100% Corrida novembro

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ELĂ?PTICA pode ser uma alternativa para o corredor?

O TREINO MUDOU Plano para melhorar a sua performance

Novembro 2017 Diretor: Pedro Justino Alves Mensal www.corredoresanonimos.pt

A SEGUNDA METADE DA MARATONA

SAIBA COMO SOBREVIVER


Mapa


SUMÁRIO A ELÍPTICA PODE SER UMA ALTERNATIVA PARA O CORREDOR?

O TREINO MUDOU E TU?

NÃO TENHA MEDO DA SEGUNDA METADE DA MARATONA

FUNCTIONAL MOVEMENT SCREEN E CORRIDA: PARAR PARA REFLETIR!

FICHA TÉCNICA Diretor Pedro Justino Alves Design e paginação Bárbara Viana & Ian Estevens hola@elrucanonim.com

SCILLY SWIM CHALLENGE

Morada da sede e redação Rua Ferreira Lapa, n.º 2 – 1.º andar 1150 – 157 Lisboa Número de contribuinte 199003092 Contatos (redação e publicidade) Telemóvel +351 964 245 271 Endereço eletrónico mail@corredoresanonimos.pt

ANNE FRANK EM BANDA DESENHADA

Colaboradores fixos Belino Coelho Tiago Marto EXS Exercise Training School N. de registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social: 127011

O MARAVILHOSO MUNDO DOS SUPER-HERÓIS “ESQUECIDOS”

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CORREDORES ANÓNIMOS

AQUECIMENTO

A ELÍPTICA PODE SER UMA ALTERNATIVA PARA O CORREDOR? Hoje em dia, o Mundo da Corrida apresenta uma série de novidades ou tendências que prometem fazer o atleta correr cada vez mais rápido, ter menor risco de lesão, etc. Uma dessas novidades é o treino na bicicleta elíptica. Mas será que esse tipo de treino substitui o treino de corrida? Texto: Belino Coelho

O treino na bicicleta elíptica nos ginásios é uma excelente alternativa para aqueles que têm pouco tempo ou não têm um lugar adequado para fazer os seus treinos de corrida, para aqueles que estão acima do peso, para corredores que estão em tratamento ou regressando de lesão e não podem fazer uma atividade de impacto e, principalmente, para aqueles que têm em vista a estética, o manter-se magro e saudável e que ambicionam ter qualidade de vida, sem pretensões de participar, em algum momento das suas vidas, de uma corrida. No entanto, o treino na bicicleta elíptica para aqueles que ambicionam a participação em corridas entre os 5 km e a Maratona não substitui o treino de corrida realizado ao ar livre ou, de vez em quando, na passadeira.


AQUECIMENTO

Dentro da Ciência do Treino temos alguns princípios que são importantes e que devem ser levados em consideração aquando pensamos na elaboração do plano de treinamento para algum dado objetivo. Um desses princípios é o da Especificidade: «O princípio da Especificidade é aquele que impõe, como ponto essencial, que o treino deve ser elaborado sobre os requisitos específicos da performance desportiva em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizados.»

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Ou seja: quanto mais próximo da realidade o atleta treinar, melhor será o resultado alcançado. Portanto, o corredor que faz o seu treino de corrida apenas na bicicleta elíptica corre o sério risco de não ficar agradado com o resultado que irá alcançar, além de correr sérios riscos de lesões.

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CORREDORES ANÓNIMOS

As desvantagens do treino na bicicleta elíptica para o corredor são as seguintes: • Fragilidade em relação a sua parte estrutural (músculos, tendões, ossos, ligamentos) causada pela falta do impacto. Dependendo da distância que se pretende correr, o risco só aumentará • Ineficiência do sistema energético que será utilizado durante a competição • Menor ganho de força em relação ao deslocamento por ausência da resistência do ar e pela falta de contato e impulso junto ao solo • Coordenação motora deficiente com maior gasto energético • Perda ou ausência da noção do ritmo de corrida

AQUECIMENTO

Claro que essas desvantagens são apenas para os corredores que têm por objetivo melhorar o desempenho ou encarar desafios maiores, como por exemplo a Maratona. Mas, se o atleta está enquadrado nas situações mencionadas no começo do artigo, o treino na bicicleta elíptica tem a suas vantagens. Aqui deixo algumas delas: •P ermite a variação de treino, podendo controlar a intensidade, a utilização do modo “reverse”, o uso ou não das barras, enfatizando um maior trabalho dos membros inferiores, etc. Isso faz com que o treino seja mais dinâmico e menos monótono •M enor risco de lesão, principalmente nas articulações em virtude da ausência de impacto • Possibilidade de aumento do gasto calórico por conta da variação da intensidade, otimizando o processo de emagrecimento •A lternativa para atletas que estejam em reabilitação devido a uma lesão, principalmente para manutenção do peso corporal •M elhoria do aumento da condição aeróbia e cardiovascular •F ortalecimento dos membros inferiores e superiores Em resumo: antes de decidir qual o treino que deve escolher, é sempre necessário ter em consideração o objetivo principal. Todavia, é obrigatório ter em conta que, quanto mais próximo o atleta estiver da realidade do seu objetivo, melhor será o resultado alcançado.


AQUECIMENTO

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Quanto mais próximo da realidade o atleta treinar, melhor será o resultado alcançado. Portanto, o corredor que faz o seu treino de corrida apenas na bicicleta elíptica corre o sério risco de não ficar agradado com o resultado que irá alcançar, além de correr sérios riscos de lesões.

