de rua não são as maiores vilãs da violência, incluindo aqui os roubos, os assaltos, os furtos, os arrastões”

Graça Prola, Subsecretária da Semasc.

O diretor de Planejamento Urbano (DPLA) do Implurb, arquiteto e urbanista, Pedro Paulo Cordeiro, mencionou que uma das medidas de reordenamento da região é o programa Nosso Centro, que prevê três eixos estratégicos, os quais, segundo Pedro, estão relacionados às problemáticas.

“O Nosso Centro prevê três grandes eixos estratégicos, onde dois deles estão muito ligados a essa questão relativa da reocupação da área central. Um seria o Mais Vida, focado, principalmente, na questão habitacional, e o outro é a questão de mais negócios”, disse Pedro.

Assinado em março de 2023 pelo prefeito David Almeida (Avante), o projeto arquitetônico desenvolvido pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) planeja promover a reabilitação de um imóvel que, atualmente, se encontra sem uso e descaracterizado às margens do Rio Negro.

No dia da assinatura da ordem de serviço, o diretor-presidente do Implurb, Carlos Valente, afirmou que o complexo servirá como um porto turístico que intensificará a presença de turistas e moradores não apenas no Centro, mas em toda a região da Orla de Manaus.

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Loja vazia na Avenida 7 de Setembro Crédito: Ricardo Oliveira

Roraima tem ‘boom’ de exportações

Aumento foi de 134% em cinco anos e setor acumula

US$ 1,5 bilhão

Jacildo Bezerra – Da Revista Cenarium

BOA VISTA (RR) – Um estudo apresentado pela Secretaria de Planejamento e Orçamento do Governo de Roraima (Seplan-RR) aponta que, entre 2019 e 2023, o Estado exportou, aproximadamente, US$ 1,5 bilhão em mercadorias, um aumento de 134%. Roraima saiu de US$ 157 milhões em 2019 para quase US$ 369 milhões exportados em 2023.

Os gêneros alimentícios se destacaram na cartela de produtos mais comercializados. Lidera o topo da lista o item “soja e derivados”. A Venezuela continua sendo o principal parceiro comercial de Roraima. Do volume exportado nos últimos cinco anos, US$ 937 milhões foi para o país vizinho. A China foi o segundo maior comprador de Roraima, com US$ 100 milhões, seguido da Turquia, com US$ 87 milhões.

Segundo a economista Jádila Andressa, responsável pelo levantamento na Seplan, no primeiro mês de 2024, a balança comercial de Roraima apresentou superávit de US$ 16,5 milhões. Foram US$ 18,7 milhões em exportações neste recorte do período mensal.

“No ano de 2022, o Estado bateu recordes de exportações, bem como de saldo superavitário, e vem fortalecendo parcerias e relações comerciais, seja com os paí-

ses fronteiriços, seja com outras nações mundo afora”, disse ela.

O estudo da Seplan mostra que a soja e seus derivados seguem liderando as exportações da economia local e representam 53% do total exportado no mês de janeiro, com US$ 9,9 milhões. Os principais destinos foram: Argélia, Guiana, Venezuela, Itália, Noruega e Trindade e Tobago.

Na avaliação do secretário da Seplan, Rafael Fraia, Roraima ocupa o segundo lugar no ranking nacional na evolução da exportação de grãos (arroz, feijão, milho e soja). O total exportado, em 2019, era de US$ 51,13 milhões, quatro anos depois, chega a quase US$ 130 milhões, em 2023.

“O destino das exportações desses grãos é diversificado, nos últimos anos Roraima teve relações com 20 países, principalmente Rússia, Turquia, Venezuela, China e Espanha. A soja liderou, chegando a US$ 405 milhões de grãos exportados”, informou o secretário.

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NÚMEROS

US$ 16,5 milhões

No primeiro mês de 2024, a balança comercial de Roraima apresentou superávit de US$ 16,5 milhões, conforme a Seplan.

US$ 18,7 milhões

Do total do superávit de Roraima, US$ 18,7 milhões foram em exportações neste recorte do período mensal.

Grãos de soja. Grão e seus derivados lideram as exportações na economia local de Roraima

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Crédito: Noemi Pacheco Fotos Públicas

Entender os gastos pessoais é o primeiro passo, dizem especialistas

Driblando as dívidas em 2024

Planejamento Financeiro: estratégias para superar o endividamento e economizar

Da Revista Cenarium Amazônia*

MANAUS (AM) – Mesmo com a chegada de 2024, muitas famílias ainda terão de lidar com as dívidas feitas ao longo de 2023 e até antes. Em dezembro de 2023, pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (Fecomércio) mostrava que 76,6% das famílias estavam endividadas e 29% tinham contas em atraso.

O início de um novo ano pode, no entanto, ser um momento para repensar o planejamento financeiro, para evitar dívidas e até poupar para conseguir alcançar objetivos pessoais, como viagens e uma aposentadoria melhor.

