Agosto 2017 Mensal www.corredoresanonimos.pt
BOLT; ADEUS E OBRIGADO!
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SPEEDCROSS SERIES
SUMÁRIO CORRER OU NÃO COM MÚSICA?
100 METROS: UMA PROVA DE COMPLEXIDADE
OBRIGADO, USAIN BOLT! FICHA TÉCNICA
A EVOLUÇÃO DO RECORDE DO MUNDO NOS 100 METROS
QUANDO PRIVEI COM USAIN BOLT…
A VELOCIDADE: ENTENDIMENTO E CONSIDERAÇÕES PARA O TREINO DO CORREDOR
UM VERÃO NA II GUERRA MUNDIAL E NO ANTIGO EGITO
O AINDA DESCONHECIDO JOSÉ SARAMAGO
Diretor Pedro Justino Alves Design e paginação Bárbara Viana & Ian Estevens hola@elrucanonim.com Morada Rua Ferreira Lapa, n.º 2 – 1.º andar 1150 – 157 Lisboa Número de contribuinte 199003092 Contatos (redação e publicidade) Telemóvel +351 964 245 271 Endereço eletrónico mail@corredoresanonimos.pt Colaboradores fixos Belino Coelho Tiago Marto EXS Exercise Training School
N. de registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social: Estatuto editorial disponível online www.corredoresanonimos.pt www.facebook.com/corredoresanonimos.pt twitter.com/correranonimo
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AQUECIMENTO
CORRER OU NÃO COM MÚSICA? Devemos correr com ou sem música? Qual a sua importância? É verdade que a música afeta de forma positiva o nosso rendimento? Ou, pelo contrário, é contraproducente corrermos com o fone nos ouvidos? A especialista Raquel Costa analisa o tema. Texto: Raquel Costa
Desde criança é normal realizaros movimentos ao som da música. Por exemplo: bater com os pés no chão ou com as mãos nas pernas. A verdade é que é uma tendência natural seguir as batidas da música, sendo consensual que os movimentos rítmicos corporais são melhor sincronizados quando acompanhados por uma música motivadora. Passando para a corrida, de que forma esta tendência natural pode contribuir para o desempenho? Os estudos têm revelado que a música possui um papel significativo no sucesso das sessões de exercícios, tornando relevante a escolha da seleção musical de forma a contribuir para o prazer e para a motivação do exercício físico.
AQUECIMENTO
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AQUECIMENTO
Entre os benefícios referidos, podemos destacar os seguintes:
CORRER COM MÚSICA ORIGINA MELHOR SINCRONIZAÇÃO DA PASSADA
CORRER COM MÚSICA AUMENTA A MOTIVAÇÃO
A música estimula os nossos sentimentos e A música pode ser considerada um poderoso ações. Aliás, a ação determina a cadência dos aliado na incorporação do hábito da prática movimentos, melhorando de exercício físico, pois o desempenho durante tem uma representação RECONHECE-SE QUE os exercícios. O ritmo da neuropsicológica extensa, O RITMO DA MÚSICA música pode influenciar ou seja, tem acesso direto PERMITE ADEQUAR no desempenho e à efetividade e às áreas A INTENSIDADE DA eficácia dos exercícios. límbicas que controlam ATIVIDADE. INCLUSIVE, os nossos impulsos, Recomenda-se portanto músicas mais rápidas ESTUDOS RECENTES emoções e motivação. para exercícios de REVELAM UM MELHOR Parece também ser capaz maior intensidade e de ativar áreas cerebrais DESEMPENHO músicas com batidas terciárias, localizadas NAS PROVAS OU mais espaçadas para nas regiões frontais, EM PASSADEIRAS intensidades moderadas. responsáveis pelas Neste sentido, AQUANDO A UTILIZAÇÃO funções de sequências reconhece-se que o motoras. DA MÚSICA EM ritmo da música permite COMPARAÇÃO COM A A energia que a música adequar a intensidade da SUA NÃO UTILIZAÇÃO. gera pode motivar o atividade. ASSIM, AO SINCRONIZAR indivíduo a começar e Inclusive, estudos A PASSADA, CORREMOS manter o ritmo desejado, recentes revelam um COM MAIS EFICIÊNCIA, bem como a regular melhor desempenho a intensidade do seu MAIS RÁPIDO E nas provas em pista ou exercício. DURANTE MAIS TEMPO em passadeiras aquando a utilização da música em A escolha musical comparação com a sua não utilização. melhora o estado de espírito e humor, promovendo mais alegria, vigor e ânimo, o Assim, ao sincronizar a passada, corremos que permite encarar de forma mais positiva o com mais eficiência, mais rápido e durante cansaço, a tensão e as dores musculares. mais tempo.
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CORRER COM MÚSICA AJUDA A ATRASAR A FADIGA Recentes investigações evidenciaram que a utilização da música durante o exercício age como um fator de distração, levando ao aumento dos pensamentos dissociativos, isto é, pensamentos que não estão voltados para fatores ligados ao esforço, como por exemplo frequência cardíaca, respiração ou dor muscular. Neste sentido, o uso da música durante o exercício pode mudar o foco de atenção voltado aos fatores relacionados à sensação de fadiga (e.g., frequência cardíaca elevada, respiração ofegante e cansaço muscular), bloqueando a sensação de dor ou desconforto gerado durante o esforço físico. Uma dissociação eficaz pode promover um estado de humor positivo, evitando que direcionemos a atenção para as sensações fisiológicas de fadiga.
Contudo, investigações mais recentes referem que a música apenas pode reduzir a atenção durante o exercício submáximo (intensidade leve e moderada de exercícios) e, por sua vez, desviar a mente das sensações de cansaço. Por outro lado, em intensidades elevadas, a perceção de fadiga anula o impacto da música porque os processos de atenção são dominados pelo feedback fisiológico, como por exemplo o aumento do débito respiratório (ou ventilatório) e a acumulação de lactato sanguíneo. Após esta exposição de teorias fisiológicas e psicológicas, bem como uma breve revisão do observado na literatura, devemos ter uma aplicação prática da utilização da música durante as nossas sessões de corrida. Considerando o pressuposto de que o ritmo da música pode ser sincronizado com as taxas de trabalho muscular para ajudar a regular o movimento e a prolongar o desempenho, determinadas informações devem estar em foco aquando corremos, tais como:
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AQUECIMENTO
INFLUÊNCIA NO BEM-ESTAR Cada corredor tem os seus próprios gostos e estilos, principalmente possui uma forma distinta de lidar com os estímulos do corpo durante a corrida. O corredor deve assim perceber em primeiro lugar de que forma a utilização da música influencia o seu bem-estar. Para alguns, o som no ouvido pode distrair e prejudicar o desempenho, enquanto para outros faz com que tenha uma melhor perfomance na sessão ou que o tempo passe mais rápido.