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CORREDORES ANÓNIMOS

TREINO

O TREINO MUDOU! E TU? A musculação é uma das atividades mais recomendadas pelos profissionais da saúde para qualquer pessoa pelo facto de ser uma atividade física altamente versátil, que pode ser direcionada para vários objetivos, sejam eles aumentar ou definir a musculatura, emagrecer ou melhorar a nossa performance na corrida, por exemplo. Mas também serve para prevenir lesões e inclusive as tratar. A personal trainer Ana Saloio, do Fitness Hut Loures, apresenta uma excelente combinação de exercícios, que exigem um trabalho geral. Dependendo dos objetivos, as cargas, as séries e as repetições devem ser ajustadas de acordo com as capacidades de cada um. As fotos são de Liete Couto Quintal. Texto: Ana Saloio

Com a prática regular destes exercícios, o atleta conseguirá modelar o corpo de forma a ficar mais equilibrado e simétrico, ao mesmo tempo que conseguirá eliminar gordura e aumentar a massa muscular, fazendo com que fique mais saudável. «Combinado com outras atividades, como a caminhada ao ar livre, a corrida ou a natação, por exemplo, o atleta conseguirá deixar o seu corpo e a mente em perfeita harmonia», defende Ana Saloio, que ressalva que o os praticantes destes exercícios terão de ajustar as cargas e as intensidades com base na idade, peso, sexo e histórico de saúde e atividade física. A personal trainer refere ainda para a necessidade de realizar um aquecimento prévio antes de iniciar os exercícios, que deverão englobar três séries de 15 repetições. «O peso pode variar de pessoa para pessoa», salienta a profissional do Fitness Hut Loures.


TREINO

Qual o tempo necessário para cumprir este plano de treino? Este treino tem a duração de mais ou menos 40 minutos. Quantas vezes por semana devo fazer este circuito/treino? O ideal será executar este treino 3 vezes por semana tendo em vista a obtenção de mais resultados. Este é um treino para iniciados ou pode e deve ser aplicado a qualquer pessoa, desde os mais sedentários aos mais ativos? Este plano envolve exercícios mais compostos, mas pode ser executado por iniciados. No entanto, deve ser realizado com menos cargas. Recomendo a supervisão de um instrutor no ginásio ou de um personal trainer.

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Que partes do corpo estamos a trabalhar? Este plano foi elaborado para ter um condicionamento físico geral. E quais serão os resultados alcançados se seguirmos em pleno este treino? É possível obter um trabalho equilibrado de todos os principais grupos musculares, contribuindo para algum aumento de massa muscular e tonificação. No entanto, esses resultados só serão visíveis com uma alimentação cuidada. Este circuito pode ser realizado em casa? Muito sinceramente, o ideal é inscrever-se num ginásio e/ou procurar acompanhamento, pelo menos numa fase inicial. É muito importante a correta execução dos exercícios e também manter a motivação e a disciplina. Pela minha experiência, a fase inicial e de adaptação é muito importante e é normalmente onde ocorre mais desistências.


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TREINO

1. WALKING LUNGES COM EXTENSÃO ISOMÉTRICA DOS BRAÇOS COM HALTERES Este é um dos melhores exercícios para pernas, tendo como principais músculos trabalhados os quadricípites, os posteriores da coxa e os glúteos. Esta alternativa, com braços esticados, incide também no trabalho dos ombros, aumentando também a contração abdominal.

• De pé, com espaçamento entre os pés na largura dos ombros, segure os halteres com os braços esticados acima da cabeça • Dê um passo para a frente, fletindo o joelho da perna que avançou de modo a que ela forme um ângulo de 90 graus, tendo o cuidado de que o joelho não ultrapasse a ponta do pé • Avance a outra perna para a posição idêntica à anterior e faça o mesmo, mantendo sempre os halteres acima da cabeça. Este exercício requer muito equilíbrio. Recomenda-se fazer lentamente


TREINO

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2. POWER SQUAT COM TRX

O agachamento com salto envolve o trabalho abdominal, os músculos posteriores da coxa, os glúteos, os quadricípites e os gémeos. A utilização das pegas do TRX ativa o trabalho de costas e braços, o que faz dele um exercício muito completo.

• Deve agarrar as pegas do TRX com as duas mãos, os cotovelos ligeiramente dobrados e fazer o movimento normal do agachamento, agachando até um ângulo de 90º e estendendo os braços à altura dos olhos • No movimento final, aproveitar o impulso da subida para saltar • Amortecer o salto com as pontas dos pés, fletindo os joelhos e projetando a anca para trás, como se fosse sentar-se num banco. Repetir o exercício com algum ritmo e continuidade.


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TREINO

3. REMADA COM HALTERES

Trata-se de um exercício específico para trabalhar as costas. Executado corretamente, haverá uma melhoria da postura a longo prazo.

•P osicione-se em pé, mantenha os pés afastados e alinhados com os ombros e segure um haltere em cada mão. Flexione os joelhos levemente e incline-se, mantendo as costas em linha reta. Mantenha os halteres suspensos em frente ao corpo, com os braços completamente estendidos. • Contraia as costas, dobre os cotovelos e, com os halteres nas mãos, suba ambos em direção ao tórax. Permaneça por um momento em cima e, de seguida, desça os halteres até a posição inicial.


TREINO

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4. VOOS (ABERTURAS POSTERIORES)

Este exercício permite concentrar o trabalho na parte posterior dos ombros e das costas, melhorando a postura.

•E ncoste o rabo na parede, incline o tronco à frente com as costas direitas, segure um halter em cada mão com os braços estendidos alinhados lateralmente com os peitorais. Suba lentamente, dobrando ligeiramente os cotovelos (não demasiado, para que não seja solicitada a ação do tricípites) • Ao atingir o ponto de maior concentração no final do movimento, faça uma breve isometria para acentuar mais o trabalho • Comece a descer o mais lentamente possível e volte ao ponto inicial. Repita o movimento.


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TREINO

5. FLEXÕES DE TRICÍPITES

As flexões de braços fortalecem a região do peitoral, tricípites. Neste exercício, daremos maior ênfase aos ombros, ao abdominal e a região lombar devido à posição que deve manter durante a execução do exercício.

•C oloque-se em posição de prancha de braços esticados e à largura dos ombros com os joelhos apoiados ou sobre a ponta dos pés (dependendo do nível físico em que se encontra) • O exercício começa com uma flexão do cotovelo até que o peitoral chegue a dois dedos do chão (lembre-se de que amplitude é importante em todos os exercícios) • Volte à posição inicial com a extensão do braço, mantendo o tronco firme, sem deixar a barriga cair. Repita o movimento.


TREINO

CORREDORES ANÓNIMOS

6. PRANCHA ISOMÉTRICA

Prancha é o exercício ideal para trabalhar a musculatura abdominal, pois o exercício envolve todos os músculos abdominais, incluindo o transverso abdominal, o reto abdominal, o músculo oblíquo externo e os glúteos. Ao fortalecer estes músculos, irá melhorar significativamente a postura e o equilíbrio.

