Super Poderosa
Quem é ela? Parte 1
— A polícia ainda não tem explicações plausíveis para dar á população sobre a recente
onda
Comerciantes pessoa,
de
captura
locais
alguma
de
relatam
coisa
com
bandidos. que
uma
velocidade
sobre-humana tem agido contra criminosos. Francisco Plínio de Arruda, funcionário da pizzaria Central relata sobre a ocorrência da noite
anterior:
“Os
bandidos
estavam
prestes a levar o dinheiro do caixa quando um vendaval entrou pela porta da frente! Foi
incrível!”
Indagado
se
conseguiu
identificar alguma coisa, respondeu que não. O jornal é jogado sobre a mesa. — Fiz questão de guardar para você. Li esse trecho da reportagem porque é o mais interessante, já que o jornal todo está repleto de reportagens desse tipo. Tem até uma matéria na qual os cidadãos opinam sobre o que você é, dá para acreditar? Você gosta disso não é? — Meire acende o cigarro. Encostada na porta do gabinete da delegada
está
a
protagonista
da
reportagem. Trata-se de uma jovem de cabelos claros, olhos grandes, verdes. Os lábios finos, o busto médio e as pernas esguias.
A
barriga
à
mostra
irrita
a
delegada Meire. O corpo atlético da superheroína é impressionante. Super-heroína, dá para acreditar? Meire ainda custa.
— Gosto — responde ela, a voz é de gente. Veste mine-blusa branca com um raio dourado
no
peito,
luvas
sem
dedos
amarelas cobrem suas mãos. Traja calça branca com raios laterais dourados e botas brancas de asas amarelas nas extremidades completam o uniforme. — Eu devia contar pra eles que conheço você — Meire apaga o cigarro que acendeu há pouco — Preciso parar com isso. — Acho que nossa pareceria funciona bem como está, Meire. — É verdade. Mas eu ainda não consigo
aceitar
que
você
exista
—
a
delegada aponta para a heroína. — Já pensou
no
dinheiro
que
você
poderia
ganhar? — Eu quero ajudar as pessoas, só isso. — ela desaparece seguida de um
vendaval que derruba a papelada em cima da mesa da delegada. — Merda! Odeio quando ela faz isso. Meire é alta, dos olhos verdes sem maquiagem e cabelos curtos. Veste-se com blazer negro e a arma da corporação descansa
no
coldre
embaixo
do
braço
esquerdo. A camisa é branca, os sapatos escarpam, pretos. Acende outro cigarro e relaxa em sua cadeira grande: — Esse mundo está de cabeça para baixo — diz a si própria. O fato era que os crimes em Santa Paz, cidade conhecida pela ironia do nome, tinham diminuído bruscamente. Desde o surgimento
daquela
menina
com
superpoderes a cidade vivia dias nunca antes possíveis. Santa Paz agora era santa paz mesmo. — Onde será que ela está agora? — divaga sozinha a jovem delegada.
O silêncio do ambiente faz a superheroína
frear
bruscamente.
Ela
não
identifica o local em que se encontra. Saara? Talvez. As
estrelas
brilham
com
toda
intensidade no céu, são muitas. A terra árida sem vestígio humano é um convite à paz; ao caminhar. Ela anda, não sente frio. A mente divaga, ainda é mais rápida que o corpo mágico. Vai longe, onde não pode chegar por outro meio, vai para casa. Os passos
são
lentos,
ela
sente
falta
de
caminhar, de ser normal. Esconde-se, tem medo de ser descriminada. Faz o que faz por ensinamento, deve muito à Clarice.
Quem é ela? Parte 2
Nove horas da manhã o celular de Meire Teixeira, a delegada titular do 1° distrito de Santa Paz, toca. É cedo, ela teve uma noite terrível. — Alô? —
tenta não falar como
alguém que acaba de acordar. —
Temos
um
problema
aqui
na
delegacia, Dra. Meire. Uma advogada exige falar com a senhora. — Tá — Meire se levanta — Eu já vou. Advogados
sempre
exigem
tudo.
Acham-se mais gostosos do que os outros, pensa Meire enquanto banha-se. Costuma
chegar á delegacia onze horas, tudo está tranquilo ultimamente. Sua família reside na capital e ela por conta da nomeação veio à Santa Paz. Formara-se em Direito há dois anos, é jovem, bonita, não tem intenção de se casar. Quando estaciona o seu carro de luxo atrás do prédio antigo do 1º Distrito Policial, faz o sinal da cruz. É costume de família, antes de iniciar o trabalho pedir proteção. Cumprimenta os policias que encontra pelo caminho até sua sala. Fita a porta e lembra-se da última vez que estivera ali; da super-heroína encostada no batente. Era loucura,
admitia.
Mercúria,
dá
pra
acreditar? Era esse o nome da garota peculiar. Meire balança a cabeça como se o gesto
físico
afastasse
os
pensamentos.
Senta-se e então a porta se abre: — Doutora Meire?
— Bom dia. Ia pedir para chamá-la, mas a senhora se antecipou. — Sou a Doutora Valéria, prazer — a bonita senhora estende a mão cheia de pulseiras e anéis — Vim falar pessoalmente com
a
senhora
estampando
as
sobre
primeiras
quem
vem
páginas
dos
nossos jornais. — O que tem? Valéria veste-se com blazer cinza e os cabelos dourados bem penteados descemlhe
pelos
ombros.
Olhos
castanhos
contornados por maquiagem analisam a delegada. Diz: — Preciso saber quem é. Sei que a Doutora tem uma “relação” com essa coisa. — Não tenho nada a ver com essa coisa — Meire gesticula negativamente — Mas só por curiosidade, posso saber o motivo?
— Danos ao patrimônio de meus clientes — a advogada joga um volume de processo
na
mesa
da
delegada
—
Dilapidação do patrimônio de vários donos de
lojas
e
bancos
—
ela
acrescenta
exemplares do Jornal Cidade. — Doutora, ela prendeu bandidos, salvou vidas — esclarece Meire. — Ela precisa assumir os prejuízos causados aos donos de lojas que invade. Veja este orçamento — Valéria abre o processo — Vidraças, balcões, paredes, tudo danificado. — Não sei quem é ela, lamento — Meire puxa o maço de cigarros. — O repórter Marcelo Siqueira me informou que a doutora tem “amizade” com ela, ele, ou seja lá que tipo de coisa seja. — Marcelo é um mentiroso! Valéria se levanta:
— Por enquanto, essa anomalia só causou danos patrimoniais... — Acha que ela vai matar pessoas? Por favor, doutora. Valéria responde com indagação: — Se a senhora pudesse fazer algo extraordinário, o que a impediria de oprimir as pessoas? Meire
silencia,
não
tinha
pensado
nisso. Valéria finaliza: — Estou com vários processos contra a coisa, mas todos estão parados. A Justiça não tem como julgar um ser que não tem características humanas e nem mesmo uma identidade. — Se eu soubesse de alguma coisa diria, Doutora Valéria. — Está bem — a elegante advogada se vira. Meire observa ela sair, ela é bonita.
Quem é ela? Parte 3
É tarde da noite, a delegacia está vazia, tem se tornado rotina para Meire alongar o expediente. Os policias de plantão estão nas ruas e sua desculpa para estar ali é o trabalho atrasado. Na verdade, o que ela espera é a chegada da super-heroína. O vendaval anuncia Mercúria: — Tem uma maluca que quer ferrar com você — Meire não tira os olhos do computador — Ela não pode não é? Você não é humana, é? Mercúria aproxima-se com velocidade. Os papéis de Meire se espalharam.
— Você não sabe andar? A heroína responde: — Eu andei. — Levantei para você alguns dados dela — Meire recolhe as folhas que tinham se espalhado com o vendaval — Dra. Valéria Albuquerque, advogada conhecida na cidade. Ficou uns anos sem dar as caras, mas voltou a atuar recentemente. Quando Mercúria observa a foto em um documento, lágrimas ajuntam em seus olhos. Ela procura afastá-la antes que Meire perceba: — Ela entrou na justiça contra você, dá pra acreditar? Pleiteia a reparação dos danos patrimoniais que você tem causado na captura de bandidos. Acho que precisa conversar com ela, mostrar que tem boas intenções, sei lá. Era difícil para fazer o que sugeria a delegada. Mentiu:
— Está bem. Vou pegar uns bandidos agora e antes do final do meu turno passo lá. Meire assente e depois diz: — Eu vou para casa. Procure não arrumar muita confusão. Enquanto avança em supervelocidade pelas
ruas
da
periferia
de
Santa
Paz,
Mercúria tem a mente distante; em Valéria. Para
afastá-la
dos
pensamentos,
uma
senhora está sendo assaltada em uma esquina escura. Ela acelera o passo e com um soco veloz derruba o primeiro bandido. A velha cai e quando Mercúria tenta erguêla, o disparo de um flash a deixa confusa. — Parô, parô! Não somos bandidos! — a senhora fala como homem. — Mas o quê? A velha se levanta e retira a peruca, revelando-se
um
homem.
Ele
tem
os
cabelos
castanhos
bem
curtos,
as
sobrancelhas grossas, os olhos castanhos e um cavanhaque no queixo. É mais baixo que a maioria dos homens como se feito para o disfarce. — Nem tente quebrar meu celular! — ele lê os pensamentos da velocista — A imagem
estava
programada
para
ser
enviada ao jornal assim que eu batesse. Sabia que não teria mais de uma chance. Nossa, você é real! — ele se excita. — Eu posso descontar a minha raiva na sua cara, o que me diz? Ele se afasta: —
Você
é
gata,
puxa.
De
outro
planeta? — E você é enxerido demais. — Prazer, sou Marcelo Siqueira — ele estende
a
mão,
mas
Mercúria
não
o
cumprimenta — Isso é incrível! Eu coloquei nas matérias que
fiz
sobre
você, que
tratava-se de um alienígena. Estou certo, não é? Mercúria desconversa: — Posso pedir pra não publicar a foto? Eu não quero publicidade... — Pôxa, os cidadãos de Santa Paz querem conhecer você! O mundo todo quer saber dos seus poderes, da sua história! — Não quero atrair atenção. Não sei dos
inimigos
que
podem
usar
essas
informações. — Relaxa! Você é a única que tem superpoderes por aqui Que mal pode haver? Para contrariar o que diz Marcelo, uma explosão consome o local onde os dois conversam. Mercúria teve tempo de salvar o repórter, mas o outro que participou da manobra para obter a foto da heroína está morto. Quando a fumaça dissipa, Mercúria identifica a figura de uma mulher.
Quem é ela? Parte 4
Trata-se de uma moça de pele escura, de cabelos negros, lisos, compridos demais e olhos amarelos. Veste-se com colete de couro e calça de couro agarrada às coxas. Tem braceletes e caneleiras de ferro polido. O abdômen musculoso está à mostra e na mão direita, uma marreta. Marcelo ainda está de mãos dadas com
Mercúria,
ambos
parecem
não
acreditar no que estão vendo. A mulher caminha na direção dos dois: — Finalmente encontrei você — a voz dela parece masculina.
— Quem é você? — Mercúria recua um passo. — Eu é que pergunto: você sabe quem é? —
Sou
Mercúria,
a
protetora
da
cidade! A inimiga ri, é alta e forte. — Então venha, Mercúria! Me mostre o que sabe fazer! — ela levanta a marreta. Mercúria corre para atacá-la, mas antes de alcança-la sente um peso estranho atingir seu corpo e depois, como se uma flor desabrochasse em seu peito, sente dor. O barulho de explosão se faz mais uma vez e ela cai de costas no meio da avenida. —
Tão
previsível,
heroína,
tão
previsível — ela ouve a voz da inimiga. A ferida se regenera com velocidade, permanecendo apenas o tecido danificado do
uniforme.
Mercúria
ganha
fôlego
e
senta-se.
Marcelo
observa
tudo
com
espanto. — A regeneração celular é um dom útil não é? — a inimiga diz — É bom que você
também
tenha
desenvolvido
esta
habilidade, posto que terei mais tempo para te fazer sofrer. — Como pôde matar aquela pessoa inocente? — Mercúria se coloca em pé. — O que pretende fazer? Correr? Não é só isso que sabe fazer? — Não. Mercúria avança mais uma vez em supervelocidade e desfere uma sequência de chutes que aprendera com Clarice. A inimiga recua dois passos. — Isso foi bom. Mas tenho algo melhor. — a adversária aponta a mão para Mercúria
e
várias
pequenas
acontecem pelo corpo da heroína.
explosões
Ela cai pela segunda vez. Mateus a fita da calçada, por que não fugiu? — Ninguém sobrevive às explosões de Ardente. Esperava mais de você, já que é da família. —
Família?
—
os
ferimentos
de
Mercúria se regeneram rapidamente e ela teme por abusar do recurso. — Pelo visto, não sabe nada sobre seus poderes. — Ardente sorri com desdém. — Não me importa! — A velocista já está de pé. Ardente sorri com malícia e depois avança
com
sua
marreta
levantada.
Mercúria desvia com rapidez e aproveita a distração de Ardente para lhe desferir um soco veloz no rosto. A vilã cai. Mercúria a pega pela perna e a arrasta com velocidade, mas chamas em sua mão fazem-na largar Ardente:
— Quer bancar a heroína, não é? — a vilã estende a mão — Seu amigo não tem o poder de se regenerar das explosões. — Ela se vira para Marcelo, que estava do outro lado da rua. Não!
Mercúria
dispara
em
supervelocidade e tem tempo de ver o ar faiscar na altura da cabeça do repórter. Quando está correndo, tudo parece lento demais
e
ela
pode
observar
o
ar
se
transformando em explosão. O truque de Ardente é mudar as moléculas atômicas das coisas e transformá-las em bomba. A heroína chega antes da explosão e com o próprio corpo protege Marcelo. Ela cai com as costas desfiguradas
Quem é ela? Parte final
Marcelo segura o corpo pesado de Mercúria, ele não sabe o que fazer. Ardente se aproxima para terminar o seu trabalho, imagina o
jovem. Para
a surpresa do
repórter Mercúria desperta: — Não é a mim que você quer? — ela diz com a voz fraca. Marcelo repara que o ferimento nas costas da heroína já não se regenera. Imagina que ela está no limite das suas forças. — Eu vou dar um jeito nisso! — Mercúria diz ao se afastar do repórter.
Avança em Ardente,
supervelocidade
agarrando-a
pela
contra
cintura
e
empurrando-a para longe. Atravessa a cidade, o estado, o país, utilizando a inimiga como escudo para atravessar paredes e árvores. Quando para, Ardente está inconsciente. Ela treme. As pernas não suportam o peso do corpo. Os joelhos se dobram, os músculos estão no limite. Mercúria sabe que precisa de tempo para voltar. Ela está ofegante,
o
cérebro
continua
pensando
rápido. Quem é Ardente? Por que deu a entender que pertencem a mesma família? Quem é ela própria? Mercúria
acorda
algumas
horas
depois. O corpo de Ardente não está mais ali e ela se espanta. A vilã teve a chance de liquidá-la
e
não
o
fez.
O
seu
corpo
regenera-se o possível para voltar para casa
e Mercúria sabe que não pode abusar dele. O
corpo
realiza
processos
físicos
com
supervelocidade, por isso ela precisa se alimentar com frequência para manter as funções fisiológicas normalizadas. Ela corre de volta em ritmo menos intenso. Chega em casa uma hora depois da partida. O uniforme está um trapo. Ela o retira e observa que está mais magra. Abre a geladeira e pega a tigela de macarrão, deve estar bom. Sem esquentar, começa a devorar o alimento e imediatamente sentese melhor. Suspira aliviada. Depois de devorar tudo que havia na geladeira, a heroína está satisfeita e salva. Descansa no velho sofá da sala. Fita o teto forrado de madeira e percebe que caruncho começa a destruí-lo. Lembra que tudo é transitório,
sente
saudade
de
Clarice.
Recorda-se do seu nome, Verônica. Mora em um sobrado no centro da cidade e
trabalha como vendedora de revista e livros usados no Sebo deixado por Clarice, no andar debaixo. Desde o falecimento da tutora, assumira o negócio. A vida havia mudado com velocidade superior a que ela podia atingir, era o que pensava. O jornal que chegou cedo, junto com a abertura do Sebo tem uma reportagem especial de capa. Verônica fica surpresa, era bombástico. O repórter Marcelo Siqueira tinha publicado sua foto e feito uma matéria reveladora. A foto era de perto, detalhes do uniforme, do cabelo estavam nítidos. A dona do Sebo começa a ler e sente seu estômago embrulhar. O repórter anuncia que a super-heroína da cidade chamava-se Mercúria
e
que,
como
a
imagem
demonstrava, tinha aparência humana, mas poderes sobrenaturais. O repórter elencou dois: a supervelocidade e a regeneração
instantânea. Por último relatou o embate com a supervilã Ardente e o salvamento heroico de sua vida pela heroína. Torcia para que ela estivesse bem e lamentava a morte da pessoa que estava trabalhando com ele naquela noite. — Oh, droga! — diz a moça ao fechar o jornal.