A primeira orientação nesse sentido é entender os gastos pessoais. É o que recomendam diversas organizações que acompanham os hábitos de consumo, como a Serasa Experian, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

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Para isso, é importante calcular os gastos fixos mensais, ou seja, aquelas despesas que têm um valor igual ou muito semelhante todos os meses, como o aluguel, o condomínio, e as contas de luz, gás e água. Além disso, é preciso estimar despesas variáveis, gastos com valores irregulares. Para isso, a Febraban dá a dica de anotar os gastos de todo tipo, como roupas, restaurantes, feira e lazer.

O Serasa Experian recomenda que seja feita uma média dos últimos seis meses para entender o que essas despesas representam. Se o rendimento mensal não for um salário fixo, pode ser interessante também fazer uma média.

A partir do acompanhamento mensal é fundamental entender se as receitas conseguem cobrir todas as despesas, ou se os gastos estão ultrapassando a renda.

ECONOMIZE

Para economizar e fazer um orçamento adequado à renda, o Idec fornece algumas dicas de economia. Uma delas é buscar reduzir planos, como os de internet e telefone. Fazer pesquisa de preços é outra forma de conseguir adquirir bens e serviços, mantendo as despesas sob controle. O transporte público pode ser uma alternativa mais barata do que o carro e também ajudar no orçamento doméstico.

Hábitos de controle do consumo podem ser úteis, segundo o Idec, como sair de casa com o dinheiro contado para o que

NÚMEROS

76,6%

Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio mostrava que 76,6% das famílias estavam endividadas em dezembro de 2023 e 29% tinham contas em atraso.

R$ 20 mil

O governo federal oferece auxílio com o programa Desenrola para dívidas de até R$ 20 mil. O programa de renegociação foi prorrogado até 31 de março.

precisa, evitando compras por impulso, assim como pensar com antecedência as trocas de aparelhos celulares e óculos, estipulando um tempo mínimo de uso dos itens.

DEFINIR OBJETIVOS

Após entender o quanto gasta e fazer os ajustes para as despesas serem menores do que as receitas, o Serasa lembra da importância de se definir metas, pensar nos objetivos para daqui a seis meses, um ano e a longo prazo – férias na praia, uma televisão nova ou uma aposentadoria mais confortável.

Com isso em mente, é possível ter uma noção de quanto é preciso poupar ao longo dos meses para conseguir realizar os objetivos. O Idec destaca que o dinheiro deve ser investido, para evitar a perda de poder de compra causada pela inflação. Entre as opções de baixo risco para isso estão a poupança, os títulos de renda fixa – como os títulos do tesouro e o Certificado de Depósito Bancário (CDB) –, respaldados pelo Fundo Garantidor de Crédito, ou seja, que estão protegidos em valores até R$ 250 mil.

CUIDADO COM O CRÉDITO

Fundamental ainda é ter atenção no uso do crédito. Ferramentas como o cheque especial, que têm altos juros, só devem ser acionadas em caso de emergência. O parcelamento das compras no cartão deve observar a capacidade do orçamento familiar.

O Idec oferece dicas e uma planilha para facilitar o acompanhamento do orçamento pessoal em sua página, assim como um livro eletrônico sobre como fazer o planejamento.

DESENROLA

Para dívidas de até R$ 20 mil, o governo federal oferece auxílio com o programa Desenrola. Prorrogado até 31 de março, o programa consiste na renegociação de dívidas e limpeza do nome do consumidor. As regras de participação no programa e as informações sobre o perfil de consumidor elegível estão disponíveis no site do Desenrola.

(*) Com informações da Agência Brasil.

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Crédito: Marcelo Casal Jr | Agência Brasil

18 de maio é o Dia Nacional do Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Violência sexual infantil cresce no Amazonas

Estado registrou 90 casos de violência sexual infantil, no primeiro trimestre de 2024

Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Nos três primeiros meses de 2024, o Estado do Amazonas registrou 90 casos de violência contra crianças e adolescentes. Os dados são do Painel de Indicadores Criminais da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e representam um aumento de 54% em relação ao mesmo período de 2023.

No ano passado, houve um crescimento de 37% nos casos de estupro de crianças com menos de 8 anos, conforme dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2023,

Manaus registrou 451 casos, segundo levantamento da SSP-AM.

O Dia Nacional do Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, lembrado todo dia 18 de maio, foi instituído no Brasil em 2000, visando conscientizar e sensibilizar a sociedade sobre a importância da proteção infantil e reforçar as iniciativas de luta e justiça contra esse crime.

A data faz alusão ao caso da menina Araceli Cabrera Crespo, ocorrido no ano de 1973. A criança tinha 8 anos quando foi violentada e assassinada após sair de

casa para ir à escola. Apesar da condenação inicial dos suspeitos em 1980, o julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo e, em 1993, o caso prescreveu sem que ninguém fosse responsabilizado.