•D eite-se no chão com os cotovelos diretamente por baixo dos ombros e com as pernas completamente esticadas •E leve o corpo formando uma linha reta que vai da cabeça aos pés. Segure a barriga para dentro, contraia os glúteos e mantenha a respiração normal. Fique na posição o tempo necessário, sem causar dores ou desconforto, para sentir o trabalho.

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A Maratona ainda é, nos dias de hoje, a distância mais mítica de todas as provas, muito devido a sua origem, quando o soldado ateniense Filípides, na altura mensageiro do exército de Atenas, correu mais de 40 km (de Maratona até Atenas) para anunciar aos seus concidadãos a vitória militar contra os persas, tendo após a leitura da mensagem morrido de exaustão. Esse acontecimento mostra no fundo a necessidade de se estruturar e planear de forma correta a realização da prova. Afinal, a Maratona não é mais do que apenas a soma de duas Meias-maratonas... A preparação para a Maratona exige e deve obedecer a parâmetros bem delineados que vão permitir que o organismo esteja na sua melhor condição para enfrentar os 42,195 km. Quer seja a primeira vez que corre a distância, quer seja a vigésima, todos concordam que cada competição tem as suas particularidades que a tornam única; quer seja por questões de preparação específica ou por questões climatéricas ou de percurso, todas as Maratonas oferecem aos corredores desafios próprios que a colocam nos topos dos rankings da dureza das provas de estrada. É a mais longa competição do calendário Olímpico e, sendo corrida unicamente em estrada, encerra em si uma dificuldade muitas vezes ignorada por quem a corre, especialmente nas primeiras vezes: a segunda metade da prova. Esta é uma fase complicada de se enfrentar e se não trouxermos a lição bem estudada, o mais certo é podermos fracassar. Para melhor podermos preparar a segunda parte da Maratona, temos que ter em conta algumas considerações de carácter geral.

ENQUANTO CORRO

Tiago Marto

Fisioterapeuta e ex-atleta de Alta Competição de Atletismo

Para quem tem intenção de vir a correr esta distância e ainda que tenha uma agenda semanal preenchida que não lhe permita treinar como um atleta de competição, a regra a ter em conta não é tanto o número de treinos semanais obrigatórios, mas sim o número de quilómetro percorridos em treino, sendo que este não deve ser inferior a 60 km semanais, incluindo obrigatoriamente uma sessão mais longa ao fim-de-semana para desenvolver a habituação dos sistemas cardiovascular e músculo-esquelético ao esforço da prova. Deve-se, ainda, ter em conta que o plano de treino deve ser previamente preparado e deverá conter estímulos de treino variados: corrida contínua, treino de séries e reforço muscular.


ENQUANTO CORRO

A SEGUNDA METADE DA MARATONA

Cumprindo os princípios basilares da preparação para a Maratona, devemos considerar que a segunda metade da prova oferece dificuldades que por vezes são difíceis de ultrapassar, inclusive para atletas mais preparados.

01 RITMO DE CORRIDA

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02 TÉCNICA DE CORRIDA

Uma técnica de corrida treinada de forma correta tem vários objetivos. Se um atleta tiver uma mecânica de corrida otimizada à sua estrutura, vai potenciar a eficiência muscular e cardiovascular, o que vai fazer com que a segunda metade da corrida seja realizada com mais “reservas de combustível”.

Tantas vezes ignorado, este é um ponto muito importante quando se corre uma Maratona. Quem não consegue controlar o ritmo de prova vai acabar inevitavelmente por pagar a fatura mais à frente.

Uma técnica correta é mais eficiente do ponto de vista energético, propicia velocidades de corrida mais elevada e torna-se numa ação ativa na prevenção de lesões. Técnica errada, mais tarde ou mais cedo, redunda em problemas físicos.

Em termos fisiológicos, há um melhor rendimento físico se o esforço for desenvolvido a um ritmo uniforme. A biomecânica, a preservação da energia e a eficiência da corrida atingem o seu máximo se um atleta conseguir correr dentro dos seus andamentos. Para quem é mais inexperiente, existe sempre a tentação de se iniciar mais rápido, dado sentir que o organismo ainda está em excelentes condições. Desta forma, a capacidade de esforço do organismo é atingida precocemente, levando a que o atleta quebre muito o ritmo na segunda metade e, por vezes, tenha de desistir por acumulação de fadiga. A título de exemplo, os andamentos habituais para um atleta que tenha como objetivo as 3h31m00, são os seguintes:

Cada atleta deverá ter a técnica adaptada às suas características, mas ainda assim há parâmetros aos quais todos devemos prestar atenção:

1 km

5‘

5 km

25‘

10 km

50’

15 km

1h15

20 km

1h40

21,1 km

1h45m30

25 km

2h05

30 km

2h30

35 km

2h55

Final 3h31

Da mesma forma que iniciar a Maratona a um ritmo muito elevado é desaconselhado, iniciar a um ritmo muito lento para poupar energia (pensando que, no final, consegue recuperar) não é também aconselhável. O ritmo deve ser sempre uniforme mas deve obedecer a uma lógica.

|Contacto do pé com o chão |Ângulo de flexão do joelho no impacto |Posição da anca e do tronco | Posição do centro de massa em relação ao apoio |Movimentos dos braços |Posição da cabeça

03 HIDRATAÇÃO E NUTRIÇÃO

Numa Maratona, o desgaste é enorme. Dependendo também das condições climatéricas, os atletas deverão ter sempre um plano de hidratação e nutrição adequados às suas características e às condições do dia de prova. Esse plano deverá ser testado em treino, não devendo haver lugar para experiências em dia de prova (atenção ao sistema digestivo). Este plano de hidratação e nutrição vai ter a sua maior importância para a segunda metade da Maratona. Um atleta saudável e com índice de treino considerável terá capacidade de correr uma Meia-maratona sem uma necessidade muito grande de abastecimento (mas atenção, o facto de ter capacidade não quer dizer que seja benéfico do ponto de vista orgânico nem de resultado desportivo). Já na Maratona, é impensável não


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Para quem é mais inexperiente, existe sempre a tentação de se iniciar mais rápido, dado sentir que o organismo ainda está em excelentes condições. Desta forma, a capacidade de esforço do organismo é atingida precocemente, levando a que o atleta quebre muito o ritmo na segunda metade e, por vezes, tenha de desistir por acumulação de fadiga.