Eu sou Mercúria Parte 1
Mercúria avança
veloz pelo bairro
nobre da cidade. Visa o apartamento do repórter Marcelo Siqueira. Tem assuntos importantes para tratar com ele. Antes que o porteiro se dê conta, entra seguida do vento e sobe as escadas até o vigésimo andar. Toca a porta por várias vezes e quando o repórter abre, entra rapidamente: — Que história é essa de contar sobre meus poderes e o meu nome? Ele deixa cair a caixinha de yakisoba que jantava.
— Só estava fazendo meu trabalho — argumenta. — Quer jantar? Você come né? — Viu o que aconteceu na noite passada, as pessoas que aquela maluca de martelo matou. Ela virá atrás de você! — Fique tranquila, eu sei me cuidar. Vou pegar uma caixinha pra você. Moro sozinho
e
só
como
essas
coisas
que
entregam. — Eu não vou estar por perto o tempo todo,
Marcelo.
—
ela
aponta
para
o
repórter. — Me chamou pelo nome! Estamos progredindo. Mercúria suspira: — Não adianta falar com você, não é? Ele se levanta para buscar o yakisoba, mas quando volta não há ninguém na sala. Mercúria tem receio de ir à delegacia e colocar a vida de Meire em risco. Ela sabe que a qualquer momento pode ser atacada
novamente por Ardente. Por falar na vilã, tinha dúvidas que precisam ser esclarecidas por ela, afinal era a primeira que encontrou com poderes sobre-humanos. O que lhe resta é patrulhar a cidade e fazer o seu trabalho. Na periferia ela se depara com crianças dormindo em um galpão abandonado, era a primeira vez que as
via.
São
abandonadas
treze, pelos
ela
conta.
órgãos
Todas
públicos,
pessoas e mídia. Pela primeira vez não sabe como agir, era diferente o tipo de mal a ser combatido.
Na
avenida
acima,
carros
luxuosos passam velozes sinalizando que a vida transcorre sem que a presença dessas crianças seja considerada. Ela permanece estática e o vento da noite toca-lhe o rosto. As crianças ao notarem a presença da heroína deixam o galpão e suas camas de papelão para avançarem: — Tia, dá um real? — diz um.
— Estamos com fome! — reclama outro. Mercúria observa que a maioria deles portam
garrafa
plástica
á
mão
ou
pendurada no pescoço e não entende o que isso significa, apesar do cheiro estranho que tais objetos exalam. Ela se afasta e os excluídos avançam novamente. —
Eu não
tenho
dinheiro
—
ela
argumenta. Mercúria é surpreendida quando uma das crianças lhe puxa os cabelos com violência e outra lhe arranca os brincos dourados em forma de raio. O sangue escorre pela orelha mutilada e as lágrimas pelos olhos. — Não é lamentável? — é Ardente, observa Mercúria. Ela caminha em direção das crianças. A marreta vem presa à cintura. — Isso é obra sua! — Mercúria grita.
— Não. Isso é obra humana. É contra isso que luto e contra o que você deveria lutar. — ela afaga o cabelo de uma criança. — Quem é você? Qual a sua relação comigo? — Já disse, somos parentes. — Uma explosão e Ardente desaparece. Aquilo Tantas
intriga
perguntas
Mercúria. e
Parentes?
ninguém
para
respondê-las. Se tivesse um tempo com Ardente. Ela se lembra das insinuações da inimiga; das crianças de rua abandonadas pelos humanos. Mercúria indaga a si mesma se prender bandidos, evitar assassinatos e crimes era tudo; se era suficiente. No outro dia, pela manhã, ao abrir a loja de revistas usadas ela observa o pacote com exemplares do Jornal Cidade deixados pelo entregador durante a madrugada. Uma nova matéria sobre ela estava anunciada na capa.
Marcelo
Siqueira
usa
a
mesma
fotografia da notícia anterior, mas o texto é outro. Nele, o repórter diz que cidadãos de Santa Paz devem ter muito orgulho por poder contar com Mercúria para protegêlos. Ele informa que a heroína faz toda a diferença para quem salva, mesmo sendo impossível salvar todo mundo; ela é um exemplo, um convite para fazermos algo também. No fim do artigo, ele diz que nos esquecemos dos outros e estamos focados nas nossas vidas, deduzindo que os outros também estão. Mercúria vem numa época perfeita para mudar o nosso pensamento. Ele a agradece publicamente por ter lhe salvado a vida.
Eu sou Mercúria Parte 2
O artigo mudou o pensamento de Verônica a respeito de Marcelo. Era o que pensava enquanto divagava e montava seu visual. Agora, com a foto do repórter estampando os jornais diariamente, ela tinha de criar uma identidade secreta para quando
estivesse
sendo
uma
pessoa
comum. Com a descoberta do repórter, Verônica e Mercúria tinham de ser pessoas completamente diferentes. Seu cabelo dourado foi arrumado em um penteado “rabo de cavalo” e óculos falsos cobriram seus olhos verdes, de modo
que
a
camisa
xadrez
larga
pudesse
combinar. Calça jeans velha terminava em tênis brancos, estava perfeito. Ela ri para o espelho antes de descer para o trabalho. Naquela manhã, a advogada Valéria Albuquerque passa no Sebo para comprar o jornal. Era a primeira vez e isso deixou Verônica sem saber o que fazer. Ela tenta agir com naturalidade: — Em que posso ajudá-la? — Quero um exemplar do Jornal Cidade. Verônica
retira
um
exemplar
da
gondola e entrega à doutora. Escuta a reclamação: —
Eu
sabia
que
Marcelo
estava
envolvido com aquela “coisa”. Verônica
silencia.
A
advogada
continua: — Com as informações que ele vem colocando no jornal, vou identificá-la e fazê-
la pagar pelos danos causados à cidade. Já sabemos tratar-se de uma pessoa! — faz uma pausa para depois perguntar — O que pensa dela? — Não sei. — Verônica fala baixo. — Algum problema com você? — Doutora
Valéria
estranha
a
palidez
da
vendedora. — Eu estou bem. Acho que Mercúria ajuda as pessoas. — Não me faça rir. Ela ajuda quem quer. — Tenta ajudar o máximo de pessoas que pode. —
Tenho
observado
que
muitos
crimes continuam acontecendo. — Ela é rápida, mas não pode estar em todos os lugares. — Ela deve ter um motivo para salvar quem salva.
— Tenho certeza que a Mercúria sente muito por todos aqueles que não pôde salvar. Valéria fita Verônica pela primeira vez. Os olhos da vendedora lhe parecem familiares; tristemente familiares... —
Onde
estava
Mercúria
quando
minha menininha morreu? Deus, ela só tinha treze anos. — Ela não tinha como impedir o que aconteceu Doutora Valéria... Valéria chora copiosamente. Verônica se aproxima e a abraça, Deus, como ela desejou aquilo. Ambas se permitem gostar do abraço; se reconhecem. Verônica diz: — Eu lamento pelo que aconteceu com
sua
filha.
Eu
perdi
minha
mãe
recentemente e sei como é doloroso... Mas, aprendi com ela que não devemos colocar a culpa nos outros pelas nossas faltas ou pelo ruim que experimentamos.
Valéria se afasta subitamente: —
Me
desculpe.
—
ela
pede,
recompondo-se. Verônica sorri. Arruma o jornal da advogada em uma sacola de papel e diz: —
Venha
sempre
comprar
jornais
aqui. Valéria sorri também, mas nada diz. Ela se vai. Meire está terminando um inquérito quando
um
vendaval
anuncia
Mercúria,
mais cedo do que de costume. A heroína está encostada no batente, na entrada da sala da delegada: — Quero que retire as crianças das ruas. — Boa noite! — Meire recolhe os papéis.
—
Está
famosa,
agora
que
amiguinha do Marcelo Siqueira, não é?
é
— É sério, Meire. Preciso de ajuda para tirá-las das ruas. Faz-se silêncio por um tempo. — Não é tão simples assim — Meire aponta para a super-heroína — Elas não querem sair. — Como não? — Preferem viver como vivem a voltar para casa ou para um orfanato. No seu planeta isso não acontece? —
Onde
estão
os
pais
dessas
crianças? — Mortos, presos, você escolhe. — Temos que fazer alguma coisa. Meire ajeita os óculos e fita Mercúria: — Não acha melhor voltar a prender os criminosos?
Eu sou Mercúria Parte 3
A porta do apartamento do repórter Marcelo Siqueira se abre com velocidade, ele
tinha
o
costume
de
deixá-la
destrancada. Em pé, na sua sala uma mulher de pernas fortes e de uniforme agarrado se faz presente. Ele fica surpreso e ela vai direto ao assunto: — Meire não quer ajudar a tirar as crianças das ruas. Ele não diz nada, ainda fascinado. — Quero sua ajuda. — ela continua. — Já fiz matéria sobre as crianças de rua
—
ele
responde
como
se
tivesse
despertado de algum transe — São fugitivos de orfanatos ou filhos de pais presos e falecidos. O conselho tutelar já recolheu boa parte, mas eles fogem e voltam para as ruas. Puxa, você me procurou! Mercúria aponta para Marcelo: — Não se empolga. Achei que você poderia fazer alguma coisa. Ele sorri: — Eu posso. O resto da noite foi de muito trabalho. Mercúria agarrou crianças uma a uma e as levou
para
um
orfanato
indicado
por
Marcelo Siqueira. O repórter tinha visitado o estabelecimento meses atrás e constatado as ótimas condições para o crescimento de crianças abandonadas. Era longe, em outro Estado, mas para a velocista era como atravessar a rua.
Antes de amanhecer todas as crianças tinham sido levadas. No retorno a Santa Paz, numa lanchonete que funcionava a noite toda, Marcelo espera Mercúria. — O Orfanato é ótimo! — ela se senta com velocidade, derrubando a toalha e os copos de plásticos vazios. — Fiz uma matéria lá. Falei das condições exemplares do orfanato e fiz um apelo ao prefeito de Santa Paz para que fizesse algo similar. — Não sabia que você fazia este tipo de trabalho. Ele sorri: — Tem muita coisa sobre mim que você não sabe. Ela devolve o sorriso: —
Aposto
que
eu
tenho
mais
segredos. — Não vale! Agora apelou, você é super! Tá com fome?
Ela
assente
e
Marcelo
pede
um
hambúrguer. Ela o interrompe e pede que o funcionário prepare cinco. — Tudo isso? — ele estranha. —
Eu
tenho
metabolismo
celular
acelerado. Por isso, a recomposição de tecido acontece com velocidade, mas a minha queima de energia também é rápida. — Não entendi nada do que você disse. — Para correr e me curar rápido de machucados, preciso comer com frequência e bastante. — Agora entendi. — ele se ajeita na cadeira — Posso falar isso no jornal né? Mercúria responde: — Só porque me ajudou com as crianças. Os hambúrgueres são colocados sobre a mesa e Mercúria começa a comê-los com rapidez.
—
Tem
mais
alguma
coisa
que
gostaria de informar às pessoas? —
Quem
sabe
numa
outra
oportunidade. — ela diz enquanto mastiga. Ao
terminar
de
comer,
sob
a
admiração do repórter, diz: — Boa noite e obrigada, Marcelo. Antes
da
resposta
do
repórter,
Mercúria desaparece. — De nada — ele dá de ombros para ninguém.
Eu sou Mercúria Parte final
O jornal chegou cedo o que fez Verônica deduzir que Marcelo não dormiu depois da entrevista na lanchonete. A foto de capa mostrava Mercúria de corpo inteiro na frente do estabelecimento comercial da noite anterior. A chamada para a matéria é a seguinte: “Super-heroína de Santa Paz recolhe todas as crianças de rua.” Ela abriu na página que continha a matéria e leu satisfeita. No fim da reportagem ainda havia a informação de que Mercúria precisa se alimentar muito e com frequência dado
os poderes de velocidade que tem. Com ela tudo é rápido, finaliza Marcelo. A Doutora Valéria tem tempo de pegar o sorriso nos lábios de Verônica quando chega para adquirir um exemplar do Jornal Cidade. Indiferente, cumprimenta a vendedora de revistas e franze o cenho ao ver a matéria de capa: —
Esse
jornal só
pode
estar
de
brincadeira. A jornaleira respeita a opinião da advogada, mantendo-se silente. — Até amanhã. — Valéria diz malhumorada após pagar pelo exemplar que levou consigo. — Até. — Verônica por muito pouco não completa a frase com a palavra que aparece em sua mente toda vez que vê Valéria. Entristece-se por alguns segundos enquanto observa a silhueta da mulher
elegante deixar o Sebo. Ela ainda usa o mesmo perfume. No centro, na cede do Jornal Cidade que também é cede do Grupo Cidade de Entretenimento,
Marcelo
Siqueira
está
debruçado sobre sua mesa, na baia no final da sala da redação. Exausto pela noite não dormida cedida para ajudar a heroína da cidade e depois preparar a matéria de capa de hoje. O telefone do jornal não para de tocar. O
repórter
jornalismo trabalho
tinha
se
recentemente no
único
formado e
jornal
quando da
em o
cidade
apareceu, não pensou duas vezes, afinal oportunidade de trabalho em Santa Paz não acontecia
frequentemente.
Nascido
e
crescido na cidade só a deixou para concluir os
estudos.
Homem
audacioso
ganhara
destaque pelas matérias publicadas sobre Mercúria. Seu fascínio por ela era evidente. Deste que tomou conhecimento de que algo estava agindo na cidade contra o crime, empenhou-se de todas as formas para descobrir mais. Os frutos pelo seu interesse foram o destaque no jornal e a felicidade do chefe
junta
com
a
inveja
dos
outros
companheiros de trabalho. — Marcelo, acorde! — era Janaina, outra repórter do jornal. — O que foi? — O chefe quer falar contigo. É pra você ir à sala dele. — Está bem. Ele se estica na cadeira. Levanta-se e confere o rosto no espelho do corredor para ver
se
está
apresentável.
Tirando
as
olheiras tudo está em ordem. A porta do gabinete do chefe está aberta, ele pede
licença e entra. Humberto se levanta e vem ao encontro do funcionário com um sorriso no rosto. É um homem obeso de cabelos grisalhos, penteados de forma a esconder sua calvície. Veste-se terno cinza. — Marcelo, como vai? Sente-se, por favor. O jovem repórter assente. O patrão continua: — Você é especial, Marcelo. Não sei como
faz,
Mercúria
mas
são
suas
sucesso.
matérias O
jornal
sobre nunca
vendeu tanto. — É o meu trabalho, senhor. O chefe acende um charuto e oferece outro ao funcionário que nega, não fuma. —
Quero
trabalho, escute.
lhe
propor
um
novo
Ela é Ardente Parte 1
Verônica dirige a velha caminhonete de Clarice até o mercado, odeia fazer compras. O carro funciona bem, foi útil tê-lo recebido junto com todos os outros bens da falecida. Ela estaciona, retira suas sacolas de pano e dirige-se à entrada do grande mercado.
Tudo
está
tranquilo
naquela
tarde. Nos corredores encontra a advogada Valéria. Durante aquela semana haviam se visto todos os dias, já que Valéria passou no Sebo para comprar seu jornal todas as manhãs.
—
Como
vai?
—
cumprimenta
a
advogada. — Bem. Só vir fazer compras que não me agrada, mas fazer o que... — Eu gosto. — a advogada sorri. Verônica retribui o sorriso. — Acompanhe-me e lhe mostrarei como pode ser gostoso realizar compras. Verônica e Valéria andam juntas pelos corredores conversando assuntos rotineiros durante o período de compras. Dirigem-se ao corredor de congelados e a advogada acha incrível como se sente bem ao lado da jovem vendedora de revistas. O carrinho de Verônica está cheio, o que causa curiosidade em Valéria: — Disse-me que mora sozinha, não é muita coisa para uma pessoa? — Ah sim — Verônica tenta explicar. — É que compro muito para evitar voltar em breve ao supermercado.
A
advogada
assente
já
se
aproximando dos caixas. — Vamos? — ela diz. — Sim, não vejo a hora. Quando Valéria está passando suas compras ouve o barulho de motocicletas e observa elas se aproximarem da entrada vidrada do estabelecimento. São três e delas descem duplas armadas. Eles se aproximam e anunciam o assalto. Verônica está logo atrás de Valéria e observa a ação dos bandidos, aflita. Os funcionários do supermercado começam a esvaziar os caixas enquanto os criminosos apontam suas armas. Valéria está muito perto de um deles. — Por favor, deixe-nos ir. — ela implora. O bandido, cujo rosto é escondido por capacete, aponta o revólver para Valéria. Verônica
não
consegue
esperar
mais,
agarra o inimigo e o lança contra a parede em supervelocidade, retorna ao seu local de origem
sem
que
possam
perceber
o
ocorrido. —
Mas
o
quê?
—
indaga
outro
criminoso ao notar o comparsa inconsciente e distante. —
Deve ser a vadia com
superpoderes! Vamos ver se ela consegue nos impedir de fazer uma chacina aqui! Ele parece ser o líder, porta uma mine-metralhadora. Aponta para Valéria e a aflição de Verônica aumenta. Ela jamais se perdoaria se algo acontecesse à advogada. — Apareça, Mercúria! Eu vou matar essa mulher que você salvou se não der as caras, vadia! Sua
prematura
identidade
secreta
estava por um fio, imagina Verônica. Vidas são mais importantes, se conforta enquanto caminha
para
frente
com
as
mãos
levantadas. O bandido fita a jovem e diz:
— O que foi? Verônica se prepara para responder, mas uma explosão se forma perto e o braço do bandido é arrancado do seu ombro. Tiros se fazem.