Estima-se que a cada hora, três crianças são vítimas de violência sexual no Brasil. Mais de 60% das vítimas de estupro no País têm até 13 anos. Conforme o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 64,3% dos abusos contra crianças e 48,8% contra adolescentes foram praticados por familiares, amigos ou conhecidos.

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Crédito: Divulgação

Alerta

É essencial ressaltar a importância de que os governantes e a população se mobilizem para prevenir e denunciar qualquer episódio ou suspeita de exploração sexual contra crianças, ou adolescentes. A educação sexual também é elemento fundamental no combate ao crime.

Segundo orientações do Conselho Tutelar, é importante estar atento aos sinais como mudanças repentinas de

comportamento, medo ou relutância em ficar perto de pessoas específicas, problemas para dormir ou pesadelos, e comportamentos sexuais inapropriados para a idade.

A denúncia pode ser realizada por meio do Disque 100, canal da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), que funciona 24 horas por dia. A ligação é gratuita e a identidade do denunciante é mantida em sigilo.

Caso

A ativista e influenciadora digital Ana Luisa Hickmann compartilhou, nas redes sociais, depoimento afirmando ter sido vítima de abuso sexual durante a primeira infância. Na postagem, Ana relatou ter sofrido a violência de um tio, que, na época, era uma pessoa muito próxima da família.

A criadora de conteúdo reiterou que, apesar de ser uma lembrança dolorosa, usa a sua experiência para honrar as vítimas que vivenciaram o crime e não puderam sobreviver, além de dar voz aos casos que foram silenciados.

“Minha dor se tornou uma missão. Cada lembrança dolorosa me impulsiona a lutar por justiça e proteção. A dor que uma vez me paralisou, agora, é o combustível que me mantém em movimento, transformando o sofrimento em ação”, escreveu.

“Eu sou uma sobrevivente de abuso infantil. Fui alvo de quem deveria me proteger. Eu tinha 4 anos, como a maioria também — que tem de 4 a 6 anos. Não tinha o conhecimento necessário para poder identificar que aquele tipo de toque não correspondia ao cuidado e sim ao abuso. E isso é muito confuso para uma ‘pessoinha’ dessa idade”, declarou.

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Reforço contra o garimpo

Forças Armadas reforçam combate ao garimpo ilegal na TI Yanomami

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – O Ministério da Defesa regulou a atuação das Forças Armadas na Terra Indígena (TI) Yanomami, para a segunda etapa da Operação Catrimani, que se estenderá de abril até 31 de dezembro deste ano.

Segundo a diretriz publicada no Diário Oficial da União do dia 8 de abril, os militares atuarão no combate ao garimpo ilegal.

Essa é a segunda vez que o Comando Conjunto Catrimani é ativado para atuar em apoio aos Yanomami. Na primeira etapa da operação, uma ação de caráter humanitário e emergencial reuniu esforços para o transporte e a distribuição de cestas de alimentos. Conforme o Ministério da Defesa, desde janeiro de 2023, foram entregues 36,6 mil cestas de alimentos, além de terem sido realizados 3.029 atendimentos médicos e 205 evacuações aeromédicas.

O Ministério coordenará a atuação dos militares, para contribuir com as ações governamentais na Terra Indígena Yanomami. Desta vez, as Forças Armadas concentrarão esforços para interromper o fluxo logístico das atividades de apoio e inutilizar a infraestrutura de suporte ao

garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Para isso, será estabelecido um posto de comando na cidade de Boa Vista, em Roraima.

IMPACTO

A reserva dos Yanomami é a maior do País e ocupa uma área de mais de 9 milhões de hectares nos Estados de Roraima e Amazonas, onde vivem mais de 27,1 mil indígenas (segundo o Censo de 2022), distribuídos em nove aldeias.

Além de afetar a subsistência dessa população, por meio da redução de oferta de recursos naturais, o garimpo ilegal tem causado sérios problemas de saúde aos indígenas, em decorrência da contaminação da água e solo por mercúrio.

A situação causada pela atividade criminosa levou o governo federal a decretar emergência em saúde pública em janeiro de 2023 e iniciar uma força-tarefa para desintrusar o território Yanomami. Apesar do garimpo ilegal ter desacelerado na região, a persistência da atividade criminosa ainda causa impacto na vida dos indígenas.

(*) Com informações da Agência Brasil.

56 www.revistacenarium.com.br POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Crédito:
Batata Greenpeace 57 REVISTA CENARIUM
Na imagem, sobrevoo, no dia 10 de maio de 2020, próximo às aldeias Waikás e Kayanaú
Chico

‘Dia Brasil’ sem a cara do Brasil

Artistas criticam Rock in Rio sem cantores da Região Norte

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) — Artistas da Região Norte do País criticaram a ausência de nomes dos sete Estados no “Dia Brasil” do Rock in Rio, festival de música que acontece no Brasil, em setembro deste ano. Personalidades como Gaby Amarantos, Joelma e Fafá de Belém questionaram a organização do evento.