AQUECIMENTO
ESCOLHA MÚSICAS ENQUADRADAS NA PREFERÊNCIA E NOS OBJETIVOS No caso da utilização da música proporcionar um bem-estar durante a sessão de treino, o corredor deve escolher o estilo musical que mais aprecia, aquele que o motiva e incentiva. Dentro deste estilo, deve ainda optar por aquele que o faça cumprir os objetivos destinados à sessão de exercício. Exemplo: se pretende trabalhar a velocidade, deve escolher músicas com batidas fortes e ritmadas. SEGURANÇA Correr com música num volume alto pode ser bastante perigoso. O corredor jamais pode deixar de ouvir o ambiente à sua volta, deve conseguir ouvir um carro ou as instruções de uma prova.
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INFLUÊNCIA NA PERFORMANCE A música pode facilitar a corrida, pois reduz a perceção de intensidade do exercício em cerca de 10%, ou seja, o corredor tem a sensação de que pode correr mais rápido e por mais tempo. A música torna ainda a corrida mais satisfatória, pois aumenta o humor, o vigor e a alegria, reduzindo a fadiga. Contudo, a utilização da música tem, também, a sua vertente negativa no desempenho. Evite por exemplo correr segurando o aparelho de música nas mãos, pois compromete a biomecânica da corrida. Opte por usá-lo preso ao corpo, numa braçadeira ou cinta.
A MÚSICA TORNA A CORRIDA MAIS SATISFATÓRIA, POIS AUMENTA O HUMOR, O VIGOR E A ALEGRIA, REDUZINDO A FADIGA
Tenha cuidados redobrados em locais de grande fluxo de carros, motociclistas e ciclistas. OUVIR O CORPO A utilização da música durante a corrida pode impedir que escute o seu corpo, mais concretamente impossibilita a audição de informações importantes durante a corrida, como a respiração e o impacto da passada.
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Relativamente aos fones, é essencial que estes fixem bem nas orelhas, evitando uma paragem ou a redução da intensidade do treino para os recolocar.
Durante as competições, o corredor pode se distrair com a utilização da música, o que pode comprometer a sua prova. Por exemplo, pode não prestar atenção nas passagens de quilómetros, pode não ouvir indicações dos organizadores, pode ainda empolgar-se com a música e correr a um ritmo mais elevado do que aquele que aguenta, comprometendo o seu rendimento. Em resumo, a utilização da música depende de muitos fatores. O importante é cada corredor analisar os benefícios e prejuízos da mesma, nunca colocando a sua segurança em causa.
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PREPARAÇÃO
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100 METROS: UMA PROVA DE COMPLEXIDADE Os 100 metros é uma das corridas mais fascinantes que há dentro do Atletismo, prova que distingue o título de homem/mulher mais rápido(a) do Mundo. Tudo acontece em até 10 segundos para os homens e 11 segundos para as mulheres. Ao olho nu parece uma simples prova, mas é de uma enorme complexidade. A verdade é que vencê-la é uma conquista para muitos poucos… Texto: Belino Coelho
PREPARAÇÃO
Durante os 100 metros todos os movimentos devem ser perfeitamente executados, exigindo do atleta um excelente controlo e conhecimento corporal, mas também precisão, explosão, força e velocidade de movimentos. Tudo se resume a cerca de 10 segundos e a uma velocidade de quase 40km/h. Um simples movimento errado e o ambicionado título não passará de um mero sonho. Para o atleta chegar a este nível, além do biótipo e da carga genética que deve possuir, será necessário muita paciência e anos de dedicação e disciplina aos treinos, em sessões que estarão focadas essencialmente nos seguintes aspetos:
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dos primeiros 15 metros ocorre com os atletas a olharem ainda para o chão, com a ponta do pé a dar o necessário impulso até ficarem eretos, mantendo depois uma passada o mais larga possível, tocando poucas vezes no solo e atingindo a sua máxima velocidade entre os 40 e 80 metros. A velocidade decresce nos 20 metros finais, uma vez que os ateltas não conseguem manter o pico por muito tempo em função do cansaço.
Em 2008, por exemplo, nos Jogos Olímpicos de Pequim, Usain Bolt venceu a prova em 9s69 (40km/h), precisando de 41 passos para alcançar uma vitória folgada, comemorando inclsuive antes do fim a sonhada • O ganho de força e potência muscular, medalha de ouro. Evidentemente que inclusive com sessões dedicadas ao o jamaicano é um fenómeno fora da trabalho de pliometria (saltos); curva, mas não deixa de ser motivo • A melhoria da técnica através dos denominados exercícios educativos de de “estudo”. corrida; • A melhoria da velocidade através de treinos específicos, como por exemplo “tiros” de 30, 40, 50 e 60 metros; • Desenvolvimento e ganho de massa muscular através da musculação; • Melhoria do reflexo perante um estímulo audível (saída do bloco de partida). O sucesso do atleta neste tipo de prova vai depender em muito do seu talento mas, principalmente, da repetição incansável das variáveis acima citadas. A verdade é que, numa prova de 100 metros, todos os momentos da prova são fulcrais. Por exemplo, a vitória ou o fracasso é decidida logo no tiro de partida, pois os atletas têm de possuir uma velocidade de reação singular, concretamente numa fração de tempo entre 0s1 e 0s2. Depois, e devido a “explosão muscular” ocorrida no momento da partida, a aceleração
Se alguém desejar ser um corredor de 100 metros, será essencial ter dedicação e disciplina acima da média. Tornar-se veloz e, quem sabe?, chegar um dia a ser considerado a mulher ou o homem mais rápido do Mundo não se restringe apenas a tiros de velocidade, um atrás do outro. Como já mencionado, é uma distância bastante complexa, onde todas as variáveis devem ser trabalhadas no seu momento certo, com maior ênfase para o desenvolvimento muscular em detrimento da velocidade ou a reação aos tiros de partida, por exemplo. Ou seja, são “peças soltas” que devem ser encaixadas no momento certo, num complicado puzzle de montar. Não é por acaso que os 100 metros é uma das provas mais emblemáticas do calendário do Ateltismo mundial. É verdade que ser o homem ou a mulher mais rápida do Mundo é um estatuto que todos ambicionam, sejamos ou não atletas profissionais, mas a complexidade da “construção” de um atleta do hectómetro não é definitivamente para todos.