Ela é Ardente Parte 2
A fumaça se dissipa e revela Ardente de marreta em punho e com os cabelos organizados em uma longa trança. Os olhos amarelos confiantes fitam Verônica como se soubessem da verdade. Algumas pessoas estão mortas, dado o susto causado pela entrada da vilã nos bandidos. Ela não se importa: — Corja, roubam uns aos outros! — Pra trás! — fala outro bandido. — O que vai fazer? Matar este que tens rendido? Não me importa, te matarei depois.
— Não! — diz Verônica. Ardente se vira para a jovem: — Ora, o que temos aqui? Uma defensora do que não tem defesa? Valéria tenta impedir Verônica de se aproximar da vilã: — Ela é louca! Fique quieta! — Eu não sou louca — responde Ardente. — Não roubo, não mato e nem ameaço os meus, diferente do que está acontecendo aqui. —
Acha
que
vai
resolver
com
violência? — Acho. Os mais fortes impõem e os mais fracos se sujeitam. Ouve-se mais um tiro. Uma pessoa tentou fugir e um bandido acerta-lhe nas costas. — Impeça-os! — lágrimas se ajuntam nos olhos de Verônica.
—
Impedi-los
de
se
matarem,
matando-os? Há remédio? Lá fora várias viaturas chegam. A polícia cerca o local, mas os policiais não se atrevem a entrar, podem causar a morte de mais reféns é o pensamento da delegada Meira ao organizar o seu pessoal. Não há tempo a perder, ainda com os olhos cheio de lágrimas Verônica se volta para Valéria. Nada diz, mas o olhar parece dizer o que há muito está preso à garganta. A advogada sente um aperto nos braços e tudo se torna velocidade, mal dá para respirar. Quando volta a si está na calçada de casa. Menos
de
um
minuto,
Mercúria
adentra pelo supermercado e golpeia com a força de sua velocidade o rosto de Ardente, arremessando-a contra as prateleiras do mercado. Ela desarma os quatro bandidos e
os imobiliza. As pessoas estão apavoradas, três delas mortas. — Teve tempo de trocar de roupa, irmã? — Ardente se levanta com a mão no queixo. Mercúria aponta para a inimiga: — Você poderia ter impedido tudo isso! — Não entendo seu apego a esta reles espécie. Não somos iguais e eles, aceite. —Primeiro, eu me acho humana e segundo que papo é esse de irmã? — Você não é humana, não mais. Somos Divas e nossas habilidades vêm dos Deuses-banidos! Aquele que lhe dá poder é meio irmão daquele que escolheu a mim. Mercúria está confusa: — Divas? E quem são esses Deusesbanidos? — pergunta. —
São
aqueles
que
habitavam o
planeta antes dos homens. O meu deus é
Hefesto e o seu, Hermes. O meu possui a habilidade de manipular as chamas e como você
já
deve
ter
percebido,
o
seu
a
velocidade. — Clarice não disse nada. — Não sei quem é esta pessoa que menciona, mas suponho que tenha omitido a informação de propósito para que você se desviasse da sua verdadeira missão. — Missão? Ardente sorri. — Acha que ganhou poderes sem um propósito para utilizá-los? Você é a mão de seu
Deus-banido
para
exterminar
a
humanidade. — Eu nuca farei isso! — Quando compreender a verdade, no seu tempo, tudo mudará. — Chamas aparecem na mão direita da vilã. Ela arremessa uma esfera flamejante contra Mercúria que desvia com facilidade.
— Somos as escolhidas dos deuses para purificar o planeta e prepará-lo para o retorno deles. — ela diz ao avançar contra Mercúria. Os golpes de marreta são esquivados pela
velocista
e
seus
contra-ataques
também não surtem efeito. O corpo da inimiga é resistente. Ardente sorri ofegante. Vira-se para as
pessoas
que
não
deixaram
o
supermercado por conta do embate das duas supercriaturas. —Eu os matarei, Mercúria. Continuarei a dizimar humanos em prol de um amanhã melhor. — ela diz. — Não! — grita Mercúria. — Já disse da nossa missão. Quer me ajude ou não, realizarei o que me foi predestinado. Ardente ergue a mão e uma explosão atinge um homem que tentava escapar.
— Pare! — Mercúria avança e agarra Ardente pelo braço. Arrasta a Diva até o fim do corredor e a arremessa contra a parede.
Ela é Ardente Parte 3
O estrondo atrai a atenção de Marcelo Siqueira, o repórter que acaba de chegar ao local, informado do que acontecia. Dentro do
furgão
além
dele,
encontra-se
o
motorista Carlos e o cinegrafista Fausto. Meire
está
a
frente
conversando
com
policiais. Marcelo
desce
e
aproxima-se
da
delegada. Ela é quem fala primeiro: — Sua garota está lá dentro. Parece que tem outra... — acende um cigarro. — Ela não é minha garota. O que está acontecendo?
— Um assalto. Pelo menos estava. Os que saíram me informaram que Mercúria já rendeu todos os bandidos, mas há outra mulher com superpoderes que está lutando com ela. Sabe alguma coisa dessa outra? — Não. Santa Paz tem se tornado um lugar peculiar. — Nem me fale — Meire expele a fumaça pelos lábios. — Vou chamar o meu cinegrafista e vou entrar ao vivo. — ele informa. — Vai lá. Como se não bastasse as matérias para o Jornal Cidade agora para a TV
Paz?
Você
está
fazendo
disso
um
espetáculo. — O meu patrão é dono da TV e do Jornal. Pediu para eu cobrir Mercúria já que tenho conseguido boas matérias para o jornal.
A explosão estilhaça os vidros da adega
do
supermercado.
Mercúria
está
caída, ferida. Ardente caminha mancando na direção
da
heroína, arrastando
sua
marreta. — Luta comigo que sou sua irmã em defesa desses insignificantes? — Defendo a vida — o corpo de Mercúria está se regenerando enquanto é banhado
por
vinho
e
outras
bebidas
alcóolicas. — Pois tirarei a sua — a vilã eleva a marreta para o golpe fatal. Mercúria se esquiva com agilidade e uma cratera é aberta no local que ocupava. Os
olhos
de
Ardente
demonstram
sua
irritação: —
Se
você
ficasse
parada... Não
importa, quero ver se esquivar do ar em explosão.
—
Ela
lança
a
manipular as moléculas do ar.
mão
para
A mente de Mercúria identifica logo o que acontecerá, afinal aquele ataque já tinha sido usado várias vezes por Ardente. Avança o mais rápido possível e empurra a vilã antes que as explosões se façam. Como o chão estava liso por conta do líquido das garrafas quebradas, ambas escorregam e caem. A marreta se desprende da mão da inimiga pela primeira vez. Ardente tenta recuperar a arma, mas Mercúria lhe
impede
segurando-a
pelas
pernas: — Solte-me! — é a primeira vez que Ardente está sem o costumeiro semblante de confiança. Ela consegue soltar uma das pernas e desfere
um
chute
contra
o
rosto
de
Mercúria. As mãos da heroína se afrouxam e a inimiga se coloca de joelhos. Observa que Mercúria também está de joelhos e sangue pinga do seu rosto.
— Está no seu limite, não é? — ela se levanta e desfere um poderoso chute nas costelas de Mercúria. O barulho de ossos se partindo é música
para
Ardente
que
acaba
se
esquecendo de recuperar sua marreta. Ela continua o espancamento. O metabolismo acelerado de Mercúria já não dá conta de regenerá-la. Sente dor que nunca imaginou sentir um dia, mas se mantém consciente. Ardente para, ofegante e Mercúria tem a oportunidade de atacá-la com uma rasteira. A vilã cai, Mercúria manca até ela e lhe desfere socos. A velocidade dos ataques é
comum, já que
não
possui
energia para acelerá-los. — Pare! — diz Ardente. — Ambas morreremos se continuarmos com essa luta — a voz da inimiga soa feminina, o que a faz levar as mãos aos lábios. — Oh, não!
Ela tenta se soltar, mas Mercúrua está sobre ela. — Como fui tola! Por Hefesto! — O que está dizendo? — a heroína está confusa. Os policias invadem o supermercado numa operação montada pela delegada. Portam armas de calibre pesado, já que não sabem como ferir esses seres poderosos. Ardente
abre
os
braços,
Mercúria
continua sobre ela. A pele da inimiga se torna clara, os olhos castanhos. O tamanho diminui. — Que está acontecendo com você? — indaga Mercúria. —
Estou
sendo
expulsa
do
meu
punho
que
hospedeiro. — é o que diz a vilã. Mercúria
abaixa
o
mantivera levantado desde o pedido de Ardente para cessar os ataques. A inimiga aproveita-se da guarda baixa da oponente
para cravar-lhe no peito um estilhaço médio de vidraça. Os
policiais
se
aproximam,
mas
Mercúria não tem tempo de vê-los em ação. A consciência e a vida lhe fogem.
Ela é Ardente Parte 4
Meire sempre fora considerada uma mulher forte. Na academia de polícia se destacava pela resistência física e pela determinação, o que causava certa inveja em seus companheiros. Diziam que ela era um homem no corpo de mulher. Até mesmo seu psicológico sempre fora equilibrado, mas isso vinha mudando de um tempo para cá, desde que conheceu Mercúria. Se tinha mesmo as qualidade que invejavam seus companheiros de academia, precisaria
delas
agora
que
entrava
no
supermercado palco da batalha de Mercúria e Ardente. Em
um
dos
corredores
destruído
depara-se com o corpo inerte de quem conhecia
escorrendo
rubro,
debruçado
sobre outra mulher. — Tirem Mercúria de cima da mulher. — foi sua primeira ordem aos policiais. De arma em punho ela acompanha o procedimento.
A
mulher
desconhecida
banhada pelo sangue de Mercúria pede socorro. Os policiais afastam a heroína da menina que pede ajuda. Meire se aproxima e diz: — O que houve aqui? — Eu não sei. Deus, eu não sei o que estou fazendo. — Parece que você é a responsável pelo que aconteceu aqui. Inclusive pelo ferimento de Mercúria.
A jovem fita o corpo da heroína ao lado e depois suas mãos ensanguentadas. Está nua, observa confusa. — Não é possível — ela tapa o rosto com as mãos. Meire não tem tempo para descobrir a verdade. Ordena: — Algemem-na. Ardente é algemada sem resistência pelos policiais. Meire volta-se para Mercúria e por um momento não sabe o que fazer. Saca o celular e disca para Emergência. — Levem essa mulher daqui. — ela diz aos seus homens, referindo-se a menina que fora Ardente. — Eu não sou criminosa! — Ela se debate e chora enquanto é levada. Marcelo não estava no ar quando os homens de Meire deixam o local do crime com a jovem bandida algemada coberta por
uma toalha branca. A marreta e a armadura de
Ardente
eram
carregadas
por
dois
policiais que vinham logo atrás. Em
sua
última
chamada
para
o
plantão de notícias da TV Paz, o repórter havia
anunciado
que
o
roubo
ao
supermercado do Centro da cidade havia terminado em tragédia, que a heroína de Santa Paz estava gravemente ferida. Agora poderia ter mais informações, pensou ao pedir para Fausto ligar a câmera e segui-lo. Quando ganhou os corredores do supermercado destruído, pediu para Fausto filmar cada detalhe. Entretendo, assim que notou Mercúria pediu que a gravação fosse interrompida. Aproximou
com
velocidade,
preocupado. Meire estava conversando com policiais ali perto: — Que está fazendo aqui, Marcelo?
— Deus, ela tá fria. — ele está de joelhos. — Já chamei a ambulância — diz a delegada. — Não dá pra esperar, Meira. — ele agarra o corpo de Mercúria. — Marcelo, espere! — ela sai atrás do repórter. Ambos cruzam a saída do mercado sob olhares curiosos. Marcelo abre a porta do furgão da TV e deixa Mercúria no banco traseiro.
Meire
entra
pela
porta
do
passageiro e segue com Marcelo para o hospital. — Achei que ela fosse invulnerável — a delegada comenta. —
Se
lesse
minhas
matérias
já
saberia que não. — Vire aqui — ela sugere ao mesmo tempo em que ignora o comentário do repórter — podemos pegar um atalho.
Chegam
ao
hospital
rapidamente.
Meire desce do furgão da TV Paz e corre até a recepção. Marcelo abre a porta lateral e agarra Mercúria. — Aguente firme.
Ela é Ardente Parte 5
Mercúria se levanta subitamente. Está num leito de hospital. As mãos estão trêmulas. — Oh, puxa, que bom que acordou! — é Marcelo que se levanta da poltrona ao lado da cama. —
Marcelo?
Onde
estão
minhas
roupas? — No lixo. Foi uma confusão danada. — Confusão? — Ah sim. Trouxemos você toda quebrada e com um ferimento de vidro no peito. Parecia morta, inclusive. Os médicos não sabiam o que fazer. Uns queriam te
operar, outros queria te abrir só pra ver o que tinha dentro. Daí eu, com a ajuda de Meire, entrei na sala e impedi que fizessem qualquer coisa. Disse que só deveriam te dar
“comida”. Soro, pela sua condição
naquela
oportunidade.
Parece
que
funcionou. Mercúria ainda está confusa: — Ardente, onde está? —
Então,
descobri
com
um
sobrevivendo do supermercado que é esse o nome da outra Super Poderosa que lutava com você. Meire me informou que prendeu uma menina de treze anos quando entrou no mercado. Segundo a delegada, ela é Ardente. Seria
coincidência?
Verônica
tinha
exatos treze anos quando se transformou em Mercúria. Se a inimiga tinha voltado a idade de antes algo similar poderia ocorrer com ela? Poderia recuperar a vida perdida?
— Ardente estava se transformando quando me acertou pra valer. Disse algo sobre hospedeiro, se me lembro bem. — A heroína leva as mãos ao rosto. — Preciso conversar com essa menina. Será que eu também sou hospedeira? — Ei ei, primeiro você tem que se recuperar
totalmente. Ainda
está fraca.
Quanto a saber se você é hospedeira, eu nem faço ideia do que seja isso. — Nem eu. Por isso é importante falar com essa menina. — Eu posso ajudar você de alguma forma? — Marcelo coloca a mão no ombro de Mercúria. — Você já fez isso — ela sorri. — Eu não tenho como agradecer pelo que fez por mim aqui. Ele sorri e se afasta: — É só me conceder entrevistas. Vou mandar entregar comida. Muita comida.
Os papeis estão sobre a mesa da delegada Meire; o cigarro nos seus lábios. A sua prisioneira peculiar, a menina que ferira Mercúria, estava sob sua custódia em uma sala particular improvisada. Ela é menor de idade e não pode, segundo as leis do país, ser mandada para a cadeia comum. O correto
é
instalá-la
em
uma
Casa
de
Custódia para adolescentes. — Estou começando a odiar esse pessoal com poderes. — ela diz para si mesma. Nos
três
acontecimento
dias do
que
sucederam
supermercado,
o
Meire
havia ouvido alguns presentes a adiantado o
Inquérito
Policial.
Tinha
solicitado
a
soltura da adolescente que fora Ardente e que agora atendia por Mariana Marques da Silva. O argumento da delegada era de que não havia sido Mariana a autora dos crimes.
Segundo Meire, ela não havia agido por vontade
própria,
o
que
a
eximia
de
responsabilidade. A decisão cabia ao jovem Promotor
Cícero
Alves
com
quem
a
delegada não tinha afinidade. Um
vendaval
se
faz,
mas
Meire
segura os papéis com as mãos antes que se espalhem: — Peguei você! — ela diz, referindose sobre a manobra de impedir os papéis de se espalharem. — Não estou abusando dos poderes depois do que aconteceu no mercado. Não sei quando vou precisar deles para não morrer. — Estou feliz que tenha sobrevivido. — Obrigada por ter me salvado — Mercúria abraça Meire. A delegada a afasta rapidamente, sem jeito. Tosse e depois diz:
— Tem uma coleção do modelito? O de antes estava um trapo. — Isso não é importante. Quero falar com Ardente. — Ela está diferente agora. Colhi depoimentos que relataram que você estava lutando com uma mulher de pele escura, forte. Venha ver pro sim mesma, ela está na sala de arquivos aqui da delegacia.
Ela é Ardente Parte 6
As duas caminham em silêncio, o abraço ainda surte efeito em Meire. Ela abre a porta e uma menina normal é avistada sentada em um colchão improvisado. — Você é a mulher que estava em cima de mim quando fui presa! — a garota aponta para a heroína. Me tire daqui, por favor! — Você foi quem quase me matou. — Por isso devo estar presa. Mas não fui eu quem te causou mal ou se causei não estava consciente.
— O que você quer dizer com “não estava consciente”? — Mercúria se ajoelha. — A marreta. —
A
marreta?
—
a
delegada
questiona. A menina olha para Meire. Depois volta-se para Mercúria. — Sim. Eu não sei explicar direito o que
aconteceu.