ENQUANTO CORRO


ENQUANTO CORRO

existir um abastecimento que vá restabelecer os índices de hidratação, hidratos de carbono e sais minerais. Muitas das quebras na segunda metade da prova deve-se, especialmente, a este aspeto. A variação de 1 a 2% nos níveis de hidratação de um atleta é o suficiente para que não consiga ter capacidade de terminar a prova. A tolerância à hidratação (água e bebidas isotónicas) e nutrição (gel energético, barras, etc.) deve ir sendo tentada em treinos mais longos para se perceber quais os alimentos e bebidas que o corpo tolera mais. Na mesma medida, devemos ter atenção à híper-hidratação. Na Maratona de Boston, uma fisiologista do exercício da Harvard Medical School realizou um estudo em que pesava atletas amadores no início da competição e, no final, realizou análises sanguíneas. A especialista verificou que 13% dos 500 atletas testados sofriam de hiponatermia, ou seja, estavam em desequilíbrio eletrolítico devido à ingestão exagerada de líquidos durante a competição. Curiosamente, este mesmo número de atletas terminou a Maratona a pensar mais no início, revelando um consumo excessivo de líquidos.

04 EQUIPAMENTO

Muitas vezes um aspeto ignorado, a escolha do equipamento é muito importante. Até podemos ter treinado muito bem, mas, se escolhemos por exemplo um calçado que não é o mais correto, o acumular de km pode levar ao aparecimento de bolhas, o que vai deitar por terra todos os nossos esforços.

05 ESTUDAR O PERCURSO

É importante sabermos onde vamos correr. Sabermos qual a configuração do percurso poderá ser uma ajuda no planeamento da estratégia da corrida. Se soubermos que irá haver uma subida considerável em determinada parte do percurso, poderemos dosear o esforço para se adaptar às características específicas daquele percurso. Por fim…

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06 MURO DOS 32 KM

Os atletas mais experientes no mundo das Maratonas conhecem perfeitamente o mito do muro dos 32 km. Como ouvi um maratonista olímpico dizer, «até aos 32 km todos vão, a partir daí é que não se sabe.». De facto, existem razões psicológicas, fisiológicas e sociológicas que podem ajudar a explicar essa situação. O desgaste existe em todos as vertentes e, por vezes, é difícil resistir a esta fase da corrida. Deixando de parte as questões mais sociológicas, dado que, por vezes, este receio é passado para atletas que ainda nem experimentaram a distância, todas as outras aparentam ter uma lógica que já debatemos atrás. Obviamente que mesmo fazendo tudo o que devemos no que ao treino diz respeito (recuperação, planeamento e hidratação), por vezes podem surgir situações que nos impossibilitam de continuar e acabamos mesmo por desistir. Esta barreira existe e é nesta altura que o atleta deve procurar estar ao melhor nível psicológico, pois, em muitos dos casos, é esta a força que lhe vai permitir ultrapassar este “MURO” e terminar a prova. No final, de certeza que a satisfação vai ser muito superior a qualquer fadiga. A Maratona é uma prova muito empolgante. É um desafio que já tem centenas de anos e, desde sempre, tem levado o ser humano a querer corrê-la cada vez mais rápido. Para que possamos enfrentá-la da melhor forma, em especial a segunda metade, devemos respeitar os conselhos que já estão testados por milhares de atletas e que têm produzido excelentes resultados. Para que no final consigamos atingir os nossos objetivos, devemos sempre ter um plano delineado. Só assim conseguiremos chegar onde nos propomos.

Boas corridas!

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ALONGAMENTO

FUNCTIONAL MOVEMENT SCREEN E CORRIDA: PARAR ...PARA REFLETIR! A bateria de testes Functional Movement Screen® (FMS) vem sendo popularizada e adotada em inúmeros desportos. A sua promessa? Avaliar a qualidade de movimento e detetar risco acrescido de lesão. Os problemas concetuais começam aqui. Ao lermos a missão dos proponentes desta bateria (www.functionalmovement.com/system/fms), não podemos deixar de nos surpreender com aquilo que definem. Primeiro: porquê 7 padrões de movimento nucleares e não 6 ou 12? Quem determinou estes padrões? E como se decidiu que estes testes específicos seriam os melhores para avaliar esses padrões? E serão eles relevantes para todas as culturas, idades, modalidades? Texto: José Afonso Neves Certificado EXS Performance Doutorado em Ciências do Desporto (FADEUP)

Infelizmente, o foco da FMS tem sido o ensino técnico desta bateria, contornando-se as suas implicações concetuais. Aliás, qualquer que fosse o número de padrões de movimento acordado – e qualquer que fosse a forma estipulada de os avaliar –, toda a estandardização corre o risco de ser sobreinterpretada e sobresimplificada, negligenciando aquilo que é, na realidade, o núcleo da resposta: a variação inter e intraindividual. Se cada ser humano possui

a sua especificidade biomecânica, fisiológica, genética, comportamental, não será arriscado saltar para conclusões com base numa bateria de testes estandardizada, seja ela qual for? Num outro artigo, que escrevi recentemente para a EXS – Exercise School, procedi a uma análise concetual e científica mais cuidadosa. Aqui, serei mais sucinto, avançando diretamente para os dados.


Num estudo prospetivo com 84 corredores de competição (meio-fundo e fundo), Hotta et al. (2015) avaliaram os resultados nos testes do FMS que foram relacionados com lesões ao longo dos seis meses seguintes. Os autores estipularam o valor de corte via curvas ROC, tendo verificado que o valor compósito do FMS revelou ser pouco sensível e pouco específico na sua relação com as lesões, apresentando reduzida capacidade preditiva de risco de lesão. Todavia, a sensibilidade e a especificidade da utilização somente de dois dos testes – deep squat e active straight leg raise – já apresentou valores razoáveis de sensibilidade (0.73) e especificidade (0.74), isto para um valor de corte de 3.5 (de um máximo 6 pontos). Ou seja, mesmo neste caso, um valor de 2 obtido em ambos os testes seria mais do que suficiente. Todavia, mesmo estes resultados impõem cautela, pois podem ter constituído

artefactos da amostra. Futuros estudos, com diferentes corredores, deveriam procurar verificar se o valor de corte de 3.5 para estes dois testes continua a assumir bons valores de especificidade e sensibilidade. Os resultados deste estudo servem para ilustrar um quadro mais geral. Uma revisão sistemática com meta-análise (Bonazza et al., 2016) procurou testar o valor de corte de ≤14, usualmente referenciado como o marco que diferencia maior propensão para lesões. Este valor de corte é relativo ao somatório total de todos os testes FMS. Todavia, o que os autores encontraram foi que o valor de corte apresentava valor preditivo de risco acrescido de lesão em alguns estudos, mas não em outros. Na realidade, cada amostra tinha um valor de corte próprio, denotando que esse valor apenas poderia ser conhecido a posteriori, não tinha qualquer utilidade enquanto preditor de risco acrescido de lesão.