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LENDA
OBR IGA DO,
USA I BO N
LT!
Aca b Usi ou! Ap a por n Bolt ós o M n u e déc xemp as pist ndial d lo a a e par das e . O jam s em i Lond a q m r súb as “m ue trou aicano agen es, ent s es re dito , x s, s as do e a m que m de arq 4 e 13 o ó re Tex u s a to: P sta bares dalida rcou o ivo da de ago edr agr s o Ju ade ”, desp de nov Atletis telev sto, ap stin is a e cer oA e m lves o se de-se mente o mu ões ou nas v er d n um p ara as gran ara as dial na no You emos vilh oso des co prime s duas tube, ira rein ú m ado petiç s pág ltimas ina nos ões. últim A nó s e os 2 s, se 0 an us os…
LENDA
CORREDORES ANÓNIMOS
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A I BO N 14
CORREDORES ANÓNIMOS
LT!
O presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) resumiu recentemente, aquando da despedida de Bolt diante do seu público, o significado do jamaicano para o Atletismo:
«Bolt tem um carisma sem igual na história do nosso desporto, mas também do Desporto em geral. Só o podemos comparar com Muhammad Ali. Gosto de colocar os dois na mesma categoria.» A comparação de Sebastian Coe, ele próprio um dos nomes de sempre do Atletismo mundial, demonstra o vazio que o adeus de Bolt deixará no Desporto mundial. Durante cerca de 20 anos, o jamaicano, fruto de uma personalidade que irradia felicidade, mesmo em competição e nos momentos de maior pressão, foi abraçado por uma legião de milhões de pessoas, não só oriundas do Atletismo. Bolt ultrapassou com uma grande margem a fasquia da sua modalidade, tornando-se um desportista que conseguiu albergar a admiração de todos, não só devido aos seus impressionantes resultados. Ao olharmos para o passado, concretamente para a História do Desporto, são poucos os que conseguiram este feito, atletas que conseguiram transpor os seus resultados desportivos para se tornarem uma referência na sociedade. Por exemplo, apesar das suas 28 medalhas olímpicas, 23 delas de ouro, o nadador norte-americano Michael Phelps não tem o estatuto que Bolt conseguiu construir nestas duas décadas, apesar da grandiosidade da sua façanha.
LENDA
O Mundo descobre Bolt nos Jogos Olímpicos de Pequim 2018 Aclamado hoje como o melhor velocista de todos os tempos, Usain Bolt era, de certo modo, um desconhecido para muitos no início dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. No final, tornou-se a principal figura do evento, após conquistar três medalhas de ouro, nos 100, 200 e 4x100 metros. Nas três corridas obteve três recordes do Mundo: 9s69 nos 100m, 19s30 nos 200m e 37s10 nos 4x100m (registo anulado posteriormente devido ao caso de doping de um dos seus integrantes, concretamente de Nesta Carter). O que impressionou a todos foi a alegria de Bolt a correr, a “facilidade” da sua corrida, tanto nos 100m, tendo inclusive abrandado nos metros finais (e após uma má saída…), como no duplo hectómetro, quando superou o recorde do Mundo que estava na posse de Michael Johnson desde os Jogos Olímpicos de Atlanta de 1996, até então de 19s32. Ainda estupefato com o que acabava de ver, o Mundo ficou com o queixo caído de vez um ano depois, concretamente no Mundial de Berlim, com Bolt a estabelecer novamente novos registos mundiais nos 100 e nos 200 metros, 9s58 e 19s19, respetivamente, tempos que ainda hoje vigoram e que são o objetivo a superar por qualquer atleta nas distâncias. Depois vieram os Jogos Olímpicos de Londres (2012) e do Rio de Janeiro (2016), com mais três medalhas de ouro nas três disciplinas. Sem falar nos Mundiais…
LENDA
CORREDORES ANÓNIMOS
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Sem contemplações, e de forma clara e objetiva, Bolt escreveu de vez o seu nome a ouro na História do Desporto.
O “DESCONHECIDO” USAIN BOLT Apesar da consagração definitiva ter acontecido em Pequim, Bolt já era uma jovem promessa do Atletismo mundial, pois foi o atleta júnior mais jovem a conquistar o título de campeão do Mundo nos 200 metros, com apenas 15 anos. Ou seja, para os mais atentos e especialistas, o jamaicano dava mostras do que poderia alcançar no futuro, embora poucos (ou nenhum) vaticinassem o que realmente ele alcançou… Oriundo de uma família com alguma posse e com problemas de escoliose devido ao seu anormal crescimento aquando jovem, Bolt conseguiu vencer num desporto onde o seu biótipo contraria em absoluto a génese dos velocistas, mais pequenos (o jamaicano tem 1m96 de altura) e mais fortes em termos de estrutura muscular.