Quando
toquei
aquela
marreta algo estranho aconteceu. — Não se lembra dos poderes que tinha? Do que fez? — indaga Mercúria. — Não. Estou presa e longe de casa sem saber o motivo. —
Conte-nos
mais
sobre
essa
marreta. — Ninguém acreditaria. Eu moro em um
sítio
e
num
dia
chuvoso,
quando
retornava da escola, algo caiu do céu. Ao me aproximar por curiosidade percebi que
era uma marreta! Alguma força me instigou a tocá-la. Mercúria se levanta, surpresa: —
Deve
avisar
aos
homens
que
levaram a marreta para que fiquem longe do objeto, Meire. — Farei isso! Pelo que pude constatar é a arma que faz quem a empunha se transformar em Ardente. Passos apressados pelos corredores da
delegacia
e
vozes
interrompem
o
interrogatório. Meire abre a porta e escuta uma mulher dizer: — Mariana está mesmo aí? Deus, é mesmo ela! Tão longe! Quanto tempo! A mulher, que vem seguida de um homem e duas crianças, entra na sala e se depara
com
a
filha
perdida.
Mercúria
observa a felicidade da mãe ao reencontrar a filha e lágrimas ajuntam nos seus olhos. Um dia seria ela? Toda a família, ali naquela
prisão
improvisada,
reunida
novamente.
Feliz. —
Que
Pensávamos
que
aconteceu, estava,
Mariana? sequestrada,
morta. — a mãe em pranto apalpava a filha adolescente. Meire fita Mercúria e observa que aquela cena mexe com a super-heroína. Imagina o quanto Mariana e Mercúria têm em comum. Meire está fumando no corredor da delegacia. A porta da sala de arquivos se abre e dela sai Mercúria. — Ela não é mais Ardente. Não há motivo
para
mantê-la
presa.
—
diz
a
heroína. — Eu também entendo assim e vou pedir para Promotor de Justiça soltá-la. O problema é que vão querer um responsável pelo
incidente
no
supermercado.
A
imprensa, a promotoria. Essa questão de
sobrenatural complica as coisas e o Cícero é um pé no saco. — Não entendo dessas coisas, Meire. Sei que ela é inocente. — Eu não posso soltá-la. Há leis que me impedem. Tem todo um processo... — Você não, mas eu sim. Meire apaga cigarro e volta-se para Mercúria. — É. Você pode — ela joga o cigarro no lixo — Mas não deve. Notei que a menina mexe com você de alguma forma. Já não acho que você seja alienígena. Tenho pra mim que alguma coisa caiu e te deixou Super Poderosa.
Ela é Ardente Parte final
São sete horas da manhã quando Meire
retorna
esperam
na
à
delegacia.
sacada
do
Policiais prédio
a
com
semblante de preocupação. Meire deduz o motivo. — O que está acontecendo? — ela pergunta para Antônio, o investigador de sua confiança. — Meire o Promotor está aí e está uma fera. — Ele sempre está. — ela segue o seu caminho até sua sala.
Nela, em pé com um livro de Meire nas mãos está Cícero, o Promotor de Justiça de Santa Paz. — Bom dia, doutora — ele diz sem tirar os olhos do livro. — Bom dia, doutor. O que o fez madrugar? — Não seja sínica. Faz-se silêncio. — Ela tem superpoderes, doutor. — Meire senta em sua cadeira. — Eu disse a ela que não deveria fazer, mas ela é cabeça dura. — Todos na cidade sabem da sua relação com essa coisa. — Meça suas próximas palavras — ela aponta para o promotor. Ele suspira. Fecha o livro e o coloca na estante. Ela continua: — Interroguei a menina ontem. Hoje eu prepararia novo pedido de soltura.
—
Não
Mercúria
importa.
como
Eu
cúmplice
vou
indiciar
das
mortes
ocorridas no supermercado. Não é por outro motivo que ela libertou a outra criatura. — Só para o seu governo, doutor, a outra criatura é uma criança! Ela não matou ninguém! Era uma força desconhecida que a possuía
quando
empunhava
a
maldita
marreta. — Ora, Meire, tenha santa paciência! Força desconhecida? Isso virou o que? Como você pode ter certeza que essa criança não pode voltar a ser a criatura que dizimou as pessoas no supermercado? — Eu confio em Mercúria. — Mas eu não. Por isso você está fora do caso; por amizade íntima com uma das criminosas.
Um
novo
delegado
chegando para assumir esse caso.
está
— Ah, você não pode fazer isso! Estou nessa cidade há muito mais tempo que você, seu playboy de merda! — Eu já fiz. Uma pena que eu não possa transferi-la para outra cidade. Pelo menos, os casos envolvendo sua amiga aberração
não
serão
mais
de
sua
responsabilidade. — Cícero deixa a sala e fecha a porta. Os palavrões ditos por Meire são abafados pela porta fechada.
Origem Revelada Parte 1
A porta velha da loja de revistas usadas se abre. Verônica está com duas sacolas
na
mão
esquerda.
Traz
pão,
presunto e leite. Do lado de dentro do balcão está Mariana. — Então essa é sua verdadeira vida? — ela diz. — Bem, é o mais próximo que consigo chegar de uma vida normal. —
Não
tem
medo?
Revelou
sua
identidade para mim, me trouxe para a sua casa. Eu quase matei você.
— Aqui você está segura. Pelo menos por enquanto. Eu não posso te levar para casa porque eles irão te procurar. Nem revelar aos seus pais que você está bem, pelo menos por enquanto. —
Por
que
me
trouxe
aqui?
Me
libertou? — Porque preciso entender o que é você. O que sou eu — Verônica coloca as sacolas em cima do balcão. — Eu juro que não quis machucar ninguém. — Eu acredito em você. — Por que se importa em me ajudar? Não que eu esteja reclamando, mas é que você se complicará com a polícia por causa disso. — Eu me vejo de alguma forma em você. Daria tudo para desligar os meus poderes, como aconteceu contigo. Ter a chance de retomar a vida que eu tinha.
Quanto à polícia, explicarei tudo em breve. Meire entenderá. —
Então
você
também
ganhou
poderes por tocar algo que não devia? O passado se fez como resposta. Havia feito muito calor naquela tarde. Uma tempestade tinha se formado nos céus de Santa Paz. As árvores balançavam com violência, os ventos levantavam poeira e lixo. Ninguém mais transitava pelas ruas. Verônica estava voltando do dentista com sua bicicleta cor-de-rosa e empregava toda sua força para pedalar e evitar que a chuva forte lhe alcançasse. Ela escutava os trovões e um medo súbito invadiu-lhe, estranhamente. Empregou mais força, mas o vento insistia em lhe atrapalhar. Poeira continuava a se levantar das ruas sujas e trovões rachavam os céus, mas não
chovia
ainda.
Todo
mundo
tinha
desaparecido dando espaço à escuridão que obrigou os postes a se acenderem. A menina teve a ideia de cortar caminho pelo Parque da Lagoa, pois aquele local público de muitas árvores era imenso e cortava parte da cidade. Se ela transpassasse por ele, como já havia feito por diversas vezes, ganharia tempo. Verônica entrou pelo portal de ferro enferrujado e aproveitou a descida antes de ganhar as dependências de uma estrada de terra. Sentiu seu corpo ser atingido pelas primeiras
gotas
de
chuva
e
ficou
imaginando como sairia dali quando o som de um trovão se fez em seus ouvidos. Ela sentiu
um
arrepio
e
suas
pupilas
se
tornaram pequenas, ao mesmo tempo em que a luz invadia todo aquele ambiente. KRABOOOOOOON
Houve o barulho de árvore caindo. Depois, tudo ficou calmo e silente. Nada de chuva ou raios, nada de dor, nada. Verônica
abriu
os
olhos
devagar.
Estava entardecendo, silencioso. A garota olhou para o seu braço agora desnudo e viu-o maior. Assustada olhou sua mão e notou que a mesma estava grande! Era uma mão adulta! Sentou-se e viu que estava nua! Sua roupa se encontrava toda rasgada devido ao seu súbito crescimento! Ela agora tinha grandes seios e um corpo esbelto, adulto! Músculos! — Ai, droga! — disse ela ao se levantar espantada. — O que aconteceu? Preciso sair daqui... Quando a garota forçou suas pernas para se movimentar sentiu que elas tinham força
descomunal.
Acabou
correndo
ao
invés de andar e desajeitada caiu vários quilômetros à frente, já fora da cidade. Com
a
velocidade
adquirido
em
ferimentos
assombrosa
que
tão
tempo,
abertos
pouco pela
queda
havia os
foram
severos: — Ai! — Verônica fez uma careta ao fitar seu ombro em carne viva e ver seu sangue escorrer pelo machucado. Mas, para sua surpresa, os tecidos rompidos foram sendo reconstituídos com velocidade. Em alguns segundos, por todo seu
corpo,
não
havia
mais
nenhuma
escoriação: — Que estranho... o que aconteceu comigo? Estou sentindo fome... — Olhou para as mãos e viu que estavam tremulas.
Origem Revelada Parte final
— Então foi assim — são as primeiras palavras de Mariana depois de ouvir o relato de Verônica. Ela coloca o copo vazio sobre o balcão. Verônica assente. Depois diz: — Fiquei apavorada. Também tinha treze anos quando o raio me atingiu. — O que aconteceu com a gente é estranho, impossível. — Ardente tem opinião diferente. No nosso último encontro ela disse que éramos Divas.
Pelo
que
compreendi,
somos
representantes de seres fantásticos que
viveram no mundo antes dos homens. Ela os chamou de Deuses-banidos. — Que confuso. Verônica coloca café em seu copo. Depois diz: — Nem me fale. Precisamos descobrir mais. — Sim. Posso te perguntar uma coisa? Como você veio parar nesta loja de revistas usadas? Verônica estava caída em posição fetal,
nua,
magra.
Vários
tombos
aconteceram na sua tentativa de andar. Esperava a morte sem entender o que estava acontecendo, quando o barulho do motor
velho
de
camionete
lhe
trouxe
esperança. Os seus olhos se abriram ao mesmo tempo em que o barulho da porta sendo fechada se fez em seus ouvidos. Os passos aconteceram lentos.
— Deus, o que aconteceu com você? Foi a primeira vez que ouviu a voz rouca de Clarice. Ela era uma senhora de cabelos
prateados,
presos
no
penteado
“rabo de cavalo”. Os óculos vinham na ponta do nariz fino e os olhos já embaçados pela idade, eram castanhos. Vestia-se com saia longa, camisa clara e blusa xadrez. — Eu não sei — respondeu Verônica com dificuldade. — Eu vou cuidar de você. — Clarice era a dona deste lugar. — Verônica está no presente. — Trouxe-me para cá, cuidou de mim. — O que aconteceu com ela? — Faleceu, dormindo. Ainda não me acostumei
com
impressão
de
sua que
ausência. ela
Tenho
aparecerá
a
das
escadas com o sorriso nos lábios como fazia todos os dias.
— Sinto muito. —
Ela
era
uma
ótima
pessoa.
Ensinou-me a controlar os meus passos, a ter calma. Fez-me estudar ruas, caminhos e países para que eu pudesse correr por todos os lugares. — Ela foi sua mentora. Verônica assente. — Fez-me continuar os estudos na escola de educação para adultos durante as noites. Durante os dias eu trabalhava aqui na loja de revistas. — Quando virou Mercúria? — No mês anterior ao falecimento de Clarice ela apareceu em casa com uma caixa grande contendo vários uniformes de Mercúria. Disse que eu não seria vista, mas para o caso de ser, estaria preparada; pronta
para
ser
um
símbolo
para
as
pessoas. Que o mundo precisava de alguém
que lhe desse o exemplo e que eu poderia ser essa pessoa. — Puxa. — Mas ela não estava certa. Ardente me disse que sou predestinada a dizimar a humanidade e não a salvar o mundo. — É uma barra e tanto ficar sozinha e ainda não saber o que você deve fazer com seus poderes. — fala Mariana. Verônica sorri. — Sinto muito a perda de Clarice. Sinto falta da minha família de verdade; da minha mãe. Mariana recolhe os copos e dá nó na sacola de pães. — Acho que podemos escolher o que queremos ser.
Arte Ardente
Arte MercĂşria
Inimiga n° 1 Parte 1
Santa Paz não é uma grande cidade, mas também não é pequena. Tem a fama de ser violenta. Litorânea, com cerca de quase um milhão de habitantes, sobrevive do turismo e do polo industrial dominado pelas empresas de pescados. Na periferia, nos morros, como em qualquer centro populacional, funciona a indústria do tráfico de drogas. Fernando conhece a triste realidade da cidade, mas tem esperança de que a super-heroína Mercúria salve-a. É um dia comum
do
seu
trabalho
como
Policial
Militar, conseguido às duras penas de muito estudo. Ali, na camionete da corporação junto dos outros três companheiros ele também se sente herói. O patrulhamento é de rotina, eles não ousam subir nos morros, ainda mais naqueles tempos. Uma
moto
aproxima-se
de
veloz
grande e
cilindrada
se
posiciona
paralelamente à viatura em movimento. Os ocupantes da motocicleta estão armados. Os policiais sacam suas armas de calibre modesto e não conseguem se defenderem dos tiros de submetralhadora que alvejam todo o veículo. O carro desgovernado sobe a calçada e bate em um poste. Há o silêncio do fim de vidas. Mercúria
passa
pelo
local
rapidamente e o veículo batido lhe chama atenção. Retorna. Uma moto está parada perto e dois homens de capacete com armas em punho se aproximam do carro.
Avança e desfere dois poderosos socos contra a dupla de bandidos, usando da força proporcionada
pela
sua
velocidade.
Ela
escuta alguém chorando. Volta-se para o veículo e ao abrir a porta vê Fernando ainda em estado de choque. Os outros três policiais estão mortos. — Que aconteceu? — pergunta ao policial. — Cê chegou tarde. Os caras já chegaram atirando. Um dos bandidos está consciente e rasteja pela calçada. Mercúria o agarra pela jaqueta e o conduz até a árvore com velocidade. O impacto das costas do vilão com o tronco o faz urrar de dor: — Por que fizeram isso? — ela indaga. — Porque nos mandaram fazer — a voz do assassino sai abafada pelo capacete que
ele
usa
—
Nós
vamos
continuar
matando até conseguirmos pegar você.
Mercúria desfere um soco contra a viseira do capacete do vilão, impedindo-o de continuar falando. Mauro está tenso. É sua primeira noite na delegacia, na sua nova sala, no seu novo cargo. Recentemente aprovado no concurso público para delegado de polícia mesmo sem estar preparado para o exame, tinha sido escalado para ocupar o cargo de segundo delegado de Santa Paz. O contato com a primeira delegada não tinha sido dos melhores. Por alguma razão, ela não gostou dele. Julgou ser pelo motivo que estava ali; pela troca que tinha feito com Cícero, o promotor. “Te dou o cargo e você me dá Mercúria.” Havia
estudado
o
caso,
os
documentos, os relatórios e os processos. Custava
acreditar
ainda.
Os
policiais
estavam posicionados. Dez deviam bastar. Sua arma estava no coldre. É jovem, por volta dos vinte seis anos e veste terno completo, cinza. Careca, tem cavanhaque em volta dos lábios. Os anos de academia lhe deram um corpo robusto. O vendaval anunciou a chegada de Mercúria. A cadeira estava virada para a janela, atrás da mesa. — Meire, já sabe que estão matando policiais? O último bandido que peguei disse que é por minha causa, sabe de alguma coisa? A cadeira se vira. Um revólver é apontado para o rosto da heroína. — Você está presa — fala Mauro. — Onde está Meire? — De folga. — Você, quem é? —
O
precisamente.
delegado.
Seu
delegado,
— Preciso vê-la. — Você está presa, já disse. — Eu digo que não. Mauro
dispara.
Estranhamente
Mercúria vê o movimento do gatilho em câmera lenta. Ouve a explosão e visualiza a bala deixar o cano da arma. A distância é curta, ela se desloca com agilidade e o tiro atinge o batente da porta. A heroína está surpresa, nunca havia tido a experiência de ver as coisas em velocidade reduzida. A porta da sala se abre e muitos policiais entram com rifles nas mãos.
Inimiga n° 1 Parte 2
O sorriso nos lábios do novo delegado é de confiança. Mercúria seria capaz de desviar de um fuzilamento? — Como vai ser, criatura? — ele diz. — Meu nome é Mercúria — a heroína avança
em
direção
ao
delegado
e
o
empurra pela janela atrás de sua cadeira. Os tiros acontecem, os vidros se estilhaçam e Mercúria ganha a calçada com Mauro de escudo. Ela o fita nos olhos. Percebe que a confiança se foi daquele rosto. Sorri ainda extasiada pela habilidade que acabara de
descobrir; a de ver os movimentos alheios desacelerados. —
Delegado,
preocupe-se
com
as
mortes dos policiais — desaparece em supervelocidade. Mercúria precisava ver Meire, mas não sabia onde a delegada residia. Sempre usara a delegacia para encontrá-la. Novo delegado; era só o que faltava! Avançou com rapidez até a residência de Marcelo Siqueira. O vento agita as cortinas de cetim. As luzes do quarto se acendem e o homem se vira devagar. Era tarde para uma visita. —
Olá,
Marcelo
—
é
Mercúria
encostada no batente da porta do quarto. — Oi — ele se senta — Que horas são? — Eu não sei. Preciso de sua ajuda. — chinelos.