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CORREDORES ANÓNIMOS

No mesmo ano, Mokha et al. (2016) também verificaram que o valor de corte de ≤14 não permitia diferenciar os atletas no que diz respeito à probabilidade de contraírem lesões. À semelhança do que sucedeu com os corredores de Hotta et al. (2015), os remadores, voleibolistas e futebolistas de Mokha et al. (2016) beneficiavam mais da análise isolada de um ou outro teste, não tanto da bateria enquanto um todo. Finalmente, a revisão sistemática com meta-análise encetada por Dorrel et al. (2015) demonstrou

ALONGAMENTO

que o FMS não possui valor preditivo do risco de lesão. Em suma: claramente a utilização dos testes da bateria FMS não cumpre as promessas que os seus proponentes defendem no sentido de identificar fatores predisponentes a lesão (para uma crítica mais vasta, abrangendo não apenas o FMS, mas outras baterias utilizadas no Desporto, consultar Bahr, 2017). Mais ainda: a investigação não conseguiu, até ao momento, mostrar uma relação positiva entre


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resultados no FMS e performance (Doyscher et al., 2016). Pelo contrário, a investigação vem mostrando que a própria avaliação é volátil, dependendo de fatores como compreensão do teste, familiaridade com o mesmo, tipo e detalhe das instruções fornecidas pelos avaliadores, seleção do ângulo de observação, entre outros fatores (Bonazza et al., 2016). Neste sentido, aconselha-se uma pausa nesta ‘febre’ do FMS. De momento, impera mais reflexão e menos aplicação.

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Referências • Bahr, R. (2017). Why screening tests to predict injury do not work – and probably never will...: a critical review. British Journal of Sports Medicine, 50, 776-780. doi: 10.1136/bjsports-2016-096256. • Bonazza, N.A.; Smuin, D.; Onks, Cayce A.; Silvis, M.L.; Dhawan, A. (2016). Reliability, validity, and injury predictive value of the Functional Movement Screen. A systematic review and meta-analysis. The American Journal of Sports Medicine, 45(3), 725-732. • Dorrel, B.S.; Long, T.; Shaffer, S.; Myer, G.D. (2015). Evaluation of the Functional Movement Screen as an injury prediction tool among active adult populations: A systematic review and meta-analysis. Sports Health, 7(6), 532-537.


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RECUPERAÇÃO

SCILLY SWIM CHALLENGE

O Scilly Swim Challenge é um evento não competitivo que consiste em nadar 15 km e andar 10 km. Existem seis etapas que ligam as várias ilhas do arquipélago. O evento pode ser dividido em dois dias consoante a velocidade de cada participante. O nadador pode fazer o percurso em um dia se conseguir nadar uma milha (1,60 km) em menos de 34 minutos. De outra forma, terá de o fazer em dois dias. Para termos uma ideia da popularidade da Scilly Swim Challenge, as inscrições para o evento de um dia abriram 10 meses antes e esgotaram no próprio dia. Texto: André Cabrita


RECUPERAÇÃO

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As Ilhas Scilly situam-se a cerca de 40 km da costa da Cornualha e têm pouco mais de dois mil habitantes. As Ilhas Scilly situam-se a cerca de 40 km da costa da Cornualha e têm pouco mais de dois mil habitantes. Devido ao seu isolamento, apenas se chega às ilhas de barco ou numa pequena avioneta. Optei por voar desde Bristol, num curto voo de uma hora, onde sobrevoei a Cornualha e, por entre as nuvens, pude observar a aproximação às ilhas e vislumbrar pela primeira vez as suas águas azuis cristalinas, a fazer lembrar as Caraíbas. Os participantes chegam no dia anterior, que neste caso foi sexta-feira. É preciso, além do habitual registo, nadar uns 400 metros para habituação à agua fria e para a organização confirmar que todos são capazes de nadar suficientemente bem para encetar o que se propuseram. Os organizadores pedem para ficarmos até segunda-feira, uma vez que as condições atmosféricas podem não permitir que se realizem todos as 6 etapas de natação, o que pode implicar ter de deixar alguma das etapas para domingo. E também porque, no final do dia de domingo, organizam uma festa no Hotel Karma St Martin’s. Assim, chegado à ilha de St. Mary´s, onde está o aeroporto e onde se inicia a prova, dirigi-me ao local para me registar, ouvir o briefing final e fazer os

400m de aclimatização. Optei por fazer os 400m sem fato, para ter o fato seco para o dia seguinte. Os nadadores são separados em 3 grupos, de acordo com a sua velocidade na natação. Os mais rápidos ficam com as toucas vermelhas, as toucas laranjas são para os intermédios e os nadadores mais lentos recebem uma touca verde. Acabei por ficar no grupo das toucas laranjas. Durante o briefing ficámos a saber que as previsões eram de que o tempo iria piorar ao longo do dia, o que obrigou a que o percurso fosse feito ao contrário do que era habitual e começasse uma hora mais cedo. O ponto de encontro no dia da prova é na praia de Porthcressa, às 7h00, para iniciar a primeira etapa de natação, de 2,9 km. Quando todos estavam prontos para começar é que me apercebi da dimensão do evento: cerca de 150 nadadores, 20 dos quais fizeram o percurso sem fato, na sua grande maioria mulheres (só seis homens é que tiveram coragem de fazer os 15 km sem fato). Na água, para apoiar os nadadores, 6 barcos, 18 canoas e 1 barco para os acompanhantes poderem assistir a prova. Ao aproximar-me da água para começar a