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Natural de Sherwood Content, uma pequena localidade na Jamaica, filho de Wellesley e Jennifer Bolt Bolt e irmão de Sadeeki e Sherine, o velocista sempre foi um apaixonado pelo desporto, tendo descoberto o Atletismo na escola primária Waldensia. Mas foi na escola secundária William Knibb Memorial que o talento foi “descoberto” em pleno, sendo orientado pelo ex-atleta olímpico Pablo McNeil e Dwayne Barrett. Na Jamaica, são célebres as desavenças entre Bolt e McNeil, que recriminava o seu pupilo devido a falta de dedicação, mas também por estar sempre a brincar, descurando dos treinos. Foi quando surgiu na vida de Bolt o compatriota Asafa Powell, que, ao perceber das potencialidades do jovem, orientou então a promessa do país a se dedicar com afinco aos treinos, uma promessa que, sempre que podia, preferia jogar basquetebol, futebol ou críquete. Curiosamente, Bolt “roubou” pouco depois o recorde do Mundo dos 100 metros precisamente a Powell, em maio de 2008, pouco tempo antes da “explosão” de Pequim. O registo estava em 9s74, mas o “Raio” correu o hectómetro em 9s72, sustentando assim em Pequim o recorde mundial na distância (mas ainda um desconhecido para a generalidade das pessoas…). Sem rédea para segurar a promessa, os dois treinadores de Bolt enviaram o seu pupilo para Kingston, capital do país, onde ficou a treinar na Associação de Atletismo Amador da Jamaica, nas instalações da Universidade Tecnológica.
LENDA
Pouco depois, no Campeonato Mundial Junior de 2002, precisamente em Kingston, Usain Bolt, com 15 anos e 1m94, venceu os 200 metros. Foi o “click” da sua vida, já que, desde então, o jamaicano começou a olhar os treinos com mais profissionalismo e começou a escrever a sua incrível História.
O ESPETÁCULO BOLT Evidentemente que muito do que é Usain Bolt hoje, o que ele representa para milhões de pessoas, vai além dos seus resultados desportivos. Ao longo de duas épocas, o jamaicano transformou o Atletismo em um verdadeiro espetáculo com as suas danças, os seus gestos, as suas irreverentes atitudes. Bolt quebrou paradigmas e mostrou que a sua modalidade não tinha de ser “cinzenta”, que havia espaço para as brincadeiras e para a descontração. Essa posição descontraída perante o Desporto cativou tudo e todos, inclusive a IAAF, que, tendo Bolt como chamariz, criou recentemente uma nova prova, a Nitro Athletics, um evento que pretende revolucionar por completo a imagem do Atletismo. A primeira etapa decorreu em fevereiro no Lakeside Stadium, em Melbourne, na Austrália, com provas nunca antes disputadas na modalidade, inclusive mistas… Esta força demolidora de personalidade, que conquista tudo e todos, reflete-se um pouco em todo o lado, inclusive no seu país, com Bolt a ser hoje, segundo os dados de uma recente pesquisa, mais popular que a até então inquestionável referência mor da Jamaica, o cantor de reggae Bob Marley.
LENDA
Bol e m t queb mo ostro rou p de s dalida u que aradig er “ de n a su ma s cin zen ão tin a ta” ha
CORREDORES ANÓNIMOS
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CORREDORES ANÓNIMOS
LENDA
No Mundial de Londres, B (100 metros) e 12 de agosto onde os olhos do Mundo est Olímpico da capital inglesa gratidão pelo que o jamaican últimas dua
Um OBRIGA mais do que
LENDA
Bolt correrá a 5 de agosto o (4x100 metros), dois dias tarão focalizados no Estádio a, numa espécie de gesto de no fez ao longo destas duas as décadas.
ADO mundial e merecido!
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CORREDORES ANÓNIMOS
LENDA
PRINCIPAIS RESULTADOS D ANO
PROVA
LOCAL
2002
Campeonato do Mundo Júnior 2002
Kingston (Jamaica)
2002
Campeonato do Mundo Júnior 2002
Kingston (Jamaica)
2002
Campeonato do Mundo Júnior 2002
Kingston (Jamaica)
2003
Campeonato do Mundo de Juventude 2003
Sherbrooke (Canadá)
2005
Campeonato da América Central do Caribe 2005
Nassau (Bahamas)
2007
Campeonato do Mundo de 2007
Osaka (Japão)
2007
Campeonatos do Mundo de 2007
Osaka (Japão)
2008
Jogos Olímpicos 2008
Pequim (China)
2008
Jogos Olímpicos 2008
Pequim (China)
2009
Campeonato do Mundo 2009
Berlim (Alemanha)
2009
Campeonato do Mundo 2009
Berlim (Alemanha)
2009
Campeonato do Mundo 2009
Berlim (Alemanha)
2011
Campeonato do Mundo 2011
Daegu (Coreia do Sul)
2011
Campeonatos do Mundo 2011
Daegu (Coreia do Sul)
2012
Jogos Olímpicos 2012
Londres (Inglaterra)
2012
Jogos Olímpicos 2012
Londres (Inglaterra)
2012
Jogos Olímpicos 2012
Londres (Inglaterra)
2013
Campeonato do Mundo 2013
Moscovo (Rússia)
2013
Campeonato do Mundo 2013
Moscovo (Rússia)
2013
Campeonato do Mundo 2013
Moscovo (Rússia)
2015
Campeonato do Mundo 2015
Pequim (China)
2015
Campeonato do Mundo 2015
Pequim (China)
2015
Campeonato do Mundo 2015
Pequim (China)
2016
Jogos Olímpicos 2016
Rio de Janeiro (Brasil)
2016