Bebe
café?
—
ele
calça
seus
Na
cozinha,
enquanto
o
repórter
prepara o café, a heroína aguarda na cadeira próxima á mesa. O cômodo é agradável, bem organizado. — Sei que você tem acesso a muitas informações — ela começa — Preciso saber o endereço da delegada Meire. — Engraçado — ele faz uma pausa. — O que disse? — Acho engraçado que não saiba o endereço da delegada Meire. O meu você achou com facilidade quando publiquei a matéria que te revelava. — É só ligar para o jornal e pedir o seu endereço, detetive. — Por que não liga para a delegacia é faz o mesmo? — Primeiro que eu não estou bem vista na delegacia e mesmo que eu tentasse me passar por uma pessoa normal não me forneceriam o endereço da delegada.
— Então está admitindo que você se passa
por
pessoa
normal?
Tem
uma
identidade secreta! — Eu não estou admitindo nada, Marcelo. Às vezes acho você um cara legal, outras vezes você parece só ter interesse nas matérias que faz de mim. Há o silêncio constrangedor. — Do jeito que você começou a falar pensei que ia me pedir para acessar dados ultrassecretos. O endereço da delegada é fácil — Marcelo retoma a conversa como se sua especulação sobre Mercúria não tivesse acontecido. — Tenho que falar com ela sobre os ataques aos policiais. — Tem um colega no jornal cobrindo isso.
Posso
pegar
com
informações. — Ajudaria muito.
ele
algumas
— Vem cá, você não leu os jornais nos últimos dias? Aliás, reparei que ficou sumida
por
um
tempo.
Meu
faro
de
jornalista diz que o sumiço teve a ver com a garota que você tirou da delegacia. A heroína desvia o rosto. — Não vou dizer nada. — Pois deveria. Sabia que a Meire pagou o pato pela sua atitude? É por causa do que aconteceu que ela está de gancho da delegacia e ainda colocaram um novo delegado. Mercúria se levanta. — Eu não queria prejudicá-la. — Pronto. O café está coado. Prefere com açúcar ou adoçante? — Marcelo sorri. Mercúria ainda estranha os modos do repórter. Ele muda de assunto e de humor com velocidade.
Depois do café, Marcelo vai até a sala para pegar o laptop. Coloca o aparelho sobre a mesa e diz: — Vou conseguir o que me pediu. — Obrigada. — Não vai ser de graça — ele diz sem tirar os olhos da tela do computador portátil — Quero uma entrevista para a televisão. — Eu não vou fazer isso — Mercúria se zanga. — É a sua chance de explicar o que aconteceu com Ardente e livrar a barra da Meire.
A
polícia
está
contra
você,
os
bandidos estão se organizando contra você. Tem que mudar essa situação.
Inimiga n° 1 Parte 3
O
dia
está
amanhecendo
quando
Mercúria se encontra em frente ao portão da residência de Meire. A noite tinha sido longa, mas o mais difícil viria agora. O portão está sem cadeado, ela entra. Coloca a
mão
na
maçaneta,
a
porta
está
destrancada. As luzes da sala estão acesas, a TV ligada e Meire dormindo no sofá. Uma garrafa de vodca está vazia ao pé do móvel. A delegada ronca, vestida de moletom cinza, folgado. — Meire.
Ela desperta assustada e saca a arma que esconde debaixo da almofada. — Você? — diz. — Preciso de sua ajuda. Meire se senta. A mão vai á cabeça. —
Precisa?
Você
não
é
boa
o
suficiente? Não está acima da lei? — Ei, achei que estava fazendo o certo! — Mercúria se senta. — Você ferrou com tudo. Peguei cinco dias de gancho e um novo delegado foi nomeado para Santa Paz. — Eu já o encontrei. — Você está sendo procurada por homicídio! O Cícero do Ministério Público e a maluca da doutora Valéria juntaram provas de que você é comparsa de Ardente. — Mas eu não sou, você sabe! Viu que lutei com ela para salvar as pessoas do supermercado. Ardente.
Viu
que
Mariana
não
é
—
Eu
vi
você
soltando
uma
prisioneira. Eles vão ficar no seu pé. Vão pegar você. — Não vão. Temos que nos preocupar com os policiais que estão morrendo. — Então é isso. Mercúria desliga a TV pelo controleremoto. — Não é só isso. Eu vim pedir desculpas. Agi mal. Não era minha intenção arrumar problema para você. — Mas arrumou. — Erro, como qualquer pessoa. — Só que não pode. Tem poderes e será cobrada por conta deles. As pessoas terão inveja, culparão você. — Se eu pudesse me desfazer dos poderes, eu faria sem hesitar. Meire esbarra com seu ombro no ombro de Mercúria.
— Você é super e não deve desistir das pessoas. Vamos lá — Meire se levanta — Vou te passar tudo que tenho e sei sobre as mortes dos policiais. Verônica está sentada, cercada de livros velhos. Os cabelos presos em um coque, de camiseta regata e short, para que não passe muito calor enquanto analisa os documentos fornecidos por Meire. Os óculos falsos estavam sobre uma pilha de livros, a loja fechada, era feriado. A campainha toca, ela observa a silhueta pelo vitral da porta. Levanta-se e abre a porta para atender, achando tratarse
de
um
cliente
desavisado,
mas
surpreende-se: — Doutora Valéria! — Desculpe vir cedo e no feriado, mas estava próxima e resolvi saber como você
está
depois
daquele
incidente
no
supermercado. — Entre! — Verônica abre totalmente a porta — Não repare na bagunça nem na minha roupa. Estou organizando um lote de livros que chegou. — Puxa, nunca tinha reparado que era musculosa — diz a advogada ao fitar a amiga em traje curto. —
Como
trabalho
sentada,
faço
musculação para manter a forma — mente Verônica, sem muito jeito para aquilo. Valéria
entra
e
observa
lugar.
A
quietude, os muitos livros. — Você não se sente sozinha aqui? — indaga. — Às vezes. Mas o trabalho me distrai. Durante o dia recebo a visita de amigos, clientes.
— E sua família? Uma vez você me disse
que
tinha
perdido
a
mãe
mãe
chamava
recentemente. —
Sim.
Minha
se
Clarice e o Sebo era dela. — E o resto da sua família? Pai, irmão? — Eu não conheço o meu pai. Irmãos também não tive, não que eu conheça. — Eu também fui mãe sem marido, como a sua mãe. Não tive nenhum filho além da que perdi. Minha menina também se chamava Verônica. Nossas histórias têm pontos semelhantes. A vendedora de livros usados esbarra numa pilha de revistas e a derruba. Valéria abaixa-se
para
ajudá-la
a
arrumar
os
exemplares. A advogada continua: —
Frequentei
igrejas,
cartomantes
para que alguém me desse uma luz, uma
mensagem
da
minha
menininha.
Sofro
tanto a falta dela. As lágrimas se juntam nos olhos verdes de Verônica. Ela se esforça para contê-las. — Eu não sei o que dizer, Valéria. Tenho certeza que sua filha, em qualquer lugar que esteja, deve também sentir a sua falta. Mais ainda, ela deve querer que você fique bem; que retome sua carreira; que siga em frente. — Não é fácil, minha amiga. Não é... — Eu imagino que não — Verônica abraça Valéria — Saiba que pode contar comigo sempre. — Eu não vim aqui para isso, me desculpe — Valéria se justifica — Queria saber se estava bem depois do incidente no supermercado.
Minha morte Parte 1
Meire tinha a investigação adiantada. Segundo os documentos analisados e a convicção de Verônica, o chefe do tráfico de Santa Paz organizou um plano para oprimir os cidadãos da cidade, mostrando-lhes a fragilidade da polícia. Plantaria o sentimento de insegurança, cuja ideia era provar que mesmo com a atuação de Mercúria, os moradores
de
Santa
Paz
não
estavam
seguros. Os policiais eram os primeiros a serem mortos; depois as figuras públicas e por último, a própria Mercúria. De acordo com
os
levantamentos
de
Meire,
a
organização criminosa de Santa Paz tinha angariado recursos para implantar essa política de caos. Verônica não iria permitir. Não era justo que os policiais de Santa Paz pagassem por sua ação. Tinha de subir o Morro
do
Ouro,
como
se
chamava
o
complexo de favelas de Santa Paz, para resolver aquela situação de uma vez por todas.
Seria
nesta
noite,
seria
agora.
Trocou-se para a ação. O pensamento de Mercúria ao correr pelas ruas da cidade estava estático em Valéria. Era estranho tê-la como amiga e ao mesmo tempo como inimiga. Estava claro que a advogada não gostava de Mercúria, apesar de ter afeição pela vendedora de livros
usados.
Sua
dedução
foi
que
necessitava conversar com Valéria vestida de
Mercúria,
tempos atrás.
como
Meire
lhe
sugerira
O morro é avistado. A rua íngreme, mal iluminada e tortuosa. Ela nunca tinha estado ali. O seu plano é simples: entrar, localizar o chefe e pegá-lo. Empreende velocidade e avança. Em supervelocidade sua presença não pode ser identificada por olhos comuns, o que lhe dá vantagem. Identifica um grupo de
homens
armados
poliesportiva.
em
Mantém
a
uma
quadra
velocidade
e
derruba um por vez, deixando apenas um. Então para. — Onde está o seu chefe? — ela pergunta. — Eu vou te encher de bala! — O bandido
aponta
a
metralhadora
para
Mercúria. — Acho que não — ela mostra-lhe o pente de balas. — Mas como?
— Tirei enquanto atacava os seus comparsas. Ele sorri. — Mas aqui você não está no seu território. Mercúria ouve o som de disparo. Instintivamente se vira para o local de onde provém o disparo. Do alto, de cima de um barraco, há um homem armado com rifle. A bala avança desacelerada e ela consegue desviar-se. — Mas que merda! A heroína avança com velocidade e empurra o homem contra a grade da quadra. — Fale-me! Ele não se intimida. A rajada de metralhadora
anuncia
os
disparos
que
atingem Mercúria nas costas, fazendo-a soltar quem interrogava. Ela se ajoelha, os ferimentos se fecham e os projéteis são
expelidos do seu corpo. Ela se vira e identifica cinco homens. Desarma-os e para depois
atacá-los
com
socos
e
chutes
velozes. Ela avança mais uma vez contra quem almeja
interrogar
e
o
empurra
com
velocidade. — Onde estávamos? — Você queria saber sobre o meu chefe. Só que eu não tenho — ele se levanta. A quadra está cercada de bandidos armados, Mercúria observa. — Eu sou o chefe, Armandinho, muito prazer! — ele faz uma reverência. Então durante todo o tempo esteve diante do chefe do tráfico do Morro do Ouro?
Aquele
homem
magro,
alto,
de
braços longos e preenchidos por tatuagens era quem tinha organizado o plano de matar
policiais?
Os
olhos
negros
dele
sempre
passaram
confiança.
A
cabeça
raspada, o brinco reluzente e o sorriso conferiam-lhe uma imagem comum. Era jovem. — Eu vou pegá-lo! — Não vai. Eu te peguei primeiro. Leio as matérias que fazem sobre você. Sei que pode se regenerar com rapidez, mas que tem um limite para o seu poder. Hoje vamos testar esse limite. Fuzilem a vadia! Muitos disparos acontecem pela grade da quadra, não há para onde fugir nem como desviar. Ao ser alvejada, Mercúria sente muita dor, é terrível. Não há tempo para sua regeneração e ela se dá conta do erro que cometeu, agindo sem pensar. Por falar
em
pensar,
seu
cérebro
já
não
funciona corretamente, ela cai em cima do seu próprio sangue. Os tiros cessam.
— Mas já? — Armandinho se aproxima —
Vamos
esquartejar
o
corpo
pendurar os pedaços pela cidade.
para
Minha morte Parte 2
A
regeneração
devolve
resquício
de da
Mercúria
lhe
capacidade
de
raciocinar. O coração ainda bate. Os olhos se abrem, ela sente o gosto de sangue. Precisa fugir. Precisa ter forças para uma última corrida. A
entrada
da
quadra
está
desprotegida. Os bandidos chegam perto para ver o esquartejamento. Um homem se aproxima com o machado em punho. Ele o levanta para o golpe na cabeça. Todos observam.
Quando
o
machado
desce,
atinge o chão. Um vendaval passa pelos bandidos e Mercúria desaparece. Ela não sabe para onde está indo. Os ferimentos no seu corpo são muitos, assim como a dor. O joelho se desloca e ela cai em um beco escuro ainda nos domínios do morro, está fraca. Escuta o barulho de uma motocicleta e sente a luz do farol lhe iluminar, é o fim. A consciência lhe foge mais uma vez. Cinco horas da manhã o telefone celular do repórter Marcelo Siqueira toca. Sonolento, ele alcança o aparelho sob o criado-mudo e atende. A notícia muda o seu semblante imediatamente. Ele não acredita no que o seu chefe lhe diz. — Não é possível — ele argumenta. — A polícia confirmou, Marcelo. Não é possível reconhecer o rosto, mas polícia tem
certeza que é ela — Diz Janaína, sua colega de trabalho — Eu estou no IML. — Estou indo já para aí — São suas palavras pouco antes de desligar o telefone. O trajeto até o Instituto Médico Legal de Santa Paz é feito com rapidez, tinha que ver
com
os
próprios
olhos.
Estaciona
próximo a entrada do prédio, as escadas estão cheias de repórteres e cinegrafistas. Viaturas estão com giroflex ligados. Meire está sentada na sala de espera com um cigarro nos lábios. Janaina entrevista o delegado Mauro poucos metros dali. — Ela foi imprudente — Meire balança a cabeça gesticulando negativamente. — Não é verdade. Não pode ser. Ela é super. Nada pode matá-la. — Acho que ser incinerado vivo é demais até para ela. — Eu tenho que ver o corpo.
— Vamos, eu te mostro. Jogaram o corpo dela na entrada da delegacia. Foram os traficantes do Mouro do Ouro. Quando Marcelo entra na sala onde repousa o corpo de Mercúria, depois de passar
por
várias
pessoas,
ele
não
a
reconhece. Em cima da mesa de aço há um corpo carbonizado, cujos brincos em forma de raio reluzem em dourado. — Os brincos são os que ela usava, não é? — diz Meire. — Sim, mas não se pode atestar com certeza só por eles. É preciso fazer exames no corpo. O delegado Mauro, a advogada Valéria e a repórter entram na sala. — Se tivéssemos conhecimento de algum parente dela, se ela fosse normal, talvez o DNA — diz Mauro.
— Podemos fazer exames neste corpo e provar que não é o de Mercúria. Eu tenho certeza que não é ela. — Se você estiver certo, vamos ver Mercúria por aí. Se ela não aparecer é porque você não está — sorri Mauro. Valéria se mantém fria. Aproxima-se do corpo e fita o rosto irreconhecível de Mercúria. Ela deve ter tido uma morte horrível.
Queria
que
fosse
presa,
não
assassinada. Janaína bate fotos. — Você não está suspensa, doutora Meire? — provoca o delegado. — Não — Meire se aproxima de Mauro. — Não? — Já é quase manhã o que nos leva ao dia seguinte, o dia que volto ao trabalho normalmente — Meire aponta o relógio de pulso prateado ao delegado.
— Ah, claro. — Logo mais nos vemos na delegacia, doutor Mauro — ela se vira e acena — Agora vamos, Marcelo. Você deve ter uma matéria para escrever ainda hoje.
Minha morte Parte final
Feijão? O cheiro invade as narinas de Verônica e lhe devolve a consciência. Está em
uma
cama
simples
de
um
quarto
pequeno, cujas paredes não são rebocadas. O piso frio, o guarda-roupa tem as gavetas caídas. Ela se senta, traja vestido, os ferimentos desapareceram. — O vestido é da minha mãe — Um homem negro e forte entra — Eu sou Thiago. Verônica não diz nada. Uma senhora de pele escura, mirrada, de lenço na cabeça e de vestido florido
aparece ao lado do homem forte. Ela sorri e diz: — Não se preocupe, está segura aqui. — Acho que ela está assustada, mãe. — Converse com a menina, filho. Eu vou ver o fogão — a senhora se afasta. Thiago se aproxima e se senta na beirada da cama. Ele é careca, alto e musculoso. Tem os olhos castanhos e os lábios sempre dispostos em um sorriso. Veste-se
com
camiseta
vermelha
e
bermuda jeans. Possui brinco na orelha esquerda e uma tatuagem com o dizer “paz” no antebraço esquerdo. — Sou enfermeiro e te achei caída quando voltava do trabalho. Trouxe você para minha casa e dei-lhe soro. Sei do seu dom de regeneração. — Obrigada — ela finalmente diz.
— Minha mãe está preparando o almoço. Acho que você deve estar com fome. Ela assente. — Os caras daqui querem pegar você. Não foi uma boa ideia ter vindo assim, sozinha, de repente. Eles são muitos. Tá todo mundo fulo com você; por causa dos seus
poderes
e
sua
interferência
nos
crimes. — Eu só quero ajudar as pessoas, mas elas parecem que não querem ser ajudadas. — Ah não! Você é fantástica. É uma inspiração pra gente aqui do morro que não tá envolvido com o tráfico. Sabe, um exemplo. — Eu vim por causa dos policiais mortos. — Eu sei. Eles também. Por isso tudo estava preparado. Você teve sorte...