Segundo a organização do Rock in Rio, o dia 21 de setembro será dedicado à música brasileira, sem artistas internacionais. Vão se apresentar artistas de sertanejo, samba, MPB, bossa-nova, música clássica, rap, trap e pop nacional.

A cantora Fafá de Belém questionou, por meio da rede social Instagram, onde estão os artistas que representam a região amazônica no line-up do festival. “A Amazônia não faz parte do Brasil? A cultura amazônica, nortista, não é parte deste País? Onde está @donaonete, @gabyamarantos vencedora do Grammy, @joel-

maareal, @ailamusic, onde estou eu?”, questionou.

A artista citou os ritmos regionais e representações culturais que ficaram de fora da programação. “Onde está o carimbó, o siriá, o boi-bumbá, o Caprichoso, o Garantido, Manoel Cordeiro, Felipe Cordeiro, Joelma Kláudia, Gangue

O fundador do Rock in Rio, Roberto Medina, disse que o Dia Brasil é uma tentativa de “tirar pessoas das bolhas”.

“A gente precisa sair da bolha que a gente está. A música une pessoas, que une quem é diferente. A coisa que fez eu tomar essa atitude de comemorar os 40 anos foi olhar para frente e não para trás.

(…) é através da música que a gente pode tirar essas pessoas das bolhas e a gente fazer um gesto de um mundo melhor. Um gesto para as pessoas conversarem mais. O mundo tá radical, onde ninguém quer ouvir ninguém. Essa era a hora de trazer os grandes artistas, as marcas e trazer todos vocês”, defendeu.

Ritmos regionais e representações culturais da Região Norte ficaram de fora da programação Música brasileira?
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Crédito: Weslley Santos | Revista Cenarium

do Eletro, aparelhagens (Carabao, Crocodilo, Tupinambá), Nilson Chaves, Arthur Nogueira, Suraras do Tapajós, Kae Guajajara, as guitarradas do Pará, o tecnobrega, artistas indígenas, e tantos outros que levam a cultura do Norte no seu sangue e na sua vida? O Norte será sempre visto como peça decorativa de festas da elite?”, acrescentou.

Por fim, Fafá de Belém menciona que o Norte, mais uma vez, continua sendo usado por conveniência e excluído quando não é interessante. “É muito triste sentir na pele a força da realidade batendo na nossa cara. O maior festival de música do País tem um ‘Dia Brasil’ e nos coloca da porta para fora. Mais uma vez, nos provam que o Norte continua sendo um artigo folclórico usado como e quando querem, para uma imagem cool. Pertencimento é muito diferente do

uso por conveniência. Nós aprendemos isso a duras penas, e exigimos respeito!!!”, conclui, questionando diretamente o Rock in Rio e o vice-presidente artístico do evento, Zé Ricardo.

As cantoras Joelma e Gaby Amarantos, ambas também do Pará, se mani-

festaram na rede social X. A primeira enfatizou que as músicas e sons do Norte também são músicas brasileiras. Já a segunda lembrou o prêmio que ganhou por “Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa” no Grammy Awards Latino.

Racismo cultural

A cantora amazonense Djuena Tikuna, referência da música indígena no País, chama a falta de artistas indígenas e nortistas no line-up de racismo. “Isso é reflexo de uma sociedade doente e de uma indústria cultural que segue o padrão colonialista de apagamento histórico que somos vítimas. E o dito maior

festival do Norte, o Sou Manaus, que não chama artistas indígenas?! Vivemos tristes tempos em que o mundo reconhece a importância das culturas indígenas e da nossa diversidade, enquanto aqui, no Brasil, eles se envergonham de sua ancestral identidade. Vai saber, para eles ‘índio’ bom, é ‘índio’ morto”, critica.

A cantora

indígena Djuena Tikuna
Crédito: Divulgação 59 REVISTA CENARIUM

A obra é centrada na festa Reahu, ritual funerário e a mais importante cerimônia dos Yanomami

‘A queda do céu’ em Cannes

A produção está na disputa pelo Olho de Ouro, o Prêmio do Público e o Prêmio Sociedade de Autores e Compositores Dramático Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – Novo longa-metragem brasileiro “A Queda do Céu” tem cartaz oficial e teaser divulgados na semana da estreia em Cannes. O filme, dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, terá sua estreia mundial na Quinzaine des Cineàstes (Quinzena de Cineastas), mostra paralela ao festival, voltada para novos diretores independentes e contemporâneos.