Jogos Olímpicos 2016
Rio de Janeiro (Brasil)
2016
Jogos Olímpicos 2016
Rio de Janeiro (Brasil)
LENDA
CORREDORES ANÓNIMOS
DE USAIN BOLT NA CARREIRA RESULTADO
DISTÂNCIA
MARCA
1º
200 metros
20s61
2º
4×100m estafeta
39s15 (NJR)
2º
4×400m estafeta
3m04s06 (NJR)
1º
200 metros
20s40
1º
200 metros
20s40
2º
200 metros
19s91
2º
4×100 metros estafeta
37s89
1º
100 metros
9s69 (WR)
1º
200 metros
19s30 (WR)
1º
100 metros
9s58 (WR)
1º
200 metros
19s19 (WR)
1º
4×100 metros estafeta
37s31
1º
200 metros
19s40
1º
4×100 metros estafeta
37s04 (WR)
1º
100 metros
9s63
1º
200 metros
19s32
1º
4×100 metros estafeta
36s84 (WR)
1º
100 metros
9s77
1º
200 metros
19s66
1º
4×100 metros estafeta
37s36
1º
100 metros
9s79
1º
200 metros
19s56
1º
4×100 metros estafeta
37s37
1º
100 metros
9s81
1º
200 metros
19s78
1º
4×100 metros estafeta
37s27
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CORREDORES ANÓNIMOS
A EVOLUÇÃO DO RECORDE DO MUNDO NOS 100 METROS
Em Londres, Usain Bolt escolheu os 100 metros como a “Prova do Adeus”, apesar de preferir correr os 200 metros. A escolha do jamaicano não é inocente, pois o “Raio” tem a plena consciência da importância do hectómetro no imaginário do Homem, apenas comparável no calendário do Atletismo com a Maratona. Na hora da despedida, Bolt brilhará como aconteceu em Berlim 2009, quando estabeleceu o recorde do Mundo da distância, naquela que é considerada ainda hoje uma das corridas de sempre da modalidade? Texto: Pedro Justino Alves
VELOCIDADE
VELOCIDADE
CORREDORES ANÓNIMOS
Após surpreender tudo e todos nos Jogos Olímpicos de Pequim, quando conquistou três medalhas de ouro nos 100, 200 e 4x100 metros, com recordes do mundo nas três distâncias, poucos previam o que Usain Bolt alcançaria nos Mundiais de Berlim, em 2009, apenas um ano depois da sua glória olímpica. É verdade que a expetativa era enorme, com o Estádio Olímpico de Berlim, o mesmo onde Jesse Owens tinha “silenciado” Adolf Hitler e a propaganda Nazi em 1936, a encher quatro horas antes da esperada corrida. Mas ninguém esperava presenciar a corrida estratosférica de Bolt, que percorreu os 100 metros em 9s58, relegando para as posições seguintes do pódio Tyson Gay (9s71) e Asafa Powell (9s84). O até então recorde do mundo, que estava precisamente na posse do jamaicano (alcançado em Pequim2008), era de 9s69. Ou seja, e pela primeira vez na História do hectómetro desde a introdução da medição de tempo totalmente automática pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), em 1976, um velocista tinha retirado 11 centésimos de segundos ao registo mundial nos 100 metros, algo absolutamente inimaginável pelos especialistas mundiais. A façanha alcançada por Bolt foi digna de um ser de outro mundo, de um “extraterrestre”. Ainda hoje muitos acreditam que o seu feito aconteceu antes do esperado, ou seja, o jamaicano conseguiu em Berlim anteceder o futuro, aproximando mais cedo que o esperado o registo mundial da marca dos 9s48, um valor que a Ciência acredita ser o limite do corpo humano para correr a distância (já foi de 10 segundos…). A noite da Velocidade
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CORREDORES ANÓNIMOS
Na História do Hectómetro, o nome de Usain Bolt e o seu feito em Berlim talvez só possam ser comparados a Jim Hines, Ronnie Ray Smith e Charles Greene. No ano de 1968, em Sacramento, os três correram pela primeira vez os 100 metros em menos de 10 segundos, num evento que ficou conhecido como a “Noite da Velocidade”. O trio norte-americano terminou a prova com o registo de 9s9. Meses depois, nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, realizados em alta altitude (2250m), o mesmo Jim Hines alcançou o tempo de 9s95, obtendo o primeiro recorde mundial nos 100 metros
VELOCIDADE
reconhecido oficialmente após a introdução dos centésimos. A marca de Hines durou 15 anos, altura em que o compatriota Calvin Smith conseguiu retirar dois centésimos ao seu registo. Em 1991, é a vez de Carl Lewis tirar quatro centésimos, feito superado por Maurice Green em 1999, que retirou cinco ao tempo mundial de Donavan Bailey. Mais do que esses diferenciais apenas Bolt conseguiu alcançar, em Berlim2009. Curiosamente, o jamaicano já tinha superado antes os recordes mundiais em duas ocasiões, retirando no entanto “apenas” dois
centésimos a Asafa Powell em 2008 e três centésimos a si próprio nos Jogos de Pequim, no mesmo ano. Na hora da despedida, ninguém aguarda um novo recorde do Mundo de Bolt, mas a verdade é que também ninguém espera que o jamaicano, o atleta com mais medalhas de ouro no evento (11 no total. O jamaicano tem ainda duas medalhas de prata, menos uma do que a compatriota Merlene Ottey, a atleta mais medalhada nos Mundiais, 14, três delas de ouro), diga adeus com uma derrota, uma palavra que raramente conheceu na sua carreira.