Mercúria
se
cala.
Sorte?
Queriam
esquartejá-la! —
Não
imaginava
que
seria
tão
horrível. Que eram tão cruéis. — Crueldade é comum por aqui. Tanto que a gente passa a não se importar. Bastou ligar pra minha mãe e não foi difícil arrumar um corpo carbonizado para colocar os seus brincos. Pobre mulher que morreu queimada viva. —
Como
é?
—
se
surpreende
Verônica. Thiago volta para cozinha próxima e observa a mãe mexer a panela de sopa com uma colher de madeira. Diz: — Com a ajuda da minha velhinha e alguns amigos armei para que os traficantes pensem que você está morta. É a única forma de mantê-la viva. Tínhamos um corpo
carbonizado
e
tínhamos
pessoas
querendo a sua morte. Unimos as duas
coisas. Eles não vão perceber que aquela não é você. Soube que já deixaram o corpo na delegacia para intimidar a polícia e as pessoas. Verônica se levanta. Vai até a cadeira da cozinha e senta-se. — Então estou morta. — Sim. Vai ser bom assim. Você poderá andar livremente pela favela e pegar o Armandinho de surpresa. — Armandinho — ela se lembra do encontro com o bandido —, ele é o chefe daqui. — Isso mesmo. Eu tenho um plano para pegá-lo. Vamos almoçar e te explico. O enfermeiro que lhe havia salvado a vida
lhe
cativa
de
alguma
forma.
Ela
observa enquanto escuta o plano. Ele tem facilidade para sorrir e um cérebro aguçado. É sincero, fala bem e se entusiasma com facilidade.
— Será que dará certo? — Acho que podemos tentar — ele está lavando os pratos Thiago
conta
que
é
de
origem
humilde. Sua família nunca havia deixado o morro,
apesar
de
ele
ter
um
salário
razoável como enfermeiro. Disse que ali era o seu lugar, lá estava sua gente e quem mais precisava de ajuda. Era membro da Associação de Bairro do Morro do Ouro e angariava donativos para distribuir aos mais carentes. Comprometia parte da sua renda com projetos sociais e preferia manter a discrição. A mãe temia pela sua vida, se o trabalho
começasse
a
interferir
nos
negócios dos traficantes. Ele sabia conviver com a realidade da favela e era visto como um
maluco
pouco perigo.
altruísta
que
representava
O plano Parte 1
Ao lado de Thiago, Verônica caminha pela rua íngreme. A casa do enfermeiro era pequena e localizada no fim da rua não asfaltada. Os meninos que soltam pipa observam-na e ela a eles. Na verdade, todo o lugar, agora à mostra pela luz do sol. Tantas
pessoas
em
situação
precária
enquanto poucos gozam de tanto. Ela não conseguia entender. Antes do acidente com o raio que a fez crescer, julgava ser pela sua condição infantil. Quando fosse adulta saberia os motivos de existirem pessoas que não possuem o que comer enquanto há
outras que gastam fortunas com coisas supérfluas. Agora adulta, continuava na mesma: era simplesmente incompreensível. — No que está pensando? — diz o amigo. — Nada — ela abaixa a cabeça. — No seu planeta também existem favelas? Ela levanta o rosto, surpresa. — Eu sou deste planeta! Gostaria que todas
as
pessoas
tivessem
condições
mínimas de moradia, saúde e dignidade. Sei que há como! Vejo tantos prédios, tanta comida! — A culpa não é dos prédios nem dos alimentos. Aqui, a gente tem o Armandinho e por todos os lugares deve ter alguém que faça a vez dele. Verônica para de caminhar. — O que ele faz com as pessoas aqui do Morro?
— Bem, ele gerencia a vida de todo mundo
aqui.
Os
comerciantes
pagam
“impostos” para ele; as famílias quando precisam de algo vão pedir para ele, essas coisas. Ele tem muita grana... —
Vinda
do
tráfico
—
conclui
a
heroína. — É. Tem gente que não concorda com o que ele faz, mas não podem desafiálo. Que nem hoje, ele mandou dizer que ninguém sai e ninguém entra no Morro por causa do que aconteceu com você. Ela volta a caminhar com os olhos agora voltados para o chão. Era difícil de acreditar que mesmo com os poderes que tinha, pudesse se sentir tão impotente diante de uma situação. A
loja
de
revistas
usadas
abriu
normalmente naquela manhã. Os periódicos que eram vendidos diariamente estavam
repletos de matérias sobre a morte de Mercúria. Tanto os do dia anterior quanto os de hoje. Verônica procurou não lê-las, mas a de Marcelo Siqueira chamou-lhe atenção. Dizia ele em seu texto: “Santa Paz perde sua mágica. Na manhã de hoje o corpo da super-heroína Mercúria
foi
jogado
por
traficantes
na
sacada da delegacia. Segundo informações obtidas no Morro do Ouro, Mercúria havia estado na favela na noite anterior para capturar o chefe do tráfico de Santa Paz. Vitima de uma armadilha armada pelos homens
do
tráfico
ela
foi
alvejada
incessantemente até o limite dos seus poderes
regenerativos.
Após
o
“fuzilamento” Mercúria ainda teve forças para sua última corrida que terminou em um
beco
escuro,
onde
foi
pega
pelos
traficantes e incinerada viva. Este repórter não costuma deixas nos seus textos suas
impressões
pessoais,
mas
a
ocasião
é
especial e ele se vê obrigado registrar sua decepção com os moradores de Santa Paz. Eles não souberam dar valor a uma criatura esplêndida que dedicava a vida para salvar vidas
alheias.
humano,
os
Como
é
cidadãos
comum de
ao
Santa
ser Paz
abominaram o ser por sua diferença e não lhe viram com a dignidade que merecia. Agora não há mais preocupação, o diferente foi
extirpado
Atribuem
a
da
autoria
nossa do
convivência.
assassinato
de
Mercúria aos traficantes quando ela deveria ser atribuída a cada um de nós.” Ela dobra o jornal, perturbada. Não sabia o que pensar de Marcelo, se era verdadeiro em suas palavras ou se as usava para promoção pessoal. De qualquer modo era um golpe duro, pareceu-lhe sincero.
— Nossa, você tem a coleção da Queda do Morcego quase completa! — era Thiago que remexia em suas estantes. Tinha trazido o seu salvador para a vida que lhe sobrara, mesmo sem pensar sobre o assunto. Colocar o novo plano em prática era o mais importante. — Ela virá logo. Compra jornais toda manhã. — Certo. — Lembre-se: chamo-me Verônica, sua prima. Sou só vendedora de livros usados. — Fica tranquila. A sua identidade secreta está segura comigo. A
doutora
Valéria
entra
na
loja,
elegante, com os óculos escuros nos olhos. Ignora Thiago e agarra o jornal do dia da gôndola e vai direto ao balcão. — Por que não abriu ontem? — ela saca a carteira.
— Tive um problema familiar. — Um problema lá em casa — Thiago se aproxima — Eu sou primo dela. — Primo? — Sim — Verônica devolve o troco à Valéria — ele mora no Morro do Ouro. — Achei que fosse sozinha. — A mãe dele é prima da minha. Desde que perdi minha mãe, faço às vezes dela em visitá-los de vez em quando. — Compreendo — diz Valéria. Verônica continua. — Eu estava lá espalharam a notícia de que tinham pegado Mercúria. Ninguém podia sair do morro. — Não devia visitar aquele lugar. É perigoso! Eu não gostava de Mercúria, mas foi terrível vê-la morta. — Meus primos precisam de ajuda, doutora
Valéria.
Na
verdade,
todas
as
pessoas do morro. Ninguém aguenta mais o domínio do Armandinho. — O que eu posso fazer, menina? — Estive pensando, você é advogada, poderia pedir para as autoridades invadirem o morro e libertar a população. — Mais que isso — Thiago saca da mochila uma pasta de elástico — Há um processo contra o Armandinho e a prisão já foi decretada. O engraçado é que todo mundo finge que não sabe que ele está no morro. A polícia nunca tentou cumprir a ordem. Valéria analisa os documentos. São fotos, mapa, publicações e petições de processo. — Não há pessoal suficiente para enfrentar a indústria do tráfico e cumprir a Ordem Judicial. Além disso, tem os policiais corruptos que recebem para proteger os bandidos.
— Temos que fazer alguma coisa — diz Verônica. — Isso é peixe grande, garota. Não é prudente mexer com esse pessoal. — Mercúria morreu tentando ajudar! Temos que usá-la como exemplo. Valéria
a
observa
por
alguns
segundos. Retira os óculos de sol e suspira. — Eu não prometo nada. Vou levantar algumas informações e voltamos a nos falar. — Obrigada! — Verônica a abraça. O
Promotor
Cícero
analisa
os
documentos fornecidos pela doutora Valéria naquela tarde. O mandado de prisão tinha sido
expedido
há
quase
um
ano,
por
homicídio. Ele nunca tinha sido encontrado. O promotor leva a mão á testa, o cotovelo está sobre os documentos. Suspira. Saca o celular e disca um número.
O plano Parte 2
Marcelo Siqueira está editando seu texto para a matéria do dia seguinte. O telefone toca. A recepcionista do jornal lhe informa que há duas pessoas que gostariam de vê-lo, tinham algo importante para dizer á imprensa. Ele autoriza a subida dos visitantes. Eles se aproximam, a porta da nova sala de Marcelo está aberta. É uma jovem de vestes largas e um rapaz musculoso. — Pois não? O forte estende a mão.
— Sou Thiago, é um prazer conhecêlo. Esta é minha prima, Verônica. —
Marcelo
Siqueira
—
ele
cumprimenta Thiago e Verônica. Detém-se alguns segundos nos olhos da vendedora de livros usados. Thiago chama sua atenção. — É sobre o Morro do Ouro. — O que tem de lá? — Sou morador há muitos anos. Sei do que aconteceu com Mercúria e tenho informações sobre o pessoal que fez o que fez com ela. — Continue. No outro dia, pela manhã, o jornal está nas mãos de Verônica. O sorriso nos seus lábios. A matéria de capa era a de Marcelo; a entrevista que havia realizado com um morador do Morro do Ouro. Nela, além dos detalhes sobre o tráfico de drogas,
havia a informação de que Armandinho era procurado pela polícia, mas estava agindo livremente
no
morro.
A
identidade
do
entrevistado foi mantida em sigilo para segurança de Thiago. Para Cícero, o Promotor de Justiça, o efeito do jornal foi totalmente contrário. Foi o suficiente para estragar o seu dia. Mal havia terminado de ler a matéria quando o telefone
tocou em seu gabinete.
Eram
ordens que deveriam ser cumpridas o mais rápido possível. Imediatamente ligou para Meire: — Doutora Meire, prepare os seus homens.
Reforços
do
Estado
estão
chegando e quero a senhora no comando da Operação Morro do Ouro. — Achei que fosse pedir para o seu afilhado! — Meire se referia ao delegado Mauro.
— Não enche, Meire! Faça o que tem de fazer. Se quiser levar o Mauro, é por sua conta e risco. — Acha que vou perder a chance de ensinar alguma coisa para o novato? A ligação foi interrompida. O jornal é dobrado com cuidado. Depois
é
jogado
no
lixo.
Armandinho
afasta-se da mesa de vidro e junta as mãos num gesto apreensivo. Ele já tinha sido informado sobre o assunto, mas agora daí a se tronar público era demais. Precisava de um plano. Mulheres estavam espalhadas pelo carpete de sua sala, inconscientes. Ele suspeitava de quem havia dado com as línguas nos dentes, o faria pagar. Ele saca o celular e faz contato com os seus homens. Pede para que chequem a casa de quem julga tê-lo traído. É preciso
também obter informações do seu homem infiltrado no jornal de Santa Paz. Duas horas depois, uma das meninas desperta
com
sorriso
faceiro
enquanto
Armandinho prepara mais uma carreira de cocaína. O seu celular toca. — Chefe? Ele foi visto com uma garota estranha caminhando aqui na favela. Ela não é daqui. — Tragam quem estiver na casa dele.
O plano Parte 3
Dona Cidinha já tinha passado por muita coisa nessa vida, mas nada como aquilo. — Deus do céu, não foi meu filho! Ele tá trabalhando! — sua voz sai embargada pelo choro, pelo sangue. — Dona Cidinha, a senhora é gente boa. Lembra que eu comprava figurinhas lá no
sue
bar?
—
Armandinho
batia
o
cassetete na palma da mão esquerda — Eu não quero machucar a senhora. Só preciso saber onde tá o enfermeiro. Já sei que ele
não tá no hospital e que foi visto com uma mina estranha aí. Cidinha se debate. As cordas estavam apertadas em seus punhos, nas costas. O quarto cheira mijo de rato, não há janelas. Jornais estão de baixo de seus joelhos dobrados. — Eu mesmo quis fazer isso. Não ia achar legal que meus homens relassem a mão na senhora. A mãe de Thiago abaixa a cabeça. Gesticula negativamente. — Eu não sei de nada. — A senhora não está colaborando, tia Cidinha! — ele deu com o cassetete na bochecha da prisioneira. Dentes e sangue atingem o chão. Armandinho se afasta. O celular toca. — Chefe, já levantei a informação de que o tal repórter da matéria recebeu a visita de um homem forte e uma mulher
ontem de manhã. Nosso informante do jornal disse que a garota é a dona de um Sebo no centro da cidade. — Bem, visite essa garota e conte que estou com a mãe do cara que abriu o bico pro jornal. Que o sujeito tem até a meia noite de hoje para vir até mim. — Ok. — Não se esqueça de deixar na menina o nosso recado. Armandinho
sorriu
ao
guardar
o
telefone no bolso. Fitou Cidinha que se encontrava de joelhos e disse: — O enfermeiro vai receber o meu recado. Verônica está baixando as portas da loja, já é tarde. Thiago tinha permanecido na
companhia
da
amiga
desde
que
começara a colocar o plano de prender Armandinho em prática, afinal era perigoso
retornar
para
casa
devido
aos
acontecimentos recentes. Não demoraria muito agora, era o que pensava enquanto observava a amiga trancar a porta. — Essas fechaduras estão velhas. Dá um
trabalho
fechá-las!
—
comenta
a
vendedora de revistas velha enquanto se ergue com o molho de chaves estre os dedos. Quando ela se vira para retornar ao balcão as portas de lata são arrancadas pela traseira de um Comodoro preto. O barulho é alto e o carro veloz avança para dentro da loja carregando consigo a porta arrancada e o corpo de Verônica. Poeira, som de lata caindo e o ruído do radiador do carro quente são os sons presentes. Thiago está assustado, as portas do carro se abrem. São cinco homens armados e mascarados.
—Olha só quem a gente achou! — diz o que saiu pela porta do motorista. Thiago está apavorado. Está sob a mira de uma metralhadora, as mãos já estão para o alto. — Vamos, entra no carro! O chefe quer você! Ele deixa o balcão e caminha em direção dos bandidos. Todos estão mirando o enfermeiro, quando algo os atinge com velocidade surpreendente. Os cinco homens de Armandinho estão no chão retorcendo de dor.
O
borrão
vermelho
que
havia
derrubado todos os inimigos ganha a forma de Verônica. — O que querem aqui? — ela se ajoelha sobre o peito de um dos homens e agarra o colarinho de sua camisa. — O chefe! Ele quis que viéssemos para dar um recado para você! Avisar que estamos com a mãe do enfermeiro. É para
ele ir à favela até a meia-noite de hoje ou a mãe dele vai morrer! Quando chegamos percebemos
que
ele
estava
aqui!
Só
queríamos levá-lo! Ela afrouxa os dedos da gola do bandido. Havia conhecido a mãe de Thiago que agora estava à mercê de Armandinho. O que ele estaria fazendo com ela? A crueldade
era
características
uma que
das Verônica
primeiras havia
reconhecido no bandido quando o encarou. — Ligue para a polícia! — ela se virou para o atônito Thiago. — Eu vou salvar a sua mãe.
O plano Parte 4
Thiago pareceu ter despertado de um transe. O braço direito estava estendido, a mão aberta. — Espera! — grita. Verônica se assusta. Volta-se para o amigo. Ele está ofegante. — Você precisa de um plano! Não pode repetir o erro que cometeu da outra vez que esteve lá. Ela se aproxima em supervelocidade. — Não há tempo! Sua mãe corre perigo! Thiago
suspira.
Abaixa
tentando recuperar a serenidade.
a
cabeça
— Eu sei — ele diz baixo —, mas não poderemos ajudá-la se não fizermos as coisas direito. Verônica olha para o
amigo
com
desconfiança. Não entende os dizeres dele. —
Eu
não
posso
ficar
esperando
enquanto alguém corre perigo. Ele segura sua mão e a puxa para si. Os corpos se esbarram e os lábios se encontram. — Confie em mim, por favor — Thiago diz para a heroína que ainda está surpresa com o que acabara de acontecer. Meire está preparada para a grande operação. Já havia vestido o colete por cima da sua camisa branca. Traja sua habitual calça social cinza e sapatos. Checa os pentes de munição.