A produção está na disputa pelo Olho de Ouro (Oeil d’Or), o Prêmio do Público (People’s Choice Award) e o Prêmio SACD (Sociedade de Autores e Compositores Dramáticos). Além dos diretores, também estarão presentes o xamã Yanomami Davi Kopenawa, um dos maiores líderes indígenas do mundo, e o antropólogo francês Bruce Albert, escritores do livro

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Crédito: Divulgação

homônimo que inspirou o filme. A obra já é considerada um clássico da literatura contemporânea. Produzido pela Aruac Filmes, o filme é uma coprodução Brasil-Itália, da Hutukara Associação Yanomami e Stemal Entertainment com Rai Cinema, e de Les Films d’ici.

“A Queda do Céu” é centrado na festa Reahu, ritual funerário e a mais importante cerimônia dos Yanomami, que reúne centenas de parentes dos falecidos com a finalidade de apagar todos os rastros daquele que se foi e assim colocá-lo em esquecimento. A partir de três eixos fundamentais do livro (Convite, Diagnóstico e Alerta), o filme apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não indígenas, o garimpo ilegal, o cerco promovido pelo povo da mercadoria e a vingança da Terra.

O diretor Eryk Rocha entende a função do filme em mostrar a relação entre

os povos Yanomami e os napë (os não indígenas). “O nosso desejo no filme é de que a cultura Yanomami seja vista como uma cultura viva, contemporânea e florescente, mas também que a cultura napë veja a si mesma a partir de uma perspectiva xamânica e de uma geopolítica contracolonial”, explica o cineasta. A diretora Gabriela Carneiro da Cunha complementa: “O longa é a expressão cinematográfica do arrebatamento que tivemos ao ler o livro. Mas, principalmente, da nossa relação e do que foi vivido em carne, osso e espírito ao longo dos últimos sete anos ao lado de Davi, da comunidade Watorikɨ e dos Yanomami. É um filme onde a câmera não olha só para os Yanomami, mas para nós não indígenas também. E isso sempre foi um fundamento do filme, tanto para mim quanto para Eryk. Trabalhamos para fazer um filme que expressasse a materialidade onírica de uma relação”, explica.

(*) Com informações da assessoria.

“Estamos no começo do fim do modelo de predação generalizada dos povos e do planeta inventado pelo ‘povo da mercadoria’ há poucos séculos. A palavra do Davi não é, portanto, uma mera profecia exótica. É um diagnóstico e um aviso”

Bruce Albert, escritor da obra.

O filme apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não indígenas

Crédito: Divulgação 61 REVISTA CENARIUM

Belezas naturais do Sacre

Local tem cachoeiras e águas cristalinas que deixam os visitantes encantados

Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium

CUIABÁ (MT) – Um verdadeiro paraíso na terra pode ser visitado por turistas em uma aldeia indígena localizada em Mato Grosso (MT), especificamente na Aldeia Rio Sacre. O local tem cachoeiras e águas cristalinas que deixam os visitantes encantados.

A aldeia fica entre os municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal. A região tem uma cachoeira com uma deslumbrante queda d’água de 5,6 metros, que se junta às águas verdes-esmeralda do rio.

Aberta aos não indígenas desde 2019, a atração que promove o turismo na comunidade é de Ivo André Zokenazokemae, de 46 anos, indígena da etnia Paresi Haliti. Ele abandonou a profissão de enfermeiro para se dedicar ao turismo local.

Por meio das visitas, ele conta que os turistas conhecem, além das belezas naturais, a cultura indígena. “É um meio da gente abrir as portas e de estar rom-

pendo os paradigmas”, diz à  REVISTA CENARIUM

Após ser aberta, em pouco tempo, entusiastas aventureiros que gostam de explorar as maravilhas naturais começaram a frequentar o Rio Sacre e admirar a grandiosidade da cachoeira Salto da Mulher.

Para entrar no balneário é preciso pagar uma taxa de day use, ao custo de R$ 35, por pessoa. No local há a comercialização de comida, bebida, além do aluguel de quiosques (custos à parte). O local pode ser visitado durante toda a semana, sendo que costuma receber mais visitantes aos finais de semana.

O trabalho para cuidar do espaço é compartilhado entre as famílias que vivem na aldeia. Cada família é responsável por uma área, que também tem diferentes entradas. As tarefas divididas são de limpeza e manutenção do local.

Secom MT

Crédito:

Ivo também descreve que o projeto é importante não apenas pela economia, mas por mostrar a realidade que os indígenas vivem hoje. “Nós mostramos para muitas pessoas quem somos, de fato. O indígena contemporâneo do século XXI, da era digital e do mundo globalizado. Então, da nossa parte, não é novidade nenhuma [saber como vivem]. Muitas pessoas começaram a frequentar os nossos pontos turísticos, nossos atrativos, e começaram a entender que não é nada daquilo que foi comentado ou foi repassado por outras pessoas”, descreve.