Mapa
VELOCIDADE
CORREDORES ANÓNIMOS
EVOLUÇÃO DO RECORDE DO MUNDO NOS 100 METROS DESDE A INTRODUÇÃO DOS CENTÉSIMOS TEMPO
NOME
DATA
9s95
Jim Hines (EUA)
14 de outubro de 1968
9s93
Calvin Smith (EUA)
3 de julho de 1983
9s92
Carl Lewis (EUA)
24 de setembro de 1988
9s90
Leroy Burrell (EUA)
14 de junho de 1991
9s86
Carl Lewis (EUA)
25 de agosto de 1991
9s85
Leroy Burrell (EUA)
6 de julho de 1994
9s84
Donavan Bailey (Canadá)
27 de julho de 1996
9s79
Maurice Greene (EUA)
16 de junho de 1999
9s77
Asafa Powell (Jamaica)
14 de junho de 2005
9s74
Asafa Powell (Jamaica)
9 de setembro de 2007
9s74
Asafa Powell (Jamaica)
9 de setembro de 2007
9s72
Usain Bolt (Jamaica)
31 de maio de 2008
9s69
Usain Bolt (Jamaica)
17 de agosto de 2008
9s58
Usain Bolt (Jamaica)
16 de agosto de 2009
VENCEDORES DOS 100 METROS NOS MUNDIAIS DE ATLETISMO TEMPO
NOME
LOCAL/ANO
10s07
Carl Lewis (EUA)
Helsinque 1983
9s93
Carl Lewis (EUA)
Roma 1987
9s86
Carl Lewis (EUA)
Tóquio 1991
9s87
Linford Christie (GBR)
Estugarda 1993
9s97
Donavan Bailey (Canadá)
Gotemburgo 1995
9s86
Maurice Greene (EUA)
Atenas 1997
9s80
Maurice Greene (EUA)
Sevilha 1999
9s79
Maurice Greene (EUA)
Edmonton 2001
10s07
Kim Collins (SKN)
Saint-Denis 2003
9s88
Justin Gatlin (USA)
Helsinque 2005
9s85
Tyson Gay (EUA)
Osaka 2007
9s58
Usain Bolt (Jamaica)
Berlim 2009
9s92
Yohan Blake (Jamaica)
Daegu 2011
9s77
Usain Bolt (Jamaica)
Moscovo 2013
9s79
Usain Bolt (Jamaica)
Pequim 2015
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CORREDORES ANÓNIMOS
ENQUANTO CORRO
Tiago Marto
Fisioterapeuta e ex-atleta de Alta Competição de Atletismo
Usain Bolt, uns dos maiores atletas de sempre, detentor dos recordes do mundo dos 100, 200 e 4x100 metros, retirar-se-á no final desta época. Aquela que é uma das maiores, senão a maior referência do Atletismo da atualidade revelou que irá terminar a sua carreira nos Mundiais de Londres, a realizar em agosto, ao correr as provas dos 100 metros e da estafeta dos 4x 100 metros. Tiago Marto recorda neste texto quando privou com o jamaicano, no Campeonato do Mundo de 2003. Bolt foi o atleta que desafiou tudo e todos. Antes dele, era comum dizer-se que, para a velocidade, os atletas não poderiam ser altos, pois não era favorável em provas tão curtas. Com 1m95 é quase 20 centímetros mais alto do que a média dos outros velocistas. Diziam os especialistas que os atletas mais altos teriam maior dificuldade em acelerar da mesma forma que os outros, tendo desvantagem em relação a competidores mais baixos. Quando Bolt, em 2009, estabeleceu o recorde do mundo dos 100 metros em Berlim (9s58), conseguiu a proeza de, ao fim de 15 metros, já estar à frente da corrida. A partir daí o resto é história, das histórias mais magníficas do mundo do Desporto. Nesses mesmos campeonatos, conseguiu bater ainda o recorde do mundo dos 200 metros, elevando a marca
para os 19s19 segundos (o recorde anterior já lhe pertencia, com 19s30) e da estafeta dos 4x100 metros. Desde cedo que Bolt se habituou ao sucesso. Foi campeão do Mundo de Juniores na Jamaica, em 2002, quando ainda era do escalão anterior. Em 2003 voltou a ser campeão do Mundo dos 200 metros, no Canadá. Nos anos seguintes, em vez de escolher o caminho mais natural, que seria o de continuar a treinar da mesma forma para que Bolt continuasse a ganhar, o seu treinador, Glenn Mills, delineou um plano de preparação específico que se viria a revelar importantíssimo no futuro do seu atleta.
ENQUANTO CORRO
Ao analisar a sua técnica de corrida e a sua estrutura corporal, Glenn Mills detetou uma diminuição bastante notória na estabilidade abdominal de Bolt e um problema na postura e técnica de correr. Nos três anos seguintes, de 2004 a 2007, esta escolha fez com que outros atletas se evidenciassem e Bolt não conseguisse conquistar resultados de notoriedade. Até que, em 2008, o trabalho realizado nos anos anteriores começou a dar frutos. O jamaicano bateu recorde do mundo nos Jogos Olímpicos de Pequim, correndo os 100 metros em 9s72 segundos, numa prova à chuva. A partir daí, o show Usain Bolt teve início... Mantém-se invicto em grandes competições, é o recordista de medalhas nos Jogos Olímpicos, tendo conseguido 9 medalhas de ouro em 3 edições diferentes (acabou por perder uma por desclassificação de um colega da estafeta), e é uma das maiores estrelas do mundo desportivo. A sua maneira de estar em competição, sempre descontraído e brincalhão, foi uma novidade que lhe granjeou imensos admiradores. É sem dúvida um ícone, uma lenda viva do nosso desporto. Eu competi na disciplina do Octatlo (8 provas
CORREDORES ANÓNIMOS
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em 2 dias) nos Campeonatos do Mundo em 2003, onde ele venceu os 200 metros. Já então Bolt se destacava dos demais. A seleção de Portugal ficou nos mesmos alojamentos da Jamaica e partilhávamos o refeitório.
Eu competi na disciplina do Octatlo (8 provas em 2 dias) nos Campeonatos do Mundo em 2003, onde ele venceu os 200 metros. Já então Bolt se destacava dos demais. Nessa ocasião, um admirador de Atletismo que viajou com a comitiva portuguesa para assistir a esses campeonatos dirigiu-se a mim enquanto estávamos com o Bolt na fila para o almoço, dizendo: «Tiago, aquele ali é Usain “Thunder” Bolt (Thunder é a alcunha). Lembra-te do seu nome porque ele vai ser o melhor atleta de sempre da velocidade.» E assim foi!... Bons treinos.
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CORREDORES ANÓNIMOS
ALONGAMENTO
A VELOCIDADE: ENTENDIMENTO E CONSIDERAÇÕES PARA O TREINO DO CORREDOR
O termo “Velocidade” é amplamente usado no treino desportivo e recreativo. Qualquer praticante de corrida ocasional “treina a velocidade” para “a parte final da prova” ou para “manter ou melhorar a potência”. Já no treino de alto rendimento, os atletas procuram otimizar tudo o que lhes permita chegar à meta primeiro do que os adversários. Mas afinal o que é a “Velocidade” à luz da biomecânica? Texto: Nuno Pinho (Formador EXS Exercise School; Formador Resistance Institute; Licenciado em Desporto e Educação Física: Master Mecânica do Exercício, Resistance Institute; Personal Trainer)
ALGUNS TERMOS SÃO CONFUNDIDOS QUANDO SE FALA DE “VELOCIDADE” EM SENTIDO LATO: SPEED (RAPIDEZ), VELOCITY (VELOCIDADE) E ACELERATION (ACELERAÇÃO).
RAPIDEZ
pode ser definida como “quão rápido um objeto se move sem considerar a direção” (Knudson, 2007). Pode-se dizer que é a taxa de alteração de distância, como por exemplo viajar de carro a 120 km\hora.