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RECUPERAÇÃO

Chegados à ilha de Tresco, paragem para almoço, que me surpreende pela positiva, uma vez que a comida estava deliciosa, com variedade e quantidade.

nadar, reparo que a água, na rebentação, tem um brilho que nunca tinha visto e pergunto a um nadador o motivo. Ele explica que as ilhas são de origem granítica e aquele brilho era o reflexo dos raios solares nos milhares de partículas de sílica em suspensão na água do mar. A primeira etapa corre bastante bem. Com o fato a água nem parece fria! A água é transparente, com uma visibilidade de vários metros. Os fundos são cobertos de laminárias e outras algas, que torna a natação ainda mais bonita. Ao chegar à primeira ilha tínhamos as mochilas à espera, o que é especialmente importante para os nadadores sem fato. No primeiro abastecimento, para repor as energias, batatas fritas… Comento que são french fries e sou imediatamente

corrigido: «São english fries!» Levo uma lição sobre chips, fries e as suas variedades. Mas não me aventurei a provar as batatas fritas, já que, a seguir, tinha a etapa mais longa. A partida para próxima etapa só se dá depois de todos terem reposto as energias, descansado e voltado a colocar as mochilas no barco. Esta etapa é a maior. São 4,8 km, o que obriga uma maior coordenação das canoas para garantir que cada um dos grupos se mantém coeso e não há nadadores sozinhos. Foram feitas várias paragens de reagrupamento ao longo da travessia entre a ilha de St. Agnes e a ilha de Samson. Ao longo da travessia, a meio da coluna de água, observamos várias alforrecas de diferentes cores e tamanhos, mas, como

não estavam à superfície, penso que ninguém chegou a ser picado. Ao chegar a Samson, como a maré estava vazia, tivemos de nadar sobre um manto de laminárias, o que dificultava a progressão. Todavia, oportunidade para ver, entre as algas, várias estrelas-do-mar de um vermelho muito vivo. A paragem em Samson foi muito curta, uma vez que tivemos que caminhar poucos metros para atravessar esta zona da ilha e iniciarmos a 3.ª etapa, de 1 km. Foi uma natação rápida e, com este troço, tínhamos passado a metade da distância a percorrer. Chegados à ilha de Bryher tínhamos novamente as mochilas à nossa espera, com roupa para nos aquecermos e sapatos, já que tínhamos


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No primeiro abastecimento, para repor as energias, batatas fritas… Comento que são french fries e sou imediatamente corrigido: «São english fries!» Levo uma lição sobre chips, fries e as suas variedades de fazer um percurso a pé até à próxima praia. No meio do percurso, numa igreja, tivemos um abastecimento com chá e chocolate quente e bolos. A etapa mais curta é entre Bryher e Tresco, apenas 600 metros. Foi a que considerei menos bonita, uma vez que a travessia é realizada entre barcos fundeados. Chegados à ilha de Tresco, paragem para almoço, que me surpreende pela positiva, uma vez que a comida estava deliciosa, com variedade e quantidade. Apesar da comida ser boa, não podemos abusar, pois ainda faltavam as últimas duas etapas, o tempo estava encoberto e já tínhamos apanhado com algumas pingas. As previsões meteorológicas confirmaram-se… A etapa entre Tresco e St. Martin’s são 2,3 km e é um percurso que não é realizado em linha reta, uma vez que somos obrigados a contornar umas rochas, o que apresenta um maior desafio à organização. O grupo laranja dispersa-se e parte do grupo é alcançado pelo grupo verde, obrigando alguns nadadores a fazer um compasso de espera em cima de bancos de areia.

Quando chegámos a St. Martin’s o tempo começou a piorar. No ponto de partida para a última etapa, de 2,8 km, o mar apresenta-se agitado, o que obriga a organização a pedir que os grupos sigam compactos. Esta travessia foi a mais dura devido ao cansaço acumulado de todas as etapas anteriores e a ondulação, que dificultou a natação e a respiração (a ondulação até esta etapa quase não se tinha sentido). Nestes momentos é que valorizamos o trabalho das equipas de caiaques, que mantêm e lutam por manter os grupos unidos, ao mesmo tempo que apoiavam na orientação, uma vez que a ondulação, por vezes, não nos deixava ver pontos de orientação, fazendo com que perdêssemos o sentido de direção. Apesar de todas estas dificuldades, finalmente chegámos ao final desta odisseia de 15 km a nadar e 10 km a andar pelas várias ilhas do arquipélago das Scilly. Foi uma experiência enorme, com água transparentes, com muita vida selvagem e uma beleza ímpar. Aconselho vivamente a todos os amantes de águas abertas!


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ANNE FRANK EM BANDA DESENHADA Um dos livros mais significativos da História da Literatura, «O Diário de Anne Frank» ganhou um “irmão”, concretamente uma banda desenhada, da autoria do argumentista e realizador Ari Folman e o ilustrador David Polonsky, autores, por exemplo, de «Valsa de Bashir» (vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e candidato aos Óscares na mesma categoria, em 2009). Esta edição, publicada entre nós pela Porto Editora, assinala o 70.º aniversário do lançamento da obra. Texto: Pedro Justino Alves


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Conhecida por milhões de pessoas, a história de Annelies Marie Frank marcou e continua a marcar gerações, sendo uma das obras obrigatórias da Literatura da II Guerra Mundial. Tudo aconteceu quando a protagonista do diário tinha 13 anos, em 1942, após os Nazis invadirem a Holanda, onde a sua família se tinha refugiado após a ascensão de Hitler na Alemanha. Novamente em perigo, os Frank (além de Anne, os pais Otto e Edith e a irmã Margot) esconderam-se num pequeno anexo secreto em Amesterdão, juntamente com outros judeus, concretamente a família Van Pels (os pais Herman e Augusta van Pels e o filho Peter) e Fritz Pfeffer (dentista). Foi num exíguo espaço que todos viveram durante cerca de dois anos, com Anne Frank a registar no diário os seus pensamentos e vida, nomeado de “Kitty”. O esconderijo acabou por ser descoberto e Anne foi enviada para o campo de

concentração de BergenBelsen, resistindo apenas 7 meses, entre agosto de 1944 e março de 1945. A causa da sua morte? Tifo! O diário de Anne Frank acabou por ser publicado após a Segunda Guerra Mundial, concretamente pelo pai, que encontrou assim um modo de homenagear a sua filha. Evidentemente que transportar «O Diário de Anne Frank» para a banda desenhada não seria uma tarefa fácil para os seus autores, a dupla Ari Folman e David Polonsky, principalmente devido ao que o livro representa para milhões de pessoas. Mas também para aqueles que não o conhecem e que esperam encontrar na novela gráfica o “sumo” da obra. Sem serem arrojados em termos ilustrativos, pelo contrário, o cineasta e o ilustrador cumprem com o objetivo, preferindo apresentar uma interpretação respeitosa e conservadora, o que certamente agradou a família