Ele explica ainda que através do etnoturismo, é possível fazer um convívio social dos visitantes. “Além do momento de lazer, de descontração, também desenvolvemos atividades de convivência, em que as pessoas também possam ter a oportunidade de conhecer a cultura indígena e o turismo local”, completa Ivo.

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Aberta aos não indígenas desde 2019, a atração que promove o turismo na comunidade é de Ivo André Zokenazokemae, de 46 anos, indígena da etnia Paresi Haliti A região tem uma cachoeira com uma deslumbrante queda d’água de 5,6 metros
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Crédito: Secom MT

Acre no foco do mercado turístico

Estado ganha destaque como destino turístico em eventos nacionais e internacionais, em 2024

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – Consolidar o Acre como destino turístico nacional e internacional é uma das principais metas da Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete), que pretende manter a estratégia de divulgar o Estado e todo o seu potencial turístico em grandes eventos do segmento, procedimento adotado pela pasta desde o ano passado, e que se mostrou bem-sucedido.

Da 50ª Abav Expo, evento promovido pela Associação Brasileira das Agências de Viagens, em setembro de 2023, no Rio de Janeiro, o Acre participou com o apoio do Programa REM Fase II e da Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi), sendo representado por técnicos da Sete, membros de comunidades indígenas e de outras comunidades classificadas como casos de sucesso. O trade turístico também marcou presença no evento, expondo no estande do Estado, com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Na exposição, o Acre apresentou parte da sua gastronomia, arte e cultura indígena e as vivências que podem ser experimentadas durante os festivais, além dos principais destinos turísticos, como o Rio

Croa, o Parque Nacional Serra do Divisor e a Trilha Chico Mendes.

Em 2024, o Acre deverá estar presente em, pelo menos, cinco feiras, sendo quatro delas nacionais e uma internacional. Estão no cronograma da Sete os seguintes eventos: Fita – Feira Internacional de Turismo da Amazônia, em Santarém (PA); Salão Nacional do Turismo, no Rio de Janeiro (RJ); 51ª Abav – Expo Internacional de Turismo, em Brasília (DF); Festuris – Festa do Turismo, em Gramado (RS) e a Feira Peru Travel Mart, em Lima, no Peru.

A expectativa é de que, com a ampliação da divulgação do Acre nesses grandes eventos do segmento turístico, o Estado possa intensificar o número de visitantes turistas e se consolidar na rota turística nacional.

“O feedback que obtivemos no ano passado foi bastante significativo. O estande do Acre sempre faz sucesso e as pessoas demonstram muito interesse em conhecer o nosso Estado, as riquezas naturais, a gastronomia e todas as vivências turísticas que temos. Este ano, planejamos ampliar ainda mais os resultados”, atesta o titular da Sete, Marcelo Messias.

(*) Com informações da Agência Acre.

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“O feedback que obtivemos no ano passado foi bastante significativo. O estande do Acre sempre faz sucesso e as pessoas demonstram muito interesse em conhecer o nosso Estado”

Marcelo Messias, titular da Sete.

Rio Croa é uma das potências turísticas do Estado do Acre
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Crédito: Gleilson Miranda | Secom Fotos Públicas

Bonecas em homenagem a orixás

Artesã confecciona bonecas de pano que representam orixás femininos, divindades de religiões de matriz africana

Emilli Marolix – Da Revista Cenarium

As bonecas têm um significado de conexão com o plano espiritual

PARINTINS (AM) – A artesã e estudante de Serviço Social Ilciele Oliveira, de 32 anos, se destaca na criação de bonecas de pano que representam orixás femininos, divindades de religiões de matriz africana. Ela é umbandista e trabalha com artesanato há 17 anos em Parintins, município a 369 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas, onde começou na produção aos 15 anos, inspirada pela mãe, que trabalhava como costureira. Para a universitária, as confecções têm um significado de conexão com o plano espiritual. “Orixás são fragmentos de energia de um deus maior, de um ser supremo. Cada orixá representa a manifestação da natureza”, relata à REVISTA CENARIUM. Além das bonecas, a artesã trabalha com pontilhado, cocar, trançado, bordado e outros tipos de artesanato.

Crédito: Arquivo Pessoal

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Ilciele Oliveira, de 32 anos, é artesã e estudante de Serviço Social

O interesse para confeccionar as bonecas começou a partir das histórias contadas por um babalorixá, também conhecido como pai de santo, pai de terreiro, ou babá, que é um sacerdote das religiões afro-brasileiras.

“Comecei a ter interesse através de um babalorixá, o pai Márcio, que veio até nosso terreiro. Ele é de Candomblé e passou a contar histórias sobre os orixás e, por elas serem tão bonitas, eu comecei a fazer”, relatou a artesã.