Mauro está pronto ao
seu lado, apreensivo. Traja capacete, colete e farda negra completa. Luvas cobrem suas
mãos e o rifle vem preso por uma tira de couro em seu ombro direito. Os homens do Estado já estavam a postos. Todos estão na entrada do Distrito Policial. — Hoje você vai aprender algumas coisas — fala Meire. — Eu não preciso aprender nada. Só aceitei
participar
deste
circo
porque
o
Cícero disse que era para eu acompanhar você — é a resposta de Mauro. Os
carros
estão
estacionados
na
frente da delegacia. A primeira equipe há pouco foi enviada ao Morro do Ouro. — Vamos! — Meire se vira para entrar em seu veículo. O rádio da viatura informa: — Solicitando viatura para o centro da cidade. Possível roubo em andamento na Rua dos Sabiás, na loja de revistas usadas.
— Vinte e cinco, para o centro! — grita a delegada ainda em pé ao lado da porta do motorista. A viatura de número vinte e cinco sai cantando pneus. Marcelo Siqueira pilota a vam do jornal.
Ao
cinegrafista.
seu
lado
Carlos
está
havia
Fausto
sito
o
demitido
semana passada por conta da redução de funcionários
que
o
Grupo
Cidade
de
Entretenimento tinha realizado. O canal de TV
passava
por
crise
causada
pelo
afastamento de patrocinadores. Isso se deu por causa da morte da atração principal da televisão:
a
extraordinários. negativamente,
garota
com
Ele sorrindo.
poderes gesticula
Dirige
para
o
Morro do Ouro para cobrir a operação policial que tem o objetivo de pacificar a favela e prender o chefe do tráfico.
— Tudo bem, Marcelo? — fala Fausto. — Só estava pensando no Carlos. Marcelo ainda tinha dificuldade em aceitar que não veria mais Mercúria. Em sua mente, os encontros que tivera com a heroína eram revividos com frequência. Agora que ela estava morta, custava a acreditar que um dia havia existido. Teria espaço em nosso mundo, um ser com habilidade extraordinária? Não é este o sonho do ser humano? Sempre querer ser mais; ser o que não é e amaldiçoar aquele que é o que ele gostaria de ser. Tudo estava certo agora, absolutamente tudo. O uniforme está sobre a cama. O raio dourado
no
peito
da
blusa,
os
raios
dourados na lateral da calça branca. As asas nas botas estão visíveis sob o assoalho do cômodo. Quando vestida com ele, ela deixava de ser quem era e tornava-se um
ser alheio às características das pessoas. Na verdade,
sempre
fora
diferente
e
continuava sendo mesmo agora, sem roupa alguma. Quem era estava em si mesma, não na roupa. Ser como Thiago que não precisava de roupa especial para ajudar as pessoas seria o ideal, mas não aceitariam. Ao se lembrar do novo amigo Verônica teve vontade de sorrir. Ele já havia saído para resgatar a mãe como o verdadeiro herói que era. Havia deixado sua princesa com um
beijo.
Que
coisa
mais
infantil!
Condizente com a idade que tinha quando tornou-se Mercúria, pensou. — Concentre-se no plano, Verônica. No plano... — ela avança para se trocar.
O plano Parte 5
Thiago desliga a moto na entrada abandonada da favela. Aquela passagem há muito
havia
sido
abandonada
pelos
moradores, embora fosse conhecida das crianças
que
enfermeiro infância.
Na
cresceram
costumava entrada
no
local.
O
brincar
ali
na
principal,
policiais
impedem a passagem de civis. Sabia para onde Armandinho levaria sua mãe. Ele não costumava variar o lugar de tortura. O ponto em seu ouvido direito era a conexão que tinha com quem lhe salvaria e pegaria o bandido. O plano tinha
mudado, afinal, inicialmente, era para a polícia invadir o lugar distraindo os homens de Armandinho para que Mercúria com as informações privilegiadas
que
ele
havia
fornecido invadisse o lugar e pegasse o bandido
de
surpresa.
Agora
era
outro
plano... Ele segue pela ruela desativada, cheia de mato. A caminhada é longa até o velho galpão de arroz. Contam no Morro do Ouro que antigamente aquele lugar era usado para estocar o arroz que o fazendeiro dono daquelas terras produzia. Ele se reviraria no túmulo se soubesse para quê Armandinho usa o lugar. O galpão está aberto. Ele é afastado dos barracos, ótimo para uma fuga pela mata. Thiago entra pela porta principal. Os passos são firmes. Quando transpassa pelo portal arcado do galpão, porém, os passos perdem a
firmeza. Os olhos se abrem excessivamente e o pavor invade o seu semblante. A mãe está de joelhos, o vestido branco sujo e manchado de sangue. Armandinho está de braços cruzados atrás dela, onipotente. Os homens de confiança, ao redor. Thiago corre, mas as armas apontadas forçam-no a parar e a render-se com o gesto de levantar as mãos. — Chegou o nosso convidado! — sorri Armandinho. — Seu desgraçado! O que fez com minha mãe? — A tia não quis colaborar e por isso apanhou um pouco. — Eu já estou aqui. Solte-a! — Claro. Soltem a tia, moçada. Os capangas desamarram os pés e pulsos da Dona Cidinha. Ela não se move, está
fraca,
ferida.
Thiago
ameaça
se
aproximar,
mas
os
homens
gesticulam
negativamente com a ponta das armas. — Porra, Armandinho! Ajude-a ou deixe-me ajudá-la. — Nada disso, enfermeiro. A coisa tá pegando lá fora é uma questão de tempo até que cheguem aqui. Eu preciso me safar, saca? Como você foi quem me ferrou, vai ser também quem me salvará. — Explique-se! O bandido se aproxima ainda com o maldito sorriso nos lábios. — Pegue isso! — ele joga um colete laranja para Thiago. — Coloque! As armas foram engatilhadas. Thiago obedeceu e Armandinho continua: — Isso tem c4 suficiente para fazer um buraco no mundo. — Tem jeito mais interessante de me matar, maldito!
— E quem disse que vou te matar? Na verdade você vai morrer se quiser. Eu almocei um sensor de proximidade que descarrega um pulso elétrico que acionará a bomba que você está carregando. Ah, e só lembrando que os engates do colete têm sensores. Em outras palavras, você não pode tirá-lo sem que tudo vá pelos ares e nem se afastar de mim, não é o máximo? — Armandinho passou o braço por cima do ombro de Thiago.
O plano Parte 6
O bandido respira com dificuldade. O saco preto é retirado. De joelhos, com as mãos para trás, algemadas, ele não sabe até quando pode aguentar. Ele observa o salto alto, perto. — Vamos, onde ele está? — a dona do salto diz, ele não a conhece. — Quer voltar para o saco? — Eu não sei, senhora! Juro que não. — Coloquem-no de novo no saco — ordena Meire. A delegada há algumas horas se encontrava no Morro do Ouro junto de sua
equipe.
Neste
tempo,
prendeu
alguns
comparsas do líder do tráfico e executou outros. Alguns policiais também tinham perdido a vida e ela já estava no seu limite. A
favela
estava
quase
totalmente
pacificada, mas nada de Armandinho. O saco é novamente colocado na cabeça do homem e segurado com firmeza por policiais fortes. Ele se debate, parece uma eternidade. Mauro que a tudo observa, não consegue esconder sua indignação. — Solte-o! Vai matá-lo! — Mauro se aproxima. Meire dá a ordem para que retirem o saco. O homem tomba. Ela se ajoelha e dá alguns tapas no rosto dele. A consciência volta. — Então? Onde ele está? — No... galpão... no galpão antigo. É tudo que sei.
—
Levem-no!
—
ela
ordena
aos
homens. — Venha, Mauro, vamos pegar o nosso peixe! Marcelo Siqueira não teve permissão para subir o morro. Cobria a invasão da entrada da favela e dava boletins dos acontecimentos de tempo em tempo. As filmagens, no entanto, eram ininterruptas e narradas pelo apresentador sensacionalista do horário. —
O
traficante
conhecido
como
Quadradinho, acaba se passar por nós, escoltado por policiais. É mais um traficante do Morro do Ouro que deixa as ruas. — Marcelo anuncia ao vivo. —
E
o
Armandinho,
Marcelo?
—
pergunta o João Luiz, o apresentador do programa.
O áudio demora alguns segundos para chegar ao fone de Marcelo e ele assente ao entender a pergunta. Responde: — Ainda não foi encontrado, João. — A polícia está de brincadeira, não é? A câmera desvia do repórter e a conversa continua entre José Luiz e o seu público lá no estúdio da emissora. Marcelo suspira e abaixa o microfone. Meire, Mauro e alguns policiais estão diante do velho galpão de arroz. Tudo quieto. A delegada e seus homens se posicionam estrategicamente. Invadem o local pela entrada lateral. Ao invés de surpreenderem os bandidos são eles os surpresos. — Estávamos esperando por vocês! — é Armandinho que diz.
—
Renda-se!
—
Meire
levanta
o
revolver. — Não é interessante? Eu estou com um refém peculiar. O cara que me caguetou na TV! O legal é que ele tem um bonito colete de C4. Meire repara em Thiago; no seu colete laranja. Há cinco comparsas juntos de Armandinho e o refém. No chão, uma senhora desacordada. Ela abaixa a arma. — Tem mais, delegada! Eu não posso ficar afastado do cara, porque engoli um sensor de proximidade. Se você me separar dele, kabum! Meire sorri. — E eu que pensei que bandido era esperto. bando
Imaginei de
que
comparsas
encontraria armados
e
um que
trocaríamos tiros. Você já teria fugido pela mata! Ficou só pra me desafiar com este seu joguinho de bomba?
— Ah, mas fugir é coisa de arregão. Eu vou sair daqui de cabeça erguida e com a sua permissão, autoridade! Ela acendeu um cigarro. Os homens de Armadinho estão sob a mira dos seus policiais. — Eu posso não estar nem aí para o refém, o que me diz? Eu posso meter uma bala no meio da sua cara! — Você enlouqueceu? — Mauro que até então observava tudo em silêncio se zanga. Armandinho gargalha. — Eu gostei de você, chefia! — ele junta o corpo de Thiago mais próximo ao seu, fazendo-o de escudo. — Manda ver! Thiago não está preocupado com sua segurança. O seu problema é explodir e matar
as
outras
pessoas
que
estão
próximas. Sua mãe! Sabia que Mercúria já vinha, a sua escuta denunciou tudo o que
havia acontecido até então. Ela tentaria algo, não era este o plano. Não havia mais plano. Não aquele...
O plano Parte final
A franja da testa suada de Meire balança suavemente. Antes dos olhos, uma brisa perfumada passa pela delegada e denuncia alguém que deveria estar morto. Um borrão que distorce o espaço avança contra os homens de Armandinho. A coisa ataca e em menos de um minuto estão todos inconscientes, menos Armandinho e o seu refém. Os olhos ainda não identificam a mágica criatura, até que ela para e ganha, finalmente os contornos humanos de um fantasma. Ela ergue as mãos em sinal de rendição. — Leve-me como sua refém!
O
bandido
apavorados.
A
ainda criatura
tem é
os
olhos
imortal?
Ele
aponta para Mercúria, com fúria: — Sua vaca! Cê tá morta! — ele atira. O
disparo
acerta
o
abdômen
de
Mercúria, fazendo-a recuar um passo. O seu corpo mágico expele a bala e se regenera imediatamente. Meire ainda não acredita no que vê. Mercúria tinha mesmo o poder de voltar dos mortos?
Mauro
causada
pela
aproveitou heroína
para
a
distração
socorrer
a
mulher caída. — Eu te levo daqui! — ela continua — Contanto que desarme a bomba que está presa ao Thiago. — Acha que sou otário? — Acho que você não tem muitas opções. Armandinho Depois diz:
dá
uma
gargalhada.
— Ai é que tá, eu sou um cara muito bom em improvisar. Eu vou matar o cara e depois me render. Cê vai ficar puta comigo! Cê
não
mata
né?
Essas
paradas
de
princípios... Armandinho engatilha a arma que está
encostada
na
cabeça
de
Thiago.
Mercúria avança em velocidade e arrasta os dois para longe dali; para a mata. Meire
ainda
não
acredita
no
que
acabou de acontecer. Mauro é quem a tira dos devaneios ao dizer: — Vamos, Meire! Eles não devem estar longe! Temos que ajudá-la. Armandinho
e
Thiago
tentam
se
levantar, desnorteados. A heroína avança na direção do bandido e lhe desfere alguns chutes,
impedindo-o
Armandinho tosse e ri.
de
se
levantar.
— Ah, sua galinha! Isso dói! Mas é divertido! Muito divertido! Me bate mais! — Você é doente! — ela lhe desfere um soco. — Está acabado. — Não. — ele tosse. Tenho uma surpresa para o final. O bandido saca um pingente que estava preso ao seu pescoço. — Está vendo isso? Se isso se afastar do meu amigo enfermeiro, tudo explode! — Mentira! Ouvi você dizendo que engoliu o sensor de proximidade! Que só explodiria
se
você
e
Thiago
ficassem
distantes! — E você acreditou? — ele arrebenta a corrente e o lança. Mercúria
corre
instintivamente
na
direção do pingente e escuta Thiago pelo ponto que está na sua orelha.
—
Não
dá
pra
acreditar
nele!
Precisamos de um plano nosso! Eu já bolei um. A mente de Mercúria não é tão rápida quanto o seu corpo. Quando ela volta a si, já com o pingente na mão, tem tempo de ver
Armandinho
se
emaranhando
pela
mata. Quando se desloca com a maior velocidade que pode alcançar para impedir a iminente explosão, já deduzindo que ela ocorreria pelo afastamento do bandido do seu refém e não pelo pingente, surpreendese ao ver Thiago agarrar Armandinho e rolar com ele pelo chão. — Afaste-se! — ele diz ao puxar os engates do colete que está em seu corpo. — Não! — Mercúria vai ao encontro aos dois, mas não há tempo. O estrondo horrendo, o calor e o fogo formam a parede intransponível. A explosão lhe arremessa para longe e desfigura parte
do
seu
corpo
que
já
começa
a
se
reconstituir. O mesmo não se pode dizer da sua alma. Ali, deitada, ela chora a perda da pessoa que tinha lhe salvado a vida e lhe roubado o primeiro beijo. Meire e Mauro chegam logo. A fumaça negra ainda serpenteia o céu. Ali, próximo está Mercúria, sentada com as mãos no rosto. — O que aconteceu? — a delegada se aproxima e diz hesitante. — Eu não pude salvá-lo. — ela desaba em novo pranto e Meire a abraça.
A entrevista Parte 1
Num camarim da emissora de TV de Santa Paz, uma mulher triste se encontra sentada de frente ao espelho. Ainda doía em
Verônica
lembrar-se
do
passado
recente. Da morte de Thiago. Fazia um mês que tudo tinha acontecido. Prometera a Marcelo Siqueira que daria uma entrevista sobre o fato. Os brincos, raios dourados, balançavam
enquanto
a
maquiadora
caprichava no penteado. O decote, em forma de raio, lhe parecia ousado pelo espelho. Quem teve a ideia de vesti-la assim?
O Morro do Ouro estava pacificado. A equipe
de
Meire
havia
prendido
os
traficantes menores, ao passo que Thiago tinha dado cabo de Armandinho. Mercúria subia
toda
noite
para
conferir
como
estavam as coisas; dava suporte à mãe do amigo morto e também à Associação de Bairro dirigida por ele. Com a sua imagem atrelada à associação, os investidores foram atraídos e as crianças da favela passaram a receber apoio em vários sentidos. Tudo ia bem por lá e ela se tornou mais pública do quer gostaria. — Entramos em cinco minutos — um funcionário
da
TV
informou
pela
porta
entreaberta. A maquiadora termina o trabalho. Sorri para o reflexo da heroína. Mercúria se levanta. Traja um elegante vestido negro, comprido, com um decote em forma de raio e vincado na coxa esquerda. O cabelo
arrumado em um elegante coque deixa visível o seu pescoço alvo. A maquiagem forte realça os seus grandes olhos verdes. O batom claro, as maçãs do rosto sutilmente rosadas. — Vamos lá — ela diz para si mesma refletida. O
salão
é
amplo,
a
cadeira
confortável, apesar do incômodo vestido. Estaria mostrando o que não devia? Ajeitase, puxa aqui, arruma ali. Ao seu lado, com a metade do corpo escondida pela mesa prateada e luminosa está Marcelo Siqueira. As palmas cessam. As lentes das câmeras focalizam-na. Ela desvia o olhar, afasta a franja clara dos olhos. —
Muito
entrevistador
—,
bem
—
recebemos
começa hoje
o no
programa Gente da Gente, Mercúria, a
heroína de Santa Paz. Boa noite, Mercúria. Tudo bem com você? — Boa noite, Marcelo. Tudo bem comigo e com você? — Estou ótimo. Puxa, é uma honra te entrevistar.
Há
muito
momento.
Vamos
sonho
começar
com
este
com
a
curiosidade do público. Quem é Mercúria de verdade? A heroína suspira. Se ajeira mais uma vez na cadeira. — Bom, eu não sei quem eu sou. Acho que, como todo mundo, também busco descobrir quem sou. Tento ajudar as pessoas com a habilidade que tenho. — Certo, mas quem te deu esta habilidade? Nasceu com ela? — Não nasci com ela. Como a ganhei, é uma longa e inacreditável história que prefiro não contar. A plateia murmura desapontamento.