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de Anne Frank. No entanto, e sendo duas linguagens literárias díspares, é de salientar que Folman e Polonsky conseguem manter e incluir todo o conteúdo mais significativo do livro nas páginas da banda desenhada, uma tarefa nada fácil. Essencialmente, os dois autores procuraram não fugir ao essencial da obra, mostrando as relações da jovem com os pais (Anne Frank não tinha grandes amores pela mãe, por exemplo) e com os seus pares no anexo, assim como a sua descoberta sexual, o medo da morte, a guerra, a fome, as dúvidas existenciais da jovem, etc. Nesta singular banda desenhada podemos conhecer assim muito do humor e da rebeldia da protagonista, numa posição cuidada dos autores, tanto a nível textual como gráfica. Há uma clara preocupação artística em apresentar a inquietação de Anne Frank,


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uma inquietação própria de todos os jovens, mesmo “enfiados” num anexo durante cerca de dois anos, uma inquietação que não ignora a vida que a rodeia, refletindo sobre a vivência dos seus pares, assim como os seus anseios e esperanças. Mais do que o drama, Ari Folman e David Polonsky procuram que a esperança da vida prevaleça ao longo da história, mesmo com o seu dramático desfecho, conhecido de todos.

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Por último, refira-se que, na apresentação oficial da obra, Folman considerou o seu trabalho de «missão», já que pretende que esta banda desenhada alcance o maior público jovem possível, um público cada vez mais afastado do tema da II Guerra Mundial com o passar dos anos.

A verdade é que as palavras de Anne Frank não podem jamais ser esquecidas!



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JESSICA JONES

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MARVEL O MARAVILHOSO MUNDO DOS G. FLOY

SUPER-HERÓIS “ESQUECIDOS” RIAN ICHAEL ENDIS

Com a Netflix, o público em geral descobriu três personagens praticamente ignoradas do Universo Marvel, só conhecidas pelos reais admiradores da banda desenhada: Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro (Daniel Rand). A G. Floy editou recentemente três títulos obrigatórios de cada um, além de «Uncanny X-Force», uma força paralela dos X-Men que reúne Wolverine, Deadpool, Arcanjo, Psylocke e Fantomex. Texto: Pedro Justino Alves


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Depois dos volumes 1 e 2 de «Alias», eis que surge o terceiro volume. Da autoria de Brian Michael Bendis, um dos principais nomes da BD, e arte de Michael Gaydos, outro nome de referência no género, esta série engloba quatro volumes, que serviram de base para a Netflix desvendar Jessica Jones, detetive privada e ex-membro de Vingadores (abandonou o grupo quando percebeu que sempre seria uma heroína secundária em relação aos seus pares).

MICHAEL GAYDOS

Como aconteceu de «Alias 1» para «Alias 2», há uma clara evolução narrativa e, principalmente, artística em «Alias 3». Incluída na “chancela” Max, criada para um público mais adulto da Marvel, é notório verificar a evolução do trabalho gráfico de Gaydos nesta série (algumas soluções inovadores na época), num estilo muito próprio e que cai como uma luva no maravilhoso texto de Bendis, que transpira Nova Iorque, o realismo das ruas da cidade e a sua vida diária. Não foi por acaso que a série ganhou dois prémios, o Comics Buyer’s Guide, para “Série Favorita”, e o Harvey, para “Melhor Série em Continuação”, além de ser nomeada, em 2004, para dois Eisners: “Melhor Série em Continuação” e “Melhor Arco de História” (para o quarto e último volume).


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Na BD agora editada, Bendis aproxima ainda mais Jones do “comum dos mortais”, evitando ao máximo o papel de heroína que já teve. Por trás da dureza de Jessica Jones esconde-se uma “pessoa” frágil e insegura, que muitas vezes faz escolhas erradas que acabam por assolar a sua vida, algo análogo a todos nós. No entanto, nada nem ninguém a impede de salvar vidas, um “feitio” intrínseco à sua personalidade e caráter.

novos argumentistas da BD). A história criada por Bendis é acima de tudo inteligente e emocional, com o autor a explorar neste tomo uma improvável relação entre Jones e duas… Mulher-Aranha (a primeira, Jessica Drew, e a terceira, Mattie Franklin). O autor apresenta também mudanças e surpresas significativas no argumento, dando ênfase ao quão longe a humanidade está disposta a se sentir especial, poderosa. Estamos perante o arco mais interessante dos três já publicados (e os dois anteriores eram “fortíssimos”…), com Jessica Jones a viver uma história que alterará por completo a sua vida, uma vida distante do glamour dos

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super-heróis. Mais segura em termos pessoais, mas também profissionais, Jones finalmente interage em pleno com outra personagem, onde o companheirismo e o trabalho de equipa acabam por ser essencial para o desfecho da história, que tem como género o mistério, num argumento “arenoso” que convida o leitor a virar as páginas sem pausas, muito devido aos inteligentes diálogos de Bendis.

BENDIS

Acima de tudo, neste volume, o autor procura fazer com que o leitor compreenda (ou não…) o que motiva a personagem, algo que será desvendado de vez no último volume da série (a evolução de Jones ao longo da história é um exemplo a seguir pelos

JONES


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A IMPRESSIONANTE MASSA MUSCULAR DE LUKE CAGE

verdade cruel e franca, numa história que arranca por exemplo com uma mãe angustiada devido a morte da sua filha por causa de uma bala perdida após uma disputa entre gangues rivais. Azzarello e Corben mostram no fundo como é a realidade e a vida dos subúrbios menos glorificados de Nova Iorque, a corrupção, os conflitos, a luta pela sobrevivência e as disputas que assolam esses mesmos bairros (nem os campos de basquetebol de rua são esquecidos pelos autores), onde a violência e a lei do mais forte ditam as suas regras no dia-a-dia.