MATRIARCADO

Com a confecção de bonecas de pano que exaltam religiões afro-brasileiras, Ilciele foi contemplada na Lei Paulo Gustavo, edital 08/2023. O projeto “Matriarcado”, que promoveu oficinas de artesanato para mulheres fora do mercado de trabalho, teve o objetivo de colocar a figura feminina numa posição de protagonismo por meio do empreendedorismo. Além disso, a proposta também contou com oficinas de confecções de ecobags e colares.

O trabalho consiste, também, em divulgar para o público a importância de conhecer e valorizar outras religiões e culturas. As oficinas foram compostas por mulheres da Casa de Acolhida, localizada no bairro Santa Rita, e do Loteamento Teixeirão, em Parintins.

CHAMADO

Segundo a artesã, o projeto surgiu depois de um chamado da Cabocla Mariana, uma guia de luz do terreiro no qual Ilciele frequenta. “Um dia, ela chegou comigo e perguntou se eu queria trabalhar com as mães solos. A cabocla do nosso terreiro tem uma visão muito além do que a gente imagina. Ela perguntou se eu queria trabalhar com matriarcado. Eu disse sim, e comecei a estudar sobre o assunto”, destacou.

A artesã é filha de Roselene Oliveira, mãe solo, o que fez com que o seu interesse pelo projeto Matriarcado fosse ainda maior. A exposição das bonecas ocorreu entre os dias 13 e 14 de maio deste ano, na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), e contou com a presença da comunidade acadêmica e de representantes da Umbanda e do Candomblé no município.

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Crédito: Arquivo Pessoal

Autismo: Luta contra o preconceito

‘Temos que enfrentar o capacitismo todos os dias’, diz mãe de três crianças autistas

Isabella Rabelo – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – “Temos que enfrentar o capacitismo todos os dias”. O relato é da estudante universitária Ana Mar, de 26 anos, mãe de três crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que destaca, no dia 2 de abril, data em que é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, os desafios do cotidiano com os filhos, que vão desde a falta de inclusão ao preconceito.

“Na infância, as crianças são muito cruéis, às vezes, por não entenderem o que está à sua volta, outras como um reflexo

dos pais. Quando aparece uma criança com alguma característica diferente, é muito fácil virar vítima de bullying no ambiente escolar”, relata a mãe atípica, termo usado para mães que lidam com a criação de uma Pessoa Com Deficiência (PCD).

Além de situações discriminatórias, os filhos de Ana Mar, que possuem 9, 6 e 4 anos, também enfrentam dificuldades no ambiente escolar e psicossocial. Segundo o Censo Escolar 2023, divulgado em fevereiro de 2024, há 636 mil alunos com autismo no Brasil. A Organização Mundial

da Saúde (OMS) aponta que a prevalência do TEA é de, aproximadamente, 1 em 160 crianças em todo o mundo.

“Temos a falta de um plano educacional que, de fato, seja inclusivo. Temos a falta de apoio escolar, de centros terapêuticos, de uma equipe psicopedagógica. O maior desafio que tenho hoje é, com certeza, a luta para que os direitos dos meus filhos não fiquem só no papel”, reiterou a mãe.

LEGISLAÇÃO

Além de alertar a sociedade, a data visa chamar a atenção dos governantes para

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que, por meio de leis e políticas públicas, o Estado possa apresentar soluções de acessibilidade e inclusão para as pessoas com TEA.

Uma das principais leis instituídas para atender pessoas autistas é a Lei Berenice Piana (12.764/12), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA e garante uma série de direitos, como o acesso ao diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar e inclusão social.

Juntamente com as políticas públicas desenvolvidas pelo governo, no Brasil também existem instituições que apoiam e instruem pessoas autistas e também a rede de apoio.

CONSCIENTIZAÇÃO

No Estado do Acre, a Associação Família Azul atua, há quase dez anos, auxiliando famílias. Para a presidente da instituição, Eloneida Pereira, a principal arma contra a discriminação é o conhecimento.

“Nosso foco é, com certeza, a conscientização. Nós trabalhamos com palestras nas escolas, rodas de conversa, tentamos informar as famílias sobre os direitos que elas possuem. Isso é, com toda a certeza, a etapa mais importante de toda essa luta”, declarou.

A psicóloga Raquel Silva afirmou compartilhar da mesma visão. “O Dia de Conscientização do Autismo serve, principalmente, para trazer informação, para que a sociedade se relacione bem com a diversidade, trazendo assim inclusão e

lutando contra a intolerância”, explicou a profissional.

Silva também alerta para a importância de um diagnóstico e tratamento precoces, a fim de que as pessoas saibam lidar com o que é diferente, bem como desmistificar o transtorno para leigos. Segundo ela, a ação ainda ajuda a entender e identificar os sinais, até mesmo precoces, o que é essencial para que haja uma maior evolução e maior qualidade de vida para essas pessoas.