—
O
que
posso
fazer,
pessoal?
Segredos de super-herói — Marcelo observa o seu público. Ele retoma a entrevista com um novo questionamento: — Mais pessoas podem ter habilidades incríveis? Há um tempo apareceu outra mulher com superpoderes. — Ardente era o nome dela. Estou investigando se existem mais pessoas como nós. — Temos informações de que ela foi libertada
da
cadeia
por
você
com
a
anuência da delegada Meire. O que tem a dizer sobre isso? —
Eu
agi
sozinha.
Agi
errado
e
lamento. Havia outras maneiras de resolver aquilo, mas optei por invadir a delegacia e libertar quem eu achava que não deveria ficar preso. Aproveito a oportunidade para
pedir desculpa à Polícia de Santa Paz e à população. — Onde está Ardente agora? — Ardente não existe mais. — Poderia nos explicar melhor? — Não sei se consigo, porque também não entendo. O que sei é que no lugar dela ficou uma menina que precisa de ajuda. Há o silêncio constrangedor. Marcelo retoma a entrevista, — Tudo bem — sorri. — E o episódio do Morro do Ouro, o que tem a dizer sobre ele? — Foi assustador, é o que eu posso dizer. Conferir a realidade degradante de tantas pessoas; saber que os governantes não se importam com elas; com aquelas crianças. Pessoas fadadas à marginalidade; sem opção, sem futuro. É triste ter certeza de que há uma ordem nas coisas, embora injusta. A favela é uma prisão social, um
limite para aqueles que lá residem. Sair de lá
exige
esforço
sobre-humano.
Tudo
colabora para que as coisas continuem como estão. Fui atacada, quase perdi a vida; perdi uma pessoa querida, morri um pouco com tudo aquilo. Marcelo
pigarreia.
Retoma
a
sua
pauta de perguntas. — E hoje, como está lá? — O polícia de Santa Paz fez um ótimo trabalho no local. O crime quase que deixou de acontecer. A Associação de Bairro está oferecendo ajuda às pessoas, depois que várias empresas se compadeceram do que acontece ali. — Eles querem é ver a marca deles atrelada à sua imagem! Sabemos que você apoia
pessoalmente
os
projetos
da
Associação de Bairro do Morro do Ouro. — ajudem.
Isso
não
importa
desde
que
— Para finalizar: Mercúria está triste? Pensou em desistir? Valeu a pena ter reaparecido? — Eu perdi um amigo querido e isso me deixou triste. Confesso que pensei sim em desistir porque a injustiça é tão grande e eu sou tão pequena. Mas, depois do que aconteceu pude perceber que não importa o nosso
tamanho,
desde
que
estejamos
fazendo o certo. Porque nossas atitudes podem
ser
exemplo
para
as
demais
pessoas. O meu amigo falecido me ensinou com suas atitudes. Ele fez mudança em mim; quero que o mesmo aconteça com aqueles que me observam combater o crime. Valeu a pena tudo o que aconteceu. Eu sou Mercúria e não há como fugir disso.
A entrevista Parte 2
A Doutora Valéria desliga a TV. A sala está escura. Movimenta-se no sofá e o barulho do corpo em atrito com o couro lhe chega aos ouvidos. Acabara de assistir à entrevista de Mercúria. Não sabe precisar se é bom ou ruim ter a heroína de volta; tinha se acostumado com a ideia de sua morte. Por outro lado, as palavras dela poderiam mesmo incentivar pessoas a trilhar por caminhos diferentes. Ela mesma começava a pensar a respeito. Valéria sentia muito a perda da filha. Sempre
ocupada
com
os
processos
e
audiências, não aproveitou o pouco tempo que teve com a pequena Verônica. Se soubesse que seriam poucos; que o sorriso da menina seria raro; que uma fatalidade lhe tiraria a vida. Deus, como doía o remorso. Passou a culpar tudo e todos pelo acontecido.
Moveu
processo
contra
a
Prefeitura de Santa Paz, alegando que o Parque onde o raio atingiu sua filha não tinha para-raios; culpou a polícia por não ter
zelado
pela
segurança
da
menina;
culpou Mercúria por não ter aparecido na cidade anos antes. Por fim, atribuiu maior culpa ao pai da menina que nunca quisera saber
dela,
abandonando-a
assim
que
soube da sua existência. Ele era um músico de passagem e seguiu viagem. Se ele estivesse com ela, teria ido levar a filha ao dentista ao invés de deixá-la ir de bicicleta. Quando visitou a loja de revistas usadas da mulher que tinha o nome de sua
filha e induzida a ajudá-la a resolver o problema do Morro do Ouro, sentiu que estava fazendo algo de bom. O tal Thiago, o enfermeiro da favela, parecia ser uma boa pessoa. Lamentou a notícia que leu sobre a sua morte. Pobre Verônica. Certamente sentia a perda do primo. Sentou-se no sofá com a mão nos lábios.
Espere!
Mercúria
tinha
dito
na
entrevista que perdeu um amigo querido no episódio da favela. A vendedora de livros velhos alegava ser prima de alguém que perdeu a vida no mesmo episódio. Ambas se referiam à mesma pessoa! A estatura batia; a cor do cabelo, a voz! Estava ficando louca ou acabara de descobrir a identidade secreta da super-heroína de Santa Paz? Não, não podia ser. Primo e amigo são
termos
desengonçada;
diferentes. usava
Verônica
roupas
largas
era e
precisava de óculos. Mercúria era esguia,
forte
e
enxergava
perfeitamente.
Não
gostava desta última, mas tinha carinho pela primeira. Não podiam ser a mesma pessoa.
Alguém
humanos
não
se
com
poderes
fantasiaria
sobre-
de
gente
comum! Aquilo só acontecia em histórias em quadrinhos. Na realidade, alguém assim ostentaria sua diferença! Mercúria fazia isso, usando aquele uniforme alegórico e insinuante.
Era
loucura,
tinha
se
convencido... Uma batida na porta tira a advogada dos
pensamentos.
A
esta
hora?
Quem
seria? Levanta-se, puxa a camisola. Vai até a porta e observa pelo olho mágico. Não podia ser! Abre um pouco o portal de madeira. — Vá embora. Não temos nada para conversar.
Do lado de fora está Mercúria, ainda com o vestido da entrevista, mas com os pés descalços. O cabelo, bagunçado. — É uma tortura correr com isso! — ela diz. —
Eu não podia adiar nossa
conversa nem mais um minuto. — Está perdendo o seu tempo! — Valéria tenta fechar a porta, mas Mercúria a impede. A velocista termina de abrir a porta e olha nos olhos da advogada. Diz: —
Queria
que
soubesse
que
eu
lamento todos os dias por não ter chegado a tempo de salvar a sua menina. A morte dela é o motivo de eu ter me tornado quem sou.
Acredite,
eu
sei
muito
mais
da
pequena Verônica do que pode imaginar... Há o silêncio. A advogada desiste de fechar a porta. Responde:
— Ela era uma criança! Um raio, um desgraçado de um raio! Essa merda que você ostenta como símbolo! — Faço isso para não me esquecer daquele dia. — Esquecer? Quem você pensa que é? Ninguém sequer
te
viu
naquele
imaginava
que
dia!
Ninguém
existia
uma
aberração entre nós! Você se escondia muito bem! — Lágrimas se formam nos olhos de Valéria. — Eu vou te dizer quem eu penso que sou! — Mercúria aponta para o peito de Valéria — Alguém que tenta fazer alguma coisa ao invés de ficar jogando a culpa nos outros! Alguém que sofre pra caramba quando se depara com a morte, mas que segue em frente, porque é isso que se deve fazer! Quer saber? Eu estava lá, aquele dia! E Deus, como quis impedir aquilo! Mas não
pude, droga! — é a vez dos olhos de Mercúria se encherem de lágrimas. Valéria se vira. Não quer que Mercúria a veja chorar. — Por que é tão difícil? Tão difícil seguir em frente. Não tem um dia que não me lembro da minha filha; de como ela estaria hoje. Se ela me vê, seja lá onde ela está. Como me arrependo de ter passado pouco tempo com ela. — Eu não sou sua inimiga, Doutora Valéria. Nem a culpada pela perda da sua filha. Sei que a senhora não é uma má pessoa; ajudou no caso do Morro do Ouro. A advogada afasta as lágrimas dos olhos. Vira-se para Mercúria. — Sim. Foi um pedido de uma amiga. Mercúria desvia os olhos. Fala: — Tenho certeza que esta amiga tem muito orgulho da senhora.
Valéria se afasta; não quer ser amiga de Mercúria. Ataca com palavras e com o dedo em riste: — Você tinha o dever de salvar minha pequena! Tem os poderes! Eu jamais vou perdoá-la! Mercúria
revida
com
os
braços
ruzados. — Nossa conversa terminou, Doutora Valéria.
Obrigada
pela
ajuda
—
um
vendaval antecede o desaparecimento de Mercúria. Valéria
ajoelha-se
e
chora
copiosamente. Mercúria abre a porta do seu pequeno quarto no segundo andar do casarão do seu Sebo. Ela está chorando. Começa a se despir, ali pode admitir: sente muita falta da mãe que continua lhe odiando. Como queria estar nos braços dela e aplacar a dor
da perda de Thiago. Ela o amava. DoĂa demais... Estava sozinha.
O presente do passado Parte 1
Verônica sai da instituição bancária. O pensamento ainda está na conversa que tivera com Valéria na noite anterior.
Do
outo lado da rua, nota alguém familiar. Tem vontade
de
sorrir
ao
se
lembrar
dos
momentos que passou ao lado daquele menino; daquele amigo que tinha crescido um pouco e parecia triste. Tem vontade de sair correndo e dizer a ele que estava viva. Imagina que importa para ele saber. Não havia se encontrado com ele desde o acidente com o raio. Victor está sozinho, cabisbaixo. Ela o observa até o ponto em que ele para a fim
de conversar com um homem estranho. As lembranças se fazem. Naquela Camélia,
fatídica
os
manhã,
pássaros
na
Rua
cantavam
despreocupados e o sol ainda tímido dava sinais de vida. As casas estavam com as janelas
fechadas
trabalhadores vagabundos
já
tinham ainda
que
os
saído
dormiam.
mais e
os
Entre
este
ultimo grupo de pessoas, havia uma que não deveria estar em casa ou pelo menos deveria já estar pronta para ir à escola. Verônica Albuquerque, pré-adolescente de 12 anos de idade e de família tradicional daquela pequena cidade. Os passos apressados de Inezita, mais amiga do que empregada da família, se fizeram escadaria acima. Visavam a direção do quarto da menina: — Vê — que era o apelido carinhoso que Inezita usava para chamar a pequena
patroa — está atrasadíssima! Ai, meu Deus! — Ela batia levemente na porta rosa do quarto da menina. Verônica esverdeados
abriu que
um
tinha.
dos
Virou-se
olhos e
se
espreguiçou. Colocou-se sentada e afastou os cabelos emaranhados do rosto pouco antes de fitar o relógio: — Ai, merda! — disse assustada. — Tenho prova hoje! Droga droga! — Se levantou depressa. Abriu
a
porta
ainda
colocando
o
uniforme escolar. — Zita! Eu não vou tomar café! Não dá tempo — ela desceu as escadas ainda se vestindo. — Ai, droga! — Srta. Verônica — A voz mansa da professora Patrícia de matemática se fez quando Verônica abria a porta da sua sala. — Chegou tão cedo... — ironizou.
— Desculpe, senhora! — a menina abaixou a cabeça. — Sente-se que vou dar a sua prova. Os outros alunos já estavam fazendo a avaliação quando Verônica recebeu a dela. Ao fitar os exercícios, a menina coçou a cabeça e fez uma careta: — Que difícil! Ei, Vic! — ela chamou o amigo em voz baixa! – Me ajude! Não sei nada! Victor Arantes era o melhor amigo de Verônica. primário
Conhecia e
ainda
a
menina
eram
desde
vizinhos
o
desde
sempre. O garoto conhecia todos os gostos da menina; todas as suas qualidades e defeitos. Sabia, então, que Verônica era lerdinha. — Vê, eu não posso te passar os exercícios! Dona Patrícia vai nos pegar! — Rápido! Troque de prova comigo!
O amigo ainda que com receio fez o que a menina lhe pediu. Mas como previra, a
professora
Patrícia
pegou
ambos
realizando a manobra: — Que bonito, senhores! – ela bateu palmas. — Eu terei que dar zero para ambos! — Agarrou as duas provas trocadas. — Agora quero que deixem a sala! — Droga! — Vic reclamou. — Eu nunca tirei um zero na vida. — Não esquenta! Eu tirei um monte deles! Verônica
e
Victor
conversavam
enquanto deixavam a escola já findo o período das aulas. — Não fique triste, Vic — ela abraçou o melhor amigo. — Vamos ao Sebo novo que abriu no centro! Lá a gente relaxa comprando quadrinhos! Victor sorriu. Se havia algo que o menino gostava mais do que estudar era
ler histórias em quadrinhos. Ele próprio tinha ensinado Verônica a apreciar esse tipo de diversão. — Demorô! Vamos lá então! — ele acelerou o passo.
O presente do passado Parte 2
O Sebo novo era localizado numa rua estreita
que
desembocava
na
avenida
central da cidade. O prĂŠdio era um casarĂŁo antigo de dois andares e que necessitava de uma
boa
pintura.
A
tinta
azul
estava
descascando em vĂĄrias partes e o telhado precisava de reparos. Os dois amigos adentraram pela porta de madeira velha e viram que havia vĂĄrias revistas espalhadas pelo assoalho velho e algumas estantes preenchidas com livros. No fundo da grande sala, havia um pequeno
balcão e uma senhora parecia limpar o móvel. Os dois se aproximaram: — Bom dia, senhora! — disse Vic. — Podemos olhar os quadrinhos? A velha sorriu, levantou os olhos por de trás das lentes dos óculos e observou o casal. — Oh! Claro que podem! — falou ao olhar nos olhos de Victor. — Não repare na bagunça, mas é que acabei de me instalar aqui! — Não se preocupe, tia — Verônica sorriu. Vic se afastou do balcão ao notar uma pilha de revistas do Batman. — Vê, vou dar uma olhada naquelas revistas! — Vai lá! Já já vou também! Senhora, mora sozinha? — Chamo-me Clarice e sou sozinha. E você, como se chama?
—
Meu
nome
é
Verônica!
Meus
amigos e minha família me chamam de Vê! Clarice retirou seus óculos e observou atentamente Verônica. — Você é jovem... — Sim! Estou na sexta série! Tenho 12 anos! A voz de Vic se fez para atrapalhar aquela conversa: —
Vê,
olhe
o
que
eu
achei!
O
quadrinho que você tanto queria! — ele folhava uma revista. — Ai que bom! — a garota deixou a companhia de Clarice para ir junto do amigo. Mais
tarde
Verônica
e
o
amigo
estavam à mesa esperando pelo almoço que Inezita
serviria.
Naquela
oportunidade
Valéria, advogada e mãe de Verônica estava ali para o almoço. Ela era uma mulher bonita, nem parecia mãe. Tinha os cabelos
dourados e bem lisos; seus olhos eram castanhos e sua pele bem clara. Trajava um lindo vestido, esmeralda, muito elegante. Não tinha muito tempo para ser mãe e cuidar da filha. — Então você tirou zero novamente, mocinha? — dizia a mãe enquanto se servia de arroz. — Filha, vou precisar contratar um professor particular para você! — Nada, mãe! Eu só não levo jeito para estudar — ela cruzou os braços. — Eu acho uma boa ideia, Doutora Valéria! — Vic opinou ao passo que Verônica fez uma careta para o amigo. — Me chame apenas de Valéria, está bem? Verônica mudou de assunto: — Mãe, fomos ao Sebo novo, hoje. — É mesmo? E o que viu de bom lá? — Meu quadrinho preferido! Mas a dona da loja é uma velha esquisita...
— Querida, não julgue as pessoas. Preciso comer rapidinho agora, pois tenho audiência logo mais! — a mãe de Verônica procurou se ater apenas à refeição. Aquilo fazia tanto tempo que tinha acontecido. Nunca mais vira o amigo desde aquele dia, pois naquela mesma tarde, aconteceu o acidente com o raio. Algumas vezes pensou em procurá-lo, mas não soube como. Victor tinha se mudado. Agora o reencontrava, mas havia algo estranho. Verônica se aproxima discreta. Ajeita os óculos falsos. Não é possível! O antigo amigo está comprando droga?
Termina “Super
a
2ª
Poderosa”!
temporada Com
o
de
núcleo
“Presente do Passado” fechamos as aventuras
de
Mercúria
provisoriamente. Para mais informações acesse o blog do autor: http://paullawblog.blogspot.com. br/ Próxima postagem em breve. Obrigado apoiando
e
a
todos
que
comentando
estão “Super
Poderosa”. Gostaria de informar que este é um projeto despretensioso e que muito me satisfaz. Há tantas ideias... mesmo que não sejam lá originais. Abraço. O autor.