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BRIAN AZZARELLO

Já «Cage», de Brian Azzarello e arte de Richard Corben, “apresenta” ao leitor a personagem de Luke Cage, namorado de Jones, com quem teve inclusive uma filha. O afroamericano, um dos primeiros negros da BD norteamericana, renasceu com a série da Netflix e hoje é um protagonista acarinhado por milhões de pessoas, após ser relegado de certo modo para segundo plano pela própria Marvel. Típico “personagem” do gueto nova-iorquino, Luke Cage luta contra as armas, as drogas e as gangues desses espaços mitificados por Hollywood. Sem idealismos bacocos, «Cage» é de uma

MULHERARANHA

MATTIE FRANKLIN


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ED BRUBAKER

Minissérie de cinco números publicada em 2002, novamente com o selo Max, «Cage» não é uma história das mais marcantes da Marvel, mas é suficiente para o leitor conhecer o peculiar Mundo deste super-herói, por onde ele se movimenta. Uma das caraterísticas do protagonista é a sua frieza, ainda mais ressaltada devido a sua impressionante massa muscular. Na verdade, por vezes é complicado percebermos quais são as suas intenções morais, muito devido ao ambiente extremamente urbano e perigoso onde vive. «Cage»

não tem a grandeza de «Alias» em termos de história, mas não deixa de ser fundamental para acrescentarmos mais informação ao que já conhecemos do personagem através da Netflix.

que não assumia uma aventura mensal em nome próprio desde 1977. No fundo, Brubaker redefiniu Punho de ferro com esta BD, sempre aliado aos traços minimalista de Aja, que criou um herói esguio e atlético, uma imagem O PASSADO MÍSTICO muito próxima dos principais DO PODER nomes das artes marciais PUNHO DE FERRO (apesar do “simplismo” dos Netflix que “apresentou” seus trações, a riqueza nos também Punho de Ferro. A pormenores acaba por fazer série «O Imortal Punho de toda a diferença em termos Ferro», argumento de Ed ilustrativos). Agora editado Brubaker e Matt Fraction pela G. Floy, o volume 1, «A e desenho de David Aja, Última Saga do Punho de publicado entre 2006 e Ferro», nada mais é do que 2009, é uma das histórias a construção das bases da fundamentais da personagem, história. E que história…

ATT RACTION

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DANIEL RAND

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Neste arco narrativo, a dupla Brubaker/ Fraction enriquece principalmente todo o misticismo que envolve a vida do bilionário Daniel Rand, educado na cidade de K´un-Lun e mestre de artes marciais, que regressa aos Estados Unidos pouco depois dos acontecimentos ocorridos com Guerra Civil. Ao não registar os seus poderes, Punho de Ferro é obrigado a agir na clandestinidade, ao mesmo tempo que luta contra a Hydra, que, sob a fachada da Wai-Go, pretende desmantelar as suas empresas e o matar. Para piorar, chega à Nova Iorque um desconhecido de nome Orson Randall, que altera por completo a vida de Rand, ainda mais aquando da chegada do seu principal inimigo, a Serpente de Aço, que também tem contas a ajustar com… Randall. Temos portanto em «A Última Saga do Punho de Ferro» elementos mais do que suficientes para conhecermos em pormenor a complexa história deste personagem da Marvel que ganhou uma nova vida com esta singular saga, obrigatória para os amantes de BD. Brubaker e Matt Fraction conseguiram com êxito redefinir o regresso do especialista em artes marciais, principalmente por terem explorado em pleno o poder da força Punho de Ferro, que não é centrada apenas em Daniel Rand. Um volume que abre as portas para os seguintes.

DAVID AJA


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OS SOMBRIOS X-MEN

Sem série na Netflix, o primeiro volume de «Uncanny X-Force: A Solução Apocalipse», argumento de Rick Remender e arte de Jerome Opeña, Esad Ribic, Rafael Albuquerque e Leonardo Manco, reúne os primeiros dois livros da edição americana, assim como um dossier sobre as personagens e a história da X-Force. É outra BD obrigatória do catálogo da G. Floy, uma das grandes benesses do género dos últimos anos no mercado português, fruto da diversidade de escolha que oferece, sempre com títulos de enorme qualidade («Saga», «Fatale», «Outcast», «Southern Bastards», etc.).

ESAD RIBIC

RICK REMENDER

JEROME OPEÑA

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Esta nova série de volumes reúne uma equipa “alternativa” dos X-Men, tendo como Wolverine o elo de ligação entre os “clássicos” e os que compõem este novo coletivo, concretamente Deadpool, Arcanjo, Psylocke e Fantomex. Numa história onde o peso da narrativa está em plena sintonia com o humor, «Uncanny X-Force» é a história de um grupo mutante que, por razões éticas, acaba por assumir “missões rejeitadas” pelos “tradicionais” X-Men. «Houve muitas equipas de mutantes que usaram o nome X-Force, mas apenas uma delas seguiu o conceito que leva às histórias que irão ler neste volume: a de uma equipa de mutantes


HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA

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LEONARDO MANCO

que leva a cabo as missões secretas, as black ops, as infiltrações e assassinatos, que outros membros dos X-Men não aceitariam levar a cabo, um grupo capaz de tomar as decisões moralmente dúbias que a maioria dos super-heróis seriam incapazes de tomar, um grupo de mutantes cuja alma foi já profundamente tocada pela violência e pelo mal, e que não hesitam diante nada para proteger a sua raça...», lemos na sinopse da BD. O que podemos salientar de imediato neste primeiro volume é a sintonia deste invulgar grupo de super-heróis. A inesperada junção funciona em pleno, o que aumenta em muito o interesse dos próximos volumes. Neste primeiro tomo, a ação é frequente (é impossível ficarmos indiferentes as ilustrações dos confrontos, por exemplo), assim como os dilemas morais-éticos dos personagens, que jamais entram em choque com as reviravoltas do argumento, algo fundamental para o desenvolvimento da história, que, de certo modo, foge aos padrões habituais do Mundo dos Super-heróis. Agora é esperar pelos volumes seguintes e, quem sabe?, por uma série na… Netflix!

RAFAEL ALBUQUERQUE

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