“Temos a falta de um plano educacional que, de fato, seja inclusivo. Temos a falta de apoio

escolar, de centros terapêuticos,

de uma

equipe psicopedagógica”

Ana Mar, de 26 anos, estudante universitária, mãe de três crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Criança brincando com quebra-cabeça, símbolo do autismo
Crédito: Reprodução Adobe Stock
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Crédito: Reprodução

Crônicas do Cotidiano: Onde moram os mais pobres?

MANAUS (AM) - Onde moram os mais pobres? A resposta será sempre dolorosa para uma consciência honesta. E, do ponto de vista geográfico, de fácil localização pelos que se preocupam com a desgraça humana: moram na periferia do mundo! Lugares onde ninguém que superou a linha da pobreza quer ficar: nas baixadas alagadiças dos rios que cortam cidades populosas; nas encostas perigosas que pedem para desabar; nos lugares insalubres onde não chegam a água encanada, o saneamento básico, a luz, o transporte urbano digno; onde a violência animal se manifesta com a naturalidade que já não comove ninguém; onde a justiça se faz com as próprias mãos; ou, quando verdadeiramente chega o Estado, é da forma mais cruel, pondo em risco o único bem de que desfrutam, a vida. Assim, todos ficam expostos à mesma contingência e rotulações que os caracterizam, distinguindo-os dos demais, que passam a ter o direito a um pedacinho do mundo melhor. Nos momentos críticos: intemperes mais graves, enchentes dos rios, tsunamis dos mares, passagens desastrosas das ventanias; desabamentos de encostas e incêndios, os moradores se mostram, escandalizam ou despertam o “espírito de solidariedade” dos que não são culpados desse estado de coisas, dos culpados que temem o castigo e, ainda, dos que veem nisso as oportunidades inconfessáveis, dentre elas, aproveitar-se vergonhosamente dos momentos de crise para proselitismos variados. E louvo aqui aqueles que doam parte do que têm e que lhes são necessárias,

que tiram de si para doar aos outros ou se oferecem voluntariamente para servir e socorrer por amor ao próximo.

Esse mundo está, também, aqui pertinho de nós, esgotando toda a “toponímia messiânica”, de que nos fala Samuel Benchimol (Amazônia: um pouco antes e além depois. Manaus: Editora Umberto Calderaro, 1977), que levantou as nominações dadas às localidades na Amazônia no período do Ciclo da Borracha, revelando o “estado emocional e psicossocial do migrante nordestino… a personalidade e a identidade dos tipos humanos que aqui chegaram” (p. 336). O autor citado organiza os achados em cinco categorias que ele denomina: Toponímia messiânica da Salvação; do Sucesso e da Fortuna; da Misericórdia e do Desespero; da Paisagem e do Chão; da Lembrança e da Saudade (p. 335-339). Isso se repete em todo o mundo e não é novidade.

Quando se criou a periferia de Manaus, os novos migrantes foram denominando as áreas ocupadas dessa mesma forma, termos que expressavam esperança, sofrimento, desprezo, abandono e até preconceito. Foram tomados de novelas, de espetáculos famosos, de filmes, de termos bíblicos e de esperança de trabalho, dando origem aos bairros da cidade: Cidade das Palhas (formada pelos expulsos da Cidade Flutuante, destruída no início da Ditadura); Planeta dos Macacos; Coroado; Compensa; Rota 1, Rota 2,… até Rota 7, rotas dos ônibus que arregimentavam os primeiros trabalhadores do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus; Novo Israel

(aterro sobre um lixão da cidade); Monte das Oliveiras; Nova Esperança; União; Sapolândia (sobre o aterro da lagoa sanitária de um conjunto habitacional). Mais recentemente, “Porco Fumado” e “Faixa de Gaza”, na Zona Vermelha da cidade, ocupada por milícias.

Juntam-se às coisas citadas outras mais complexas, que a ciência explica e os negacionistas recusam a aceitar, é o caso do que estamos a ver no Sul do Brasil. O negacionismo ambiental, negacionismo às vacinas, à ciência de modo geral, mostrou as suas garras e o resultado está aí: esse triste espetáculo, onde os pobres são os mais afetados; as estruturas seculares da urbanização desabam por falta de manutenção; o labor humano é reduzido ao nada; remediados migram para casas de praia ou se preservam nos melhores lugares da geografia da cidade e acionam os seus seguros em eventuais perdas e danos; o País se comove e os que desconhecem os pobres que moram a seu lado são tomados de espanto; outros, meliantes de carteirinha, furtam barcos de salvamento; e os cretinos de luxo só pensam nas dispensas de licitações. É preciso socorrer e proteger os flagelados, independentemente da condição social, mas é preciso, também, aprender com a nova realidade e, na reconstrução, pensar criticamente nos nossos velhos problemas!

(*)Jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo; Professor emérito da Universidade Federal do Amazonas.

ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA
Walmir de Albuquerque Barbosa
70 www.revistacenarium.com.br
Crédito: Acervo Pessoal

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