ALONGAMENTO
VELOCIDADE
é, por sua vez, a componente vetorial da rapidez, ou seja, a rapidez de um objeto numa dada direção. Por isso, as suas unidades são as mesmas de “Rapidez”, mas com qualificação através de um adjetivo direcional (Horizontal, Vertical, Resultante) (Knudson, 2007).
Assim, a Velocidade define quão rápida a posição está a alterar numa dada direção. A ACELERAÇÃO é definida como a taxa de alteração da velocidade, ou seja, quão rápido a Velocidade está a alterar (Knudson, 2007). A aceleração de um objeto
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pode aumentar ou diminuir a sua rapidez ou ainda alterar a sua direção. Por exemplo: a aceleração da gravidade sobre os objetos no planeta Terra atua sempre na mesma direção (para o centro) e pode aumentar ou diminuir a rapidez de um objeto em função da direção do movimento.
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CORREDORES ANÓNIMOS
PREPARAÇÃO
Se procurarmos transpor o supracitado para uma corrida de 100 metros, iniciamos no bloco de partida, onde o atleta possui uma velocidade horizontal de zero (V= 0). Após o sinal de partida acontecem três fases de aceleração neste tipo de prova: Fase de Aceleração Positiva, Fase de Aceleração Zero, que corresponderá à fase de Pico da Velocidade, e Fase de Aceleração Negativa. Neste tipo de prova os atletas procuram evitar o declínio da velocidade na fase final da prova, ou seja, procuram retardar o aparecimento da Fase de Aceleração Negativa ou realizá-la com uma taxa de aceleração negativa mais alta (porque se consegue um maior Pico de Velocidade). No entanto, tudo o que foi referido acontece em primeira instância dentro do corpo do atleta\praticante. Como nos diz Knudson (2007, p:115), «os profissionais do treino devem recordar que as forças que criam acelerações precedem as velocidades de pico que criam. (…) no momento em que um treinador percebe uma aceleração, as ações musculares e articulares que criaram essas forças ocorreram antes das alterações do movimento observadas».
PREPARAÇÃO
CORREDORES ANÓNIMOS
Como tal, é relevante entender que a melhoria de todas as componentes que determinam o quão rápido é possível um ser humano correr depende de múltiplos fatores:
• Otimização da técnica do corredor (otimizar as diferentes fases de uma corrida de velocidade e técnica de corrida per si) • Características histológicas: Estrutura e Função dos tecidos biológicos determinados geneticamente serão condicionantes determinantes em “tornar um corpo mais rápido” • Otimização da capacidade do tecido muscular produzir tensão – com estimulação apropriada – permitirá que o potencial de expressão da força muscular no contexto específico (prova de velocidade) possa acontecer de forma segura e eficiente.
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CORREDORES ANÓNIMOS
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
O AINDA DESCONHECIDO JOSÉ SARAMAGO A Porto Editora publicou recentemente mais um livro de José Saramago, concretamente «Claraboia», disponibilizando deste modo toda a obra de ficção do Prémio Nobel no seu catálogo, que já conta com 29 “capas assinadas” (os títulos apresentam a caligrafia de personalidades da cultura lusófona), desta vez pelo jurista Guilherme d’Oliveira Martins. Texto: Pedro Justino Alves
Datado de 1953, «Claraboia» foi o segundo romance de um desconhecido escritor de nome José Saramago (assinava com o pseudónimo Honorato). O primeiro, sem repercussão alguma, foi «Terra do Pecado». Proposto a algumas editoras, acabou por ser recusado, ficando perdido nas gavetas do Prémio Nobel durante cerca de quatro décadas, quando finalmente recebeu um convite para a sua publicação, já com Saramago reconhecido a nível mundial. Ressentido ou não, o escritor proibiu a sua publicação
enquanto fosse vivo (faleceu em 2010, aos 87 anos). Deste modo, «Claraboia» ganhou vida nos escaparates nacionais e mundiais apenas em 2011, sendo agora reeditado pela Porto Editora, que tem publicado nos últimos anos toda a obra do Nobel da Literatura de 1988. Na altura, Saramago referiu que o seu romance era «a história de um prédio com seis inquilinos sucessivamente envolvidos num enredo. Acho que o livro não está mal construído. Enfim, é um livro também ingénuo, mas que, tanto
quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser». Em «Claraboia» é possível já notar algumas caraterísticas marcantes da obra futura de Saramago, como a fina ironia, a profunda crítica social, a sempre conflituosa relação humana e o forte papel da mulher, num livro de uma narrativa e estrutura simples, mas ainda longe do que o autor ofereceu nas suas posteriores obras, principalmente na aproximação da escrita à oralidade.
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
Mas realmente há indícios do caminho que Saramago iria trilhar na sua brilhante carreira, onde foi capaz de produzir uma homogeneidade estilística apenas ao alcance dos grandes nomes da literatura mundial, que conseguem criar uma “voz” muito própria nas suas obras, fazendo com que o leitor se identifique de imediato com o que lê, mesmo não tendo conhecimento do nome do autor. A verdade é que esse mesmo leitor reconhece a “marca” do escritor enquanto lê: «Isto é José Saramago!». Mas esse estilo identificativo ainda está distante de aparecer em «Claraboia», como já referido. Estamos perante um texto com frases curtas, onde a principal preocupação do autor foi oferecer uma prosa ágil e fluída. Mas isso não invalida a sua leitura, pelo contrário. O que mais impressiona neste segundo romance é a segurança do então jovem escritor em explorar o interior das suas personagens. Através de um prédio, Saramago cria um microcosmo para explorar a sua arte narrativa. Os personagens são vários e, em cada capítulo, é dado ao leitor os dramas das suas vidas. As histórias das personagens são, como era de esperar, ricas de interesse, senão vejamos: Um casal que procura sobreviver a morte da filha; a comunhão num espaço pequeno de
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quatro mulheres solteiras; outro casal que tem no filho a sua sustentação matrimonial; uma mulher que sustenta a mãe com a prostituição; uma família que sonha em ter um futuro melhor devido ao prodígio do filho, etc. Ou seja, motivos de interesse não faltam em «Claraboia», livro ideal para ser “consumido” neste Verão. Silvestre, Mariana, Abel. Apenas três nomes que acompanharão a nossa leitura, três nomes que abrirão as portas dos seus apartamentos para entrarmos nas suas vidas, muitas próximas da tragédia, com Saramago a demonstrar pistas do que seria o seu futuro, principalmente a insensatez do Homem, em constante conflito consigo próprio. É verdade que, por vezes, Saramago poderia ter ido mais longe nos enredos que constrói, mas não podemos esquecer que o Saramago que temos aqui era um jovem ainda à procura do seu espaço na literatura. Uma das questões que fica é o que poderia ter sido de «Claraboia» se esse fosse escrito mais tarde, no ápice da carreira do Nobel da Literatura? As hipóteses eram inúmeras e certamente teríamos um livro bastante diferente (ou vários, já que os desdobramentos da história são inúmeros). Por último, refira-se que Saramago esteve cerca de 25 anos sem editar um livro após o seu manuscrito ter sido recusado. O interregno acabou com «Manual de Pintura e Caligrafia». Depois foi o que foi…
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HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
UM VERÃO NA II GUERRA MUNDIAL E NO ANTIGO EGITO «O Livro do Soldado do III Reich», de Oscar González e Pablo Sagarra, com ilustrações de Antonio Gil, e «Os Grandes Mistérios do Antigo Egito», de Luís Manuel de Araújo, são duas recentes obras editadas pela Esfera dos Livros que merecem um olhar atento de todos neste mês de Verão. Texto: Pedro Justino Alves
Se há tema explorado pela literatura esse tema é a II Guerra Mundial. Por isso, é complicado achar uma obra “diferente” no mercado. É verdade que «O Livro do Soldado do III Reich» não apresenta nenhuma novidade significativa, mas Oscar González e Pablo Sagarra apresentam uma obra que justifica em pleno a sua edição, já que ambos procuram refletir sobre o exército do III Reich, sobre o seu armamento e capital humano, dois elementos primordiais para a soberania de Adolf Hitler na Europa. Vale a pena ressaltar que a reflexão dos autores não é académica, pelo contrário. O objetivo do livro é claramente chegar ao público em geral, público que aprecia o tema mas não está disposto a
“perder” horas e horas na exploração pormenorizada do mesmo. «O Livro do Soldado do III Reich» oferece assim uma breve história dos três ramos do exército alemão: o “Heer”, a “Luftwaffe” e
a “Kriesgamarine”. Para facilitar a sua leitura, o texto é acompanhado por ilustrações e fotos, um grande apoio visual para compreender do melhor modo a estrutura, os uniformes, as armas e as grandes batalhas das unidades militares de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. «O Livro do Soldado do III Reich» aborda portanto o soldado da “Wehrmacht” na contenda, com os autores a fornecerem informação suficiente e detalhada do seu papel na História. Um dos grandes méritos de Oscar González e Pablo Sagarra é apresentarem toda a documentação do ponto de vista dos seus protagonistas, não enumerando apenas as caraterísticas de cada força militar germânica.
HÁ VIDA ALÉM DA CORRIDA
Devido a uma escrita ágil, a leitura de «O Livro do Soldado do III Reich» é bastante agradável, dificilmente deixaremos o livro a meio, apesar do tema ser, por vezes, pesaroso para muitos leitores. Oscar González e Pablo Sagarra conseguem no entanto imprimir um apelativo ritmo, que encontra nas ilustrações a pausa necessária para manter o interesse na obra. Estamos portanto diante de um livro que procura difundir um tema com capacidade para agradar todo o tipo de leitores, não apenas os interessados pela II Grande Guerra. Outro tema bastante retratado na literatura é o Antigo Egito, que continua a fascinar milhões de pessoas, inclusive em Portugal. Doutorado em Letras pela Universidade de Lisboa e licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com estágio de pós-graduação em Egiptologia na Faculdade de Arqueologia da Universidade do Cairo, Luís Manuel de Araújo confessa logo no início da sua Introdução que há «inúmeros estudos» que foram escritos sobre o Antigo Egito, mas «nem todos os aspetos relacionados com a notável civilização faraónica estarão completamente esclarecidos». Assim, «Os Grandes Mistérios do Antigo Egito» é uma excelente oportunidade para conhecermos melhor os mistérios e segredos de um povo e de um tempo crucial para a História da Humanidade, com o seu autor a escolher 30 tópicos dos vários disponíveis para trabalhar, tais como: Para que serviam os hieróglifos? Porquê as cheias em pleno Verão? Houve conspirações contra os Faraós? «O Livro dos Mortos» era um livro? Há mesmo a maldição das Múmias? Os egípcios gostavam dos gatos? Onde estão os palácios e haréns reais? Quem foi o maior Faraó do Egito? Quem assaltou os túmulos reais? Etc.
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Ou seja, Luís Manuel de Araújo aborda alguns dos principais temas que inquietam os admiradores do Antigo Egito, mas também aporta outros, que têm o dom de aumentar ainda mais o interesse pelo tema por parte do leitor. De referir que os 30 tópicos estão separados por capítulos, o que significa que podemos ler «Os Grandes Mistérios do Antigo Egito» de acordo com as nossas preferências, não existindo uma linearidade na leitura. Por exemplo, podemos ler 17 dos 30 temas propostos pelo autor, caso os restantes 13 não nos fascinem em demasia. Através de uma escrita cuidada, onde há uma clara preocupação estilística mas também uma preocupação em não tornar o texto muito académico, Luís Manuel de Araújo demonstra assim todo o seu saber sobre o tema e oferece um livro realmente imprescindível para quem admira o Antigo Egito. No entanto, também não podemos ignorar o mérito do autor em conseguir que o leitor “curioso” acabe por se interessar pela leitura, fruto do conhecimento que adquire, do ritmo imposto em cada capítulo e devido a estrutura do texto, sempre focado na apresentação de um facto e a sua explicação (na realidade, os 30 temas abordados acabam por se desdobrar em tantos outros, oferecendo deste modo um panorama bastante alargado da época retratada no livro). Simplesmente obrigatório!
PERCURSO DESLUMBRANTE CASCAIS-LISBOA